Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 235/2017-T
Data da decisão: 2017-11-20  IRS  
Valor do pedido: € 21.539,99
Tema: IRS - Qualificação de rendimentos - Contrato de cessão de exploração turística.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

  1. A…, com o NIF…, e B…, com o NIF…, residentes em …, Irlanda, casados, doravante designados “Requerentes”, apresentaram, no dia 03-04-2017, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), pedido de constituição de tribunal arbitral singular e pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos atos de liquidação adicional de IRS e de liquidação de juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, melhor descritos infra.
  2. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida em 19-04-2017.
  4. Dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, foi o signatário designado como árbitro, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
  5. Em 05-06-2017 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2017.
  7. Alegam os Requerentes, em síntese, o seguinte:
    1.  Os Serviços de Inspeção Tributária, ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F não deram cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados;
    2. Os Serviços de Inspeção Tributária não logram cumprir o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação que sobre si recai, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (artigo 75.º da LGT), quando o juízo subjacente à desconsideração das operações resultam de conclusões de caráter genérico, sem uma análise casuística da atividade dos Requerentes;
    3. No caso concreto, os Serviços de Inspeção Tributária deveriam ter demonstrado quais os factos objetivos que demonstram que a exploração turística em causa constitui uma fonte de rendimentos da categoria F e não de rendimentos da Categoria B, como declarado pelo Requerentes;
    4. Os Serviços de Inspeção Tributária não procederam a essa demonstração, nem tal seria bem sucedido, uma vez que os riscos da atividade de exploração correm todos por conta do Requerente marido, que é obrigado a manter o apartamento em condições de serem explorado pela C… e suporta todos os encargos inerentes aos seguros e despesas correntes do apartamento, designadamente água, luz, telefone entre outras, conforme contrato celebrado;
    5. Os Serviços de Inspeção Tributária limitaram-se a apoiar as correções efetuadas na ideia de que os Requerentes obtêm os seus rendimentos de forma passiva – sendo que a tributação em sede da Categoria B não faz qualquer distinção quanto ao modo de obtenção dos rendimentos –, e por essa razão requalifica os rendimentos da Categoria B como rendimentos da Categoria F, sem que tenha recolhido um único indício concreto que fundamente esta requalificação;
    6. Os Serviços de Inspeção Tributária não demonstraram, relativamente aos Requerentes, especialmente ao Requerente marido, a existência de “indícios fundados” que demonstrem que os rendimentos em causa são rendimentos da Categoria F e não da Categoria B como declarado, pelo que os atos tributários deverão ser anulados;
    7. Por entender que a atividade exploratória turística por si exercida e os rendimentos gerados nesse âmbito eram auferidos no âmbito de uma atividade empresarial (ainda que resultem da exploração de um imóvel), os Requerentes trataram os mesmos no âmbito da Categoria B do IRS, por força do princípio da preponderância desta Categoria em relação aos rendimentos que se enquadram nas outras categorias de rendimentos, mas que são obtidos em conexão com uma atividade empresarial (no caso, uma atividade comercial);
    8. Decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º e da alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º, ambos do Código do IRS, que os rendimentos auferidos pelos Requerentes são rendimentos da Categoria B do Código do IRS e não rendimentos da Categoria F;
    9. São tributados pela Categoria B todos os rendimentos apuradas no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares;
    10. Para que os rendimentos sejam imputáveis às atividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo registado com o respetivo CAE necessário será apenas que os rendimentos auferidos estejam relacionados com essa atividade, o que aconteceu no caso concreto;
    11. Estando em causa rendimentos decorrentes da exploração turística, que é a atividade exercida pelo Requerente marido, não podem os mesmos ser tributados como rendimentos da Categoria F, completamente desfasados da referida atividade comercial exercida;
    12. No âmbito da alínea da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão “atividade” sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa;
    13. Verifica-se, pois, que “atividade” para efeitos de tributação no âmbito da Categoria B não se deve cingir – quando o legislador não o fez - à consideração da atividade operacional, excluindo os titulares que obtêm rendimentos na sequência da cessão da exploração e consequente contratação de serviços, como aconteceu no caso concreto;
    14. Para os Requerentes, o termo “atividade” compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de gestão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes;
    15. Carece de fundamento legal a posição e interpretação restritiva, da efetuada Administração Tributária porquanto atendendo ao conceito legal de atividade acima referido, terá, forçosamente, de se concluir que os rendimentos em causa devem ser tributados em sede da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS e não nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma;
    16. As circulares administrativas, apesar de, quando divulgadas, terem em vista esclarecer a posição assumida pela Administração Tributária, estão fragilizadas do ponto de vista da sua constitucionalidade e oponibilidade aos contribuintes, sobretudo a partir do momento em que acrescentem ou tenham caráter inovador relativamente ao que consta do texto da lei, como se verifica no caso sub judice;
    17. Afigura-se, por isso, ilegítimo e ilegal que a Administração Tributária pretenda tributar os rendimentos auferidos pelos Requerentes no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS (Categoria B) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma (Categoria F), através de uma interpretação própria e contra legem do mesmo no que respeita ao exercício da atividade;
    18. Assim, porque os atos tributários contestados vêm fundamentados numa circular contra legem, deverão os mesmos ser anulados por manifestamente ilegais;
    19. Acresce que, e por manifesta relevância para o caso concreto, não se entende como concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que os rendimentos obtidos pelos Requerentes não constituem rendimentos da Categoria B do Código do IRS por via da cedência da exploração turística, quando no que se refere à cedência da exploração do estabelecimento de alojamento local a Administração Tributária entende expressamente que os rendimentos obtidos pelos proprietários e cedentes da exploração do estabelecimento – como acontece no caso concreto em que os Requerentes são possuidores e cedentes da exploração turística - são tributados no âmbito da Categoria B;
    20. Ao entender de modo diverso no caso concreto, que os rendimentos decorrentes da cedência da exploração turística do apartamento acima identificado à C… são rendimentos da Categoria F do IRS é manifesto o venire contra factum proprium da Administração Tributária;
    21. A Administração Tributária está a tratar de forma diferente duas situações semelhantes, uma vez que em cada um dos casos os proprietários, tendo aberto atividade no âmbito da Categoria B do IRS e sendo titulares do direito de exploração turística cederam esse direito de exploração a terceiros, o que constitui manifestamente uma violação do principio constitucional da igualdade, pelo que também por esta razão os atos tributários se mostram ilegais;
    22. Os rendimentos auferidos pelo Requerente decorrentes do contrato de exploração turística celebrado são subsumíveis à tipologia de rendimentos de uma atividade comercial, em particular da prossecução de uma atividade de natureza hoteleira e similar, prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 3.º e da alínea h), do n.º 1, do artigo 4.º do Código do IRS e, em consequência, deverão as liquidações adicionais de IRS, referente ao ano de 2012, 2013 e 2014 ser anuladas, nos termos da alínea a) do artigo 99.º do CPPT;
    23. Ainda que se admitisse que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são rendimentos da Categoria F do Código do IRS, mas sem conceder, a realidade é que a matéria coletável do Requerente jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária em sede de inspeção tributária, uma vez que a posição assumida no Relatório de Inspeção não relevou para todos os efeitos legais, a totalidade das despesas suportadas pelos Requerentes com a manutenção da fonte de rendimentos em causa;
    24. Para além das despesas inerentes aos seguros, retribuição da C… e segurança, deverão ser relevados ainda os custos referentes a mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás gastos, reparações e pinturas, a apurar a final em sede de execução de julgados;
    25. As referidas despesas devem ser deduzidas à matéria coletável na medida em que são despesas essenciais para a obtenção dos rendimentos em causa.
  8. A Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, alegando, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, em síntese, o seguinte:
    1. Quanto à alegada falta de fundamentação das correções ora sindicadas, tem que se discordar de tal entendimento, desde logo porque, da leitura do relatório inspetivo resulta que um homem médio, colocado na posição de destinatário, consegue apreender o seu sentido e conclusão;
    2. A fundamentação é, no caso vertente, suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente por via do presente pedido de pronúncia arbitral, não só demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua atuação, como na realidade também já havia cabalmente compreendido o mesmo quadro fáctico e legal em sede de audição prévia;
    3. A verificar-se uma situação de falta ou insuficiência da fundamentação – hipótese que só em teoria e sem conceder se admite, por cautela e dever de representação –, cabia ao Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade;
    4. Não tendo os Requerentes usado daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que os atos aludidos continham, como efetivamente contêm, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padeciam ficou sanado;
    5. Não assiste qualquer razão aos Requerentes quando, com base no disposto nos artigos 3.º e 8.º do Código do IRS, consideram que os rendimentos auferidos devem ser considerados como categoria B, apesar de não resultarem da exploração do imóvel de uma forma direta;
    6. A lei refere expressamente que são entendidos como rendimentos empresariais os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, o que não sucede no caso em apreço;
    7. Os Requerentes nunca praticaram qualquer ato que indiciasse uma vontade de exercer algum tipo de exploração do imóvel adquirido, pois tão pouco estava na sua disponibilidade a possibilidade de não ceder essa exploração;
    8. O mero ato de compra de um imóvel e a sua consequente e imediata cessão de exploração a um terceiro, têm de ser subsumidos a simples atos de gestão de património particular, não constituindo, em si mesmos, sinais de exercício de atividade de exploração de um imóvel por parte de quem cedeu a exploração, como, erradamente, pretendem os Requerentes;
    9. Os Requerentes, proprietários do imóvel, só o poderiam ser porque desde logo acederam a ceder a exploração do mesmo nos termos da cláusula 20 do contrato de cessão, nunca tendo sido titulares de qualquer exploração;
    10. Não se percebe em que medida o entendimento da AT pode ser apelidado de incongruente quando, na realidade, o ofício circulado de 2015 reforça a posição assumida no decurso do procedimento inspetivo aqui em análise;
    11. Da leitura do contrato de cessão de exploração, resulta claramente que os Requerentes nunca assumem as funções de responsáveis pela exploração do alojamento, sendo essas assumidas pela Gestora nas suas diferentes vertentes;
    12. Os Requerentes não levam, nem podem levar a cabo qualquer atuação de livre uso e utilização do imóvel do qual são apenas proprietários;
    13. Referem ainda os Requerentes que a posição da AT também é incoerente face à posição assumida, em 2010, num outro procedimento inspetivo no qual se analisava um pedido de reembolso de IVA;
    14. Sucede que, como dizem os próprios Requerentes, não só se está perante um exercício diferente dos que ora nos ocupam, como também o imposto em análise é diverso, devendo, no caso em apreço, atender-se às normas específicas do IRS aplicáveis ao caso concreto;
    15. Quanto à pretensão, por parte dos Requerentes, de que sejam aceites a totalidade das despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água, pois estas não foram aceites na análise efetuada no procedimento inspetivo, importa atender ao disposto no art.41º nº1 do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, donde resulta que tem que se avaliar se aquelas despesas referidas em abstrato pelos Requerentes, e não demonstradas em sede arbitral, revestem o carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo;
    16. Os Requerentes, para além de não juntarem qualquer elemento documental comprovativo das alegadas despesas, referem no artigo 115º do ppa que os custos deverão ser apurados a final, em sede de execução de julgados, contrariando o disposto no art.74º da LGT, dado que o ónus da prova se encontra acometido aos Requerentes;
    17. As despesas mencionadas pelos Requerentes não consubstanciam despesas de conservação nem, tão pouco, de manutenção;
    18. No que concerne às despesas com salários e com a limpeza, ressalta das secções 5 e 6 do contrato de cessão que esses encargos estão a cargo da Gestora o que significa que nem são da responsabilidade dos Requerentes, aqui senhorios.

 

  1. Por despacho de 05-09-2017, o Tribunal, com fundamento nos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais, decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como dispensar a produção de prova testemunhal, determinando que o processo prosseguisse com alegações escritas.
  2. Os Requerentes contestaram a decisão de dispensa da produção de prova testemunhal, tendo requerido ao Tribunal que desse como sem efeito o despacho proferido em 05-09-2017 e marcasse data para audição das testemunhas arroladas.
  3. Por despacho de 13-09-2017, o Tribunal manteve a decisão de dispensa de produção de prova testemunhal, com base no entendimento segundo o qual os factos invocados no processo devem ser objeto de prova documental, e estribando-se nos princípios da limitação de atos inúteis (artigo 130.º do CPC, aplicável ex vi do art. 29.º do RJAT), da autonomia na condução do processo [artigo 16.º, al. c), do RJAT] e da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias [artigo 16.º, al. e), do RJAT].
  4. Os Requerentes apresentaram alegações escritas, nas quais procederam à ampliação do pedido, com a formulação do pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, e juntaram aos autos novos documentos, tendo apresentado as seguintes conclusões:
    1. No caso em apreço a produção de prova adicional (in casu, a testemunhal) afigurava-se essencial para que a Requerente mulher demonstrasse que a sua atuação esteve sempre em consonância com a informação que lhe foi transmitida pelos vários organismos da Administração Tributária e que, como tal, não estavam preenchidos todos os requisitos para que pudesse operar a requalificação dos rendimentos por si auferidos pela cedência da exploração do seu apartamento no à sociedade C…;
    2. Ao afastar-se a possibilidade de os Requerentes produzirem toda a prova indicada - e, sem prejuízo do princípio da livre condução do processo, a que alude o artigo 19.º do RAJT -, poderá arredar o Tribunal Arbitral da hipótese de, nos autos, ficar a constar o apuramento da matéria de facto que os Requerentes reputam de “correta”, podendo, por esse motivo, pôr em causa a boa decisão da causa;
    3. A indevida dispensa de meio de prova testemunhal, quando a mesma se afigura essencial à decisão da causa, poderá determinar - caso se venha a verificar uma incorreção de julgado - que os Requerentes possam impugnar, em sede de Recurso(in casu, em sede de Impugnação a apresentar junto do Tribunal Central Administrativo Sul), a matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal Arbitral, em virtude de a mesma resultar de uma violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes (cfr. artigos 16.º e 28.º do RJAT);
    4. Os Serviços de Inspeção Tributária, ao não sustentarem nas Conclusões do Relatório Final de Inspeção Tributária, de forma clara e inequívoca, os factos em que se basearam para concluírem que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F não deram cumprimento ao dever legal, constitucionalmente consagrado, de fundamentação expressa, clara e cabal das decisões que sobre os mesmos impende, devendo, por conseguinte, ser anulados os atos tributários contestados;
    5. O facto de os Requerentes não se terem socorrido do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, não determina que os Requerentes não possam alegar a falta de fundamentação do ato, porquanto o mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT consubstancia uma faculdade ao dispor do sujeito passivo e não um expediente obrigatório ou necessário;
    6. Da análise do n.º 1 do artigo 37.º do CPPT - designadamente da expressão “pode o interessado” -, é possível concluir que o legislador coloca a possibilidade de se obterem os elementos em falta na notificação como uma mera faculdade conferida ao sujeito passivo e não um ónus, pelo que a falta de fundamentação do Relatório de Inspeção Tributário e, em consequência, dos atos de liquidação contestados, determina a ilegalidade dos atos tributários notificados;
    7. O ónus de notificar o sujeito passivo de todos os elementos da fundamentação não é precludido ou afastado pelo facto de o legislador ter colocado, à disposição do mesmo, um expediente para peticionar a notificação dos elementos em falta;
    8. Os Serviços de Inspeção Tributária não lograram cumprir o ónus da prova da verificação dos respetivos indícios ou pressupostos da tributação que sobre si recai, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, ou seja, dos pressupostos legais da sua atuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes (artigo 75.º da LGT), não tendo demonstrado, relativamente aos Requerentes, especialmente no que concerne à Requerente mulher, a existência de “indícios fundados” que demonstrem que os rendimentos em causa são rendimentos da Categoria F e não da Categoria B como declarado;
    9. O enquadramento como Categoria B por parte dos Requerentes foi, numa primeira fase, efetuado por orientação dos seus representantes fiscais e por parte da entidade gestora (D… e, posteriormente, C…), que adotou este mesmo enquadramento desde a abertura do empreendimento em 2006 e, posteriormente, pela Direção de Serviços do IVA. Com efeito, decorre do Código do IVA que a cedência de um apartamento mobilado e licenciado para serviços, a uma entidade terceira mediante retribuição, obriga o sujeito passivo a coletar-se como empresário em nome individual CAE 55123 - Categoria B e a liquidar IVA aos adquirentes dos serviços, passando o imóvel a estar afecto à esfera empresarial do sujeito passivo – daí o registo do mesmo como estabelecimento estável na declaração de início de atividade da Requerente mulher;
    10. A posição dos Requerentes – no que concerne ao IVA, uma vez que a Direção de Serviços do IRS nunca se tinha pronunciado sobre o tema antes da publicação da Circular n.º 5/2013 –, foi já apoiada pela Direção de Serviços do IVA no processo de informação vinculativa n.º 3626, de 09.10.2012, no qual se refere que um contrato de arrendamento com inclusão de serviços configura “assim, uma operação sujeita a liquidação de IVA à taxa definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do referido Código”;
    11. Por uma questão de coerência do sistema e de atuação de boa fé por parte da AT, terá de se concluir que (i) ou o rendimento da Requerente mulher é enquadrado como sendo um rendimento empresarial (Categoria B) e, como tal, está sujeito a IVA, (ii) ou o rendimento da Requerente mulher é enquadrado como sendo um rendimento predial e, por esse motivo, não está sujeito a IVA, pelo que sendo a AT una, sendo os mesmos alheios à sua (des)organização interna, o tratamento fiscal a dar aos seus rendimentos - em concreto aos factos tributários que a estes subjazem - também terá de ser uno e coerente, não podendo ser utilizado um critério para o IRS e outro critério para o IVA…;
    12. A reforma do IRS, na qual se passou a consagrar a possibilidade de os sujeitos passivos optarem pela tributação dos rendimentos prediais nos termos e regras aplicáveis aos rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) veio, apenas, clarificar a forma como o tema deveria ser tratado, resolvendo, pois, os conflitos que existiam entre a aplicação do IVA e do IRS nesta matéria, sendo que, em todo o caso, os Requerentes entendem que, por força das imposições previstas no Código do IVA, a cedência de um imóvel devidamente mobiliado e equipado, é uma prestação de serviços qualquer que seja a natureza do sujeito passivo (individual ou empresa) e, como tal, no caso de pessoas singulares, as mesmas sempre estarão sujeitas a um enquadramento em sede de Categoria B;
    13. Atendendo ao disposto no n.º 2 do artigo 11.º da LGT, os conceitos importados pelo direito fiscal de outros ramos de direito devem como princípio ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da Lei, razão pela qual, na ausência de uma definição nos códigos tributários da operação de “actividades hoteleiras e similares”, deve atender-se, ao disposto no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, que estabelece o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, sendo que a Unidade … e, que integra os apartamentos turísticos em questão, foi constituída ao abrigo do regime jurídico dos empreendimentos turísticos, enquadrando-se as respetivas frações na tipologia de “apartamentos turísticos” que, nos termos do n.º 1, do respectivo artigo 14.º, são passíveis de serem reconduzidos a “(…) empreendimentos turísticos constituídos por um conjunto coerente de unidades de alojamento, mobiladas e equipadas, que se destinem a proporcionar alojamento e outros serviços complementares e de apoio a turistas.”;
    14. O imóvel em questão foi entregue pelos Requerentes (e demais proprietários) à C…, não para ser ocupados pela mesma, mas, ao invés, com a finalidade de esta assegurar a sua gestão e exploração, enquanto unidades de alojamento integradas num empreendimento turístico, sendo portanto a ocupação efetuada por terceiros em regime de alojamento, no âmbito de uma atividade hoteleira, sendo que eessa entrega não tem como contrapartida o pagamento de uma renda pela C…, que, na verdade, se encontra na posição inversa, ou seja, a de entidade prestadora do conjunto de serviços necessários à exploração dos imóveis enquanto unidades de alojamento de uma unidade turística;
    15. No âmbito da alínea da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS, tendo o legislador utilizado a expressão “atividade” sem delimitar (restritivamente) a sua extensão, é evidente que pretendeu incluir todos os rendimentos obtidos, por qualquer forma, da exploração direta ou através da contratação de serviços para realizar os rendimentos em causa. Em momento algum a lei faz qualquer limitação, pelo que não compete à AT fazer essa limitação;
    16. Tal como o conceito de rendimentos para efeitos de tributação em sede da Categoria B) do Código do IRS não se cinge aos resultados obtidos por via direta, estando excluídos os rendimentos do exercício da atividade através de serviços contratados. E se a lei não faz essa distinção, não compete à AT fazer;
    17. O termo “atividade” compreende também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos e a escolha da forma adequada de gestão, que no caso concreto se torna ainda mais pertinente, considerando que os Requerentes são sujeitos passivos não residentes;
    18. As orientações administrativas - e em particular a citada Circular n.º 5/2013, de 2 de julho de 2013 - apenas vinculam os órgãos da AT e não são consideradas fonte de direito fiscal, pelo que não têm qualquer eficácia externa vinculativa própria, não sendo sequer objeto de publicação, pelo que os sujeitos passivos não estão de modo algum obrigados a cumprir o disposto nas mesmas, nem os Tribunais (incluindo o Tribunal Arbitral);
    19. As circulares administrativas, apesar de, quando divulgadas, terem em vista esclarecer a posição assumida pela AT, estão fragilizadas do ponto de vista da sua constitucionalidade e oponibilidade aos contribuintes, sobretudo a partir do momento em que acrescentem ou tenham caráter inovador relativamente ao que consta do texto da lei (como se verifica no caso sub judice), pelo que se afigura ilegítimo e ilegal que a AT pretenda tributar os rendimentos auferidos pelos Requerentes no âmbito da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IRS (Categoria B) nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 8.º do mesmo diploma (Categoria F), através de uma interpretação própria e contra legem do mesmo no que respeita ao exercício da atividade;
    20. Ainda que se entendesse que a Circular emanada pela AT poderia prevalecer na ordem jurídica, o que sem conceder se admite para efeitos de alegação, a realidade é que a mesma sempre apenas poderia ser aplicada para o futuro, isto é, a partir da sua publicação, sob pena de frustração das expetativas dos sujeitos passivos;
    21. A atuação da AT, quer em sede de inspeção, quer em sede da posição assumida em sede da presente ação configura um abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium que viola o princípio da justiça e boa-fé a que aquela está vinculada nos termos do artigo 55.º da LGT, porquanto, na sequência da emanação da Circular n.º 5/2013, de 2 de julho, os representantes dos Requerentes solicitaram esclarecimentos junto do Serviço de Finanças de Loulé - … - que validou o seu entendimento com a Direção de Finanças de …-, tendo obtido a informação de que o enquadramento legal que vinha fazendo estava correto, razão pela qual deveria manter o mesmo;
    22. A atuação da AT – quer pelos contactos com os seus funcionários, quer por força da posição assumida pela Direção de Finanças do IVA – criou no espírito dos Requerentes uma confiança (bastante) razoável, de caráter legítimo, uma vez que podia razoavelmente presumir que a posição assumida refletia, à data, o entendimento jurídico da AT perante todos os casos que merecessem tratamento análogo, em cumprimento do n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil. Ou seja, a atuação da AT constituiu uma atuação administrativa criadora de confiança, a situação de confiança verificou-se e os Requerentes investiram nessa confiança na medida em que agiu em conformidade com as orientações da AT (verbais quanto ao IRS e escritas relativas ao IVA);
    23. Em sede de no âmbito de uma inspeção tributária efetuada ao sujeito passivo E… (NIF …), a Direção de Finanças de… começou por recusar o reembolso do IVA – com base na informação de que o referido sujeito passivo estaria indevidamente enquadrado em sede de Categoria B –, para, posteriormente, vir autorizar o referido reembolso;
    24. A inspeção em causa não se trata de um caso isolado, na medida em que teve como alvo, pelo menos, 28 proprietários (pessoas singulares) do mesmo empreendimento turístico (Apartamentos”) e com o mesmo representante para efeitos de IVA e teve por base não só o IVA, mas também o IRS, altura em que a AT propôs, numa primeira fase, o enquadramento dos rendimentos dos citados sujeitos passivos em sede de Categoria F (ao invés da Categoria B) - o que, como se viu, veio a ser alterado no relatório final de inspeção;
    25. Ainda que se admitisse – o que se faz por mera cautela e dever de patrocínio –, que os rendimentos obtidos pelos Requerentes são efetivamente rendimentos da Categoria F do Código do IRS, a realidade é que a matéria coletável da Requerente mulher jamais seria no valor apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária em sede de inspeção tributária, porquanto sempre teria de se considerar as despesas com salários de pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água, suportadas pelos Requerentes no ano de 2012, 2013 e 2014;
    26. Caso a presente ação venha a ser dada como procedente e verificando-se que os Requerentes procederam ao pagamento do imposto indevido, deverá a AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa máxima em vigor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º e no n.º 10 do artigo 35.º da Lei Geral Tributária, no n.º 5 do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no artigo 559.º do Código Civil e na Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
  5. A AT apresentou alegações, nas quais deu por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta;
  6. Por despacho de 02-20-2017, o Tribunal concedeu à AT o prazo de 10 dias para se pronunciar, querendo, sobre as alegações apresentadas pelos Requerentes, considerando os novos elementos por estes carreados para o processo, atendendo ao facto de o prazo para alegações ser simultâneo e havendo a necessidade de possibilitar o exercício do contraditório, não tendo, todavia, a AT;
  7. A AT não se pronunciou sobre os novos elementos juntos aos autos pelos Requerentes.

 

 

 

II – SANEADOR     

  1. Os Requerentes pretendem que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre quatro atos de liquidação de imposto (de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), sendo que em todos estão em causa as mesmas circunstâncias de facto e a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, pelo que se encontram preenchidos os requisitos para a admissibilidade da cumulação de pedidos, previstos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT.
  2. Não foram invocadas exceções.
  3. Os Requerentes apresentaram novos documentos, juntamente com as alegações escritas, o que é de admitir, à luz do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil, considerando que o Tribunal rejeitou a produção de prova testemunhal, o que justifica a admissibilidade do reforço da prova documental pela Requerente;
  4. Em sede de alegações escritas, os Requerentes vieram formular pedido de condenação da AT em juros indemnizatórios, sendo esta ampliação do pedido admitida por este Tribunal, com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil ex vi alínea e) do artigo 29.º do RJAT, considerando que o novo pedido decorre do pedido primitivo.
  5. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  6. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.

 

 

III. MÉRITO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

§1.       Factos provados

  1. O Tribunal considera provados os seguintes factos:
  1. Em 18 de março de 2006, os Requerentes celebraram um contrato-promessa de compra e venda com a sociedade D…, S.A. (NIPC…), doravante designada por “D…” tendo por objeto um imóvel designado “Apartamento…” (fração imobiliária…), inscrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo …, sob a letra I, sito no empreendimento “…”;
  2. Em 2 de maio de 2006, os Requerentes assinaram com a D…, S.A. um contrato de cessão de exploração turística da unidade … acima identificada, reservando-se esta o direito de nomear uma entidade gestora, que veio mais tarde a concretizar com a constituição da sociedade C…, S.A., (adiante designada C…), com o NIPC …;
  3. Os apartamentos turísticos “…” são parte integrante do conjunto de empreendimentos turísticos designado por “…”, também conhecido por “ … ”, o qual «tem obedecido a uma política de desenvolvimento faseada promovida pela D…, S. A., desde 1989, de forma a obter para cada um dos empreendimentos que o integram a classificação máxima permitida por lei, de cinco estrelas, assim garantindo a homogeneidade do conjunto de empreendimentos turísticos aí integrados e a pretendida qualidade da oferta turística» (cfr. primeiro parágrafo do Preâmbulo do título constitutivo dos apartamentos turísticos “…”);
  4. Os apartamentos turísticos “…” são constituídos por 154 frações imobiliárias, divididas por 13 edifícios, todos destinados a unidades de alojamento;
  5.  Em 8 de fevereiro de 2008 foi depositado, junto da então Direção Geral do Turismo, o título constitutivo dos “…”;
  6. Em 7 de julho de 2008 foi atribuída, pela Câmara Municipal de …, licença de utilização turística ao empreendimento “…”;
  7. Os Requerentes (proprietários) não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento;
  8. O Requerente A… encontra-se registado para o exercício da atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante”, CAE 55123, desde 2012-01-26;
  9.  Os Requerentes estão enquadrados no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime de contabilidade organizada, por opção, em sede de IRS (Categoria B);
  10. De acordo com o contrato de cessão de exploração turística celebrado, ficou estabelecido que a exploração turística seria assegurada pela entidade gestora D… (C…), nos termos do mesmo contrato;
  11. Os Requerentes reconheceram e aceitaram que, durante toda a vigência do Contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de caráter não pecuniário ou gratuito), mais reconhecendo e aceitando não divulgar nem permitir que outra pessoa singular ou coletiva divulgue a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação;
  12. Cabe à entidade gestora (C…) prestar os serviços descritos na Secção 2.2 do Contrato durante toda a vigência deste, mais precisamente:

A. Administrar o Programa de Exploração Turística (...) descrito na Secção 3;

B. Prestar os Serviços de Administração da Propriedade descritos na Secção 4;

C. Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade descritos na Secção 5; e

D. Prestar os Serviços de Limpeza e de Arrumação da Unidade descritos na Secção 6.

  1. No âmbito do Programa de Exploração Turística (descrito na secção 3 do contrato de cessão de exploração turística), a entidade gestora (C…) ficou obrigada a gerir os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turística do apartamento identificado supra, designadamente tratando da cobrança dos pagamentos devidos, cobrança de despesas, gestão das reservas, e determinação de tarifas;
  2. A gestora (C…) ficou responsável pelos serviços de administração geral da unidade;
  3. A natureza e o objeto dos serviços de administração geral da unidade a serem prestados serão determinados pela gestora e incluem, a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o Programa de Exploração Turística e despesas de serviços de receção e outras despesas com ela relacionada;
  4. No âmbito dos serviços de administração geral da unidade a entidade gestora (C…) comprometeu-se a realizar os serviços de manutenção de rotina que sejam por ela livremente considerados necessários para manter a unidade apropriada à ocupação de hóspedes;
  5. Ainda no âmbito dos serviços de administração geral da unidade, a gestora (C…) é responsável por assegurar os serviços de limpeza e arrumação da Unidade;
  6. Em troca dos serviços de gestão prestados, a entidade gestora (C…) tem o direito a reter 25% (vinte e cinco por cento) da Receita Bruta da Exploração Turística, ou qualquer outra percentagem que viesse a ser acordada periodicamente entre a gestora e os Requerentes;
  7. Aos Requerentes competia a realização de todas as operações que não estivessem relacionadas com a gestão operacional da exploração turística;
  8. Era responsabilidade dos Requerentes mobilar e equipar a Unidade, obrigando-se os mesmos à aquisição de um pacote standard de mobiliário, no valor de €56.000,00 (cinquenta e seis mil euros), acrescido de IVA à taxa legal aplicável;
  9. A gestora (C…) está obrigada a facultar um relatório mensal da conta dos Requerentes, num prazo de 15 (quinze) dias a contar do fim de cada mês, bem como um relatório anual auditado (relatório) dessa conta;
  10. A gestora (C…) disponibiliza aos Requerentes (proprietários) os montantes contratualmente acordados;
  11. Os Requerentes entregaram as declarações de rendimentos modelo 3 de IRS dos anos de 2012, com o respetivo Anexo B, e de 2013 e 2014, com os respetivos Anexos C, tendo sido apurados os seguintes resultados:

 

2012

2013

2014

Resultado líquido

- 40.586,52

6.508,15

4.554,77

Resultado tributável

- 40.586,52

6.508,15

4.554,77

Retenções na fonte

8.676,54

8.657,74

10.450,62

Resultado da liquidação

- 8.676,54

- 8.250,98

- 10.109,01

 

  1. Os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária, dirigido à análise dos rendimentos declarados em sede de IRS com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, em cumprimento das Ordens de Serviço n.º. OI2016…, OI2016… e OI2016… de 29 de agosto de 2016, tendo o Requerente sido notificado, em 9 de setembro de 2016, através do Ofício n.º…, datado de 8 de setembro de 2016, do respetivo Projeto de Relatório;
  2. No referido Projeto de Relatório de Inspeção foram propostas correções à matéria coletável dos Requerentes, de € 70.164,17 quanto ao ano de 2012, de € 17.394,95 quanto ao ano de 2013 e ainda de € 24.862,11 quanto ao ano de 2014;
  3.  Os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) qualificaram os rendimentos auferidos pelos Requerentes como rendimentos da Categoria F;
  4. Os encargos suportados pelos Requerentes referentes às rubricas onde se incluem salários do pessoal, limpeza, eletricidade, gás e água não foram considerados pelos SIT, no entendimento de que não reúnem as condições para serem consideradas despesas de manutenção ou de conservação;
  5. Por não se conformar com o citado Projeto de Relatório de Inspeção, os Requerentes apresentaram, em 21 de setembro de 2016, requerimento de audição prévia;
  6. Os Requerentes foram notificados do Relatório Final de Inspeção, no qual os Serviços de Inspeção Tributária mantiveram as correções à matéria coletável nos termos inicialmente propostos;
  7. Os Requerentes receberam, posteriormente, novo Relatório Final de Inspeção, onde se mantiveram as correções supra citadas, mas no qual foi tido em conta retenção na fonte efetuada no exercício de 2012, e contabilizado um reembolso e consequente alteração de imposto a pagar;
  8. Atendendo às conclusões plasmadas no Relatório de Inspeção, os Requerentes foram notificados dos atos tributários, contestados nos presentes autos, relativos aos anos de 2012, 2013 e 2014, conforme descritos infra, no montante total de €21.539,99:
    1. Ato de liquidação adicional de IRS n.º 2016… e respetivo ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, todos relativos ao ano de 2012 dos quais resultou uma coleta total de €6.568,25;
    2. Ato de liquidação adicional de IRS n.º 2016…, do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, todos referentes ao ano 2013, dos quais resultou uma coleta total de €5.506,70;
    3. Ato de liquidação adicional de IRS n.º 2016… e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, também referentes a 2013, dos quais resultou uma coleta total de €1.211,84;
    4. Ato de liquidação adicional de IRS n.º 2016… do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2016…, ambos emitidos por referência ao ano de 2014, dos quais resultou uma coleta total de €8.243,20.

 

§2. Factos não provados

  1. Com relevo para a decisão, não existem factos essenciais não provados.

 

§3. Motivação quanto à matéria de facto

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, no Processo Administrativo e no teor dos documentos juntos aos autos.

 

III.2. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões decidendas

  1. Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito, devendo este Tribunal, com base no disposto no n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, apreciar e decidir as seguintes questões:
  1. Saber se o Relatório de Inspeção Tributária e, consequentemente, os atos de liquidação contestados, enfermam do vício de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação;
  2. Saber se os rendimentos auferidos pelos Requerentes configuram rendimentos da categoria B do IRS (conforme alegado pelos Requerentes) ou se os mesmos devem, antes, ser qualificados como rendimentos da categoria F do IRS (segundo o entendimento da Requerida);
  3. Em caso de improcedência do pedido principal, saber se os atos de liquidação contestados enfermam de ilegalidade parcial em virtude da não aceitação, pela AT, da dedução, em sede de Categoria F, de todas as despesas suportadas pelos Requerentes com o imóvel gerador dos rendimentos em causa;
  4. Em caso de procedência do pedido, saber se os Requerentes têm direito ao pagamento, pela AT, de juros indemnizatórios.

 

§2. Análise das questões decidendas

  1. Quanto à alegada violação do dever fundamentação pela Requerida
  1. Dispõe o artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) que «os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».
  2. Em matéria tributária, o artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT) prevê que «[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
  3. Conforme é sustentado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 11-11-1998, proferido no âmbito do processo n.º 31339, «(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação».
  4. Entendem os Requerentes que a AT não cumpriu o referido dever de fundamentação.
  5. Não têm, contudo, razão os Requerentes, nesta matéria.
  6. Conforme é admitido pelo STA no seu acórdão de 13-04-2000, proferido no âmbito do recurso n.º 31.616, a densidade da fundamentação pode variar «em função do tipo legal de acto e das suas circunstâncias», considerando aceitável «uma fundamentação menos densa de certos tipos de actos, considerando-se suficiente tal fundamentação desde que corresponda a um limite mínimo que a não descaracterize, ou seja, fique garantido o “quantum” indispensável ao cumprimento dos requisitos mínimos de uma fundamentação formal: a revelação da existência de uma reflexão e a indicação das razões principais que moveram o agente».
  7. Conforme entendimento plasmado no acórdão da secção do contencioso do STA de 25-05-1993, proferido âmbito do recurso n.º 27387, «[a]tento ao fim meramente instrumental perseguido pela fundamentação dos actos administrativos, dever-se-á entender que este ficará assegurado sempre que mau grado a inexistência de uma referência expressa a qualquer preceito legal, ou princípio jurídico, a decisão em causa se situe indubitavelmente num determinado quadro legal perfeitamente cognoscível do ponto de vista do destinatário normal».
  8. No caso sub judice, a fundamentação do Relatório de Inspeção Tributária no qual se alicerçam as liquidações contestadas apresenta-se suficientemente clara e inequívoca, permitindo a um destinatário normal conhecer o percurso lógico-jurídico trilhado e compreender as razões que conduziram à decisão.
  9. Os Requerentes, nos argumentos por si esgrimidos, revelam ter compreendido cabalmente o quadro fático e jurídico em que assentou a decisão da Requerida.
  10.  Menciona-se, a título de exemplo, o artigo 34.º do pedido de pronúncia arbitral (ppa), o qual revela a compreensão, pelos Requerentes, das razões que levaram aos atos praticados pela Requerida, e cujo teor é o seguinte:

«No âmbito do referido Projeto de Relatório de Inspeção sustentaram os Serviços de Inspeção Tributária que:

a.         Os rendimentos auferidos derivam apenas da disponibilização a terceiros de imóvel, sendo que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento, pelo que os rendimentos que o sujeito passivo auferiu em 2012, 2013 e 2014, foram auferidos de forma meramente passiva, em resultado de uma prossecução de uma atividade comercial por parte da C…, pelo que deverão ser classificados como rendimento da Categoria F na esfera do sujeito passivo;

b.         Apesar do sujeito passivo ter suportado todas as despesas de operação do programa de exploração turística, parte desses encargos não são susceptíveis de serem deduzidos aos rendimentos da categoria F e por essa razão deverão ser desconsiderados».

  1. Deste modo, conclui-se, quanto à primeira questão, não se verificar o vício de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação dos atos contestados.

 

  1. Quanto à qualificação dos rendimentos auferidos
  1. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), relativo aos rendimentos da categoria B, «consideram-se rendimentos empresariais e profissionais […] a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária […]».
  2. O legislador elenca, a título exemplificativo, no n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, diversas atividades consideradas comerciais e industriais, encontrando-se entre elas as «atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como a venda ou exploração do direito real de habitação periódica» [alínea h)].
  3. Por outro lado, o artigo 8.º do CIRS, referente aos rendimentos da categoria F, prevê, na redação aplicável à data dos factos, o seguinte:

«1 - Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares.

2 - São havidas como rendas:

a) As importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência;

b) As importâncias relativas ao aluguer de maquinismos e mobiliários instalados no imóvel locado; […]»

  1. Para que se possa determinar se os rendimentos auferidos pelos Requerentes devem ser enquadrados, à luz dos preceitos citados, na categoria B ou na categoria F de rendimentos, para efeitos de IRS, importa saber, no caso vertente, se os mesmos decorrem do exercício de uma atividade comercial (conforme alegam os Requerentes) ou se, diferentemente, resultam da mera cedência do imóvel (conforme sustenta a Requerida).
  2. Tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, reiterado no Acórdão do STA de 11-01-2017, proferido no âmbito do processo 01622/15, que «o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros».
  3. No caso vertente, o que resulta do contrato de cessão de exploração turística celebrado entre os Requerentes e a sociedade D… é que a exploração turística ficaria, inicialmente, a cargo desta e que, posteriormente, essa exploração seria feita por uma entidade terceira, que viria a ser designada – a sociedade C… .
  4. Assim, e conforme decorre do referido contrato, cabe à C… assegurar a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários.
  5. Dito de outro modo, e indo ao encontro das palavras do STA no acórdão citado (n.º 41), é a C… que desenvolve as atividades de mediação entre a oferta e a procura de alojamento turístico.
  6. Ou seja, é a C… que assegura a atividade comercial que consiste na exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários.
  7. Importa, em todo o caso, atentar no facto, para o qual os Requerentes chamam a atenção (art. 15.º do pedido de pronúncia arbitral), de, conforme estipulado no contrato de cedência de exploração turística, aquela atividade da C… ser desenvolvida “por conta” dos proprietários (n.º 2.1 do contrato).
  8. Note-se, a este respeito, que agir “por conta de” não significa o mesmo que agir “em nome de” – a primeira expressão é adequada para nos referirmos à relação existente entre mandante e mandatário num mandato sem representação (artigo 1180.º do Código Civil), enquanto a segunda permite aludir à relação que se estabelece entre mandante e mandatário num mandato com representação (artigo 1178.º, n.º 1 do Código Civil).
  9. A exploração da fração imobiliária é, portanto, feita pela C… “por conta” dos Requerentes-proprietários, mas não “em nome” destes.
  10. Não pode este Tribunal, em qualquer caso, ignorar que no caso vertente se está perante um contrato de cessão de exploração turística.
  11. Estes contratos têm vindo a ser qualificados pela jurisprudência como contratos atípicos ou inominados (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de fevereiro de 2011, proferido no âmbito do 572/03.8TCFUN.L1.S1, e de 9 de Junho de 2009, proferido no âmbito do processo nº 823/06.7TCFUN.S1), devendo os mesmos ser compreendidos à luz do regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos em vigor (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, tendo aquele revogado o Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, com as alterações que lhe haviam sido introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 305/99, de 6 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, e pelo Decreto-Lei n.º 217/2006, de 31 de outubro).
  12. O empreendimento “…” encontra-se sujeito ao regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos, conforme, aliás, é reconhecido no próprio título constitutivo.
  13. À data do depósito do título constitutivo do empreendimento “…” (8 de fevereiro de 2008), o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos (RJIFET) era o que havia sido aprovado pelo Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 305/99, de 6 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 55/2002, de 11 de março, cujo artigo 1.º, n.º 1, definia empreendimentos turísticos como «os estabelecimentos que se destinam a prestar serviços de alojamento temporário, restauração ou animação de turistas, dispondo, para o seu funcionamento, de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares».
  14. Sobre a exploração dos empreendimentos turísticos, o artigo 44.º do RJIFET previa o seguinte:

«1- A exploração de cada empreendimento turístico deve ser da responsabilidade de uma única entidade.

2- A unidade de exploração do empreendimento não é impeditiva de a propriedade das várias fracções imobiliárias que o compõem pertencer a mais de uma pessoa.

3- Só as unidades de alojamento podem ser retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos e apenas nos casos e nos termos estabelecidos no regulamento previsto no n.º 3 do artigo 1.º.

4- As unidades de alojamento que tiverem sido retiradas da exploração de um empreendimento turístico não podem ser objecto de outra exploração comercial, turística ou não».

  1. O legislador distinguia aqui claramente entre a propriedade das várias frações imobiliárias que compõe o empreendimento, a qual pode ser plural, e a exploração deste, que «deve ser da responsabilidade de uma única entidade».
  2. Dito de outro modo, o legislador admite a propriedade plural, mas impõe a unicidade da exploração.
  3. Daqui advém a indispensabilidade de celebração de contratos de cessão de exploração turística entre os proprietários das frações imobiliárias e a entidade responsável pela exploração turística.
  4. A celebração de tais contratos decorre da necessidade de observância da lei, e não da vontade das partes contratantes – não se trata, pois, de uma opção de gestão por parte do proprietário da fração, mas antes de uma condição necessária para a aquisição da fração imobiliária.
  5. Quanto aos rendimentos em causa no presente processo referentes aos anos de 2012 e 2013, vigorava o RJIFET aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro (aplicável, em regra, aos empreendimentos turísticos existentes à data da sua entrada em vigor, por força do disposto no n.º 1 do artigo 75.º), cujo n.º 1 do artigo 44.º mantem a consagração legal da regra da unicidade da exploração, e em que o artigo 45.º prevê o seguinte:

«1- Sem prejuízo do disposto no artigo 49.º, as unidades de alojamento estão permanentemente em regime de exploração turística, devendo a entidade exploradora assumir a exploração continuada da totalidade das mesmas, ainda que ocupadas pelos respetivos proprietários.

2- A entidade exploradora deve assegurar que as unidades de alojamento permanecem a todo o tempo mobiladas e equipadas em plenas condições de serem locadas para alojamento a turistas e que nelas são prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento turístico.

3- Quando a propriedade e a exploração turística não pertençam à mesma entidade ou quando o empreendimento se encontre em regime de propriedade plural, a entidade exploradora deve obter de todos os proprietários um título jurídico que a habilite à exploração da totalidade das unidades de alojamento.

4- O título referido no número anterior deve prever os termos da exploração turística das unidades de alojamento, a participação dos proprietários nos resultados da exploração da unidade de alojamento, bem como as condições da utilização desta pelo respetivo proprietário».

  1. O n.º 3 do artigo citado torna explícito o que já resultava implicitamente da anterior versão do RJIFET – a indispensabilidade de um título jurídico que habilite a exploração da totalidade das unidades de alojamento.
  2. As alterações ao RJIFET introduzidas Decreto-Lei n.º 15/2014, de 23 de janeiro, não tiveram implicações no texto do n.º 1 do artigo 44.º nem do 45.º, pelo que o que se disse relativamente aos anos de 2012 e 2013 vale, igualmente, para o ano de 2014.
  3. Em conclusão, a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários, nos anos de 2012, 2013 e 2014, que interessam no caso vertente, foi assegurada pela sociedade C…, em observância da regra da unicidade da exploração consagrada no n.º 1 do artigo 44.º do RJIFET.
  4. Os Requerentes limitaram-se a ceder a fração imobiliária para exploração, pelo que os rendimentos que auferiram têm a natureza de rendas, tal como estas se encontram definidas na alínea a), do n.º 2 do artigo 8.º do CIRS, constituindo rendimentos prediais (conforme resulta do n.º 1 do artigo 8.º do CIRS), enquadráveis na categoria F de rendimentos.
  5. Os rendimentos auferidos pelos Requerentes não decorrem, portanto, da exploração turística da fração imobiliária de que são proprietários, mas sim da cedência da mesma para exploração por outra entidade (a sociedade C…).
  6. Para esta conclusão, é irrelevante que os Requerentes estejam registados para o exercício de atividades comerciais, designadamente a que se refere a “apartamentos turísticos sem restaurante”, tal como é irrelevante o regime do IVA em que estejam enquadrados.
  7. Também não releva para o caso o intuito lucrativo que possa ter motivado os Requerentes na aquisição da fração imobiliária do empreendimento turístico.
  8. Nem releva o facto de os Requerentes terem, eventualmente, alguma organização para o desenvolvimento das atividades comerciais em que estão inscritos para efeitos fiscais.
  9. Deve sublinhar-se que não está em causa, no presente processo, saber se os Requerente exercem ou não a atividade comercial para que estão inscritos.
  10. O que está em causa é saber se os rendimentos auferidos no caso concreto, e apenas estes, com os contornos jurídicos que enquadram o exercício da atividade de exploração turística, podem ser imputados aos Requerentes a título de rendimentos comerciais (enquadráveis na categoria B), sendo a resposta a esta questão negativa.
  11. Donde resulta evidente o que já foi afirmado supra – que a decisão do caso sub judice se centra em questões de direito, e não de facto.
  12. O que é decisivo é que, por imposição legal, a exploração turística da fração imobiliária de que os Requerentes são proprietários não pode ser assegurada pelos mesmos, pelo que os rendimentos por eles auferidos, e que estão em causa no presente processo, não podem, logicamente, ser imputados a tal atividade.
  13. Os rendimentos auferidos decorrem da cedência da fração imobiliária, pelo que revestem a natureza de rendimentos prediais.
  14. O facto de os rendimentos em causa não poderem ser imputados a atividade comercial desenvolvida pelos Requerentes também torna inaplicável o critério da preponderância da categoria B – este só seria relevante se os rendimentos em causa pudessem, simultaneamente, ser enquadrados na categoria B e noutra categoria (no caso, na categoria F), o que não sucede no caso sub judice.
  15. Como ficou já demonstrado, decorre do RJIFET a inadmissibilidade jurídica de exploração das frações imobiliárias integradas em empreendimentos turísticos pelos diversos proprietários das mesmas, pelo que não podem os rendimentos obtidos pelos Requerentes ser imputados a tal exploração nem, consequentemente, ser enquadrados na categoria B de rendimentos, para efeitos de IRS.
  16. A qualificação dos rendimentos em causa como rendimentos prediais, enquadráveis na categoria F, resulta da interpretação e aplicação da lei, independentemente do teor de qualquer circular administrativa, designadamente da Circular n.º 5/2013 da Direção de Serviços do IRS, que, como bem assinalam os Requerentes, apenas vincula os serviços da AT.
  17. Tal como a decisão deste Tribunal não está vinculada a qualquer circular administrativa, também não está limitada pelo sentido de quaisquer atos decisórios da AT, praticados na sequência de outros procedimentos administrativos, designadamente procedimentos inspetivos em sede de IVA ou mesmo de IRS.

 

  1. Quanto à não aceitação pela AT da dedução de determinadas despesas em sede de apuramento do rendimento líquido da categoria F
  1. Importa agora analisar a pretensão dos Requerentes, apresentada a título subsidiário, de que seja aceite a dedução da totalidade dos custos suportados com a manutenção e conservação do imóvel, incluindo os «referentes a mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água e gás gastos, reparações e pinturas» (art.119.º do pedido de pronúncia arbitral), atendendo a que os mesmos não foram considerados dedutíveis pela AT.
  2. O n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, previa o seguinte:

«Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal» (Redação dada pela lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro).

  1. Assim, há que apurar se as referidas despesas configuram despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo.
  2. Para este efeito, importa atender às normas relevantes do RJIFET.
  3. Na verdade, se o RJIFET não pode deixar de ser considerado para efeitos de qualificação dos rendimentos, também não pode ser ignorado para efeito de delimitação do âmbito das despesas dedutíveis, atendendo às especificidades da atividade aí regulada.
  4. O artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 228/2009, de 14 de setembro, previa, à data dos factos, o seguinte:

«1 — O proprietário de um lote ou fracção autónoma de um empreendimento turístico em propriedade plural deve pagar à entidade administradora do empreendimento a prestação periódica fixada de acordo com o critério determinado no título constitutivo.

2 — A prestação periódica destina-se a fazer face às despesas de manutenção, conservação e funcionamento do empreendimento, incluindo as das unidades de alojamento, das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização comuns do empreendimento, bem como a remunerar a prestação dos serviços de recepção permanente, de segurança e de limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento.

3 — Além do disposto no número anterior, a prestação periódica destina -se a remunerar os serviços do revisor oficial de contas e a entidade administradora do empreendimento, podendo suportar outras despesas desde que previstas no título constitutivo.

[…]

8 — Uma percentagem não inferior a 4 % da prestação periódica deve ser afecta à constituição de um fundo de reserva destinado exclusivamente à realização de obras de reparação e conservação das instalações e equipamentos de uso comum e de outras despesas expressamente previstas no título constitutivo [com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de janeiro, passou a n.º 9].

9 — Independentemente do critério de fixação da prestação periódica estabelecido no título constitutivo, aquela pode ser alterada por proposta do revisor oficial de contas inserida no respectivo parecer, sempre que se revele excessiva ou insuficiente relativamente aos encargos que se destina e desde que a alteração seja aprovada em assembleia convocada para o efeito [com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 15/2014 de 23 de janeiro, passou a n.º 10].

  1. Decorre do n.º 2 do artigo citado que importa proceder à distinção entre despesas de manutenção, conservação e funcionamento, sendo dedutíveis apenas as primeiras (desde que efetivamente suportadas e documentalmente provadas), e excluindo-se a possibilidade de dedução das despesas de funcionamento (despesas correntes), conforme resulta do previsto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS.
  2. Conforme entendimento expresso pelo STA no seu acórdão de 06-07-2016, proferido no âmbito do processo 088/16, «[a]s despesas de manutenção e de conservação serão despesas que sejam necessárias à conservação e manutenção dos imóveis que são geradores de rendimento. Poderão ser, como antes definidas no Regime do Arrendamento Urbano, art. 11.º, despesas efectuadas com obras de conservação ordinária – reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública, e, em geral, as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração; obras de conservação extraordinária – de reparação de defeitos de construção do prédio ou supervenientes; ou até de beneficiação do imóvel, mas sempre com repercussão no imóvel e na susceptibilidade de ele gerar rendimentos».
  3. Consideram-se, assim, excluídas dos conceitos de manutenção e conservação as despesas referentes a consumos de eletricidade, água e gás, as quais não poderão, à luz do disposto no n.º 1 do artigo 41.º do CIRS, ser deduzidas aos rendimentos brutos da categoria F, contrariamente ao que pretendem os Requerentes.
  4. Quanto às demais despesas sobre as quais existe divergência no caso sub judice – despesas com pessoal de limpeza e jardinagem, reparações e pinturas –, elas integram-se no conceito de despesas de manutenção e conservação.
  5. Para saber se essas despesas são dedutíveis, há que determinar, à luz do acordado entre as partes no contrato de cessão da exploração turística, se cabia aos Requerentes-proprietários suportá-las.
  6. Nos termos acordados, as despesas com pessoal de limpeza (6) e jardinagem (5.5), reparações (5.3) e pinturas (5.4), incluem-se nos serviços que devem ser prestados pela Gestora (cfr. Secção 6 e subsecções 5.3, 5.4 e 5.5 do contrato de cessão de exploração turística), e pelos quais esta é remunerada, conforme resulta das Subsecções 2.2. e 2.3 e Secção 7 do contrato de cessão da exploração turística, pelo que não podem as mesmas ser deduzidas pelos Requerentes-proprietários.
  7. Cabe à gestora (C…) fazer os pagamentos referentes a tais despesas, sendo estas suportadas pelos proprietários mediante a remuneração paga àquela.
  8. O custo dedutível é, assim, o correspondente à remuneração paga à Gestora, o qual foi devidamente considerado pela AT, conforme resulta da aplicação da permilagem da unidade S621 (0,00797600), de que os Requerentes são proprietários, aos valores contantes do anexo 1 do Relatório de Inspeção Tributária.
  9. Em conclusão, improcede o pedido dos Requerentes de consideração, para efeitos de dedução aos rendimentos da categoria F do IRS, das despesas com salários de pessoal (de limpeza e jardinagem), eletricidade, gás, água, pinturas e reparações (art. 119.º do ppa) referentes aos anos de 2012, 2013 e 2014.

 

  1. Do direito a juros indemnizatórios
  1. O n.º 1 do artigo 43.º da LGT prevê que são devidos juros indemnizatórios «[…] quando se determine […] que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
  2. Tendo este Tribunal concluído que os atos contestados não enfermam de qualquer vício, e que, portanto, não há qualquer erro que possa ser imputado aos serviços da AT, não têm os Requerentes direito ao reembolso dos montantes de imposto pagos nem a juros indemnizatórios

 

V – DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.

 

VI- VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 21.539,99.

 

 

VII – CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes.

 

Lisboa, 20/11/2017

 

     O Árbitro

 

(Paulo Nogueira da Costa)