Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
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pedido
A…, contribuinte nº…, residente na Rua …, nº…, …, …-… …, doravante designada por Requerente, apresentou, em 06-03-2017, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação comunicada através do documento número 2016…, no valor de 15.156,36.
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Fundamento do pedido
Para sustentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese:
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A Requerente foi trabalhadora no banco “B…, entre 08-06-2006 e 30-06-2012.
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Anteriormente, no período compreendido entre 01-08-1995 e 04-06-2006, a Requerente foi trabalhadora em duas instituições bancárias: -C…, SA, que veio a fundir-se com o D…, onde permaneceu, tendo em 15 de Maio 2005, passado a prestar serviço no E…, SA (Sociedade Gestora de Investimento do Grupo D…, até 04 de Junho de 2006.
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Em 30 de Março de 2012 e com efeitos a partir de 30-06-2012, a Requerente assinou um acordo de revogação de contrato de trabalho com o Banco B…, recebendo uma indemnização de € 62.275,00.
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Para o cálculo da referida indemnização, a entidade bancária “B…” contabilizou todo o tempo de serviço que a impugnante prestou nas entidades bancárias acima referidas, tal como consta claro na cláusula décima do referido contrato de rescisão do contrato de trabalho, ou seja 16 anos e 11 meses, com base numa remuneração mensal média de € 3.152,08.
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Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa, entenderam que “o valor da indemnização que excede o correspondente a um mês de salário por cada ano ou fracção de trabalho efectivo no B…, que segundo aquele Serviço foi de 6,07 anos, seria rendimento sujeito a IRS na categoria A, por superar o limite estabelecido no art. 2º, nº 4 do CIRS.
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Entende a Requerente que a indemnização recebida (que contempla todo o período em que a impugnante prestou trabalho para entidades bancárias) não se encontra sujeita a tributação (como rendimento da categoria A) porque a “antiguidade” a que se refere o nº 4 al. b) do art. 2º do CIRS abrange todo o tempo em que a Requerente exerceu atividade laboral em instituições do setor bancário português.
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Isto com base na cláusula 17º do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário (ACT do Setor Bancário), que quanto à antiguidade do trabalhador, dispõe o seguinte: “1. Para todos os efeitos previstos neste Acordo, a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos: a) Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito com actividade em território português.
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Nos termos do n.º1 da cláusula 2ª do ACT do Sector Bancário, este ACT obriga as Instituições de Crédito, as Sociedades Financeiras e outras entidades públicas ou privadas que o subscrevem (...) bem como todos os trabalhadores ao seu Serviço representados pelos Sindicatos signatários.”
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O banco “B…” era à data, como ainda é, outorgante do Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário, instrumento de regulação colectiva de trabalho, cuja última alteração foi publicada no BTE, 1ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2011.
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Para além do B…, as demais instituições bancárias onde o impugnante prestou trabalho, nomeadamente, o “C…”, e o D.., subscreveram o ACT do Sector Bancário, conforme é possível verificar nos contratos de trabalho juntos.
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A antiguidade definida nos termos referidos no ACT do Setor Bancário é considerada para todos os efeitos previstos no ACT do Sector Bancário, onde se inclui, claramente, a atribuição de compensação por revogação do contrato de trabalho.
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O conceito de antiguidade não se encontra definido na Lei Fiscal, o que implica o recurso às leis do trabalho para a determinação do referido conceito, aliás, é assim, que dispõe o n.º 2 do artigo 11º da LGT “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer de interpretação e aplicação da lei”.
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Logo, a antiguidade do impugnante corresponde a todo o tempo se serviço prestado no sector bancário, isto é, 16,11 anos, vinculando necessariamente a AT.
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Resposta
Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira contesta o pedido, dizendo:
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Questão prévia relativa ao valor da causa
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De acordo com o disposto no artigo 296.º, no 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29º do RJAT, «[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido».
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Por outro lado, dispõe o artigo 297º, nº 1, do mesmo CPC, que «[s]e pela acção se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela acção se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício».
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Por seu turno, o artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, igualmente aplicável ex vi art. 29º do RJAT, determina que «[q]uando pela acção se pretenda obter o pagamento de quantia certa, é esse o valor da causa»; nos termos do n.º 2 do preceito, «[q]uando pela acção se pretenda obter um benefício diverso do pagamento de uma quantia, o valor da causa é a quantia equivalente a esse benefício».
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Por fim, e de suma importância, sendo lei especial, o art. 97º-A do CPPT, aplicável ex vi art. 29º do RJAT, sob a epígrafe «Valor da causa», dispõe o seguinte: «1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes: Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende; (...)»
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Sendo assim, pretendendo a Requerente a anulada do valor a pagar de imposto de € 10.041,10 e de juros compensatórios de € 1.277,25, no valor total a pagar de 11.318,35, será esse o valor da causa.
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Por impugnação
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O nº 4 do art. 2º do CIRS determina a sujeição a tributação, na categoria A, do valor das indemnizações pagas por motivo de rescisão de contrato de trabalho «na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora» (sublinhado nosso).
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Portanto, a lei estipula expressa e claramente que a exclusão de tributação abrange apenas a parte da indemnização que não exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.
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Entidade devedora que, in casu, é apenas e só o B… .
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E não, conforme pretende a Requerente, mas sem apoio na lei, a antiguidade ou exercício de funções em outras entidades empregadoras;
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Independentemente de tal antiguidade ser tida em conta no cômputo da indemnização fruto de obrigações contratualmente assumidas pelas partes no contrato de trabalho.
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De facto, conforme considerado na informação vinculativa de 10 de Outubro, elaborada no âmbito do proc. 1818/10, com despacho concordante do substituto legal do Senhor Director Geral:
«Exigindo a lei fiscal, específica e expressamente, que a antiguidade a contabilizar seja a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação de contrato de trabalho, não é de ponderar na aplicação do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerá-la em eventuais futuras “indemnizações”. (...)»
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O ordenamento tributário está em relação de especialidade com a lei civil e, bem assim, com o Direito do Trabalho.
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Pelo que, de acordo com o disposto no art. 11º da LGT, inexistindo margem de indefinição na interpretação da expressão «antiguidade ou exercício de funções na entidade devedora», não haverá que buscar contributos noutros ramos do Direito.
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De facto, de acordo com a disciplina geral do art. 11º da LGT, «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
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Pois, nos termos do art. 9º do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
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Não pode, assim, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, conforme prescrevem os noºs 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil, aplicáveis por força quer da alínea d) do artigo 2.º quer do art. 11º da LGT.
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A letra da lei é simultaneamente ponto de partida na tarefa interpretativa e limite do intérprete, exigindo-se que o resultado da interpretação tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.
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Ora, resulta de forma clara da letra da lei fiscal que a delimitação negativa de incidência tributária de IRS se estabelece usando como factor multiplicador a antiguidade na entidade devedora dos rendimentos em causa (e não a antiguidade prevista em cláusula contratual ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou até em acordo de cessação).
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Decorre do elemento literal e sistemático que o conceito relevante de “antiguidade na entidade devedora” se reporta ao número de anos na entidade com a qual cessa o contrato (cfr. nº 10 do art. 2º do CIRS);
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Depois, ainda que a eventual inexistência no direito fiscal de uma definição de “antiguidade”, o que não se concede, pudesse levar ao preenchimento deste conceito no ramo de direito que o acolhe, ou seja, no direito do trabalho, conforme o disposto no nº 2 do art. 11º da LGT, certo é que o Código do Trabalho não contém uma definição do que seja “antiguidade”, depurando- se entre as inúmeras utilizações do conceito, com amplitudes e contextos distintos, uma, mais coerente e sistemática, que é a que conforma o termo “antiguidade” a “antiguidade na empresa” (cfr. artos 368º, no 1, alínea e), art. 112º, nº 6, art. 147º, nº 3, etc.).
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Citando doutrina (Cláudia Reis Duarte e Filipe Fraústo da Silva, Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.o 4 do artigo 2.o do Código do IRS), Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012), a Requerida alega que é incontestável que o conceito de antiguidade incluído na fattispecie das normas do Código do trabalho que estabelecem os referidos critérios de definição de indemnizações (ou compensações) no âmbito do regime da cessação do contrato de trabalho é o da antiguidade na empresa;
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O conceito de antiguidade de que se servem os preceitos legais do capítulo codicístico relativo à cessação do contrato de trabalho e que estabelecem critérios de definição de indemnizações ou compensações é o de antiguidade na empresa e que, por conseguinte, não são atendíveis, nessa definição ou cômputo indemnizatório, períodos adicionais de duração do vínculo que possam ter sido reconhecidos pelo empregador por mero efeito de consenso contratual ou, até, por admissão unilateral, ou seja, que não resultem directamente da aplicação de normas legais ou convencionais colectivas que tenham por consequência essa extensão, como por exemplo sucede nos casos já aludidos de cessão de posição contratual, transmissão de titularidade ou exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, fusão, cisão, etc. A estes casos, as convenções colectivas podem acrescentar vários outros;
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Este regime tem uma razão de ser muito clara: a antiguidade na empresa, enquanto mecanismo parcelar de tutela dos trabalhadores mais antigos, tem a sua expressão mais radical na protecção da estabilidade do seu emprego, colocando-os, relativamente aos menos antigos, numa situação mais favorável em caso de cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador;
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Ainda que houvesse que fazer recurso, no preenchimento do conceito em causa (o que entende não ser o caso na medida em que o legislador fiscal foi claro e consagrou em letra de lei que a antiguidade é a verificada na entidade devedora), ao direito laboral — a solução seria ainda idêntica, uma vez que no Código do Trabalho não se encontra uma definição de antiguidade e, se alguma tivermos que daí extrair, essa será a antiguidade na empresa, e não a antiguidade que resulta de uma cláusula de qualquer convenção colectiva de trabalho ou de acordo estabelecido entre as partes”;
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Lê-se na cláusula 2º do ACT para o Sector Bancário (2012) o seguinte: “O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE – Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos.(...)”;
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Para que o aludido ACT pudesse ser aplicável, necessário seria que os trabalhadores em causa fossem filiados num dos aludidos sindicatos e que a instituição de crédito seja subscritora do aludido Acordo;
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O Banco B… subscreveu o ACT (2012) tendo, contudo, feito uma ressalva, nos seguintes termos: “Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador”.
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Como resulta da cláusula 7ª do contrato de trabalho celebrado entre a Requerente e o B…, junto como doc. 3 da PI, verifica-se que foi acordado o seguinte:
«1. O Banco garante ao Segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras Instituições de Crédito, desde 01/08/1995, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:
a) Para efeitos do Fundo de Pensões do B…, o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.
b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelos Segundo Outorgante ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da cláusula 6a do Plano de Pensões do B… .
c) O tempo de serviço prestado a outras Instituições de Crédito anteriormente à assinatura do presente contrato, também não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades.»
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Fica assim demonstrado que o contrato de trabalho celebrado entre a Requerente e o Banco B… nem sequer lhe confere o direito a que se arroga, isto é, de que a antiguidade “adquirida” com relação a anteriores entidades empregadoras seja considerada no cálculo da indemnização por cessação do respectivo contrato;
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Portanto, quando se refere na cláusula décima do acordo de revogação do contrato de trabalho junto como doc. 7 da PI que a exclusão de tributação abrange a parte da indemnização respeitante ao tempo de exercício de funções noutras instituições tal não passa de um venire contra factum proprium, não correspondendo ao teor do contrato de trabalho celebrado anteriormente.
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Tramitação subsequente
Com a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por despacho proferido a 09-10-2017.
Tendo sido concedido às Partes prazos sucessivos para apresentarem alegações finais escritas, as mesmas optaram por não o fazer.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 22-05-2017, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
Não foram identificadas nulidades no processo.
III. QUESTÕES A DECIDIR
São questões principais a apreciar e a decidir nos presentes autos:
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Como deve ser entendido o termo “antiguidade” contido na al. b) do nº 4 do art. 2º do CIRS;
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Como deve a antiguidade da Requerente, para efeitos dessa mesma disposição, ser medida no caso concreto.
IV – FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS
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FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão da causa:
1º Facto: A Requerente celebrou contrato de trabalho com o banco “B…, em 26 de maio de 2006;
2º Facto: A Requerente manteve-se em funções ao abrigo desse contrato de trabalho desde 08-06-2006 a 30-06-2012;
3º Facto: Em 30-03-2012 e com efeitos a partir de 30-06-2012, foi celebrado acordo de revogação de contrato de trabalho entre a impugnante e o banco “B…;
4º Facto: Por virtude da cessação do contrato de trabalho acordado nessa data, a Requerente recebeu da entidade patronal, o B…, a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho, a quantia de € 62.275,00;
5º Facto: A Requerente celebrou contrato de trabalho com o C…, SA em 01-08-1995;
6º Facto: A Requerente manteve-se ao serviço do C… SA e da sua sucessora, o D… SA, até ao dia 15-05-2015;
7º Facto: No dia 15-05-2005, foi assinado entre a Requerente e o D… SA um acordo de suspensão do contrato de trabalho vigente entre ambos;
8º Facto: No mesmo dia 15-05-2005, e pelo mesmo instrumento contratual, a Requerente celebrou contrato de trabalho com o Banco E…, SA, pertencente ao mesmo grupo de empresas do Banco D… SA;
9º Facto: A Requerente manteve-se ao serviço do E…, SA até 04-06-2006;
10º Facto: O Banco B… era, à data da rescisão do contrato de trabalho com a Requerente, signatário do “Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005;
11º Facto: A cláusula 17ª do referido “Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro” dispõe:
Cláusula 17.ª
Determinação da antiguidade
1 — Para todos os efeitos previstos neste acordo, a antiguidade do trabalhador será determinada pela contagem do tempo de serviço prestado nos seguintes termos:
a) Todos os anos de serviço prestado, em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português;
b) Todos os anos de serviço prestado nas ex-colónias nas instituições de crédito portuguesas com actividade nesses territórios e nas antigas inspecções de crédito e seguros;
c) Todos os anos de serviço prestado nos restantes países estrangeiros às instituições de crédito portuguesas;
d) Todos os anos de serviço prestado às entidades donde provierem, no caso de trabalhadores inte- grados em instituições de crédito por força de disposição administrativa e em resultado da extinção de empresas e associações ou de transferência para aquelas de serviços públicos;
e) Todos os anos de serviço prestados em sociedades financeiras ou nas antes designadas «ins- tituições parabancárias».
12º Facto: O contrato de trabalho celebrado entre a Requerente e o Banco B…, inclui uma cláusula 7ª, sobre “antiguidade”, que dispõe:
Cláusula 7ª - Antiguidade
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O Banco garante ao Segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras Instituições de Crédito, desde 1/8/1995, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:
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Para efeitos do Fundo de Pensões do B…, o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários;
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A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da cláusula 6ª do Plano de Pensões do B…;
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O tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito anteriormente à assinatura do presente contrato também não será tido em conta para efeito do cálculo do número de diuturnidades;
(...)
13º Facto: A Requerente foi notificada pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, do projeto de decisão de alteração à declaração de IRS do ano de 2012. A notificação foi emitida em 06-07-2016.
14º Facto: A Requerente foi notificada pela AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, da decisão de alteração à declaração de IRS do ano de 2012. A notificação foi emitida em 21-10-2016.
15º Facto: A Requerente foi notificada de uma demonstração de acerto de contas, com data de emissão de 08-11-2016, que tem implícita uma liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, e da qual resulta um valor a pagar de 15. 156,36 euros.
16º: A demonstração de acerto de contas tem como base a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares consequente à alteração à declaração de IRS do ano de 2012 referido no 14º Facto provado.
Os factos dados como provados foram-no com base na prova documental existente no processo e no Boletim do Trabalho e do Emprego.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Não se dá como provado:
1º. Que a Requerente tenha procedido ao pagamento do imposto liquidado.
2º. Que uma liquidação com o nº 2016…, da qual resulta o valor a pagar de imposto de € 10.041,10 e de juros compensatórios de € 1.277,25, no valor total a pagar de 11.318,35, tenha sido notificada à Requerente.
Não existem outros factos dados como provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
V – FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pelo direito.
O nº 4 do art. 2º do CIRS diz:
4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:
A al. b) do nº 4 continua:
b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos (...).
A primeira questão de interpretação que se levanta é a de saber se a expressão “antiguidade na entidade devedora” é equivalente a tempo de trabalho na entidade devedora.
Ou seja, se a antiguidade considerada na al. b) do nº 4 do art. 2º é, em todo e qualquer caso, apenas o tempo de atividade na entidade pagadora da indemnização, ou se pode, em determinada condições, ser a antiguidade medida desde momento anterior, incorporando um ou mais períodos de exercício de atividade laboral noutras entidades patronais.
A “antiguidade” mencionada na al. b) do nº 4 do art. 2º será sempre, em qualquer situação, só a o tempo de trabalho na entidade pagadora da indemnização, como defende a Administração Fiscal, se em direito do trabalho não for de admitir outro conceito de antiguidade.
A Requerida aponta doutrina no sentido de que assim é, ie, de que a antiguidade do trabalhador nunca abrange períodos anteriores ao exercício da atividade na entidade patronal atual. Por outras palavras, que a “antiguidade” é sempre “antiguidade na empresa.”
No entanto, analisado o estudo doutrinário mencionado pela administração tributária, o que dele se retira é, precisamente, que muitos são os sentidos possíveis, no direito do trabalho, para o termo “antiguidade”, sendo que existe até uma expressão própria – “antiguidade na empresa” – para designar o sentido estrito que a Administração Fiscal defende, de tempo de duração do vínculo laboral com a entidade patronal atual.
O facto de os instrumentos de regulação coletiva do trabalho estabelecerem também conceitos de antiguidade diversos, como acontece com a já referida cláusula 17ª do “Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro”, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005, é igualmente de ter em conta.
Concluindo-se que, para o direito do trabalho, a par da “antiguidade na empresa”, existem outras aceções possíveis para o termo “antiguidade”, há que interpretar a al. b) do nº 4 do art. 2º do CIRS, para retirar o sentido com que o termo é aí empregue. E, mais concretamente, é preciso indagar se o significado do termo “antiguidade” mencionado na al. b) do nº 4 do art. 2º admite ser moldado conforme o que for considerado como “antiguidade” no âmbito de uma particular relação jurídico-laboral nos termos da regulação laboral aplicável.
Se o legislador fiscal tivesse querido que o tempo relevante – para efeitos da exclusão da tributação prevista na al. b) do nº 4 do art. 4º - fosse sempre o tempo de duração da actividade do trabalhador na empresa, não teria qualquer necessidade de mencionar a “antiguidade”.
Seria uma repetição inútil e redundante. Concluir que o legislador usou uma repetição inútil e redundante não estaria de acordo com o preceituado acerca da interpretação das normas jurídicas no nº 3 do art. 9º do Códig Civil.
Portanto, o legislador fiscal quis abrir a possibilidade de a antiguidade do trabalhador na empresa ser algo distinto de tempo de atividade na empresa.
Acompanhamos neste ponto a doutrina vertida no acórdão do TCAS de 11-05-2004, proc. nº 6002/01, em que se diz: “Porque a antiguidade constitui um conceito laboral, consideramos que é no direito laboral que deve procurar-se a solução da questão, sabido que constitui doutrina corrente (atualmente consagrada no art. 11º da LGT) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei.” (no mesmo sentido, o acórdão do TCAS de 12-03-2013, proc. nº 05971/12).
As dificuldades não terminam aqui, reconhecemos, pois o direito do trabalho não contém um conceito de antiguidade.
Além disso, também não existem dúvidas, face à indeterminação do conceito de antiguidade, de que existe uma certa margem para os instrumentos de regulação coletiva das relações de trabalho estabelecerem o conceito de antiguidade aplicável no seu âmbito, o que retira certeza a qualquer norma jurídica que dele faça uso.
Mas foi opção do legislador fiscal remeter para um conceito de direito laboral que não só é um conceito indeterminado, como está em certa medida na disponibilidade das partes outorgantes de um instrumento de regulação coletiva do trabalho. Ao intérprete não cabe corrigir a expressão do legislador, mas retirar dela o sentido que presumivelmente mais se aproxime da sua vontade.
Como também se expende no acórdão do TCAS já referido, nada impede que na fixação do conceito de antiguidade “seja tomada em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutra ou noutras entidades patronais, por forma a que o trabalhador seja admitido sem prejuízo da sua antiguidade na profissão, pois que tal não é proibido nem pelas normas referidas no nº 1 do art. 12º da LCT nem pelos princípios da boa fé, sendo até por vezes essa prática atendida nos usos da profissão do trabalho e das empresas.”
E continuando a acompanhar a doutrina daquele Tribunal, “posto isto, há que salientar que nada sugere ou indicia que o conceito “antiguidade” contido no nº 4 do art. 2º do CIRS não tenha sido usado em toda a sua amplitude, que não possa ter em conta o tempo de serviço (antiguidade) alcançado noutra empresa desde que tenha sido expressamente reconhecido no contrato laboral pela entidade devedora.” Ou como se diz no acórdão do mesmo Tribunal de 12-03-2013, proc. nº 05971/12, “Não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de IRS).
Não há dúvida de que os instrumentos de regulação coletiva das relações de trabalho são fonte de direito do trabalho (cfr. art. 1º do Código do Trabalho). Portanto, o conceito de antiguidade estabelecido num acordo coletivo de trabalho é um conceito de antiguidade estabelecido no direito do trabalho.
Nos termos da cláusula 17ª do Acordo coletivo entre várias instituições de crédito e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e outro” publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 4, de 29 de Janeiro de 2005, de que era signatário, tanto à data da celebração do contrato de trabalho como à data da sua cessação, o Banco B…, entidade pagadora da compensação por rescisão do contrato de trabalho, a antiguidade do trabalhador (abrangido pelo acordo) abrangia todos os anos de serviço prestado, em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português”.
Sendo este acordo a fonte do direito à qual há que recorrer para fixar o conceito de antiguidade no caso concreto, a antiguidade relevante para a aplicação do preceituado na al. b) do nº 4 do art. 2º do CIRS não pode deixar de ser a que abrange todos os anos de serviço prestado, em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português, ou seja, 16 anos e 11 meses.
O facto de os efeitos dessa definição da antiguidade do trabalhador terem sido limitados no contrato de trabalho não é suficiente para invalidar, em nossa opinião, que, para a generalidade dos efeitos, a antiguidade do trabalhador seja a que decorre da aplicação das regras do ACT do Setor Bancário.
Assim sendo, procede a alegação de ilegalidade da liquidação de IRS impugnada, com base em violação da lei por erro nos pressupostos de direito.
VI. VALOR DA CAUSA
Na sua resposta, a Requerida contesta o valor da causa atribuído pela Requerente, de € 15.156,36.
E fá-lo com base nos seguintes argumentos:
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Foi emitida a liquidação no 2016… da qual resulta o valor a pagar de imposto de € 10.041,10 e de juros compensatórios de € 1.277,25, no valor total a pagar de 11.318,35.
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A Requerente foi notificada da liquidação por meio de ofício registado sob o no RY…PT, cfr. print das bases informáticas da AT que se junta como doc. 2 desta resposta.
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A requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas que junta como doc. 1 da PI, com prazo de pagamento até 14.12.2016.
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No caso de procedência do pedido (o que se admite por mero dever de patrocínio), deverá ser anulada a importância dos valores a pagar, isto é, o valor a pagar de imposto de € 10.041,10 e de juros compensatórios de € 1.277,25, no valor total a pagar de 11.318,35.
Porém, o que se constata é o seguinte:
Se foi emitida uma liquidação no 2016… da qual resulta o valor a pagar de imposto de € 10.041,10 e de juros compensatórios de € 1.277,25, resultando num valor total a pagar de 11.318,35, não se prova que tal liquidação tenha sido notificada à Requerente.
O que sim se prova, é que foi notificada à Requerente uma “Demonstração de acerto de contas”, com data de emissão de 08-11-2016, da qual resulta um valor a pagar de 15.156,36 euros.
Tal “Demonstração de acerto de contas” não identifica sequer, é certo, qual a liquidação de imposto que está na sua base.
A Requerente deduziu, e a Requerida confirmou na sua resposta ao pedido da Requerente, que tal demonstração de acerto de contas tem por base uma liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares consequente à decisão de alteração da declaração modelo 3 do IRS do ano 2012.
É pois, com base no valor constante da “demonstração de acerto de contas”, única que foi notificada à Requerente, e na qual se fixa um valor de imposto a pagar de 15.156,36 euros, que se fixa o valor da causa, para efeitos do art. 10º, nº 2 al. e) do RJAT.
VI. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, comunicado à Requerente através do documento comunicada através do documento número 2016…, no valor de 15.156,36.
Condena-se a Requerida, nos termos do art. 24º, nº 1 al. b) do RJAT, a praticar todos os atos necessário ao restabelecimento da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
Valor da utilidade económica do processo
Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 15.156,36 euros.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 918,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 17 de novembro de 2017
O Árbitro
(Nina Aguiar)