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CAAD: Arbitragem Tributária
Tema: Cash pooling / Artigo 7º, nº1, g), do Código de Imposto de Selo
Os Árbitros Juiz José Pedro Carvalho (árbitro presidente), Profª. Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Marcolino Pisão Pedreiro (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para integrarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-06-2013, acordam o seguinte:
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… SGPS, SA, pessoa colectiva nº …, com sede na Rua … (adiante designada por requerente), apresentou, em 08 de abril de 2013, pedido de constituição de Tribunal Arbitral coletivo, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º e dos artigos 10º e seguintes, todos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (adiante designada por RJAT – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária). Vem tal pedido deduzido contra o despacho do Exmo. Senhor Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, proferido no dia 2 de Janeiro de 2013, que deferiu parcialmente a reclamação graciosa apresentada pela ora requerente, sobre o ato de liquidação de imposto de selo nº 2011…, no valor de €615.410,32 e, bem assim, como contra os atos de liquidação de juros compensatórios nºs 2010… a 2011…, no valor de € 48.638,01, todos referentes ao ano de 2009, e praticados pelo, então, Director Geral dos Impostos. A Requerente pugna pela anulação do supra mencionado despacho, na parte em que indeferiu a sua pretensão e, em consequência, peticiona a anulação das liquidações de imposto e juros compensatórias, na parte subsistente após o despacho proferido.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e notificado às partes. Nos termos do disposto no artigo 11º do Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, o conselho deontológico designou os Árbitros a integrar o coletivo e as partes foram notificadas da designação, que aceitaram. O tribunal arbitral foi constituído em 12 de junho de 2013.
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A Autoridade Tributária não usou da prerrogativa de revogação do ato impugnado, pelo que os autos prosseguiram.
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A reunião prevista no artigo 18º do RJAT teve lugar em 29 de outubro de 2013, na qual foram inquiridas as testemunhas indicadas pela Requerente, em conformidade com a ata da reunião que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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As partes optaram por apresentar alegações orais, logo após a produção de prova testemunhal. Terminadas as alegações, o tribunal arbitral fixou o prazo de trinta dias para proferir a decisão, designando a data de 28 de novembro de 2013 para a prolação do Acórdão arbitral e para pagamento da taxa de justiça subsequente.
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O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar e decidir o objeto do processo.
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O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º, nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011 de 22/03)
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A pretensão da Requerente sintetiza-se do modo seguinte:
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A Requerente foi notificada do ato de liquidação de Imposto de selo nº 2011…, no montante de €615.410,32 e dos atos de liquidação de juros compensatórios nºs 2011… a 2011…, no valor de €48.638,01, com prazo de pagamento voluntário até 15 de Setembro de 2011.
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Não se conformando com tais atos de liquidação, quer de imposto quer de juros compensatórios liquidados, a requerente deduziu reclamação graciosa pedindo a sua anulação.
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Em 9 de Janeiro de 2013 a requerente foi notificada da decisão da reclamação graciosa, a qual deferiu parcialmente a sua pretensão.
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Apesar disso, a requerente, não se conformando com esta decisão, vem deduzir o presente pedido de pronúncia arbitral, peticionando a anulação dos referidos atos de liquidação na parte não anulada pela decisão da reclamação graciosa.
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Como fundamento para a pretendida anulação invoca vício de forma por falta de fundamentação dos atos de liquidação de imposto de selo e de juros compensatórios, quer de facto quer de direito. Invoca, em síntese, a este propósito, a violação do disposto no artigo 77º. Nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 63º, nº1 do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT) e do artigo 135º do CPA.
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Invoca ainda a violação de preceitos constitucionais, a saber, do artigo 103º, nº2 e 268º, nº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Considera, em síntese, que a decisão da reclamação graciosa não pode ser fundamentada por remissão para o “Relatório de Inspeção” que deu origem aos atos de liquidação praticados
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Como fundamento para a pretendida anulação dos atos de liquidação em causa invoca, também, vício de preterição de formalidade legal essencial, por violação do disposto no artigo 60º, nº1, alínea a) da LGT.
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A requerente, por cautela de patrocínio, ataca, ainda, os fundamentos do próprio relatório, invocando a falta de fundamentação do relatório de conclusões e a consequente violação, nesta fase do procedimento, dos preceitos já supra mencionados.
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Alega, em síntese, que o relatório está inquinado de omissões, porquanto a AT se limita a elencar meros juízos conclusivos que não representam a fundamentação legalmente exigida. E, assim sendo, padece de “omissões de conclusões”, designadamente, por não concretizar o conceito de “carências de tesouraria”, subjacente à decisão proferida que conduziu às liquidações de imposto de selo e respetivos juros compensatórios. Invoca que, neste âmbito, “a AT não fundamenta, minimamente que seja as razões que a levaram a pensar que, no caso em apreço, tal carência de tesouraria não se verifica.” (sublinhado nosso)
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Com a argumentação supra exposta, correspondente a uma síntese dos argumentos aduzidos pela requerente, constantes da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzida, a requerente alega que a AT não podia concluir como concluiu no ato impugnado, no qual deferiu parcialmente a pretensão da ora requerente, mas, apesar disso, considerou ser devido o valor de €70.615,64, respeitante a Imposto de Selo referente à concessão de fundos de curto prazo pela requerente à … Portugal, SA, no âmbito do sistema integrado de tesouraria (cash pooling) do Grupo ….
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Entende a requerente que a AT não demonstrou que tais fundos não tivessem como destino suprir carências de tesouraria do grupo empresarial ….
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Entende, ainda, a requerente que essas carências de tesouraria se verificam e que, por conseguinte, se justifica a aplicação da isenção prevista na alínea g) do nº1 do artigo 7º do Código de imposto de selo.
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Nos artigos 83º a 125º da petição inicial a requerente expõe um conjunto de argumentos em defesa das vantagens do sistema de gestão centralizada de tesouraria, por forma a fazer face a carências de tesouraria das sociedades que integram tais sistemas, para concluir que esse seu propósito corresponde à ratio legis subjacente à norma de isenção prevista na alínea g) do nº1 do artigo 7º do Código de Imposto de Selo.
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Entende, por isso, que a correcção efetuada, no montante de imposto exigido, na parte subsistente após a decisão da reclamação graciosa, deve ser anulada por respeitar a operações abrangidas pela isenção prevista na alínea g) do nº 1 do artigo 7º do Código de Imposto de Selo.
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Já quanto ao despacho de 2 de Janeiro de 2013, que deferiu parcialmente a reclamação graciosa, alega que o mesmo, na parte em que indeferiu o pedido da requerente foi praticado com ofensa de normas e princípios jurídicos aplicáveis, a saber: o disposto nos artigos 58º, 72º e 77º da LGT (por não terem sido ouvidas as testemunhas aí arroladas pela requerente) e 266º e 268º, nº3 da CRP. Nesta conformidade, peticiona a sua anulação.
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Invoca a ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, por não se verificar o pressuposto previsto no artigo 35º e 77º da LGT, 268º, nº3 da CRP.
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E, por último, peticiona o direito de indemnização por garantia indevidamente prestada, alegando que prestou garantia no montante de €834.376,60, pela qual incorreu em gastos, contabilizados até ao final do mês de Fevereiro de 2013, no montante de €20.682,27.
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A posição da Autoridade Tributária, vertida na resposta apresentada nos autos, sintetiza-se do modo seguinte:
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O relatório final da ação inspetiva efetuada contém a fundamentação de facto e de direito que sustenta as liquidações controvertidas, de cujo teor foi a requerente notificada por ofício nº …, de 22/7/2011.
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Foi dado a conhecer à requerente, de uma forma clara, congruente, suficiente e de forma explícita e desenvolvida, as razões de facto e de direito que sustentam as correções efetuadas.
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A requerente impugnou as razões de facto e de direito invocadas, fundamento dos atos tributários sendo que, quando a fundamentação de um ato permite ao seu destinatário optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos mecanismos legais que permitem reagir contra ele, resulta evidente que a fundamentação em causa cumpriu inteiramente essa finalidade.
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Por outro lado, sustenta que não constitui qualquer irregularidade a circunstância do ato de liquidação se fundamentar nas conclusões do relatório final de inspeção porquanto, não admitindo a lei a fundamentação à posterior do ato tributário, já admite que o ato tributário seja notificado ao contribuinte sem conter a sua fundamentação, a qual pode constar de um procedimento que antecedeu a liquidação, pois, se assim não fosse, não faria sentido qualquer a faculdade prevista no art. 37º do CPPT.
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Acrescenta ainda, que a requerente não podia ignorar a fundamentação dos atos tributários consubstanciada nas conclusões do Relatório Final da inspeção, pois do mesmo constava que o mesmo iria dar origem aos correspondentes atos tributários e que se a requerente desconhecesse, o que se afigura improvável, que os atos de liquidação decorriam do teor das conclusões daquele relatório final, tinha ao seu dispor o mecanismo daquele preceito legal, que não acionou.
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Que foi dado cumprimento à exigência contida no art. 63º do RCPIT, como se demonstra do próprio teor da liquidação de imposto de selo junta, onde consta aposta a assinatura por chancela do Diretor-Geral da AT, no uso das respetivas competências.
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Que não houve preterição do direito de audição prévia previsto no art. 60º, nº 1, al. a) da LGT, uma vez que a requerente foi notificada para exercer tal direito sobre o projeto de relatório final, que exerceu por requerimento de 30.06.2011 e que foi devidamente apreciado no relatório e decisão final, estando, por conseguinte, dispensada a audição antes da liquidação, conforme al. e) do nº 1 e nº 3 do art. 60º da LGT.
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Quanto ao alegado vício de violação de lei, sustenta a requerida que o art. 7º, al. g) do CIS, faz depender a isenção da concessão de fundos de tesouraria das SGPS às suas subsidiárias desde que seja por período não superior a um ano e que estas operações se destinem a cobrir exclusivamente carências de tesouraria, acrescentando que tal isenção foi concedida ao cash pooling em questão.
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Sustenta ainda que existe carência de tesouraria quando os fundos de curto prazo disponíveis numa empresa são insuficientes para fazer face aos compromissos com referência ao mesmo horizonte temporal.
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Na parte em que se demonstrou que a transferência de fundos visou suprir carências de tesouraria da requerente, foi concedida à requerente a isenção em causa.
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A requerente não cumpriu o ónus da prova quanto aos pressupostos da isenção pretendida, na parte que está em causa nos presentes autos, uma vez que dos mesmos emerge tratar-se de excedente de tesouraria e não de carência de tesouraria, sendo que, nos termos do art. 74º da LGT, caberia à requerente provar que as cedência em causa se destinavam a suprir as carências de tesouraria de que a lei faz depender a isenção, o que não fez.
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Sustenta ainda a ATA, no que respeita à liquidação dos juros compensatórios, que o atraso na liquidação e entrega do imposto se deveu a atuação do sujeito passivo consubstanciada na prática duma infração punível nos termos do art. 114º do RGIT, havendo, no mínimo, negligência e, consequentemente, não sendo de excluir a existência de culpa, nos termos devidamente explicitados no relatório final de inspeção tributária, que contém, ainda, a demonstração do cálculo dos juros compensatórios, com indicação da taxa aplicável, período de contagem e ainda a referência ao art. 35º da LGT, concluindo pela legalidade da sua liquidação.
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Sustenta ainda a ATA, no que respeita ao pedido de indemnização por garantia indevida que parte da indemnização foi reconhecida no âmbito da reclamação graciosa que decidiu pela procedência parcial do pedido então apresentado pela requerente, na proporção dos encargos suportados pela suspensão do processo de execução fiscal e que, em caso de procedência do pedido ora em apreciação, apenas constam comprovados nos presentes autos encargos suportados com a prestação de garantia bancária no montante de € 10.429,56, referente à garantia N00…, prestada no PEF nº …2011….
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No que respeita à alegada ilegalidade do despacho que indeferiu a reclamação graciosa com fundamento na não audição das testemunhas arroladas pela requerente sem indicação do motivo pela qual terá considerado desnecessária a sua audiência, defende que o art. 69º, al. e) do CPPT limita os meios probatórios à prova documental, sem prejuízo de o órgão instrutor ordenar outras diligência manifestamente indispensável à descoberta da verdade material e que de acordo com os princípios que presidem à atividade administrativa, a ATA se encontra vinculada ao estrito cumprimento da lei, donde resulta que apenas por uma razão manifestamente indispensável poderia proceder à pretendida inquirição da testemunhas, sendo que a requerente não indicou qualquer razão para aquela inquirição, acrescentando ainda que a análise à contabilidade é o único meio idóneo para a requerente poder comprovar a pretendida isenção de imposto de selo, concluindo pela inexistência de qualquer défice instrutória e pela legalidade do despacho em questão.
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Factos Provados:
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No âmbito da Ordem de Serviço n.º …2011…, de 2011-01-14, a Requerente foi objeto de procedimento de inspeção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2009.
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As empresas que integram o perímetro do denominado Grupo …, integravam à data um sistema de gestão centralizada de tesouraria, designado cash pooling, que assentava num contrato que foi assinado em 1 do Março de 2006, entre a …M e a … Portugal, S.A., denominado "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria".
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No quadro do referido sistema, cada sociedade que integra o sistema do Grupo … recebe nas suas contas bancárias individuais os valores resultantes das prestações de serviços realizadas, transferindo, com periodicidade quase-diária, os montantes em causa para a master account, através da qual se efetuam posteriormente os pagamentos que sejam devidos por aquelas a fornecedores, colaboradores, Estado, bem como a outras entidades credoras.
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Ao assumir-se como titular da master account do sistema de cash pooling do Grupo …, a Requerente tem, para além do mais, a dupla responsabilidade de gerir os excessos e as necessidades de tesouraria das empresas que integram aquele sistema, incluindo as suas próprias necessidades de tesouraria.
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Resulta do referido contrato que:
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Todos os pagamentos serão efectuados pela …M, como empresa-mãe do grupo, em nome das participadas, com excepção dos pagamentos ao estrangeiro que são efectuados por cada urna das empresas;
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Todos os recebimentos obtidos pelas empresas envolvidas no sistema são, diariamente, transferidos para as correspondentes contas da …M.
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Mais resulta do mesmo contrato que sobre os saldos resultantes dos movimentos realizados em cada dia serão devidos juros por aplicação das seguintes taxas:
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A taxa de juro aplicável a saldos a favor da …M sobre a Subsidiária será indexada à taxa fixa de 3,33%.
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Os juros Incidentes sobre os saldos a favor da …M e a favor da Subsidiária serão apurados mensalmente, tendo por base 360 dias de calendário e sendo os documentos financeiros de suporte ao débito dos juros emitidos pela entidade que tenha a seu favor o saldo sobre o qual os juros incidiram;
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O encerramento da conta corrente e a consequente liquidação do saldo final deverão ocorrer com uma periodicidade semestral, considerando-se constituídas novas contas correntes para os semestres subsequentes, independentemente do que, todas as operações de tesouraria a débito e operações de tesouraria a crédito da titularidade da …M no âmbito do contrato em causa deverão ser sempre objecto de liquidação em prazo inferior a 365 dias de calendário, contados desde a data da respectiva constituição.
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Na sequência do acordo de Cash Pooling estabelecido e da respectiva utilização, identificam-se movimentos contabilísticos nas contas PIC …, … e …, correspondentes à concessão de fundos da …M à sociedade participada, …Portugal, S.A., sem que se tenha verificado a devida liquidação e entrega do Imposto do Selo devido sobre estas operações de crédito.
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Entendeu a AT, no procedimento de inspeção tributária, que os excessos de pagamentos efectuados pela …M por conta da …Portugal, S.A., sobre os recebimentos recebidos pela …M e referentes a clientes da …Portugal, S.A. consubstanciam fundos cedidos pela …M à subsidiária …Portugal, S.A., cujo propósito poderá, ou não, ser o de cobertura de carências de tesouraria.
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Assim, procedeu a AT à comparação da situação de tesouraria apurada com base nos elementos fornecidos pelo sujeito passivo, com o saldo médio mensal dos fundos concedidos pela …M, tendo identificado que a beneficiária apresentava todos os meses situações de tesouraria negativa pelo que os Fundos concedidos foram considerados não isentos de Imposto do Selo na parte correspondente à soma algébrica entre estes e aquela, de acordo com o quadro infra:
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Não foi possível à AT seguir a metodologia de apurar diariamente a situação de tesouraria da …Portugal, S.A. e compará-la com o saldo médio mensal dos fundos concedidos, porquanto a informação necessária não foi disponibilizada pela reclamante, quer durante o procedimento de inspeção quer durante a reclamação graciosa.
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Entendeu, ainda, a AT, no procedimento de inspeção tributária, que não era possível determinar o prazo pelo qual o crédito era concedido, por as operações revestirem a natureza de crédito em conta corrente.
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Oportunamente, foi a Requerente notificada do Projecto de relatório da inspeção tributária para, sobre o mesmo, exercer o seu direito de audição, o que fez, em 30 de Junho de 2011.
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Posteriormente, foi a Requerente notificada do relatório do referido procedimento inspectivo, e do teor do despacho que sobre ele recaiu, do qual resultaram, entre outras, correcções efetuadas em sede de Imposto do Selo (IS), no montante global de €615.410,31.
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O relatório final de Inspeção tributária elaborado para efeitos de conclusão do citado procedimento de Inspeção, notificado na íntegra ao sujeito passivo ora reclamante, sendo que, essas correções estão refletidas na liquidação de Imposto de Selo n.º 2011 …, de 2011-08-05.
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No ofício de notificação do referido relatório pode ler-se: "Quanto a eventuais correcções meramente, aritméticas aos demais impostos em falta (quaisquer impostos, com exceção do IRC) cujos fundamentos constam do Relatório da Inspeção Tributária, será oportunamente notificado da liquidação pelos Serviços da DGCI”.
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A Requerente foi notificada do acto de liquidação de Imposto do Selo n.º 2011 …, no montante de €615.410,32 e, bem assim, dos atos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2011 … a 2011 …, no valor de €48.638,01, com prazo de pagamento voluntário em 15 de Setembro de 2011.
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Os referidos atos de liquidação não fazem qualquer remissão expressa para o relatório do procedimento de inspeção tributária que os precedeu.
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A liquidação de Imposto de Selo referida contém a identificação do tributo (IS), do ano e dos períodos a que respeita o imposto, bem como do montante de imposto em falta, sendo que todos os elementos são coincidentes com as correções efetuadas e fundamentadas no Relatório da Inspeção Tributária, em sede de Imposto do Selo.
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Da demonstração de liquidação de juros compensatórios constam as notas demonstrativas do respetivo cálculo qual a taxa aplicável, o período de tempo abrangido e o montante de imposto sobre o qual incidem os juros compensatórios.
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Oportunamente, a Requerente deduziu a competente reclamação graciosa contra a liquidação de imposto e juros compensatórios, peticionando a sua anulação.
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Em 9 de Janeiro 2013, a Requerente foi notificada do despacho, de 2 de Janeiro 2013 do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, nos termos do qual a supra referida reclamação graciosa foi deferida parcialmente, tendo sido reconhecido pela AT que a o prazo pelo qual o crédito relativamente ao qual era liquidado imposto de selo, tinha um prazo inferior a um ano, mas mantendo a tributação na parte em que entendeu não ter sido demonstrada que lhe estavam subjacentes necessidades de tesouraria.
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Factos Não Provados:
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Na maior parte dos casos, nos sistemas de cash pooling, a sociedade financiadora não possui quaisquer elementos que lhe permitam avaliar a situação de tesouraria da sociedade que lhe solicita os fundos.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Os factos dados como provados, com exceção daqueles que adiante se discriminam, são pacificamente reconhecidos ou não contestados pelas partes, resultando da documentação junta aos autos, em especial do relatório de Inspeção Tributária e do "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria".
Já o facto dado como não provado decorre da ausência de prova apresentada a seu respeito.
Nos presentes autos, a requerente apresenta à apreciação deste Tribunal Arbitral as seguintes questões:
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Insuficiência de fundamentação dos actos de liquidação;
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Preterição de formalidade legal essencial;
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Falta de fundamentação do relatório de conclusões;
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Erro de direito;
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Ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios;
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Indemnização por garantia indevidamente prestada;
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Ilegalidade do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais, que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
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Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
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Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido;
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Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos.
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Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
O artigo 77.º/1 da LGT refere que: “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”
Como é igualmente consabido, a fundamentação pode ser também expressa ou tácita, “quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.”. Daí que deva considerar-se que a “declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária“ possa ser, da mesma forma, expressa ou tácita.
Assim, no caso dos autos, o ato tributário em crise dever-se-á ter por tacitamente fundamentado.
Com efeito, encontra-se provado que aquele “contém a identificação do tributo (IS), do ano e dos períodos a que respeita o imposto, bem como do montante de imposto em falta, sendo que todos os elementos são coincidente com as correcções efectuadas e fundamentadas no Relatório da Inspeção Tributária, em sede de Imposto do Selo” (ponto 18 dos factos dados como provados).
Ou seja, a confrontação do ato tributário notificado com o procedimento inspetivo que o precedeu, permitiu ao seu destinatário compreender onde se situava, e qual o conteúdo, da respetiva fundamentação.
A este respeito, não pode deixar de notar-se que a própria qualidade da Requerente, um grande contribuinte, que naturalmente reforça a sua aptidão para compreender a sucessão de factos que revelam a fundamentação do ato que lhe foi notificado, como de facto compreendeu.
Aliás, o Ac. do STA de 19/05/2004, proferido no processo 0228/03, citado pela Requerente (ponto 33 da petição inicial), refere expressamente a possibilidade de um ato tributário ser fundamentado por remissão “implícita”.
Refira-se ainda que o Ac. do mesmo Tribunal, de 30/11/2011, proferido no processo 0881/11, invocado pela ATA na sua resposta (e já citado na reclamação graciosa), nada de útil refere a propósito desta questão, sendo as partes transcritas correspondentes às alegações da entidade recorrente (Fazenda Pública).
Em todo o caso, entendendo-se que resulta suficientemente percetível para um destinatário médio, colocado na posição do destinatário concreto, qual a fundamentação do ato tributário impugnado, deverá a alegação em causa improceder.
Alega seguidamente a Requerente, a preterição de formalidade legal essencial, relativa à falta de audiência prévia à liquidação.
A este propósito dispõe o artigo 60.º/3 da LGT que “tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.”.
Daí que, tendo a Requerente sido ouvida antes da conclusão do relatório da inspeção tributária (artigo 60.º/1/e)), não havia obrigatoriedade (ou necessidade, sequer) de ser ouvida antes da liquidação subsequente àquela.
Face ao exposto, deve também esta alegação improceder.
Alega a Requerente também falta de fundamentação do relatório de conclusões.
Fundamenta a Requerente tal alegação nas circunstâncias de, no seu entender, a Administração Tributária:
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Limitar-se a elencar meros juízos conclusivos; e
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Não fundamentar minimamente as razões que a levaram a pensar que, no caso ora em apreço, não se verifica a situação de carência de tesouraria.
Ressalvado o devido respeito, entende-se que, uma vez mais aqui, não assiste qualquer razão à Requerente. De facto, e desde logo, haverá que ter presente que uma coisa é a falta de fundamentação e outra é a falta de fundamento. Ou seja, uma decisão pode conter uma fundamentação, embora errada. Nesse caso, a decisão estará fundamentada, podendo, contudo e ainda assim ser ilegal. Em suma, a fundamentação errada, ainda é fundamentação.
Ora, no caso, transparece suficientemente do relatório de inspeção tributária qual a razão pela qual é liquidado o Imposto do Selo, contra o qual a Requerente nos presentes autos se insurge.
Como se verá de seguida, a liquidação de imposto impugnada – e tal resulta do relatório de inspeção - assenta na consideração de que a Requerente não demonstrou, como no entender da AT era seu ónus, que os créditos por si concedidos eram destinados a suprir carências de tesouraria da beneficiária daqueles.
Ora, a Requerente pode, legitimamente, concordar ou discordar de tal entendimento. Pode, com efeito, entender que não lhe cabia a si tal ónus, e que a AT é que teria de demonstrar a ausência de carências de tesouraria. Mas isso não quer dizer que a decisão da AT careça de fundamentação. Ela existe, é perceptível, sendo que, no seu direito, a Requerente discorda da mesma, achando-a errada. Contudo, a discordância da Requerente com a fundamentação da decisão da AT não tem a virtualidade de a eliminar. É que, se a AT entende que à Requerente é que cabia demonstrar a existência de carências de tesouraria, as exigências de fundamentação apenas lhe imporão que transmita, de maneira adequada, esse entendimento à requerente, e já não, evidentemente, que fundamente uma ausência de carências de tesouraria que, na lógica da fundamentação apresentada, não lhe incumbe demonstrar.
Deste modo, e pelas razões que se vêm a expor, entende-se não existir, também aqui, razão à Requerente.
Aqui chegados, deparamo-nos com a questão de fundo, em causa nos autos, que é a de saber se a concessão de fundos levada a cabo pela Requerente, a favor da …Portugal, S.A., deverão ou não, face à lei, ser objecto de incidência de Imposto de Selo, nos termos liquidados.
A este propósito, dispõe o CIS, no seu artigo 1.º/1, que:
“O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”
Nos termos do ponto 17.1 da Tabela Geral referida, é devido Imposto do Selo:
“Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:
17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção ... 0,04%”
Com interesse para a discussão da causa, dispõe, ainda, o artigo 7.º/1/g) do CIS:
“1 - São também isentos do imposto: (...)
g) As operações financeiras, incluindo os respectivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efectuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como as efectuadas por sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, e, bem assim, efectuadas em benefício da sociedade gestora de participações sociais que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.”.
A discussão em causa nos autos centra-se na verificação ou não da isenção consagrada no supra transcrito, sustentando a Requerente que, por força dessa norma se deverão ter por isentas as operações tributadas pela liquidação impugnada.
Antes de prosseguir, contudo, e por ser questão fulcral nos presentes autos, é necessário esclarecer a quem está legalmente atribuído o ónus da prova dos pressupostos da norma em questão.
A este respeito, dispõe o artigo 74.º/1 da LGT que:
“O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.
No caso, o direito que a AT pretende fazer valer nos autos é o direito a tributar as operações financeiras em causa.
A requerente, por seu lado, pretende fazer valer o seu direito à isenção de tal tributação.
Daí que, no seguimento da norma da LGT atrás transcrita, a AT incumbirá a prova da existência de uma operação de utilização de crédito tributável em sede de imposto de selo.
Por sua vez, à Requerente incumbirá a prova dos pressupostos de uma causa de isenção de tal tributação, maxime, por ser isso que nos autos está em causa e resulta da norma do artigo 7.º/1/g) do Código do Imposto de Selo.
Este tem sido, de resto, o entendimento uniforme da jurisprudência do STA em matérias análogas, podendo consultar-se, a tal respeito, o Ac. de 24-04-1991, proferido no processo 013143, o Ac. de 14-01-2005, proferido no processo 01480/03, bem como o Ac. de 29/04/2004, proferido no processo 01680/03, em cujo sumário se pode ler:
“I - Na falta de regras especiais, compete à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua actuação, sobretudo a prova da existência dos factos tributários em que assentou a liquidação adicional impugnada.
II - Assim sendo, tendo a Administração verificado, através do exame à escrita, a existência de inexactidões ou omissões na declaração do impugnante, tem que ter-se por fundada a liquidação adicional, já que àquela apenas cumpria fazer a prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, isto é, dos pressupostos legais da sua actuação.
III - Tendo efectuado uma transacção intracomunitária que beneficia de isenção, cabia à impugnante provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a existência da alegada transmissão intracomunitária.”
Também ao nível dos Tribunais Centrais se pode encontrar jurisprudência no mesmo sentido, citando-se, a título de exemplo, os Acs. do TCA-Sul de 24-01-2012, proferido no processo 05079/11, onde se pode ler que “Mesmo em data anterior à da entrada em vigor da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos de um direito à isenção do tributo ou de um outro direito pretendido exercer perante a AT, radicava-se no sujeito passivo do imposto que não nesta, tendo a causa de ser julgada contra a parte onerada com tal ónus quando a realidade dos factos, por outra via, também se não logra obter”, bem como o Ac. do mesmo Tribunal de 02-07-2013, proferido no processo 06629/13, onde se referiu que “Atento o disposto no artº. 74, nº.1, da L.G.T., é ao sujeito passivo de imposto que compete fazer prova dos pressupostos de sujeição ao regime de determinado benefício fiscal, enquanto facto impeditivo da tributação-regra.”.
Posto isto, e assente então que é à Requerente que assiste o ónus de demonstrar os pressupostos da isenção de Imposto do Selo, e concretamente da prevista no artigo 7.º/1/g) do CIS, às operações em causa nos autos, cumpre então verificar se tal ónus foi ou não devidamente cumprido.
Desde já se pode adiantar que se considera que a resposta a tal questão deve ser negativa.
Com efeito, e a Requerente não subscrevendo expressamente tal entendimento não o contesta, a norma acima referida estatui como relevantes três pressupostos para a respetiva intervenção, que são:
-
Prazo não superior a um ano;
-
Finalidade exclusiva de cobertura de carência de tesouraria;
-
Realização por determinadas entidades ali discriminadas.
No caso dos autos, questiona-se, unicamente a verificação do pressuposto que se acaba de elencar sob a alínea b), ou seja, que as operações se sejam “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”.
Compulsado todo o requerimento inicial dos presentes autos, verifica-se que a Requerente assenta praticamente toda a sua argumentação no entendimento de que, por natureza, tais operações se deverão considerar isentas, atenta a existência do "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria", do qual decorreria inexoravelmente que as mesmas seriam “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”.
Ora, aquele contrato é uma mera forma jurídica que, como é óbvio, pode ter ou não ter adesão na realidade. Ou seja, mesmo que se entendesse (e não será, como se verá de seguida, esse o caso) que a execução rigorosa do contrato na realidade não geraria operações tributáveis, daí não decorreria, de per si, que essa execução rigorosa tivesse efetivamente ocorrido na realidade, o que sempre haveria que demonstrar, e no caso não foi feito.
Em todo o caso, o certo é que o "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria" existente, não é exclusivamente, ao contrário do que argumenta a Requerente, um “Contrato de Gestão de Carências de Tesouraria”, o que decorre desde logo do próprio nomen iuris com que foi crismado.
Depois, o próprio contrato em causa é expresso em assumir que o mesmo visa acudir a situações “de ineficiências e de custos acrescidos na actividade das empresas do Agregado Fiscal” (considerando 2), e não a meras carências de tesouraria, tendo “por objectivo optimizar a gestão dos excedentes e das carências de tesouraria, minimizando os custos com o financiamento daquelas empresas e com as operações de tesouraria e aumentando a rentabilidade e a segurança dos Investimentos realizados, ao centralizar os pagamentos e os meios monetários resultantes de cobranças a terceiros.” (considerando 3).
A própria obrigação da Requerente “realizar o pagamento de dívidas da Subsidiária perante Terceiros”, não está condicionada à carência de Tesouraria da Subsidiária, devendo antes contratualmente ocorrer, “sempre que a Subsidiária o solicite.” (Cláusula Quinta, n.º 1).
Por outro lado, nota-se ainda que o próprio contrato nada dispõe, ou sequer refere, sobre a situação de tesouraria da Subsidiária aquando do início da sua implementação, o que sempre seria um dado relevante para aferir se os fluxos financeiros verificados ocorriam ou não num quadro de carência daquela.
Deste modo, entende-se não ser correto afirmar que o próprio "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria" existente implique que só ocorram fluxos financeiros exclusivamente em situações de carência de tesouraria.
A própria Requerente, de resto, acaba por reconhecer isto mesmo, quando no 92.º do seu requerimento inicial acaba por admitir a existência de propósitos acessórios no sistema de cash pooling, parecendo não atentar que a norma que poderia acolher a sua pretensão fala em operações “exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria”, e não principalmente (ou qualquer outro sinónimo) destinadas a tal finalidade.
Por outro lado, também ao contrário do que argumenta a Requerente, não está aqui em causa dizer que o cash pooling, é incompatível com a isenção consagrada no artigo 7.º/1/g) do CIS, mas apenas que a existência de tal sistema no plano jurídico (através de um contrato que o consagre), não basta para demonstrar que os pressupostos da isenção em causa se verificam, efetivamente, na realidade.
Pelo exposto, tendo a AT aceite que uma parte substancial das operações realizadas no quadro do "Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria" estariam isentas de IS, caberia à Requerente demonstrar, unicamente, os pressupostos da isenção relativamente à parte não aceite.
Contudo, como se viu e decorre, de resto, do elenco de factos provados, tal prova não está feita nos autos, pelo que, na parte em que tributa a título de Imposto de Selo, nada haverá a censurar à liquidação impugnada.
Alega, ainda, a Requerente, ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios, porquanto, e em suma, ocorrerá ausência de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios, nomeadamente no que respeita à culpa da Requerente no atraso na liquidação de imposto, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º, ambos da Lei Geral Tributária, bem como o disposto no artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Ressalvado o respeito devido, entende-se uma vez mais não assistir razão à Requerente.
Com efeito, do relatório de inspeção tributária, que nos termos anteriormente abordados se deverá considerar como integrando a fundamentação das liquidações impugnadas, consta a justificação da AT para respectiva exigibilidade, a pp. 46 e 47.
No que diz respeito a esta matéria, segue-se a doutrina do recente Ac. do STA de 23-04-2013, proferido no processo 01195/12, em cujo sumário se pode ler:
“II - A imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios nos termos do art. 35.º da LGT depende da existência de culpa (a título de dolo ou negligência), por parte do contribuinte.
III - Quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo.”
Acresce que, no caso, não se demonstra (e à Requerente cabia essa demonstração) que a atuação da Requerente assentou numa interpretação plausível das regras legais aplicáveis.
Daí que também nesta parte haja a presente ação arbitral de improceder.
Peticiona, ainda a Requerente, que lhe seja deferida indemnização por garantia indevidamente prestada.
Nada havendo a censurar às liquidações de imposto que lhe foram dirigidas, objecto dos presentes autos, nenhuma indemnização haverá a arbitrar em favor da Requerente.
Daí que, igualmente nesta parte, deverá improceder a pretensão da Requerente.
Por fim, reclama a Requerente que seja declarada a ilegalidade do despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa, porquanto, e em suma, a decisão será ilegal por défice instrutório, tendo violado o disposto nos artigos 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 58.º e 72.º' da Lei Geral Tributária, bem como por violação do disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 77.º da Lei Geral Tributária, por falta de indicação dos motivos que conduziram à decisão de não inquirição das testemunhas arroladas. A este respeito, dispõe o artigo 69.º do CPPT que:
“São regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa: (...)
e) Limitação dos meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham, sem prejuízo do direito de o órgão instrutor ordenar outras diligências complementares manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material;”
Embora se entenda que a norma transcrita não proscreve a produção de prova testemunhal em sede de reclamação graciosa, entende-se igualmente que, pretendendo que a mesma ocorra, deverá ser o reclamante a justificar a sua necessidade, designadamente demonstrando que as diligências que pretende são “manifestamente indispensáveis à descoberta da verdade material”.
Ora, no caso, a Requerente não demonstrou tal circunstância, nem sequer alegou quaisquer factos a ela relativos, pelo que não tendo sido fundamentado o requerido por aquela na matéria em causa, não se descortina que assistisse à AT o dever legal de, na mesma matéria, fundamentar o que quer que fosse.
Deverá, assim, também nesta parte, improceder o pedido da Requerente.
Por todo o exposto, em conclusão, nada haverá que censurar às liquidações impugnadas que, por legais, se devem manter na ordem jurídica.
De harmonia com o disposto no artigo 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 76.196,64.
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
-
julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, não declarar ilegais, na parte não anuladas em sede de reclamação graciosa, as liquidações de imposto de selo nº 2011…, e de juros compensatórios nºs 2010… a 2011…, todos referentes ao ano de 2009, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido; e
b) condenar a Requerente nas custas do processo, no montante de €2.448,00,00, devendo ter-se em conta os pagamentos entretanto efectuados.
Árbitro Presidente (Relator),
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(Marcolino Pisão Pedreiro)
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