Os árbitros José Baeta de Queiroz (presidente), Jónatas Machado e Fernando Manuel dos Santos Cardoso, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o tribunal arbitral, acordam o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A… – SGPS, S.A., com sede na freguesia …, …, pessoa coletiva número …, abrangida pelo serviço periférico local de … (doravante, “Requerente” ou “A…”), vem, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que institui a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária (de ora em diante “RJAT”), e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de tribunal arbitral, sendo requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante “AT”).
2. Solicita a Requerente a pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos tributários de liquidação adicional de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), identificados com o n.º 2015…, de 05.11.2015, da autoria da AT, IRS e Demonstração de Liquidação de Juros Compensatórios n.º 2015… e 2015…, referentes ao período de tributação de 2011.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 08-03-2017.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 05-05-2017 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 22-05-2017.
7. Devidamente notificada, a AT apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido.
8. No dia 13-10-2017 teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, havendo lugar à produção de alegações orais pelas partes, que reiteraram e desenvolveram as respetivas posições jurídicas.
9. Foi fixado o dia 22 de novembro para a prolação da decisão final.
10. Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações acima referidas alegando, em síntese, que são várias as ilegalidades em que a AT incorreu:
• Em primeiro lugar, incorreu a AT em vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação da CGAA constante do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), na medida em que este preceito não tem aptidão para fazer nascer obrigações tributárias perante os substitutos tributários, devendo antes dirigir-se a quem efetivamente obtém as alegadas vantagens fiscais. Assim sendo, é inoponível à A… a desconsideração para efeitos fiscais dos atos em análise;
• Em segundo lugar, padecem os atos tributários de ilegalidade por errada notificação dos mesmos à A…, na medida em que a plena aplicação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT às operações descritas pela AT impõe a conclusão de que o dever de retenção na fonte recaia sobre a B… e não sobre a aqui Requerente nos termos que melhor se explicitarão abaixo;
• Em terceiro lugar, incorreu a AT em vício de violação de lei, por violação das garantias de defesa reconhecidas a todos os cidadãos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (doravante, “CRP”), na medida em que não foi assegurado o direito ao contraditório de todas as partes ligadas, direta ou indiretamente, à operação desconsiderada pela AT ao abrigo da CGAA;
• Em quarto lugar, padecem os atos tributários de ilegalidade por não se encontrarem preenchidos os pressupostos de aplicação da CGAA;
• Por último, padecem os atos objeto do presente pedido de pronúncia arbitral de vício de falta de fundamentação, por inobservância do disposto nos artigos 77.º da LGT e 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
11. Por seu turno, a Requerida veio em resposta defender a improcedência, por falta de fundamento, do pedido arbitral, alegando, em síntese:
• “Estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeado), com vista a tingir o objetivo fiscal visado: distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação (…).
• “Pela via da alienação das ações à A… SGPS, os dividendos da B… são disponibilizados aos acionistas, evitando a retenção na fonte a título definitivo e beneficiando da exclusão de tributação prevista no regime transitório da categoria G previsto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11 e na redação à data da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do CIRS”.
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março.
A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as partes devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades, nem há exceções ou questões prévias a decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO
III.1. Factos dados como provados
No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da casa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, constituída em 03-09-2008, que tem como objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, com o capital de € 50.000,00, representado por 50.000 ações com valor nominal de € 1,00 cada, cuja estrutura acionista é composta por:
- C…, detentor de 46%;
- D…, detentor de 46%;
- E…, detentor de 2%
- F…, detentora de 2%;
- G…, detentor de 2%;
- H…, detentora de 2%.
b) Foram nomeados administradores, na data da constituição da A…, SGPS, C… (presidente) e D… (secretário); porém em 28-02-2011, D… renunciou às suas funções, tendo sido designada em sua substituição H…, alegadamente, filha do renunciante. Em 02-10-2012 estes administradores foram reconduzidos em funções para o quadriénio 2012-2015.
c) Por sua vez “por baixo” da A…, SGPS, SA temos a sociedade por quotas B…, Lda., NIF …, que foi constituída em 13 de abril de 1987 com um capital social de €4.987,98 (representado por duas quotas e € 2.493,99 cada), integralmente realizada em dinheiro pelos dois sócios C… e D…, para o exercício da atividade de impostação, exportação, representações e comércio, transformação e reciclagem de matérias plásticas e importação, exportação, representações e comércio de máquinas para a indústria de plásticos, com sede na Rua …, nº…, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia.
d) Em 19 de Setembro de 1990 foi realizado um aumento de capital da B… no montante de € 194.531,18, subscrito em partes iguais por cada um dos aludidos sócios e igualmente realizado em dinheiro, e alterada a sede social para a … nº…, …, …, pertencente à freguesia de …, concelho de … .
e) Em 24 de Fevereiro de 1999, mediante escritura de Aumento de Capital e Transformação, o capital social da B… foi novamente aumentado para se fixar em € 498.797,90, mediante a subscrição, mais uma vez efetuada em dinheiro, de € 199.951,92 por cada um dos sócios, e da entrada de quatro novos sócios (alegadamente, os filhos de cada um dos sócios fundadores), que subscreveram cada um uma quota de € 14.963,94; simultaneamente a sociedade B... foi transformada em sociedade anónima, com um capital social representado por 100.000 ações de valor nominal € 4,99 cada.
f) Em 23.12.2008, a A…, SGPS adquiriu a totalidade do capital da sociedade B…, pelo preço de € 8.000.000,00, a que corresponde um valor unitário de € 80,00 por ação, repartido da seguinte forma:
Nome
|
NIF
|
Nº de ações
|
Valor de alienação
em 23-12-2008
|
Preço de venda
por ação
|
C…
|
…
|
44 000
|
3 520 000,00 €
|
80,00 €
|
D…
|
…
|
44 000
|
3 520 000,00 €
|
80,00 €
|
E…
|
…
|
3 000
|
240 000,00 €
|
80,00 €
|
F…
|
…
|
3 000
|
240 000,00 €
|
80,00 €
|
G…
|
…
|
3 000
|
240 000,00 €
|
80,00 €
|
H…
|
…
|
3 000
|
240 000,00 €
|
80,00 €
|
g) Foi convencionado, nos termos do contrato de compra e venda celebrado, que o preço seria pago em 10 prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 31 de dezembro de 2009 e a última em 31 de dezembro de 2018. Deste modo, na contabilidade da A…, SGPS foi reconhecido um crédito aos ex-acionistas da B… no montante global de € 8.000.000,00.
h) A cláusula contratual que definiu as condições daquela transação estabeleceu ainda a não incidência de qualquer juro sobre este plano de pagamento, e a tomada de posse imediata (em 23-12-2008) da totalidade das ações da B…, por parte da B…, SGPS, conforme artigo 2º do aludido contrato.
i) Relativamente ao preço convencionado, o aludido contrato refere expressamente no seu ponto 3.2 que este não foi determinado a partir de valores de balanço, afastando desde logo a possibilidade do mesmo vir a ser alterado em resultado de quaisquer factos que influenciem o valor da B… ou das participações sociais que lhe estão alienadas.
j) Deste modo ambas as famílias, I… e J…, que detinham uma participação direta constituíram uma dívida de € 8.000.000,00 na sociedade que já a si pertencia e passaram a deter uma participação indireta de 50% cada família.
k) Para além das participações adquiridas na B…, a A… adquiriu ainda participações nas seguintes sociedades:
- Em 6-8-2009, 16% do capital da Sociedade “K… Lda.” (doravante, “K…”), sociedade constituída em maio de 2006;
- Em 15-9-2009, 12% do capital da Sociedade “L…, Lda.” (doravante, “L…”), sociedade constituída em abril de 2003.
l) A A… foi objeto de um procedimento de inspeção, desencadeado ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015…, de âmbito geral e que incidiu sobre os períodos de tributação de 2011 a 2015.
m) Não obstante os argumentos constantes da audição prévia apresentada, a B… foi notificada, através do Ofício n.º…, de 28.10.2015, do Relatório de Inspeção Tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual a AT concluiu estarem reunidos os pressupostos para a aplicação da CGAA constante do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
n) Foram emitidas as liquidações adicionais de retenções na fonte de IRS identificados com o nº 2015…, de 05-11-2015 da AT, IRS e Demonstração de liquidação de juros compensatórios nº 2015… e 2015…, referentes ao período de 2011, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 04-01-2016, no valor de € 402.715,60.
o) A Requerente apresentou, em 02.05.2016, reclamação graciosa da liquidação adicional, a qual foi objeto de decisão de indeferimento notificada à Requerente em 07-12-2016, através do Ofício n.º…, de 05-12-2016.
III.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
III.3. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06- 2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
IV. O DIREITO
IV.1. Considerações introdutórias
A questão central que vem colocada relaciona-se com a aplicação ao caso da disposição do artigo 38º nº 2 da LGT.
Antes de entrarmos na análise da norma e nas questões que a Requerente levanta a propósito da sua aplicação ao caso concreto, é útil historiar as razões do seu surgimento, e de outras que, no âmbito do direito comparado, perseguem o mesmo objetivo.
O problema da evasão fiscal constitui uma das mais sérias ameaças à economia mundial e à capacidade dos Estados de realizarem as finalidades que lhe são cometidas pelo direito internacional dos direitos humanos e pelo direito constitucional no domínio da realização dos direitos sociais. Ele resulta em perdas significativas de receitas para o Estado e, por consequência, de despesa a favor dos cidadãos. Se considerarmos o tempo, o trabalho e o dinheiro despendidos na tentativa de evitar impostos e os custos de oportunidade envolvidos na evasão fiscal, concluímos essas perdas aumentam de forma dramática.
De há uns anos a esta parte, o problema da evasão fiscal tem estado no centro da agenda da comunidade internacional, nomeadamente através da iniciativa Base Erosion e Profit Shifting (BEPS) promovida pela OCDE. No âmbito da União Europeia, o problema não tem tido menor relevância, já que os Estados membros dependem em medida significativa do bom funcionamento do sistema fiscal para cumprirem os objetivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento no quadro da União Económica e Monetária.
Neste contexto, a “manufatura da indeterminação factual”, consistindo entre outras coisas na criação artificial e artificiosa de complexidade acrescida nas transações empresariais, apresenta-se como um instrumento típico de evasão fiscal suscetível de produzir um impacto multinível.
Não está em causa a legitimidade de uma medida razoável de planeamento fiscal por parte dos agentes económicos, através da utilização das isenções, deduções, abatimentos e outros benefícios fiscais que o legislador põe à disposição dos contribuintes por entender que dessa forma prossegue da melhor maneira os seus objetivos financeiros, económicos e sociais. Quando age deste modo, o contribuinte nada faz de ilegal, do ponto de vista puramente formal e material. Diferentemente se passam as coisas no planeamento abusivo, quando se pretende reduzir os impostos de uma maneira que é "contrária ao espírito da lei". Nestes casos, pretende-se contornar os objetivos materiais do sistema fiscal através de uma utilização meramente formalista e ardilosa das normas fiscais, numa ótica de fraude à lei.
É nestes casos que se manifesta a insuficiência de uma interpretação meramente literal sendo importante a interpretação teleológica. Este aspeto é especialmente importante na medida em que, nos termos do artigo 103º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 5º n.º 1 da LGT, os objetivos da tributação expandem-se muito para além do simples aumento das receitas fiscais. Assumindo uma natureza social de interesse público, eles incluem a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas de forma a permitir-lhes, entre outras coisas, a efetivação dos direitos sociais constitucionalmente consagrados, a promoção da justiça social e da igualdade de oportunidades e a necessária correção das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento. Da prossecução destes objetivos depende, em última análise, a legitimidade dos sistemas político e fiscal.
O que explica o desenvolvimento, ao longo das últimas décadas, de doutrinas jurídico-fiscais anti-abuso, como sejam
a) primazia da substância sobre a forma (substance over form);
b) substância económica do negócio (economic substance);
c) teste do principal propósito (PPT);
d) transação por passos (step transaction) ou
e) transação-farsa (sham transaction).
No seu conjunto, estas doutrinas visam a preservação da base tributária e o combate ao planeamento fiscal abusivo. O respetivo conteúdo sobrepõe-se em boa medida.
Estas doutrinas, inicialmente de emanação jurisprudencial, acabaram por servir de base, em vários países, à introdução legislativa de regras ou cláusulas gerais e especiais anti-evasão fiscal (General anti-avoidance Rules – GAAR; Special anti-avoindance rule - SAAR). As GAAR, entre nós conhecidas por cláusulas gerais anti-abuso (CGAA) têm a vantagem de serem aplicáveis a todas as transações e a todos os impostos, podendo atuar subsidiariamente mesmo relativamente a uma cláusula especial. O objetivo destas cláusulas gerais e especiais é claro: incentivar o pagamento de impostos e desincentivar a evasão fiscal. Podendo e devendo ser mobilizadas de autonomamente ou de forma combinada, as mesmas possibilitam à administração fiscal e aos tribunais a desconsideração e recaracterização de transações jurídicas destituídas de substância económica ou comercial bastante.
As CGAA’s são deliberadamente redigidas com recurso a conceitos vagos abertos e carecidos de uma interpretação e aplicação ativa por parte das administrações tributárias e dos tribunais. As mesmas apostam na criação de alguma indeterminação, suscetível de desincentivar o planeamento fiscal agressivo e a evasão e fiscal. Elas representam um desvio considerável ao raciocínio jurídico formal, baseado na análise linguística e da sucessão das leis no tempo e na garantia estrita de tipicidade, certeza e previsibilidade, que tem caracterizado o direito fiscal. A certeza e a segurança jurídicas são fundamentais para incentivar o investimento e estruturar transações comerciais. Embora estes princípios continuem a caracterizar a prática quotidiana da formulação, interpretação e aplicação das normas fiscais, como resulta das exigências do Estado de direito, os mesmos não se apresentam como imperativos categóricos absolutamente subtraídos a um processo de ponderação.
As CGAA’s repousam no reconhecimento de que uma adesão estrita ao formalismo jurídico-fiscal é absolutamente irrealista e quixotesca diante das possibilidades quase infinitas de manipulação das formas jurídicas e de planeamento fiscal agressivo a nível nacional e internacional. A recente intensificação e globalização das condutas de evasão e fraude fiscal impõe, nalgumas situações, a assunção de uma atitude mais realista, pragmática e orientada para os resultados, por parte do legislador, da administração e dos tribunais tributários.
Esta abordagem exige que, nos casos em que se vise prevenir o planeamento fiscal abusivo, a administração e os tribunais ultrapassem os limites da análise linguística de textos legais e da investigação da história legislativa e avancem para um inquérito normativo quanto aos fins prosseguidos pela legislação tributária e os melhores meios para alcançar esses fins. A postura da administração e dos tribunais deve ser prática e enraizada em resultados empíricos.
Entre nós, o TCAS teve ocasião de se pronunciar sobre a CGAA, tendo salientado que “as normas anti-abuso encontram a sua “raison d´être”, no comportamento evasivo e fraudatório dos sujeitos passivos em matéria fiscal e na necessidade de estabelecer meios de reação adequados por forma a garantir o cumprimento do princípio da igualdade na repartição da carga tributária e na prossecução da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas”. Neste sentido, as CGAA’s exprimem a ponderação harmonizadora e proporcional do princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança – com as suas exigências de tipicidade e legalidade – com outros bens constitucionalmente protegidos, como sejam a preservação da base tributária, a equidade tributária e a efetivação dos direitos fundamentais e da justiça social. Elas reconduzem-se ainda a uma ponderação constitucionalmente saudável de valores e princípios constitucionais.
IV.2. O artigo 38º nº 2 da LGT
É no quadro destes desenvolvimentos que deve ser entendida entre nós a introdução de uma CGAA. Ela surgiu pela primeira vez por força da Lei nº 100/99 de 22 de julho, que acrescentou um n.º 2 ao artigo 38º da LGT. Aí se dizia:
“São ineficazes os atos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objetivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de atos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos.”
Entretanto, a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT foi alterada na sua redação pela lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro. Aí se dispõe agora:
“São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”
Relativamente à versão inicial, a redação atual da CGAA destaca-se por circunscrever a ineficácia de atos e negócios jurídicos ao âmbito tributário, conservando os mesmos a sua validade e eficácia noutros domínios. Digna de nota é, outrossim, a eliminação da exigência de demonstração, sugerindo uma atenuação do standard probatório por parte da AT. No entanto, deve ter-se em conta o artigo 63º n.º 3 alínea b) do CPPT onde se dispõe que a fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da CGAA deve conter a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à produção de vantagens fiscais. Esta última referência, feita em termos genéricos, aponta para a irrelevância da questão de saber quem é que efetivamente obteve as vantagens fiscais. Se qualquer das partes envolvida na transação obteve uma vantagem fiscal indevida, por não ter sido contemplada pelo legislador tributário e não ter correspondência com a substância económica, cabe à AT considera-la ineficaz e neutralizar a produção da mesma. Este aspeto é especialmente relevante nos casos em que a vantagem é produzida e obtida dentro de uma lógica de grupo.
O artigo 38º n.º 2 da LGT vincula a CGAA a um principal purpose test (PPT), formulado pelo legislador nacional como propósito essencial ou principal, e à presença de condutas que indiciem o recurso a meios artificiosos e fraudulentos e o abuso de formas jurídicas. Ponto é que se tenha em vista a) a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos devidos por força de factos, atos ou negócios de idêntico fim económico ou b) a produção de vantagens fiscais dependentes daqueles meios. Num caso e noutro, a tributação é feita de acordo com as normas aplicáveis na ausência dos atos e meios em causa, não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
Da exegese do artigo 18º n.º 2 da LGT resulta que a AT deve carrear elementos indiciários que lhe permitam estabelecer a existência de uma operação artificiosa e abusiva de acordo com o crivo, de exigência intermédia, da preponderância da prova ou equilíbrio das probabilidades que em vários quadrantes tem vindo a ser associado à aplicação das CGAA’s. Isso obriga a uma abordagem contextual e factual dos casos concretos, simultaneamente atenta à teleologia das normas fiscais e às características e objetivos das transações. Especialmente importante é a análise da transação na sua totalidade, atentando a todos os seus passos e participantes, reservando um escrutínio particularmente exigente quando se tratar de transações envolvendo sócios e sociedades do mesmo grupo. Nestes casos, o princípio da primazia da substância sobre a forma admite que certas entidades “agrupadas” possam ser consideradas com um único contribuinte.
A ambiguidade parece ser o principal objetivo deste tipo de técnica legislativa. Ao recortar a CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT, o legislador fiscal reconhece a necessidade de preservar a base tributária e habilitar a AT e os tribunais a proteger as finalidades substantivas do legislador fiscal. A incerteza deliberadamente gerada nos contribuintes leva-os a não se aproximarem muito da linha que demarca a fraude e elisão, permitindo, a um tempo, que a CGAA seja suficientemente flexível para acompanhar as novas transações geradas pela dinâmica e acelerada “indústria do planeamento fiscal agressivo” e que a AT e os tribunais preencham as lacunas do sistema fiscal em situações imprevistas e potenciadoras de abusos.
A CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT não permite a redução, eliminação, diferimento de impostos ou a produção de vantagens fiscais nos casos em que a transação que as originou não possa ser razoavelmente considerada como tendo um propósito económico principal e manifeste uma utilização artificiosa, fraudulenta e abusiva das formas jurídicas. Nesses casos, a AT tem o poder/dever de requalificar a operação realizada e liquidar o imposto de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e como se a vantagem fiscal nunca tivesse sido produzida. Por outras palavras, ela tem o poder de reescrever a transação abusiva e liquidar os impostos que seriam devidos se a mesma nunca tivesse ocorrido.
IV.3. Aplicação da CGAA do artigo 38º nº 2 da LGT ao caso concreto
Esclarecido o conteúdo substantivo da CGAA do artigo 38º n.º 2 da LGT, importa em seguida escrutinar a sua aplicação ao caso concreto tal feita pela AT. Este exame é levado a cabo partindo do princípio de que a decisão jurídico-política de introdução de uma CGAA no ordenamento jurídico nacional é sistemicamente incompatível com a adoção, neste âmbito, de uma atitude formalista e literalista por parte das instâncias de controlo jurisdicional, incluindo a arbitragem tributária.
A AT limitou-se a considerar ineficaz, no âmbito tributário, o negócio jurídico de compra e venda de participações sociais sem, no entanto, deixar de ver esta transação como parte de um esquema mais alargado. A reorganização do grupo através da constituição da A… SGPS é tida em linha de conta no enquadramento mais vasto em que se insere a transmissão de ações. Esta limitação da ineficácia dos negócios jurídicos prevista no artigo 38º n.º 2 da LGT ao estritamente necessário à prossecução do objetivo fiscal prosseguido pela AT está inteiramente em conformidade com o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo que deve nortear a atuação da Administração. Nos termos do artigo 7º n.º 2 do Código de Processo Administrativo (CPA), “As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.”
A fim de fundamentar a sua atuação, a AT constrói o seu raciocínio a partir da premissa de que inscrição no passivo da A… SGPS de uma dívida de cerca de 8 milhões de euros, a crédito dos seus sócios, pela adquisição das ações da B…, por eles detidas, dificilmente se deixa plausibilizar à luz de uma lógica puramente económica e empresarial. E a verdade é que uma análise da transação sub judice com base nos critérios da primazia da substância sobre a forma, da substância económica do negócio e do teste do principal propósito (PPT), permite acolher a razoabilidade da conclusão, sustentada pela AT, de que o fim essencial ou predominante da transação efetuada foi evitar ou diferir o pagamento de impostos legalmente devidos, a saber, os que no caso incidiriam sobre os dividendos que deveriam ser distribuídos e não o foram. Em abono deste entendimento, afiguram-se especialmente relevantes e cogentes os seguintes argumentos:
a) A transação em causa envolveu duas sociedades relacionadas e os sócios comuns a ambas; as ações detidas pelos sócios na B… foram alienadas à A… SGPS que também controlam.
A A…, SGPS foi constituída em 3-09-2008 com o capital de € 50.000,00 representado por 50.000 ações com o valor nominal de € 1,00 cada, distribuído por:
- 23.000 ações – C…
- 23.000 ações –D…
- 1.000 ações – E…
- 1.000 ações –F…
- 1.000 ações – G…
- 1.000 ações – H…,
tendo por objeto social a gestão de participações sociais noutras sociedades.
Em 23-12-2008 foi outorgado o contrato de compra e venda de ações, mediante o qual os acionistas da A…, SGPS alienaram a totalidade das ações da B… à A…, SGPS, pelo preço total de € 8.000.000,00, capital esse representado por 100.000 ações de € 80,00 cada e distribuído da seguinte forma:
- 44.000 ações – C…
- 44.000 ações –D…
- 3.000 ações – E…
- 3.000 ações –F…
- 3.000 ações – G…
-3.000 ações – H…
As ações foram vendidas pelo referido preço de € 8.000.000,00 a pagar pela A…, SGPS em 10 prestações anuais iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira em 31 de dezembro de 2009 e a última a 31 de dezembro de 2018, não havendo lugar ao pagamento de juros.
b) O grupo aumentou substancialmente o seu volume de negócios nos últimos anos; ele cresceu de € 2.435.018,19, em 2009, para € 9.719.136,48, em 2014; a B… revelou-se uma empresa muito rentável e com sólida estrutura de capitais;
De salientar que para além da B… em que a A…, SGPS detém 100% do capital, a A…, SGPS é ainda detentora de participações de 16% no capital da K…, Lda. e de 12% da L…, Lda.
c) Os preços praticados na transmissão das participações sociais foram isolados das vicissitudes do mercado; as ações foram alienadas por € 80, tendo havido o cuidado de demarcar o valor das ações do balanço da B… e das respetivas oscilações; durante os 10 anos do prazo de pagamento do empréstimo não seriam cobrados juros à A… SGPS, apesar de a mesma ter ficado de imediato na posse das ações.
Esta situação só foi possível por os detentores do capital serem os mesmos.
d) Depois da transação, os sócios mantiveram substancialmente inalterada a sua posição de controlo económico sobre toda a estrutura societária; os acionistas da B… continuaram a deter o respetivo capital através da A… SGPS de que eram detentores. A posição económica dos acionistas individuais não sofreu qualquer alteração significativa, o que permite questionar a existência de um propósito substancial para além da redução ou do diferimento de impostos.
e) Os impostos pagos pela sociedade e pelos sócios eram demasiado baixos em relação ao crescimento do volume de negócios do grupo; no período de 2009 a 2014, a A… SGPS acumulou resultados distribuíveis de € 6.896.765,64, evidenciando rendimento real e capacidade contributiva, conforme quadro abaixo:
A… SGPS - Aplicação dos Resultados do Período.
Reservas Disponíveis para Distribuição
|
Período
|
Resultado Líquido do Período
|
Resultados Disponíveis para Distribuição
|
Valor Acumulado[1]
|
2008
|
2.403,96 €
|
2.282,81 €
|
2.402,96 €
|
2009
|
756.683,69 €
|
746.03,84 €
|
749.086,65 €
|
2010
|
1.061.152,78 €
|
1.008.085,14 €
|
1.757.171,79 €
|
2011
|
817.976,83 €
|
817.858,06 €
|
2.575.148,62€
|
2012
|
1.616.480,95 €
|
1.616.480,95 €
|
4.191.629,57 €
|
2013
|
1.402.244,97 €
|
1.402.244,97 €
|
5.593.874,54€
|
2014
|
1.302.891,10 €
|
1.302.891,10 €
|
6.896.765,64 €
|
f) A partir do momento em que a A… SGPS se torna acionista única da B… verificou-se uma alteração brusca da política de distribuição de resultados. O objetivo assumido era diferir a tributação para um futuro incerto ou para o momento da liquidação da A… . Como sustenta a AT “à exceção de uma distribuição de resultados ocorrida em 2007, a B… nunca distribuiu resultados e, isto, pese embora, os resultados positivos apresentados desde 2003. Assim só em 2010 a B… começa a atribuir resultados à sua única acionista e relativos ao ano de 2009.” (Resposta AT, n. 36).
Ano
|
Resultado líquido
|
Reservas/ Resultados Transitados
|
Aplicação de Resultados para a A…, SGPS
|
2003
|
142 195,34
|
142 195,34
|
0,00
|
2004
|
230 010,94
|
230 010,94
|
0,00
|
2005
|
594 200,31
|
594 200,31
|
0,00
|
2006
|
912 341,30
|
912 341,30
|
0,00
|
2007
|
1 178 793,78
|
1 184 519,78
|
0,00
|
2008
|
919 517,91
|
919 517,91
|
0,00
|
2009
|
821 087,40
|
0,00
|
821 087,40
|
2010
|
1 045 813,50
|
0,00
|
1 045 813,50
|
2011
|
795 547,27
|
0,00
|
795 547,27
|
2012
|
1 582 913,89
|
662 913,89
|
920 000,00
|
2013
|
1 381 755,73
|
421 755,73
|
960 000,00
|
2014
|
1 270 618,01
|
1 270 618,01
|
0,00
|
Total
|
10 874 795,38
|
6 338 073,21
|
4 542 448,17
|
g) Embora os acionistas individuais estivessem muitos anos sem receber dividendos, os dividendos pagos pela B… à A… SGPS eram utilizados para lhes pagar a dívida de 8 milhões de euros. Para poder haver lugar ao aproveitamento por parte da A… SGPS, relativamente a tais lucros, da eliminação da dupla tributação, verificou-se o incumprimento da cláusula contratual que estipulava como ano de início de pagamento das dez prestações anuais o ano de 2008, logo nos dois primeiros anos, ou seja, 2008 e 2009. Para compensar esse atraso, as prestações anuais pagas aos acionistas nos anos de 2011 e 2012 foram o dobro do estipulado, ou seja, €1.600.000,00 em cada ano, passando nos anos seguintes para os valores acordados, €800.000,00 anuais.
A partir destes dados factuais, é razoável duvidar da genuinidade da transação ou arranjo de transações em presença, do ponto de vista respetiva substância económica. Lançando mão de uma abordagem holística e multifatorial da transação, que lhe permitiu ver através das formas (“look through”), a AT concluiu, de maneira ponderada e metódica, que os € 8.000.000,00 de dívida constituída a favor dos acionistas da A… SGPS visaram, na realidade, “consumir” os resultados que, evidenciando capacidade contributiva e rendimento real, deveriam ter sido distribuídos e não o foram, desse modo diferindo a respetiva tributação. Ao abrigo dos poderes de requalificação ou recaracterização que lhe são delegados pela CGAA do artigo 38º nº 2 da LGT, a AT considerou que se tratava aí, objetivamente, de dividendos construtivos (constructive dividends), devendo ser tributados como tais . Note-se que os chamados dividendos construtivos ou disfarçados ocorrem com maior frequência nas situações em que, em virtude da estrutura do capital das sociedades em presença, as negociações entre estas e os seus acionistas assumem uma maior informalidade.
Deste modo, a AT procurou adequar a realidade fiscal à substância económica da transação. A idêntica solução se chegaria aplicando a doutrina da fraude à lei (fraus legis) que nalguns ordenamentos jurídicos opera como equivalente funcional da CGAA. No caso em apreço, o facto tributário (i. e. distribuição de dividendos) é evitado pela não utilização dos meios jurídicos normais através do recurso a meios artificiosos destituídos de efeitos económicos relevantes para além da poupança fiscal tendo como resultado fiscal o pagamento de menos impostos do que aqueles que seriam devidos se tivessem sido utilizados os meios jurídicos normais. A constituição da dívida a favor dos acionistas constitui o negócio simulado, sendo a distribuição de lucros o negócio dissimulado.
A decisão da AT está longe de ser errónea e absurda, não representando um desvio ou abuso de poder ou um exercício indevido da discricionariedade. As considerações acima enunciadas permitem razoavelmente concluir que a transação em análise apresenta muitos os elementos típicos que correspondem à criação de um mercado fictício (fictitious market) onde sócios e/ou sociedades do mesmo grupo transacionam entre si a preços controlados, não sujeitos à tensão económica característica do mercado e resultante do saudável distanciamento competitivo que o mesmo impõe (arms-length principle).
Um dos múltiplos exemplos de escola da doutrina da transação-farsa (sham transaction doctrine) é precisamente o da uma distribuição de dividendos através da constituição de um empréstimo junto dos acionistas, operação que é designada, nos meios dedicados ao estudo do planeamento fiscal agressivo, como transação de descolamento de dividendos (dividend-stripping transaction). A mesma é uma de muitas modalidades estudadas de dividendos construtivos ou disfarçados . Por este motivo, o presente coletivo entende que a AT fez um uso legítimo da margem de apreciação que lhe é reconhecida pela CGAA do artigo 38º nº 2 da LGT.
IV.4. Dever de fundamentação
Nos termos do artigo do 152º nº 1 a) do CPA, o dever de fundamentação estende-se a atos administrativos que total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções. Este dever serve uma função objetiva, de garantia da legalidade, transparência, integridade, racionalidade e controlabilidade da atuação administrativa, e objetiva, de salvaguarda dos direitos substantivos e processuais de defesa dos direitos e interesses dos destinatários do ato administrativo. Na sua dimensão objetiva, o dever de fundamentação deve representar os pressupostos de facto e as normas jurídicas que deram ao ato a sua específica conformação, de modo a permitir ao lesado a sua impugnação junto das instâncias administrativas e judiciais competentes.
O ato da AT de aplicação da CGAA está subordinado a um dever específico de fundamentação, previsto no artigo 63º nº 3 do CPPT, que compreende necessariamente:
a) A descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado e dos negócios ou atos de idêntico fim económico, bem como a indicação das normas de incidência que se lhes aplicam;
b) A demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.
A melhor maneira de avaliar se a AT satisfez as exigências de fundamentação é ver o que a tal respeito consta do relatório de inspeção que sustenta o ato impugnado:
«II. Descrição do negócio jurídico celebrado ou do ato jurídico realizado
O negócio jurídico em discussão resulta de um esquema, pré-planeado, que começa com a alienação, por parte dos acionistas da B…, das participações sociais que detinham naquela sociedade, à A… SGPS, e culmina com o reembolso do crédito decorrente dessa transação, no intuito de evitar os impostos a "suportar" pelos acionistas decorrentes da distribuição de dividendos.
Trata-se de um conjunto complexo de atos/negócios sujeitos a uma arquitetura global: subscrição do capital da A… SGPS na íntegra pelos acionistas da B…, venda das aç6es da B… por um preço muito superior ao seu valor nomina' (beneficiando da exclusão de tributação prevista na alínea a) do n o 2 do artigo 10º do CIRS em vigor ao tempo) e consequente constituição de um crédito a favor destes junto da A… SGPS, pelo que só na sua visão completa, que passaremos a descrever, se deteta o desenho elisivo:
a. Em 03 de Setembro de 2008, foi constituída a sociedade A… SGPS com um capital social de € 50.000,00 (capital mínimo exigível, nos termos previstos no artigo 276 0 do Código das Sociedades Comerciais), pelos mesmos acionistas da B…, e em idêntica proporção para cada uma das famílias detentoras;
a. note-se que a constituição desta SGPS, só por si, não pode ser considerado um ato anormal10, mas antes o aproveitamento da mesma para a prossecução deste esquema;
b. Em 23 de Dezembro de 2008 os referidos acionistas alienaram a totalidade do capital da B… à A… SGPS, ao preço de € 80 por ação (quando o respetivo valor nominal unitário era de € 5,00;
a. refira-se que não é apresentada nenhuma justificação para o preço estipulado, tendo havido porém o cuidado de incluir no Contrato de Compra e Venda de Ações celebrado, uma cláusula que o demarca do valor de balanço da B… e afasta por completo qualquer possibilidade de alteração do mesmo em resultado de eventuais alterações no valor da sociedade transacionada;
c. Sem recursos financeiros para pagar a importância de € 8.000.000, a A… SGPS reconhece uma dívida aos acionistas, que estes acordam receber num prazo de 10 anos, sem juros, em prestações anuais de € 800.000, vencendo-se a primeira no ano de 2008;
a. de facto, a A…, constituída três meses antes, possuía no seu ativo, à data da celebração do aludido contrato, unicamente o valor correspondente ao capital social inicial - € 50.000 — não tendo, entretanto, contraído qualquer financiamento junto da banca, dos seus acionistas ou de terceiros, que lhe permitisse efetuar esta aquisição em condições normais de mercado;
b. apenas a existência de relações especiais com os acionistas (ta' como são definidas nas alíneas a) e c) do no . 4 do artigo 630 do CIRC) permitiu a realização desta transação em condições tão favoráveis de pagamento (dilação temporal por 10 anos sem quaisquer encargos) com imediata obtenção da titularidade das participações sociais adquiridas;
c. na realidade, os vendedores, na qualidade de ex-acionistas da B… e, simultaneamente, de acionistas da A… SGPS, possuam informação privilegiada relativamente à situação patrimonial de ambas as sociedades intervenientes no negócio, sabendo perfeitamente que, por via deste, a A… passaria a deter o direito a receber os lucros que foram sendo acumulados pela B… desde há vários anos e ainda não distribuídos aos acionistas;
d. Não obstante os resultados positivos apresentados pelo menos desde 2003 (e com exceção da já citada distribuição de resultados aos acionistas pessoas singulares, ocorrida em 2007), apenas em 2010 a B… começa a atribuir resultados ao acionista (relativos ao ano de 2009) — a A… SGPS - de forma reiterada, beneficiando da eliminação da dupla tributação económica (DTE) a que se refere o artigo 51 .º do CIRC);
a. na redação que lhe foi dada pela Lei n. º 55-A/2010, de 31 de Dezembro — OE (vigente à data), esta norma estipula que serão dedutíveis ao lucro tributável os rendimentos correspondentes a lucros distribuídos desde que verificados, entre outros, o seguinte requisito: "a entidade beneficiária detenha diretamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferiores a 10% e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros.
e. Por fim, as importâncias recebidas pela A… a título de distribuição de resultados, são, a partir de 2011, utilizadas para amortização das citadas dívidas constituídas junto dos acionistas em resultado da alienação das partes de capital da B…;
a. porém, o aproveitamento da exclusão tributária citada na alínea d) anterior obrigou ao incumprimento da cláusula contratual que estipulava como ano de inicio de pagamento das dez prestações anuais o ano de 2008 durante os dois primeiros anos — 2008 e 2009, facto para o qual não existe outra justificação possível;
b. para compensar este atraso, as prestações anuais pagas aos acionistas nos anos de 2011 e 2012 ascenderam a € 1.600.000 em cada ano, passando depois, nos anos seguintes, a cifrar-se nos € 800.000 contratados (ver quadro da página 43).
Apresenta-se de seguida um diagrama dos atos/negócios jurídicos realizados por ordem cronológica para que melhor seja percebido o encadeamento das operações.
(…)
Numa análise preliminar, podemos concluir que estamos na presença de uma estrutura, enquanto conjunto de atos sequenciais, lógicos e planeados, organizados de modo unitário (encadeados), com vista a atingir o objetivo fiscal visado: distribuir dividendos sem os sujeitar a tributação à taxa liberatória prevista na alínea c) do nº 1 do artº 71 do CIRS (anos de 2011 a 2014), e na alínea a) da mesma norma (ano de 2015).
Tais atos ou negócios jurídicos consubstanciam-se no reembolso aos acionistas após a distribuição de lucros pela sociedade B… à sociedade A… SGPS (beneficiando da eliminação da DTE a que se refere o artigo 51º do CIRC), antecedida da alienação das participações de 100% que estes detinham no capital social da sociedade B…, em 23 de Dezembro de 2008, pelo valor global de € 8.000.000,00, à sociedade A… SGPS, na qual detêm a totalidade das participações.
Pela via da alienação das ações à A… SGPS, os dividendos da B… são disponibilizados aos acionistas, evitando a retenção na fonte a título definitivo e beneficiando da exclusão de tributação prevista no regime transitório da categoria G previsto no Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11 e na redação à data da alínea a) do nº 2 do artigo 10º do CIRS.
II. Descrição dos negócios ou atos de idêntico fim económico
No caso em análise, o ato com fim económico idêntico aos pagamentos efetuados aos acionistas a título de reembolso de dívidas, seria a distribuição de dividendos aos mesmos por parte da B…— enquadrados como rendimentos na categoria E, nos termos do n 0 1 e da alínea h) n.0 2 do artigo 50 do Código do IRS - e a retenção na fonte desses rendimentos à taxa liberatória, conforme estipula a aliena c) do n. 0 1 do artigo 71.0 do mesmo Código (para os anos de 2011 a 2014) e a alínea a) do mesmo preceito para o ano de 2015, de acordo com o enquadramento legal que expomos no capítulo III deste Relatório.
Com efeito, sendo o objetivo a retirada de lucros da sociedade B… . Tal desiderato poderia e deveria ter sido atingido com a simples distribuição de dividendos aos acionistas. Ao invés, enveredou-se por uma série de atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos, que face à realidade económica em concreto, não se demonstra a sua razoabilidade, o que denuncia claramente a intenção artificiosa da sua utilização.
Não se vislumbra nenhum motivo válido do ponto de vista económico para a acumulação sucessiva de avultados resultados ao longo dos anos por parte daquela sociedade sem distribuição aos acionistas (excetuando os já referidos € 500.000 distribuídos em Novembro de 2007, que foram tributados nos termos legais). Este facto torna-se ainda mais incompreensível quando estamos perante uma empresa muito rentável e com uma sólida estrutura de capitais, como é o caso da B… .
Mostra-se evidente que, sem a utilização desses meios os contribuintes beneficiários não evitariam a tributação, resultante da transformação dos dividendos em reembolso do crédito, ficando sujeitos a imposto, nos termos gerais, como rendimentos da categoria E de IRS.
Ao utilizar esta estrutura, resulta claro que os acionistas das sociedades identificadas decidiram artificiosamente evitar a tributação em IRS através da celebração de um conjunto de negócios anómalos, atingindo assim, idêntico fim económico, e evitando desse modo a tributação em sede de IRS na importância de € 1.428.000,00 apurado em conformidade com as normas legais adiante indicadas.
III. Indicação das normas de incidência que se lhes aplicam
A sanção, prevista na parte final do nº 2 do aligo 38º da LGT, onde refere: "efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas", resulta, pois, na estatuição da própria norma.
Como a transformação de uma distribuição de dividendos num reembolso de divida gerada pela alienação das ações da B… à A… SGPS não teve outra motivação que não fosse evitar a tributação em sede de IRS, categoria E/capitais na esfera dos acionistas enquanto pessoas singulares, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz, no âmbito tributário, a classificação destes rendimentos como reembolsos de dívidas e enquadrá-los como distribuição de dividendos, nos termos da alínea h) do n. º 2 do artigo 5. º do CIRS, sujeito à taxa liberatória prevista na alínea c) do n. º 1 do artigo 71 º do mesmo diploma legal (para os anos de 2011 a 2014), e na alínea a) do n. º 1 do artigo 71 º (para o ano de 2015).
Estamos perante as denominadas "step by step transactions", envolvendo uma sucessão de atos coordenados entre si, devendo o aplicador da lei operar um tratamento integrado, visualizando-as como uma única transação, propendendo para um único e final resultado. Pois bem, quando assim sucede, a disposição anti-abuso pode e deve aplicar-se ao momento decisivo e final que é representado, "in casu", pela receção dos pagamentos pelos acionistas a título de reembolsos de dívidas por parte da A… SGPS, que seria o que aconteceria na ausência da operação compósita evasiva.
No presente caso, a interposição da sociedade A… SGPS entre os acionistas e a sociedade B…- através da transmissão realizada e a consequente alteração da titularidade jurídica direta por uma titularidade indireta - e a sua utilização abusiva, teve como objetivo a retirada dos lucros da B… (beneficiando da já referida eliminação da DTE) e a transformação destes em reembolso do crédito gerado com a transmissão, resultando na eliminação da tributação, em sede de IRS dos principais acionistas das sociedades em análise e acima identificados, nos períodos de 2011 a 2015, uma vez que, sem a utilização da estrutura utilizada, não beneficiariam da exclusão de tributação, ficando aqueles fluxos sujeitos a imposto, como rendimentos da categoria E de IRS.
Assim, depois de realizada a venda, a B… iniciou a distribuição de resultados e de lucros à A… SGPS (sem tributação, nos termos do artigo 51 0 do CIRC), nos montantes de € 821.087,40, € 1.945.813,50, €1.545.547,20, € 920.000,00, € 960.000,00 e € 2.400.000,00, relativos aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 e pagos em 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, sendo a totalidade dos lucros transferida — €1.600.000,00, € 1.600.000,00, € 800.000,00, € 800.000,00 e € 800.000,00 (respetivamente, em 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015), em seguida, para os acionistas a título de reembolso do crédito formado com a operação de alienação da B… .
Note-se que, após esta operação, ambas as famílias intervenientes ficaram a deter uma percentagem do capital social na A… SGPS idêntica à que detinham anteriormente na B…- isto é, 50% - sendo que a sua posição relativa se mantém inalterada, uma vez que tanto a família J… como a família I… possuem agora 50% da A… SGPS e, portanto, indiretamente, 50% da B… .
Caso estes montantes fossem pagos aos acionistas sob a forma de lucros, sem a estrutura utilizada, estariam sujeitos a tributação, nos termos do disposto no artigo 5º nº 2, alínea h) do Código do IRS, à semelhança do que aconteceu em Novembro de 2007, aquando da distribuição de resultados aos acionistas — ao tempo, pessoas singulares — no valor de € 500.000.
Estes rendimentos tipificados como de Capitais — Categoria E estão sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória, tal como resulta da alínea c) do n. º 1 do artigo 71. º do Código do IRS .com a correspondente redação à data dos factos) e da alínea a) do n. 0 1 do artigo 71. º do Código do IRS (na redação atualmente vigente para o ano de 2015), a partir do momento em que são colocados à disposição do respetivo titular, conforme dispõe a alínea 2) do n. º 3 do artigo 7. º do CIRS. As taxas liberatórias vigentes nos anos de 2011 e 2012, eram de 21,50%, 25%, 26,5%, respetivamente, e 28% desde 2013 até ao presente, conforme se esquematiza:
Ano
|
Taxa liberatória aplicável
|
Redação dada pela
|
2011
|
21,50%
|
Lei n. 0 55-A/2010,
|
de 31 de Dezembro – OE
|
2012
|
25,00%
|
Lei n. 0 64 8/2011,
|
de 30 de Dezembro – OE
|
2012
|
26,50%
|
Lei n. º 55-N2012,
|
de 29 de Outubro
|
2013
|
28,00%
|
Lei n. 0 66-8/2012,
|
de 31 de Dezembro – OE
|
2014
|
28,00%
|
Lei n. 0 66-8/2012,
|
de 31 de Dezembro – OE
|
2015
|
28,00%
|
Lei n. 0 82-32014,
|
de 31 de Dezembro – OE
|
Deste modo, tendo sido a sociedade A…SGPS que colocou à disposição os lucros, será sobre os montantes pagos por esta aos acionistas que incidirá retenção na fonte no momento do pagamento, e caberia a esta a sua entrega — por força do disposto no n. º 1 do artigo 98. º do CIRS —.de acordo com os valores abaixo apurados e nos períodos indicados:
Ano
|
|
Mês de pagamento dos rendimentos
|
Rendimentos da categoria
E pagos pela A…
|
2011
|
|
Fevereiro
|
800.000,00
|
Outubro
|
800.000,00
|
2012
|
|
Janeiro
|
800.000,00
|
Dezembro
|
800.000,00
|
2013
|
|
Setembro
|
800.000,00
|
2014
|
|
Julho
|
752.000,00
|
Agosto
|
48.000,00
|
2015
|
|
Julho
|
800.000,00
|
|
Total
|
5.600.000,00
|
Alínea b) do n.º 3 do art.º 63 do CPPT:
Para cumprimento deste requisito a administração fiscal terá que demonstrar que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais.
Com o intuito de demonstrar que não houve outro interesse para além do fiscal com a presente operação, vamos procurar responder a três requisitos que consideramos fundamentais:
-
Comparação das vantagens fiscais com o benefício económico
A vantagem fiscal do reembolso do crédito pela sociedade A… SGPS aos seus acionistas, resultante da aquisição das participações que estes detinham na sociedade B… e após a distribuição de dividendos por parte desta à A… SGPS, consistiu na retirada de dividendos da sociedade B… sem qualquer tributação.
No caso em análise não se vislumbra qualquer benefício económico, uma vez que a via escolhida pelo contribuinte para obter o desejado ganho ou vantagem fiscal concretizou-se nos seguintes atos:
- Os acionistas procederam à alienação das ações que titulavam o capital social da B…, aproveitando a não sujeição das mais-valias por alienação de ações detidas há mais de 12 meses e beneficiando ainda do regime transitório da categoria G previsto no artigo 50 do Decreto-Lei no. 442A/88, de 30 de Novembro (que aprovou o Código do IRS);
- Para o efeito, utilizou-se a sociedade "holding" recentemente criada (A…SGPS) para proceder à aquisição das supra referidas ações;
- Montada esta estrutura, temos que, quando a sociedade B… distribui dividendos à A… SGPS, não há qualquer encargo tributário face à eliminação da dupla tributação económica prevista no artigo 51º do CIRC, sendo que esse rendimento, na SGPS, nunca chega a ser distribuído aos seus acionistas (as mesmas pessoas singulares) sob a forma de lucros, e como tal, nunca há tributação em sede de IRS na esfera dos mesmos, na medida em que esses valores servem para mero reembolso das quantias emprestadas pelos citados acionistas, que, relembre-se, serviram tão somente o propósito de comprar algo que já lhes pertencia.
Para remunerar o capital dos acionistas a forma normal seria a distribuição de dividendos, pagando o respetivo imposto, e não a criação de uma estrutura que permitiu retirar esses rendimentos sem qualquer tributação, através da sua transformação em reembolso do crédito gerado por uma operação efetuada entre entidades juridicamente distintas, mas economicamente controladas pelos mesmos acionistas.
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Mudança na posição económica do contribuinte que porventura opere
Estas operações tiveram como objetivo fundamental a distribuição de dividendos, colocados à disposição nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, e permitiram a transformação de um fluxo financeiro que, sem a operação de alienação descrita, e a utilização da SGPS constituída, chegaria aos acionistas sob a forma de dividendo e seria um rendimento sujeito a IRS.
Todavia, com as operações realizadas, aquele fluxo financeiro chega aos acionistas sob a forma de reembolso de crédito, que não é considerado rendimento em sede de IRS, possibilitando a transferência não tributada dos lucros da B… para os acionistas (pessoas singulares), através da transformação daquele fluxo, conseguido com a utilização abusiva da sociedade A… SGPS.
Na realidade, as SGPS são, de acordo com o regime jurídico consagrado, um instrumento de gestão de um determinado tipo de ativos, cuja atividade envolve uma série integrada e coordenada de atos projetados sobre um conjunto de participações sociais que têm como objetivo o lucro.
Deste modo, a fim de concretizar esta gestão ativa e dinâmica das participações sociais detidas pelas SGPS, para além do exercício dos direitos sociais inerentes às participações sociais detidas, o legislador admite a realização de diversas operações na prossecução dos seus interesses e das relações com as suas participadas", o que se verifica no caso da A… SGPS nos anos em análise nomeadamente no que concerne às prestações de serviços efetuadas à B… .
Esta sociedade — A… SGPS - serviu porém também para receber os lucros pagos pela B… e permitir a sua retirada pelos acionistas que controlam estas sociedades, agora transformados na figura de reembolso de crédito.
O legislador, no preâmbulo do Decreto-Lei n. 0 495/88, criou condições favoráveis para facilitar e incentivar a criação de grupos económicos, enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português e proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permitisse reunir numa sociedade as suas participações sociais, em ordem à sua gestão centralizada e especializada. Ora, muito embora no presente caso este objetivo se verifique de facto (a A… detém participações sociais noutras duas sociedades, uma da quais operando no mesmo setor de atividade que a B…), a aquisição da B… permitiu a alteração de uma titularidade jurídica direta por uma titularidade indireta - os acionistas da A… SGPS, continuam a deter o poder (controlo) efetivo sobre a B…- atingindo através deste artifício por intermédio do negócio jurídico celebrado um fim essencialmente fiscal.
Importa referir que a A… SGPS não possui imóveis necessários á atividade da B… porque tal não se mostra necessário (aquela labora em imóvel próprio), nem tão pouco precisa de lhe conceder crédito (pelos motivos já amplamente explicados, relacionados com a estrutura de capitais da participada).
Por seu turno, constata-se que os rendimentos da A… SGPS não advêm exclusivamente da detenção de participações sociais, auferindo ainda juros que proveêm da aplicação a curto prazo dos lucros distribuídos pela B…, durante o lapso temporal que medeia entre a entrada dessas importâncias na conta bancária da A… SGPS e a sua saída com destino aos acionistas a título de pagamento da dívida constituída através da alienação das aç5es da B… .
C. Potencial interesse extra-fiscal do mesmo
No caso em análise, conforme demonstrado, a alienação da participação na sociedade B… à A… SGPS e a distribuição de lucros que imediatamente foram utilizados para reembolsar a dívida gerada com a aquisição da B…, visou, em primeira instância, a obtenção do resultado fiscal — distribuição dos lucros sem qualquer tributação.
De igual modo, verificamos que a estruturação das operações, para além de dirigida à obtenção da referida vantagem fiscal, foi ainda e simultaneamente, dotada de uma forma anómala e artificiosa, uma vez que tendo em conta os factos descritos, não se descortina outro motivo para estas operações que não seja a distribuição de dividendos da B… aos acionistas sem qualquer tributação.
Acresce ainda dizer que esta foi uma posição concertada, comum a todos os acionistas, visto que nenhum deles declarou a alienação destas participações sociais para efeitos fiscais: nem através do Anexo G 1 da declaração Modelo 3 de IRS, nem da declaração Modelo 4.
Não obstante os atos e negócios jurídicos que compõem esta estrutura sejam, em si mesmos, válidos e lícitos, e correspondam à efetiva vontade dos sujeitos passivos, não se lhes vislumbra qualquer substância económica.
O que é decisivo na aplicação da Cláusula Geral Anti Abuso é aferir se o ato ou negócio jurídico escolhido tem uma substância, económica ou outra, que se possa dizer predominante na sua relação com a vantagem fiscal (comparativa) objetivamente decorrente dessa escolha. Analisando a sequência dos factos não se encontra substância económica na operação para além da vantagem fiscal.
Assim, concluímos pela existência de uma motivação fiscal preponderante, que se manifestou nas formas adotadas e que faz prevalecer a finalidade fiscal do negócio sobre a finalidade não fiscal.
Pelo que se verifica, de acordo com o supra exposto, estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º0, n.º 2, da LGT e no artigo 63.º do CPPT.
Por assim ser, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário os reembolsos de dívidas aos acionistas da A… SGPS — que mais não são do que uma forma encapotada de distribuir dividendos aos mesmos - uma vez que estas operações foram praticadas com abuso das formas jurídicas e tiveram como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.
Face ao exposto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência da tal estrutura, isto é, alínea n.º h) do n.º 2 do artigo 5.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 71º do CIRS (anos de 201 1 a 2014) e alínea a) do nº 1 do artigo 7º do mesmo Código (ano de 2015), não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38.º da LGT.
3. Verificação do disposto no n.º 5 do artigo 63.º do CPP T
O n.º 8 do artº 63 do CPPT estipula que: "A disposição anti abuso referida no n.º 1 não é aplicável se o contribuinte tiver solicitado à administração tributária informação vinculativa sobre os factos que a tiverem fundamentado e a administração tributária não responder no prazo de 150 dias. "
Na data da elaboração do presente Relatório não é do conhecimento destes serviços a existência de pedido de informação vinculativa, por parte do contribuinte, relativamente aos factos acima descritos.
III.3. IMPOSTOS EM FALTA - IRS NÃO RETIDO E NÃO ENTREGUE
Pelo exposto, afigura-se-nos estarem reunidas as condições para aplicação do disposto no artigo 38.º n.º 2 da LGT e no artigo 63.º do CPP T. Com efeito, caso a distribuição de dividendos se tivesse dado sem o recurso à estrutura utilizada, os mesmos seriam tributados em sede de IRS na esfera dos seus efetivos beneficiários.
Por assim ser, face ao disposto nos artigos indicados, incumbe à Administração Fiscal considerar ineficaz no âmbito tributário, a transformação dos dividendos em reembolsos de dívidas, uma vez que tais atos/negócios foram praticados com abuso das formas jurídicas e tiveram como objetivo essencial a eliminação de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de Idêntico fim económico, ou a obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas total ou parcialmente, sem utilização desses meios.
Em face disto, a tributação deve ocorrer de acordo com as normas aplicáveis na ausência da tal estrutura, não se produzindo as vantagens fiscais referidas, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 38.º da LCT. Ou seja, deve-se proceder à tributação dos montantes pagos pela sociedade A… SGPS no momento em que foram colocados à disposição dos acionistas, conforme se descreve no quadro seguinte, atento o disposto nos já citados artigo 5º, no 2, alínea h), artigo 71.º, nº 1, alínea c) — para os anos de 2011 a 2014 e alínea a) — para o ano de 2015 — e artigo 98º , todos do Código do IRS:
Ano
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Mês de pagamento dos rendimentos
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Rendimentos da categoria
E pagos
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Taxa liberatória aplicável
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IRS a reter a título definitivo
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Data limite para entrega do imposto
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2011
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Fevereiro
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800.000,00
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21,50%
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172.000,00
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20-03-2011
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Outubro
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800.000,00
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21,50%
|
172.000,00
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20-1 1-2011
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2012
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Janeiro
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800.000,00
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25,00%
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200.000,00
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20-02-2012
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Dezembro
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800.000,00
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26,50%
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212.000,00
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20-01-2013
|
2013
|
|
Setembro
|
800.000,00
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28,00%
|
224.000,00
|
20-10-2013
|
2014
|
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Julho
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752.000,00
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28,00%
|
210.560,00
|
20-08-2014
|
Agosto
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48.000,00
|
28,00%
|
13.440,00
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20-09-2014
|
2015
|
|
Julho
|
800.000,00
|
28,00%
|
224.000,00
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20-08-2015
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Total
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5.600.000,00
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1.428.000,00
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Vê-se, assim, que a AT satisfez amplamente as exigências formais quanto à fundamentação, a qual se mostra clara, suficiente e congruente, referindo os factos e o direito que justificam a proposta, depois tornada decisão pela concordância da hierarquia da AT.
Face a tal fundamentação, a Requerente tornou-se conhecedora da posição da administração e das razões por que agiu como agiu, de modo a poder optar por se conformar ou reagir, administrativa ou contenciosamente, como aconteceu.
Coisa diferente é a apreciação da validade substancial da mesma fundamentação, que consiste em verificar a ausência de erros de facto ou de direito.
Este é tema que o tribunal já apreciou no ponto IV.3. supra.
IV.5. A CGAA e a substituição jurídica
No direito comparado, a aplicação da CGAA a situações de substituição tributária e retenção na fonte (witholding tax) constitui uma prática corrente e geralmente aceite no contexto do combate ao planeamento fiscal agressivo e à evasão e fraude fiscal. A mesma ocorre com grande frequência precisamente na requalificação de vários tipos de transações como distribuições de dividendos. Como foi referido anteriormente, a aplicação da CGAA supõe uma especial atenção às transações subordinadas a uma lógica de grupo, considerando-se irrelevante a questão de saber quem, dentro do grupo, é que acaba por colher as vantagens fiscais produzidas. Para efeitos da aplicação da CGAA, o princípio da primazia da substância sobre a forma pode legitimar o tratamento do grupo envolvido na transação abusiva como se fosse um único contribuinte, nomeadamente em sede de determinação da capacidade contributiva, de consideração das vantagens fiscais produzidas e exigibilidade do imposto, não estando excluída, nalguns quadrantes, a possibilidade de responsabilizar e sancionar todos os participantes nessa transação.
Nos termos do artigo 38º nº 2 da LGT, quando a AT considera ineficazes no âmbito tributário atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, a tributação deve ser efetuada de acordo com as normas aplicáveis na ausência desses atos ou negócios jurídicos. Pretende-se por esta via a reconstituição da situação fiscal atual hipotética, ou seja, da situação fiscal que existiria se a transação abusiva não se tivesse realizado e fossem adotados os meios jurídicos normais correspondentes à realidade económica da distribuição de lucros.
No caso concreto, o ato adequado ao fim económico visado seria a distribuição de dividendos aos sócios da A… SGPS, com a correspondente retenção na fonte cabível em sede de substituição tributária. É isso que resulta da leitura sinóptica do nº 1 e da alínea h) nº 2 do artigo 5º do Código do IRS – que reconduz à categoria dos rendimentos de categoria E os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros – com o artigo 71.º n.º 1 alínea c) do mesmo Código, a retenção na fonte, a título definitivo, desses rendimentos à taxa liberatória de 28%.
Nos termos do artigos 20º e 28º n.º3 e 34º da LGT e 21º do CIRS, a responsabilidade principal pela retenção e pela respetiva entrega cabe ao substituto tributário. De acordo com estas normas, aplicáveis na ausência da transação abusiva em presença, a tributação ocorre na esfera da A… SGPS, S.A, na sua qualidade de substituto tributário e devedor principal. A questão de saber quem, dentro do grupo, colheu as vantagens fiscais produzidas é irrelevante.
A CGAA do artigo 28º nº 2º da LGT nada mais faz do que fazer aplicar o quadro normativo vigente no momento da ocorrência do facto tributário, considerado na sua substância económica, e que ab initio lhe deveria aplicado. A mesma parte da premissa de que o empréstimo contraído junto dos acionistas para a aquisição das respetivas ações corresponde a uma distribuição de dividendos disfarçada, devendo ficar sujeita à retenção na fonte que, segundo a lei, incide sobre os dividendos. Não pode, por isso, falar-se em qualquer violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103º n.º 3 da CRP.
Daqui resultam importantes implicações processuais. Em primeiro lugar, a A… SGPS tem que ser ouvida no prazo de 30 dias a contar da notificação do projeto de aplicação da disposição anti-abuso ao contribuinte, nos termos do direito de audição prévia prevista previsto no artigo 63º nºs 4 e 5 do CPPT. Em segundo lugar, é ela que pode exercer o direito de impugnação. Com efeito, a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, veio revogar o nº 10 do artigo 63.º do CPPT que previa a figura do recurso contencioso autónomo para a aplicação da cláusula anti-abuso. Desde então, a mesma esta passou a ser sindicada na liquidação de acordo com o princípio da impugnação unitária. Isso mesmo decorre do nº 1 do artigo 63º do CPPT, onde se dispõe que “A liquidação de tributos com base na disposição anti-abuso constante do n.º 2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo.”
Isso significa que a A… SGPS pode impugnar o ato de liquidação que lhe é dirigido, não se justificando a abertura da via impugnatória de todos os sujeitos que interviessem no esquema abusivo. Se no caso concreto isso implicaria A…, S.A., a A… SGPS, S.A., C…, D…, E…, F…, G… e H…, noutros casos de práticas abusivas isso poderia implicar uma multiplicidade de estruturas societárias e pessoas individuais. A liquidação dos tributos converge com a aplicação da CGAA e com o procedimento constante no artigo 63.º do CPPT.
A alegação da Requerente de que não são chamados ao processo os contribuintes propriamente ditos mas apenas a A… SGPS, - na qualidade de substituto tributário a quem é cobrada a retenção do imposto devido – não se afigura procedente.
Em primeiro lugar, a transação abusiva foi efetuada num mercado fictício, envolvendo sociedades controladas e acionistas titulares do controlo. Ou seja, a transação obedeceu a uma lógica de grupo, assinalando-se a íntima relação jurídico-económica entre todos os envolvidos. A esta realidade não pode ficar indiferente o princípio da primazia da substância sobre a forma, sendo que este não pode deixar de ter implicações no plano processual.
Em segundo lugar, quaisquer dificuldades processuais que eventualmente possam surgir para um eventual direito de regresso junto dos contribuintes que obtiveram a vantagem fiscal, além de serem imputáveis a todos os participantes na transação, podem por eles ser facilmente resolvidas sede extrajudicial em qualquer momento ou, eventualmente, no momento da liquidação da sociedade.
Conclui-se do exposto que a AT não fez errónea interpretação dos factos, ao considerá-los subsumíveis à norma do artigo 38ª nº 2 da LGT, que interpretou e aplicou corretamente; que é legal a notificação feita à Requerente, por ser sobre si que impende a obrigação de retenção na fonte; que o contraditório foi observado relativamente a quem o devia ser, isto é, à Requerente, não havendo que o respeitar relativamente a outrem; e que o ato impugnado está devidamente fundamentado.
Em súmula, não se verificando nenhuma das ilegalidades acusadas pela Requerente, a sua pretensão não pode proceder.
V. DECISÃO
Em harmonia com o exposto decide o presente tribunal arbitral julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a Requerida, e condenando a Requerente, por ser a vencida, nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, nº 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 402.715,60.
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de novembro de 2017.
Os árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Jónatas Machado)
(Fernando Manuel dos Santos Cardoso)
[1] Valores líquidos de correções de outras naturezas.