Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 198/2017-T
Data da decisão: 2017-11-21  IRC  
Valor do pedido: € 1.519.643,60
Tema: IRC - Dedutibilidade de gastos.
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Maria Cristina Aragão Seia e Dr.ª Cristiana Maria Leitão Campos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-06-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A… LDA, NIPC…, com sede na Rua …, n.º…, …, …, …, …-…, Lisboa (doravante designada como “A…” ou “Requerente”), veio ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pede:

– a anulação dos actos praticados pela Autoridade Tributária de liquidação de IRC referentes aos anos de 2013 e 2014, titulados pelas liquidações n.º 2016 … e n.º 2016…, por falta de audição do contribuinte antes da liquidação;

– se assim não se entender, devem as referidas liquidações anuladas, por se considerar verificados os gastos que a AT considerou como não dedutíveis;

– se não se entender, o que não se admite, devem ser anuladas as liquidações de juros compensatórios aí mencionados.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 24-03-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-05-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 28-06-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido.

No dia 24-10-2017, procedeu-se a uma reunião para produção de prova testemunhal, em que se decidiu que o processo prosseguisse com as alegações por escrito.

As Partes apresentaram alegações.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções.

 

2. Matéria de facto

 

  • A Requerente encontra-se registada para o exercício da atividade principal de promoção imobiliária, CAE 41100, desde 02.01.2008 e ainda para o exercício de duas actividades secundárias – outras actividades de consultoria, científicas, técnicas e similares e arrendamento de bens imobiliários;
  • Com referência ao período de 2013 e 2014, foram promovidas acções inspectivas credenciadas pelas ordens de serviço n.º OI2016… e OI2016… emitidas pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, nos termos do artigo 46.º do RCPITA (Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira);
  • Tais ordens de serviço sido emitidas para comprovação e verificação das operações subjacentes aos pagamentos efectuados, nos anos em causa, em sede de IVA e de IRC, a entidades não residentes sujeitas a regime fiscal privilegiado, designadamente à mencionada B…, com sede em Hong Kong (doravante designada como “B…”);
  • Nos anos em análise, a Requerente, no exercício da sua actividade, vendeu 34 fracções dos lotes … e …, correspondentes a dois empreendimentos sitos na Rua … e na Rua …, em Lisboa, a 32 cidadãos de nacionalidade chinesa e a 2 de nacionalidade angolana;
  • Estas vendas foram realizadas por valores superiores aos do valor patrimonial do imóvel, estando relacionadas com a possibilidade de cidadãos estrangeiros obterem autorização especial de residência (o denominado Visto Gold) no caso de aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 500 mil euros;
  • No decurso do procedimento inspectivo, verificou-se que, apesar de os valores de venda das fracções serem bastante superiores, (por vezes cerca do dobro), aos valores patrimoniais determinados, o lucro obtido era quase integralmente absorvido pelos gastos com fornecimentos e serviços externos prestados pela B…;
  • Questionada sobre este aspecto, a Requerente deu como justificação para tal facto com a situação do sector imobiliário no país, à data dos factos, e com o aperto financeiro em que se encontrava, conduzindo à venda dos imóveis nos termos que lhe foram propostos;
  • Concretamente, afirmou a Requerente serem aqueles gastos referentes a despesas com publicidade e marketing, levados a cabo pela B…, para angariação de clientes residentes na República Popular da China;
  • Tal afirmação – sobre a natureza dos serviços prestados – é consentânea com o descritivo das facturas, bem como com o registo efectuado no Balancete de Contabilidade Geral (conta 62215 e 62216);
  • Nas acções inspectivas foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1 IRC

III.1.1 Alterações à matéria coletável - Gastos não aceites fiscalmente

Nos exercícios de 2013 e 2014, as operações realizadas pela A…, corresponderam à venda de imóveis, localizados em Lisboa, a cidadãos chineses, relativamente aos quais suportou gastos registados na conta SNC "Publicidade e Propaganda12, subconta de "Trabalhos Especializados", referentes aos serviços de marketing da sociedade B…, com sede em HONG KONG., nos montantes respetivos de 82.300,00 euros e de 2.582.254,00 euros.

Estes gastos com publicidade e "marketing" que se encontram refletidos na contabilidade da A…, não vão ser aceites fiscalmente, pelos fundamentos seguintes, atendendo a que assumem valores relativamente elevados, e que foram pagos a uma entidade não residente no território nacional. À luz dos normativos fiscais, não assiste à A… a faculdade de os poder deduzir para efeitos da determinação do resultado fiscal.

III.1.1.1 - Enquadramento jurídico - fiscal

O n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, na redação aplicável em 2013, estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis:

"Artigo 23.º Gastos

1 Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos e imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:"

São assim requeridos três requisitos essenciais para que os gastos suportados sejam valorados e aceites fiscalmente: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.

O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos gastos o qual consiste em várias formas de apoio escriturai aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental.

O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.

O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23.º do Código do IRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.

O requisito da comprovação encontra-se preenchido se assentar numa base documental como, por exemplo, faturas ou contratos;

Contudo, o princípio geral da dedutibilidade dos gastos, sofre uma derrogação no caso de pagamentos a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, como forma de obviar à erosão da base tributável.

Assim e com vista a lutar contra a evasão e fraude fiscal internacional e no sentido de restringir a utilização de paraísos fiscais o legislador português optou por introduzir no nosso ordenamento jurídico, medidas genericamente designadas como de anti-abuso, através de cláusulas específicas na lei.

 

Neste contexto, estipula o artigo 65.º do Código do IRC o seguinte, aplicável em 2013:

"Artigo 65.º                                 

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado      

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou coletiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior,' o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60% do imposto que seria devido sê a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efetuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar apôs notificação do sujeito passivo, efetuada com a antecedência mínima de 30 dias.

5 - O disposto nos números anteriores é ainda aplicável às importâncias pagas ou devidas indiretamente, a qualquer título, às mesmas pessoas singulares ou coletivas, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do destino de tais importâncias, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 63.º entre:

a) O sujeito passivo e as pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável; ou

b) O sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas referidas na alínea anterior."

Por seu turno, o artigo 23.º - A aditado ao Código do IRC pela Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro, que republicou este Código, e aplicável em 2014, determina:

"Artigo 23. º-A Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

1 – Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e a! submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

...

7- O disposto na alínea r) do nº 1 aplica-se igualmente às importâncias indiretamente pagas ou devidas, a qualquer título, às pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, quando o sujeito passivo tenha ou devesse ter conhecimento do seu destino, presumindo-se esse conhecimento quando existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º, entre o sujeito passivo e as referidas pessoas singulares ou coletivas, ou entre o sujeito passivo e o mandatário, fiduciário ou interposta pessoa que procede ao pagamento às pessoas singulares ou coletivas.

8 - A Autoridade Tributária e Aduaneira notifica o sujeito passivo para produção da prova referida na alínea r) do n.º 1, devendo, para o efeito, ser fixado um prazo não inferior a 30 dias.

Estas normas visam claramente combater uma espécie de operações evasivas ou fraudulentas, por meio de pagamentos a favor de entidades não residentes e estabelecidas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, e tradicionalmente avessos à colaboração no sentido da prestação de informações para efeitos fiscais.

A estatuição das mesmas determina de imediato o princípio geral de não dedutibilidade dos gastos suportados com este tipo de pagamentos consagrando, no entanto, uma cláusula de salvaguarda, que opera mediante a inversão do ónus da prova, direcionando-o para o sujeito passivo, a quem caberá cumprir cumulativamente com duas condições, caso em que se o fizer, os gastos serão admissíveis para efeitos da determinação do resultado fiscal:

- Os gastos corresponderem a operações reais;

- Não terem um carácter anormal ou um montante exagerado.

Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.

A este propósito transcreve-se parte do acórdão proferido em 19/02/2015, no processo 08126/14 no Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas, em detrimento da forma, cujo sumário se transcreve:

No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente. Dor comparação com os custos de serviços análogos no mercado.''

Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.

A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT. apresentando-lhe os meios de prova da efetividade do gasto e do caráter normal e não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos.

Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte um "ónus probandi" em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do n.º 1 do art. 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé "as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal". E se o contribuinte não lograr produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação.

(i) Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável

Logo à partida há que determinar se a jurisdição de fiscalidade privilegiada se integra na previsão normativa do n.º 2 do artigo 65.º aplicável em 2013, e alínea r) do n.º 1 do artigo 23-A, vigente para o exercício de 2014, ambos do Código do IRC.

Ora, no caso concreto de HONG KONG, trata-se da jurisdição constante do n.º 31 da Portaria n.º 292/2011, aplicável nos exercícios em análise de 2013 e 2014, pelo que para a situação em apreço e para os dois exercícios, releva em comum o único pressuposto da inserção na lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

Ou seja, constatando-se que estão a ser pagas importâncias a uma entidade, no caso à B…, residente fora do território português e situada numa jurisdição constante da citada Portaria, ocorre a condição que determina a verificação do pressuposto para a subsunção no conceito de regime fiscal claramente mais favorável.

(ii) Quanto à exigência da realização efetiva das operações

Cabe ao contribuinte demonstrar que as operações envolvendo pagamentos a não residentes submetidos a um regime fiscal mais favorável foram efetivamente realizadas. Esta inversão do ónus da prova materializa-se na demonstração da efetividade da realização da operação a qual, se não for suprida, implica que que os encargos daqui resultantes não sejam dedutíveis.

Ora, da análise documental constatou-se que o sujeito passivo (entidades inspecionada) possui as escrituras de compra e venda dos imóveis e o "Framework Agreement" e ainda:

— Faturas emitidas pelo referido prestador de serviços; e

— Meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias.

No entanto, embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, falha que não foi preenchida pelos seguintes motivos;

— Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitaria ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;

— Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade J de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto; 

— A prova de que o serviço foi na realidade prestado mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidências dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte;

 — E ainda que fossem exibidas as evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do Código do IRC;                                                         

— E que, para além do contrato, não foi evidenciada troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.                                                

Não basta, pois, a existência de contrato, faturas ou transferências bancárias: é necessário a evidência de todo um conjunto de ações, atuações ou por exemplo de campanhas concretas de publicidade, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, de forma a afastar de forma concludente fundadas dúvidas sobre a efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular.                                         

Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material das prestações de serviços (de publicidade/comissões) por parte da empresa sediada em HONG KONG.                

Ora, salientando-se que nos termos da legislação já citada, assiste ao sujeito passivo demonstrar a evidência material que sustente terem sido efetuadas tais prestações de serviços e não tendo o mesmo logrado fazer, não se encontra preenchido este requisito de dedutibilidade.

(III) Quanto ao carácter anormal

Neste âmbito conclui-se que não tendo o sujeito passivo produzido qualquer prova material que permita aferir da natureza intrínseca do gasto, ou da sua consentaneidade para com a atividade negocial, não é possível aferir do seu caráter normal face à atividade desenvolvida.

Isto é, se o sujeito passivo não logrou provar a substância do gasto, não é possível aferir se o que vem qualificado como publicidade e comissões tem caráter normal face à atividade desenvolvida,

Também aqui o sujeito passivo não cumpriu com o ónus que a lei lhe impõe.

(IV) Quanto ao montante exagerado

Para aferição desta característica, isto é de que os pagamentos são adequados ao real valor dos serviços prestados, afigura-se que a «relação custo-benefício será apropriada, considerando-se cumprida a condição desde que os rendimentos compensem os respetivos gastos, isto é, que os rendimentos futuros são de tal monta que justificaram o respetivo encargo, ressalvando os casos em que a tentativa de penetração noutros mercados não foi bem sucedida e o serviço inerente ao gasto foi efetivamente realizado.

Ou seja, apesar das margens brutas de comercialização serem positivas, são absorvidas pelos gastos com fornecimentos e serviços externos relativos ao "marketing" pago ao publicitário ou às comissões, pagas ao comissionista localizados em HONG KONG.

Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos, ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:

- identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;

- evidência de reuniões, "surveys";

- deslocações;

- se quem executou tem experiência profissional;

- se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações.

Haveria igualmente que permitir aferir se o montante dos serviços cobrados é apropriado, tendo em conta o mercado e o risco da operação, por comparação com as que seriam aplicadas por outras entidades num contexto equivalente, em obediência e em cumprimento do princípio "at arm's length", o que também não sucedeu, pois não foram apresentados quaisquer elementos pertinentes dirigidos a este objetivo.

III.1.1.2-Aferição da obediência aos requisitos de dedutibilidade

Segundo a A… de acordo com as características do mercado chinês, a intermediação na venda consistiu em serviços prestados numa ótica de publicidade e "marketing", e como tal foram relevados contabilisticamente, e não de comissões, como seria mais habitual no mercado português.

Será, pois, necessário averiguar da eventual obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício, da publicidade em que a sociedade contabiliza como tendo incorrido, cujo montante, excluindo o IVA, foi de 82.300,00 euros em 2013 e 2.582.254,00 euros em 2014.

Neste contexto, e em obediência à formalidade do n.º 4 do artigo 65.º (para 2013) e n.º 8 do artigo 23.º - A (para 2014) do Código do IRC, foi a sociedade notificada em 25 de julho de 2016 para apresentar em 25 de agosto de 2016 documentos de prova efetiva sobre o cumprimento dos requisitos exigidos quanto à materialidade das operações e inexistência do seu caráter anormal e montante exagerado, bem como os documentos de prova referidos no nº 2 do artigo 98.º do Código do IRC (para 2013 e 2014) que comprovem a dispensa de retenção na fonte (vd. Anexo 5).

Decorrido o prazo concedido nas notificações, foi obtida a seguinte resposta, para os dois exercícios (vd. Anexo 7):

"1 - Em 2013 vivia-se uma situação para além do sustentável, na sequência de três anos sem vendas e com um serviço de dívida e amortização correspondente a empréstimos de valor global de 18.000.000€ (15 M€ C… e 3 M€ D…).

2 - Nesta altura já se tinham esgotado todos as negociações com os bancos e implementados todas as prorrogações de prazo, deferimento do pagamento de juros, capitalização do seu valor, suportando-se sucessivamente o agravamento das condições de pricing (valor de taxas de juro, comissões e penalizações) por via do alegado agravamento do risco.

3 - Nesse ano e no âmbito do programa GOLDEN VISA foi celebrado um contrato com a B… com o objetivo de fazer chegar os ativos imobiliários da empresa a clientes chineses potencialmente aderentes o este programa.

O conjunto vasto de cantatas que levou a assinatura deste contrato iníciou-se em Abril de 2013 tendo sido utilizados para o efeito os escritórios de advogados da E… bem como da F…, que representavam, assessoravam e credibilizavam a B… .

4 - Na verdade, a relevância, dimensão e capacidade destes dois escritórios de advogados respondeu, na altura, a todas as questões que a situação colocava. Tratava-se de algo completamente novo e por isso, pela primeira vez vivido por todas as empresas na situação da nossa, que cumpriam os requisitos para poderem ter interesse para a B…: estar completamente aflita e ter o número de imóveis interessantes para justificar a operação.

5 - De fato, estes requisitos eram os suficientes para fazer aceitar condições de comissionamento fora do "normal", tal era a anormalidade e severidade das condições da empresa e absoluta inexistência de alternativas.

6 - O que foi proposto redentoramente pela B… foi o acesso a um mercado de clientes e de vendas do outro mundo: tipo de cliente, a sua capacidade financeira, a sua quantidade, o curto tempo para a concretização das vendas e valores dos mesmos muito superiores às melhores perspectivas de 2009 para

7 - Assim, a perspetiva trazida por este contrato respondia à tempestade perfeita a que os promotores estavam sujeitos, determinada por incapacidade dos compradores ou interessados, tempo arrastado para a concretização de qualquer negócio, esmagamento dos respetivos valores e voracidade crescente e ilimitada dos credores na imposição de condições leoninas.

8 - Portanto, este canal de comercialização foi o responsável em exclusividade pela reversão da situação, proporcionando em 2014 a amortização da dívida ao C… e parte da do D… . Mais nenhum outro canal de venda teve intervenção porque mais nenhum outro existia ou permitia este requisito básico de sobrevivência para a empresa: volume de vendas, velocidade a que se verificavam e respetivos valores.

9 - No final de 2015 e já sem frações habitacionais, que eram o foco deste mercado, encontrou-se uma solução de venda para as áreas comerciais do empreendimento, fora do circuito GOLDEN VISA, que permitiu a resolução do compromisso de dívida com o D… .

10 - Persiste em tribunal a demanda por parte da B…, dos últimos valores de comissionamento, já não reconhecidos a partir do momento em que o modelo RFI21 deixou de ser apresentado.

Em complemento a estas respostas constam os seguintes documentos;

- faturas (Invoice) emitidas pela B…; (cfr anexo 5)

- provas do pagamento das faturas (cfr anexo 8);

- escrituras de venda das frações (as quais constam da contabilidade);

- contrato de prestação de serviços designado por "Framework Agreement" com a empresa B… e alteração "Amendment 2 To Framework Agreement" (vd. Anexo 3.):

-Mod. 21-RF1, emitidos pela autoridade fiscal de Hong Kong, para 2013 e 2014.

Cabia ao contribuinte demonstrar que as operações envolvendo pagamentos a não residentes submetidos a um regime fiscal mais favorável foram efetivamente realizadas. Esta inversão do ónus da prova materializa-se na demonstração da efetividade da realização da operação a qual, se não for suprida, implica que que os encargos daqui resultantes não são dedutíveis.

Ora, da análise documental constatou-se que a A…, possui em arquivo as escrituras e o "Framework Agreement" anexos às respostas e ainda:

- Faturas emitidas pelo dito prestador de serviços;

- Meios de pagamento das faturas através de transferências bancárias do C…, em que o beneficiário dos pagamentos coincide com o emitente das faturas.

No entanto, embora este conjunto documental dote a operação do preenchimento de requisitos formais, carece de ser comprovada substancialmente, lacuna que não foi preenchida pelos seguintes motivos:

- Não foi evidenciado que tenha sido praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda de frações;

- Que a ter havido, a mesma foi apropriada e direcionada ao objetivo, isto é, na eventualidade de ter sido realizada destinou-se a tentar vender frações ou antes qualquer outro produto?

- Produto este que até poderá não ser comercializado pela empresa;

- A prova de que o serviço foi na realidade prestado mediante a apresentação, designadamente, de estudos de prospeção de mercados, vantagens no investimento, campanhas de marketing, porquanto não foram apresentadas evidências dos mesmos em papel, gravações, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte;

- E ainda que fossem mostradas essas evidências físicas dos trabalhos efetuados, seria ainda necessário demonstrar a adequação de cada um deles aos requisitos do artigo 23.º do Código do IRC;

- E que, para além do contrato, não foi evidenciada troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.

Não basta, pois, a existência de contrato, faturas ou transferências bancárias; é necessário a evidência de todo um conjunto de realização de ações, atuações ou campanhas concretas de publicidade, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, sem os quais fundadas dúvidas ficam acerca da efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular.

Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material da publicidade por parte da empresa sediada em HONG KONG. Na resposta à notificação apenas foi descrita uma breve justificação da estratégia comercial seguida pela empresa, que à AT não compete avaliar ou aferir, pois se trata duma decisão do estrito foro da gestão empresarial, mas que não fornece qualquer elemento concreto sobre a publicidade alegadamente realizada pela empresa de HONG KONG.

Ora, não descurando que nos termos da legislação já citada, assiste à A…, demonstrar a evidência material que sustente ter sido efetuada publicidade, a mesma não o logrou fazer, pelo que não se encontra preenchido este requisito de dedutibilidade.

Concretamente, e conforme já anteriormente referido, as vendas foram diretamente efetuadas pela A… aos clientes chineses, sem intermediários, embora suportando e pagando gastos com publicidade faturados por uma única sociedade com a designação B…, com sede em HONG KONG, cujos valores atingem 16% em 2013 (82.300,00 euros) e 15%, 16%. 19%, 20% e 21% em 2014 (2.582.254,00 euros), percentagens estas que se assumem como elevadas face ao valor das frações. De facto, os gastos com publicidade estão a absorver entre 15% e 21% do valor de venda das frações correspondentes, o que prejudica a rentabilidade da sociedade, que foi negativa, e que nem a margem bruta das vendas positiva conseguiu compensar, dado que foram alcançados prejuízos contabilísticos (- 43.379,25 euros em 2013 e -465.135,06 euros em 2014). Note-se que a margem bruta foi de 95.450,09 euros em 2013 (527.000,00 - 431.549,91) e de 3.811.894,45 euros em 2014 (17.623.450,00 - 13.811.555.55), enquanto os gastos com publicidade foram de 82.300,00 euros e 2.582.254,00 euros, respetivamente. Para melhor visualização tem-se:

 

Ou seja, apesar das margens brutas de comercialização serem positivas e de valor significativo, são absorvidas pelos gastos com fornecimentos e serviços externos relativos ao "marketing" pago ao publicitário localizado em HONG KONG.

Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos, ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:

- identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;

- evidência de reuniões, "surveys";

- deslocações;

- se quem executou tem experiência profissional;

- se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações.

Seria ainda fator de grande relevância o conhecimento e identificação dos detentores do capital da entidade "off-shore" para se aquilatar se são independentes em relação a empresa em questão, enquanto elementos relevantes para elidir a presunção de inveracidade do gasto, até prova em contrário, a qual compete à A… produzir.

Cabia também à A… provar que as operações não tinham caráter anormal, e como é do conhecimento público, esta atuação implica o pagamento à empresa imobiliária duma comissão que habitualmente é de 5% do valor de venda do imóvel, podendo nuns casos ser inferior e chegar a 3%, ou ser superior e alcançar os 6%. (a comissão paga em 2013 foi de 16% e em 2014 houve comissões de 15% a 21%)

Também aqui se conclui que, não tendo a A… produzido qualquer prova de que não existe exagero no montante da publicidade, se considera como não cumprido este requisito.

Conclusão:

Não foi cumprido o ónus que a lei fiscal exige para aceitar como dedutíveis pagamentos a não residentes, quando se localizam em jurisdições de baixa tributação, repartido cumulativamente pelos seguintes requisitos: -

- Da produção de prova da efetiva realização de publicidade;

- Da produção de prova da normalidade do pagamento;

- Da produção de prova de que o montante não é exagerado.

Pelo que se conclui que, não tendo a A… cumprido com o ónus da prova consagrado nos preceitos dos artigos 65.º e 23.º - A do Código do IRC, os gastos relativos aos pagamentos em causa são fiscalmente desconsiderados nos exercícios de 2013 e 2014. Em face do exposto, conclui-se que os elementos apresentados pelo sujeito passivo são insuficientes para aferir que os encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e que não têm caráter anormal ou um montante exagerado, conforme prevêem os artigos 65.º, (para 2013) e 23.º-A (para 2014) do CIRC.

III.1.1.3 Alteração do Resultado Tributável

Assim o apuramento do resultado fiscal discrimina-se assim:

 

 

Atendendo a que nos exercícios anteriores estão registados prejuízos fiscais, os mesmos são dedutíveis nos termos do artigo 52.º do Código do IRC, pelo que se procede ao seu ajustamento em 2013 e 2014.

A dedução permitida em 2013 não pode exceder o montante correspondente a 75 % do respetivo lucro tributável, nos termos do n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC. Pelo que tomando o lucro tributável corrigido tem-se: 21.841,75€ x 0,75 = 16.381,31 euros, que é o limite dos prejuízos fiscais a deduzir.

Neste caso pode deduzir os 16.381,31 de 2011. Para 2014 pode deduzir os restantes prejuízos de 2011: 70.600,28 euros mais os 80.088,44 euros de 2012, o que perfaz € 150.688,72 euros. Em 2015 já não existem prejuízos para deduzir.

Apresenta-se o apuramento da matéria coletável corrigida:

 

- O IVA de todas as faturas dos exercícios de 2013 e 2014 configura um gasto fiscalmente aceite em sede de IRC, aceitação esta que não coloca em crise a desconsideração do gasto com a publicidade correspondente. Tal sucede porque tendo a sociedade efetuado a autoliquidação do IVA, e dependendo a dedução do enquadramento da atividade, como está adstrito a vendas isentas sem direito à dedução, assiste-lhe a prerrogativa de o relevar em gastos do exercício. A operação de autoliquidação encontra-se conexa com o pagamento efetuado a um não residente, cujo mero ato não é posto em causa, por aplicação das regras de localização das operações previstas no artigo 6.º do Código do IVA, sem aferir da substância, caráter normal ou exagero do montante pago. Ou seja, o ato de pagamento a um não residente subsume a operação na previsão normativa da alínea a) do n.º 6 do artigo 6.º do Código do IVA, sem que daqui resulte diretamente uma validação de requisitos de comprovação do gasto, este sim, efetuado noutra sede e concretamente em imposto sobre o rendimento.

III.1.2 - Correção ao imposto

III.1.2.1 - Tributação Autónoma

A não comprovação dos gastos mencionados no capítulo anterior tem ainda como consequência a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC,

Estipula este normativo o seguinte para os exercícios de 2013 e 2014:

Artigo 88.º Taxas de tributação autónoma

3 — São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem Q operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

Uma vez que o sujeito passivo não procedeu à comprovação atrás mencionada, e as despesas em causa não foram aceites fiscalmente como gasto do exercício, ficam sujeitas a tributação autónoma à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 1 e n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC. Pelo que se tem:

                         

Exercício de 2013:

82.300,00 X 0,35 = 28.805,00 euros

Exercício de 2014:

2.582.254.00 x 0,35 = 903.788,90 euros

III.1.2.2 - Retenção na fonte                                                  

A sociedade apresentou os formulários modelo 21-RFI assinados e carimbados pelo beneficiário efetivo dos pagamentos, bem como os certificados de residência fiscal emitidos em nome deste, validados pelas autoridades fiscais de HONG KONG, pelo que obedece aos requisitos de dispensa de retenção previstos no artigo 98.º do Código do IRC (vd. Anexo 6.).

Desde já se assinala que o instituto da retenção ou dispensa, por obediência a estes requisitos formais, não contende com a desconsideração do gasto, uma vez que a operação de retenção consiste apenas na aplicação duma taxa de tributação a um valor pago a um não residente, e que constitui um rendimento na esfera deste, em que o mero ato de pagamento não é posto em causa dado ter ocorrido, de facto, a saída monetária, mas que não está dependente da aceitação fiscal, ou não do gasto, esta sim do cumprimento dos requisitos legais.

III.1.3 - Resumo das correções

Os procedimentos inspetivos tiveram por objetivo avaliar do cumprimento dos deveres tributários da A…, tendo-se constatado que ocorreram pagamentos a uma entidade não residente sujeita s um regime fiscal privilegiado, concretamente HONG KONG, e como tal qualificado por inserção na Portaria n.º 292/2011 de 08/11.

Atendendo a que este tipo de pagamentos poderá ocorrer com o intuito de praticar operações evasivas ou inclusive fraudulentas, dado que são feitos a favor de entidades estabelecidas numa jurisdição de fiscalidade privilegiada, de modo a transferir rendimentos gerados e localizados em Portugal para locais com regimes fiscais mais favoráveis, com tributação reduzida ou inexistente, o Código do IRC veio consagrar uma norma anti-abuso específica destinada a combater estas práticas.

Assim, numa primeira linha de análise, para que um gasto seja dedutível, terá que obedecer aos requisitos da cláusula geral de dedutibilidade ínsita no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC. Contudo, não são dedutíveis como gastos para efeitos fiscais as importâncias pagas ou devidas a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português cujo território da residência (os dois últimos pressupostos aplicam-se apenas em 2013):

A) Conste de lista aprovada por portaria;

B) Aí estejam submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável - isento de IRS ou IRC ou

C) O imposto é igual ou inferior a 60% do que seria devido em Portugal (15%=60% x 25%).

Foi, no entanto, prevista uma cláusula de salvaguarda, isto é, os encargos poderão ser dedutíveis se forem cumpridos os seguintes requisitos de forma cumulativa:

A) O contribuinte provar a efetividade de realização das operações;

B) As mesmas não tiverem um carácter anormal ou um montante exagerado.

Não tendo o sujeito passivo logrado proceder a esta comprovação, as despesas em causa não são aceites fiscalmente como gastos do exercício, ficando sujeitas a tributação autonomamente à taxa de 35%, conforme o disposto no n.º 1 e n.º 8 do artigo 88.º do Código do IRC, tributação esta onerada em 10 pontos percentuais em 2013, dado ter sido apresentado prejuízo fiscal.

Efetuou-se ainda a tributação autónoma por aplicação da taxa de 35% a 2013 e a 2014, sendo o imposto em falta de 28.805,00 euros em 2013 e de 903.788,90 euros em 2014.

  • Na sequência da acção inspectiva foram emitidas as liquidações de IRC n.ºs 2016 … e 2016 …, relativas aos exercícios de 2013 e 2014 respectivamente (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • A B… efectuou actividades de publicidade, promoção e divulgação no território Chinês de imóveis da Requerente que levaram à aquisição dos mesmos por parte de cidadãos Chineses;
  • A B… fez conferências e seminários sobre as vantagens e benefícios de se viver em Portugal, em várias cidades da China;
  • A B… auxiliou os cidadãos chineses na obtenção de vistos para entrada e estadia em Portugal;
  • A B… acompanhou os cidadãos chineses na deslocação a Portugal nas visitas aos imóveis;
  • A B… pagou as despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como outras despesas relacionadas coma sua estadia e visita aos imóveis da Requerente;
  • A B… assegurou o serviço de intérprete contratando tradutores, para acompanharem os cidadãos chineses em território português;
  • A B… contratou motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos e restaurantes e os principais pontos turísticos de Portugal;
  • Acompanhou os cidadãos chineses na abertura de contas bancárias em Portugal;
  • Após a aquisição dos imóveis, a B… assistiu os cidadãos chineses na decoração dos imóveis e na ligação de electricidade, gás e água para os imóveis adquiridos;
  • A B… prestava serviços jurídicos aos referidos cidadãos chineses, contratando advogados;
  • A Requerente comprometeu-se a pagar à B… uma remuneração por cada imóvel vendido a comprador indicado por aquela sociedade;
  •  A Requerente celebrou 33 escrituras e vendas de imóveis a cidadãos chineses indicados pela B…;
  • A Requerente efectuou à B… os pagamentos a que se havia comprometido;
  • Houve centenas de potenciais clientes angariados pela B… que não concretizaram qualquer aquisição de imóveis, situações em que a Requerente não efectuou qualquer pagamento àquela;
  • A B…, inicialmente, exigia comissões de 15%, sobre o valor dos imóveis vendidos e, mais tarde, comissões superiores, da ordem dos 20% e 25%;
  • A Requerente tinha de aceitar as condições exigidas pela B…, pois havia enorme dificuldade de venda de imóveis a cidadãos nacionais nos anos de 2013 e 2014 e estava em situação de aflição económica, pois em condições normais deveria ter vendido os imóveis até 2010 (5 anos após o início do processo de construção) e, não os tendo vendido, teve de continuar a suportar os encargos bancários, com acentuado agravamento dos juros, que durante o período previsto para o processo de construção foram de cerca de € 93.000 em 2006, € 144.000 em 2007, € 176.000 em 2008, € 223.000 em 2009 e de €300.000 em 2010, e agravaram-se posteriormente, passando a ser de aproximadamente de € 520.000 em 2011, € 600.000 em 2012, € 483.000 em 2013, e € 486.0000 em 2014;
  • Na situação de necessidade premente de encontrar compradores para os imóveis, a Requerente não tinha qualquer possibilidade de discutir o respectivo valor das comissões exigidas pela B…, pois não existia quem prestasse o serviço e angariação de clientes que esta prestava, aos preços de venda que a Requerente pretendia obter;
  • As comissões da B… eram acrescidas aos preços dos imóveis pretendidos pela Requerente, pelo que não afectavam a sua margem de lucro;
  • Em Janeiro de 2014, a sociedade Requerente aumenta o preço das fracções em 5% de forma a "acomodar" o aumento da comissão;
  • O gerente da Requerente trocou muitas centenas de emails com a B…;
  • Foram as vantagens decorrentes dos ditos “VISTOS GOLD" que foram publicitadas pela B… no mercado Chinês e levaram às aquisições dos imóveis referidos nos autos;
  • Para além das relações comerciais respeitantes à venda dos imóveis;
  • A Requerente associou-se a outras empresas no programa de angariação de clientes que a B… organizou, para que fosse atingida uma dimensão de número de imóveis que interessasse a esta empresa;
  • A B… actua em vários países, como o Canadá, Malta, Espanha e Portugal, sendo uma empresa especializada em angariar clientes chineses para investimentos em programas do tipo dos Golden Visa;
  • Não foi colocada à Requerente, em sede de direito de audição, a possibilidade de virem a ser liquidados juros compensatórios;
  • Em 23-03-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.1. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado;

 

 

2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos que constam do processo administrativo e nos que foram juntos com o pedido de pronúncia arbitral e também com base nos depoimentos prestados na audiência, por G…, H…, I…, J… e K…, L… e M…, que confirmaram a generalidade dos factos alegados pela Requerente, nos termos referidos nas alíneas l) a hh) da matéria de facto.

            Todas as testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

            Quanto à falta de audição prévia sobre a liquidação de juros compensatórios, não foi junto ao processo o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, mas a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta a afirmação da Requerente de que não lhe foi feita referência naquele projecto, defendendo, antes, que o «tal exercício seria dispensável de exercer autonomamente pois o imposto apurado em falta e os respectivos juros estão directamente relacionados».

            Para além disso, o Relatório da Inspecção Tributária também não faz qualquer referência aos juros compensatórios, inclusivamente no ponto I.1.3 do «MAPA RESUMO DAS CORREÇÕES RESULTANTES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO», especificamente destinado a indicar os «Montantes Sujeitos a Juros» (página 6/46 do Relatório da Inspecção Tributária, na folha 7 do processo administrativo).

 

 

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da preterição do direito de audiência quanto aos juros compensatórios

 

            A Requerente imputa à liquidação impugnada vício por preterição do direito de audição antes da liquidação de juros compensatórios.

            O Projecto de Relatório da Inspecção Tributária não foi junto aos autos, não constando do processo administrativo, bem como a respectiva notificação.

            De qualquer forma, é a Autoridade Tributária e Aduaneira quem tem de provar que efectuou a notificação para exercício do direito de audiência prévia, pelo que a hipotética dúvida sobre o conteúdo da notificação para exercício do direito de audição tem de ser valorada processualmente contra a Autoridade Tributária e Aduaneira.

            No entanto, no caso em apreço, pelo que se refere na fundamentação da decisão da matéria de facto, é de considerar provado que o projecto de Relatório da Inspecção Tributária que foi notificado à Requerente para exercício do direito de audiência não continha referência aos juros compensatórios, como também não a tem o Relatório da Inspecção Tributária.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, porém, que o exercício do direito de audição seria dispensável porque «a sujeição a juros decorre directa e automaticamente da lei, nos termos previstos no artigo 102º do CIRC e do artigo 35º da LGT» e «o imposto apurado em falta e os respectivos juros estão directamente relacionados».

O artigo 60.º da LGT estabelece o seguinte:

 

Artigo 60.º

 

Princípio da participação

 

1. A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:

 

a) Direito de audição antes da liquidação;

b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;

c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;

d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;

e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.

 

2 - É dispensada a audição:

a) No caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe seja favorável;

b) No caso de a liquidação se efectuar oficiosamente, com base em valores objectivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.

3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

4. O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.

5. Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.

6. O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição é de 15 dias, podendo a administração tributária alargar este prazo até o máximo de 25 dias em função da complexidade da matéria.

7. Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

 

O direito de audição tem raiz constitucional, sendo postulado pelo artigo 267.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito».

Mas, como decorre desta norma, a Constituição não regula o regime do direito de audição, relegando para a «lei especial» a definição dos termos em que tal direito será exercido, termos estes em que poderão ser tidos em conta factores de vária ordem, inclusivamente de natureza económica e de praticabilidade.

É neste contexto que o n.º 3 do artigo 60.º da LGT, invocado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, prevê situações em que é dispensada a audição prévia antes da liquidação.

No caso dos autos, não é controvertido no presente processo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT garante aos contribuintes o direito de audição antes da liquidação, o que resulta do teor expresso desta norma, pelo que a questão a apreciar se reconduz a saber se se está perante uma situação em que audição antes da liquidação é dispensada pelo n.º 3 do mesmo artigo.

Este n.º 3 dispensa o direito de audição antes da liquidação se o contribuinte tiver sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.

No caso em apreço, a Requerente teve a possibilidade de exercer o direito de audição com base no projecto de Relatório da Inspecção Tributária, que é uma situação enquadrável na alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, pelo que, em princípio, se está perante uma potencial situação de aplicação da dispensa do direito de audição antes da liquidação.

Por isso, a necessidade de assegurar o direito de audição antes da liquidação só pode resultar da excepção prevista na parte final do n.º 3, isto é, de nela terem sido invocados factos sobre os quais o contribuinte ainda não teve previamente a possibilidade de se pronunciar.

Examinando o Relatório da Inspecção Tributária conclui-se que não terá sido colocada à Requerente a possibilidade de virem a ser liquidados juros compensatórios, pois não lhes é feita qualquer referência, inclusivamente no local destinado a indicar os montantes que estão sujeitos a juros.

Por outro lado, ao contrário do que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação de juros compensatórios não decorre directa e automaticamente da lei.

Na verdade, tanto o artigo 102.º, n.º 1, do CIRC como o artigo 35.º da LGT, invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, fazem depender a exigência de juros compensatórios de ser retardada a liquidação «por facto imputável ao sujeito passivo».

A responsabilidade objectiva é excepcional, só ocorrendo nos casos especificados na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil) e, por isso, deverá entender-se que, para efeitos de responsabilidade por juros compensatórios, só se está perante um «facto imputável ao sujeito passivo» quando puder formular-se um juízo de censura em relação à conduta do próprio sujeito passivo.

Nesta linha, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, uniformemente, que a imputabilidade exigida para responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa, por parte do contribuinte. ( [1] )

Por isso, a exigência de juros compensatórios que foi efectuada nas liquidações impugnadas tem ínsita um juízo sobre a imputabilidade à Requerente do retardamento das liquidações, o que consubstancia invocação de factos novos, para efeitos do artigo 60.º, n.º 3, da LGT.

            Assim, não se está perante uma situação de dispensa de audição prévia quanto aos juros compensatórios, pelo que a falta de audição prévia constitui preterição de formalidade legal, que justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a este vício.

 

 

3.2. Questão da dedutibilidade dos gastos relativos aos pagamentos à B…

 

            A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedutibilidade dos gastos da Requerente relativos a pagamentos à B…, com fundamento nos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013) e 23.º-A do mesmo Código, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro (vigente em 2014), que estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 65.º

 

Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado

 

1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.

3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.

(...)

 

.

Artigo 23.º-A

 

Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais

 

            1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:

(...)

r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.

 

            O território de Hong Kong estava incluído, em 2013 e 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.

            Na sequência de notificação para esse efeito, a Requerente apresentou vários documentos para prova das operações realizadas pela B… .

            No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as quantias dos pagamentos à B… não são dedutíveis, pelas seguintes razões, em suma:

 

– «Não basta, pois, a existência de contrato, faturas ou transferências bancárias; é necessário a evidência de todo um conjunto de realização de ações, atuações ou campanhas concretas de publicidade, ou seja, de elementos justificativos complementares à documentação fiscalmente relevante, sem os quais fundadas dúvidas ficam acerca da efetiva realização das operações que as faturas pretendem titular». «Em suma, não existe qualquer comprovação da realização material da publicidade por parte da empresa sediada em HONG KONG»;

– «as vendas foram diretamente efetuadas pela A… aos clientes chineses, sem intermediários, embora suportando e pagando gastos com publicidade faturados por uma única sociedade com a designação B…, com sede em HONG KONG, cujos valores atingem 16% em 2013 (82.300,00 euros) e 15%, 16%. 19%, 20% e 21% em 2014 (2.582.254,00 euros), percentagens estas que se assumem como elevadas face ao valor das frações»;

– «Ora, nas situações envolvendo intervenção humana com estudos, projetos, ou publicidade no caso em apreço, o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:

- identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;

- evidência de reuniões, "surveys";

- deslocações;

- se quem executou tem experiência profissional;

- se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações»;

– «seria ainda fator de grande relevância o conhecimento e identificação dos detentores do capital da entidade "off-shore" para se aquilatar se são independentes em relação a empresa em questão»;

«cabia também à A… provar que as operações não tinham caráter anormal, e como é do conhecimento público, esta atuação implica o pagamento à empresa imobiliária duma comissão que habitualmente é de 5% do valor de venda do imóvel, podendo nuns casos ser inferior e chegar a 3%, ou ser superior e alcançar os 6%. (a comissão paga em 2013 foi de 16% e em 2014 houve comissões de 15% a 21%)»

 

 

            3.2.1. Prova da realização das operações

           

            Resultou da prova produzida que foi realizada pela B… uma actividade global de angariação de cidadãos chineses para compra de imóveis da Requerente, nos anos de 2013 e 2014.

            Essa actividade de angariação incluiu acções de publicidade e divulgação na China sobre as vantagens e benefícios da aquisição de imóveis em Portugal, pagamento das despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como outras despesas relacionadas coma sua estadia e visita aos imóveis da Requerente, auxílio aos cidadãos chineses na obtenção de vistos para entrada e estadia em Portugal e seu acompanhamento nas visitas aos imóveis, contratação de motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos e restaurantes e os principais pontos turísticos de Portugal.

            No âmbito dessa actividade de angariação, a B… assegurou o serviço de intérprete contratando tradutores, para acompanharem os cidadãos chineses em território português, acompanhou os cidadãos chineses na abertura de contas bancárias em Portugal, após a aquisição dos imóveis, a B… assistiu os cidadãos chineses na decoração dos imóveis e na ligação de electricidade, gás e água para os imóveis adquiridos e prestava serviços jurídicos aos referidos cidadãos chineses, contratando advogados.

            Não se justificam dúvidas sobre a realização desta actividade, não só porque foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B… relativa a essas actividades, mas também porque foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto directo com essas actividades.

            Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.

            Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efectivamente realizadas.

            Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efectividade da actividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efectuados apenas em função dos resultados.

            Deve dizer-se mesmo que a exigência de «identificação dos recursos humanos envolvidos» e o apuramento da respectiva experiência profissional numa actividade com a dimensão da descrita está para além dos limites da razoabilidade, pois, na sua literalidade, abrangerá a identificação de todos os que prestaram os serviços de transporte por avião, de serviços em restaurantes e hotéis, motoristas de táxis, etc.

            Assim, é de considerar provado que os pagamentos correspondem a operações efectivamente realizadas.

            3.2.2. Prova da não anormalidade e não exagero

 

            No concerne à normalidade de pagamentos pela prestação de serviços de angariação de clientes para a aquisição de imóveis afigura-se evidente, pois trata-se de uma actividade de prestação de serviços regulamentada, precisamente no que concerne a imóveis (Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de Junho) e, como qualquer actividade de natureza profissional, é remunerada. O que consubstanciaria anormalidade, seria a prestação de serviços gratuitos a Requerente, suportando a B… as despesas da actividade.

            Quanto ao montante das comissões, tem a ver com o requisito do «não exagero» e não com o de «não anormalidade» para efeitos daqueles artigos 65.º e 23.ºA do CIRC.

            Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).

            Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.

            Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior

            Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crie económica e financeira que afectava Portugal.

            A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.

            Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.

            A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.

Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.

Assim, conclui-se que o acto de liquidação relativo ao exercício de 2013 enferma de vício de violação do artigo 65.º, n.º 1, do CIRC e o acto de liquidação relativo ao exercício de 2014 enferma de vício de violação do artigo 23.º, n.º, alínea r), do CIRC nas respectivas redacções que nesses anos vigoravam.

As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto as liquidações de IRC, pelo que são afectadas pelos vícios que afectam estas.

 

 

3.3. Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por vício de violação de lei, que proporciona eficaz tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC) o conhecimento das demais questões colocadas.

 

 

4. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular as liquidações de IRC e juros compensatórios n.º 2016 … e n.º 2016 … .

 

 

          5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 1.519.643,60.

 

6. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 20.196,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-11-2017

 

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

(Maria Cristina Aragão Seia)

 

 

(Cristiana Maria Leitão Campos)

 



[1]              Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:

      – de 20-3-1996, processo n.º 020042, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-3-1998, página 1067;

      – de 2-10-1996, processo n.º 200605, publicado em Apêndice ao Diário da República de 28-12-1998, página 2707;

      – de 18-2-1998, processo n.º 022325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 8-11-2001, página 553;

      – de 3-10-2001, processo n.º 025034, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 492, página 1615, e publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, página 2080;

      – de 29-1-2003, processo n.º 01647/02, publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 164;

      – de 12-3-2003, processo n.º 026800, publicado em Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.º 506, 219 e publicado em Apêndice ao Diário da República de 25-3-2004, página 545;

      – de 19-11-2008, processos n.ºs 0325/08 e 0576/08;

      – de 11-3-2009, processo n.º 961/08.