Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 150/2017-T
Data da decisão: 2019-04-29  Selo  
Valor do pedido: € 29.069,45
Tema: IS - terreno para construção; verba 28.1 da TGIS; juros indemnizatórios; inconstitucionalidade – Substitui a decisão arbitral de 27 de outubro de 2017 (em anexo).
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A…, S.A., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva …, com sede na …, …, ..., …-… Lisboa (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 01.03.2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, em termos mediatos, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015, respeitante à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativo a prédio de que é proprietária, como adiante melhor se verá, e que deu origem às notas de cobrança n.º 2016…, n.º 2016… e n.º 2016…, concernentes às primeira, segunda e terceira prestações, respectivamente, no valor global de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 14.03.2017, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B… e Dra. C…, que assina C…, para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 17.05.2017.

 

  1. No mesmo dia 17.05.2017 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. No dia 08.06.2017 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, que é um “terreno para construção”, sito na Rua …, freguesia dos …, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo …, com um valor patrimonial tributário (de ora em diante “VPT”) de € 2.906.945,26 (dois milhões novecentos e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e vinte seis cêntimos), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 5, cujo teor se tem por reproduzido (de ora em diante designado “Prédio”).

 

  1. A Requerida, no dia 05.04.2016 procedeu à liquidação do Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) referida em 1.1., cujos documentos de cobrança relativos à primeira, segunda e terceira prestações foram anexados ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 2 a 4, cujos teores se têm por reproduzidos, que se baseou no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”) e na verba 28.1 da TGIS.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do IS supra referidas nos dias 29.04.2016, 09.08.2016 e 30.11.2016, respectivamente, a primeira no valor de € 9.689,83 (nove mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos) e as seguintes no valor de € 9.689,81 (nove mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e um cêntimos), cada uma.

 

  1. A 26.08.2016 a Requerente reagiu contra a dita liquidação de IS, apresentando Reclamação Graciosa, tendo sido notificada do seu indeferimento no dia 10.01.2017.

 

  1. Alega a Requerente que a Liquidação ora contestada é inconstitucional, desde logo por violação do princípio da igualdade tributária (artigos 12.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que impede a discriminação de contribuintes em situação igual ou semelhante, sendo o critério fiscalmente relevante o da capacidade contributiva.

 

  1. Parece à Requerente inexistir uma justificação plausível para a discriminação negativa que impende sobre os terrenos para construção com afectação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) quando comparados com prédios edificados, em regime de propriedade vertical ou horizontal, cujo valor de cada um dos andares susceptíveis de utilização independente ou fracções autónomas não exceda aquela bitola, mas que no seu conjunto se mostrem de valor superior a ela.

 

  1. Acresce que o Prédio não é manifestação de riqueza da Requerente, porquanto apenas integra o processo produtivo por ela protagonizado, não sendo razoável que se penalizem fiscalmente as sociedades que se dedicam à promoção imobiliária face às sociedades que prosseguem outro tipo de actividade, conclusão tão mais evidente quanto é certo que em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) foi criado um regime especial de tributação dos terrenos para construção, favorecendo-os quando estejam integrados num processo produtivo.

 

  1.  Aliás, parece também não haver justificação plausível para se conceber um regime tributário que pretenda diferenciar negativamente os terrenos para construção de habitação daqueles destinados a outro tipo de edificações.

 

  1. Acresce que no caso presente, para além das mencionadas inconstitucionalidades, temos também a que decorre da existência de uma não admissível dupla tributação, uma vez que o Prédio, estando já sujeito a IMI, passa a estar igualmente sujeito a IS, havendo em ambos os tributos uma identidade de facto tributário: a propriedade.

 

  1. Os juros indemnizatórios peticionados são devidos, uma vez que a Requerente pagou prestações tributárias a seu ver ilegais.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. Entende a Requerida que a Liquidação impugnada resulta da aplicação directa da norma legal, respeitando integralmente a sua letra e o seu espírito.

 

  1. Não há dupla tributação, uma vez que estão em causa dois impostos diferentes: IMI e IS.

 

  1. Também não há inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, porquanto este não impede, em termos absolutos, qualquer diferenciação de tratamento. Veda apenas a ocorrência de discriminações arbitrárias e injustificadas, tendo o legislador elegido, de forma racional e objectiva, um determinado pressuposto de facto como base da incidência: terrenos para construção com VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) tendo como destino único ou predominante a habitação.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 15.09.2017 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 31.10.2017, tendo sido oferecido prazo para a apresentação de Alegações escritas e sucessivas.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas a 25.09.2017, tendo a Requerida apresentado as suas a 04.10.2017, que reiteram o já propugnado por cada uma das partes nos articulados por si apresentados anteriormente.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos (declaração de ilegalidade de acto de liquidação, por um lado, e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por outro) efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram invocadas quaisquer excepções, pelo que pode passar-se de imediato à apreciação do mérito da causa.

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. A Requerente tem objecto social relacionado com a indústria de construção civil, construção de prédios para venda, compra e venda de prédios urbanos e rústicos, urbanização e loteamentos, promoção imobiliária, gestão de imóveis próprios, representações e consignação de artigos e materiais para construção civil. (art.º 7.º do pedido de pronúncia arbitral).

  

  1. A Requerente é a única proprietária do Prédio (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Ao Prédio foi atribuído o tipo de coeficiente de localização: habitação (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Ao Prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 2.906.945,26 (dois milhões novecentos e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e vinte seis cêntimos) (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O Prédio é um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (consenso das Partes).

 

  1. A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança referentes ao acto de liquidação de IS de 2015, respeitante à verba 28.1 da TGIS, relativo ao Prédio, no valor global de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) (docs. n.ºs 2 a 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do IS supra referidas nas datas indicadas nos docs. n.ºs 2 a 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2.      Factos não provados

 

Não ficou provado que a edificação autorizada ou prevista contemple futuras fracções autónomas ou partes susceptíveis de utilização independente com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros). Não há mais factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

  1. A de saber se é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação, a verba 28.1 da TGIS, quando pretende aplicar-se a terrenos para construção com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) propriedade de sociedades que têm por objecto o exercício de actividades de promoção imobiliária quando esteja em causa a construção de edifícios destinados à habitação em que nenhuma das futuras fracções autónomas ou partes susceptíveis de utilização independente se prevê venha a ter um VPT igual ou superior àquele montante; e
  2. A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação contestado, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação das prestações tributárias por esta ilegalmente exigidas.

 

3.2.      A verba 28.1 da TGIS na redacção que resultou da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que contava, até 31.12.2013, com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

 

Como se constata, a verba 28.1, com aquela redacção, referia-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.3.      O sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”

 

Não podem ser fixados o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” sem ter presente o significado do próprio vocábulo “afectação”. E esse terá de ser encontrado nos dicionários, colhendo-se neles o benefício do estudo criterioso dos lexicógrafos. Assim, “afectação”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é a acção de destinar alguma coisa a determinado uso e “afectar”, consequentemente, é sinónimo de destinar a um uso ou a uma função específica. 

 

  1. As regras de interpretação de normas fiscais

 

A questão a que primeiramente cumpria dar resposta não dispensava, antes implicava, que se surpreendesse o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” a que fazia apelo a verba 28.1 da TGIS. Na ausência de uma definição legal, quer no CIS, quer em qualquer outro diploma, tem o intérprete-aplicador desta disposição o dever de convocar as normas que regem o necessário exercício hermenêutico.

 

Não há verdadeiramente um regime especial de interpretação de normas tributárias. O n.º 1 do art.º 11.º da LGT manda observar, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam”, “as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

Os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis são os estabelecidos no art.º 9.º do Código Civil:

   

ARTIGO 9º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Note-se, porém, que a interpretação das normas, também das normas fiscais, não se esgota num exercício meramente lexical. Não envolve apenas, nem sequer sobretudo, a dissecação vocabular. Não estava, pois, em causa saber exactamente o que significava “prédio com afectação habitacional”, mas antes surpreender o sentido e o alcance desse conceito no âmbito do que dispunha a verba 28.1 da TGIS. O mesmo é dizer, sublinhe-se, que só haveria utilidade processual do esforço hermenêutico, no âmbito deste concreto pedido de pronúncia arbitral, se ele fosse dirigido a descortinar se o legislador, com a redacção então escolhida para a verba 28.1 da TGIS, quis nela abranger os prédios urbanos com as características do Prédio.

 

  1. A “afectação habitacional” – prédios habitacionais e com afectação habitacional

 

A afectação dos imóveis é um coeficiente que concorre para a sua avaliação, como bem recorda a Requerida. Contudo, importava saber se a verba 28 da TGIS, na redacção que vigorou em 2012 e 2013, compreendia quer os prédios edificados quer aqueles que fossem tidos por terrenos para construção.

 

O n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, com preocupação taxinómica, distingue “prédios habitacionais” de “terrenos para construção”. Os primeiros serão, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta dessa licença, os que tenham como destino normal esse fim. Já os terrenos para construção, esclarece o n.º 3 do preceito a que vimos fazendo referência, são aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções.

 

Resulta claro, pois, que um terreno para construção não é, segundo esta classificação, um prédio habitacional. Importava ainda dilucidar a questão de saber se “prédio com afectação habitacional”, conceito então usado pela verba 28.1 da TGIS, correspondia, mau grado a diversidade literal, a “prédio habitacional”, noção empregue na classificação acabada de visitar.

 

Afectação, pelo que aprendemos com os dicionaristas, convoca o destino dado a certo bem. Já “habitacional” é relativo a habitação, sendo esta, por sua vez, e segundo o Dicionário que vimos usando, lugar ou casa em que se vive ou mora. Ora, afectação habitacional não poderá sugerir outro sentido que não seja a acção de dar a certo bem – no caso o Prédio, ainda que se admita para estes efeitos que é um terreno para construção – o destino de casa ou lugar onde se mora.

 

É sabido que o CIMI faz, em diversas disposições, uso da expressão “afectação”. Fá-lo, por exemplo:

 

  • No art.º 3.º, quando refere, relativamente a prédios rústicos, uma utilização geradora de rendimentos agrícolas;
  • No art.º 9.º, quando impõe aos sujeitos passivos o dever de comunicarem aos serviços de finanças que um terreno para construção passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda ou que um prédio passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda;
  • No art.º 27.º, quando relaciona certos edifícios e construções à produção de rendimentos agrícolas. 

 

Em todas as situações apresentadas, como se pode ver, a afectação não é referida em termos potenciais, de vocação ou de expectativa. É justamente ao contrário. Sugere um destino efectivo ou directo, para usar uma expressão a que o legislador faz apelo no art.º 27.º.

 

Contudo, o CIMI faz também abundante uso da expressão “afectação” quando enuncia as regras que devem aplicar-se à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos (artigos 38.º e seguintes do CIMI). Poderia ser extraído das regras de determinação do valor patrimonial algum elemento útil que nos permitisse surpreender o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”?

 

  1. A relevância das regras de determinação do valor patrimonial tributário

 

A noção de afectação de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis. Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação.

 

É certo que para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios se tem atendido à “afectação” do que neles possa ser edificado.

 

A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, em função, justamente, do que nele possa ser construído. Por isso, o art.º 45.º do CIMI “manda separar as duas partes do terreno”: de um lado, teremos de considerar “a parte do terreno onde vai ser implantado [rectius, onde pode vir a ser implantado] o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…), em virtude de a construção não estar ainda efectivada”. É bom de ver que a aplicação daquela percentagem permite justamente atender à circunstância de não haver ainda construção, mas não autoriza o legislador que se ignore que o valor económico, ou de mercado, de um terreno está relacionado com a sua capacidade construtiva.

 

Dizer o que precede não significa, porém, afirmar que o legislador sente a necessidade de impor a tributação automática e necessária, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, a todos os terrenos. Basta ler o que dispõe a alínea d) do já referido art.º 9.º do CIMI:

 

ARTIGO 9º

(Início da tributação)

  1. O imposto é devido a partir:

(…)

  1. Do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;

(…)

 

Ou seja, ainda que o legislador entenda ser razoável, como parece ser, determinar o valor patrimonial tributário de um terreno levando em linha de conta a sua capacidade construtiva e, concedamos a benefício de raciocínio, a natureza ou vocação do que possa sobre ele ser edificado, não deixa de ser sintomático que tenha optado, do mesmo passo, por suspender essa tributação nos casos em que esses terrenos figurem no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda. Nos casos em que, poder-se-ia também dizer, esses prédios urbanos integram um processo produtivo que tende a continuar e a produzir, a jusante, frutos também eles tributáveis.

 

Se o sentido primacial de “afectação”, como deixámos dito, sugeria um destino efectivo, directo, dado a um determinado bem, não vemos como pudesse este entendimento ser infirmado pela constatação de que o legislador, no âmbito da avaliação de terrenos para construção, autoriza o uso do coeficiente de afectação, tendo em vista o que nele pode vir a ser construído. Na verdade, não parecia razoável admitir neste cenário o recurso a normas de determinação da matéria colectável para alargar a previsão das normas de incidência.

 

Face ao exposto, a boa interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS com a redacção aplicável aos anos de 2012 e 2013, impunha o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugeria que se lhe desse esse efectivo destino, ou se lhe pudesse directamente dar esse destino.

 

Não se diga que este juízo colide com a possibilidade de ver aplicado a um terreno para construção o coeficiente de afectação a que se faz referência na secção II do Capítulo VI do CIS. Na verdade, uma coisa são as regras que o legislador impõe para determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não sendo estranho que se atenda à sua capacidade construtiva e à natureza e vocação do que neles possa ser edificado, outra, bem diversa, é pretender que essas regras sejam convocadas para recortar o campo da previsão normativa das regras de incidência.

 

Aliás, a interpretação que aqui se acolhe, e amplamente sufragada pela jurisprudência judicial e arbitral, está de harmonia com o que parece ter sido a intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta pouco rigorosa intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS e, como bem refere a Requerida, “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabem, sem mais, terrenos, mesmo que para construção. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa e sem prejuízo da redacção posterior, resultava com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS, não podia ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos imóveis com as características do Prédio, pelas razões supra aduzidas. Antes parece que o sentido e o alcance do conceito de “prédios com afectação habitacional” era o equivalente ao de “prédios habitacionais” mencionados na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS. 

 

3.4. A verba 28.1 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro

 

Com a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a verba 28.1 da TGIS passou a ler-se assim:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI;

 

Cuidemos, pois, de saber se o Prédio, no que se refere à liquidação de IS de 2015, está abarcado pela norma de incidência.

 

Estão as partes de acordo que o Prédio é um terreno para construção. Ora, já visitámos o n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, a propósito da distinção entre “prédios habitacionais” e “terrenos para construção”, ou seja, aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções, como se lê no n.º 3 do mesmo preceito.

 

Contudo, a preocupação do intérprete aplicador da norma não deve circunscrever-se ao conceito de “terreno para construção”. Esse exercício seria desprovido de qualquer utilidade se ignorasse a norma de incidência que o convoca.

 

Na verdade, mais do que saber se o Prédio é, ou não, um terreno para construção, o que é indisputado, importa descortinar, num primeiro momento, se o Prédio é, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”. Este é o primeiro ponto de análise, no que se refere á liquidação de 2015.

 

Não é a simples inscrição matricial como “terreno para construção” que acarreta a inelutável aplicação da verba 28.1 da TGIS, já que ela não constitui, por si só, demonstração cabal de que um determinado prédio tem uma edificação para habitação prevista.

 

Veja-se a este propósito JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção”.

 

Assim, parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afecto a habitação, porquanto o recorte da incidência objectiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efectiva potencialidade de edificação, necessariamente revelada pela existência de suportes documentais que a autorizam. O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, só se materializa, e mesmo assim não em termos definitivos ou completos, com a verificação de uma “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 524/2015-T.

 

Ora, sem a demonstração dessa efectiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS. Contudo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS não basta essa efectiva potencialidade de edificação. É necessário provar que a edificação, autorizada ou prevista, é para habitação. O mesmo é dizer que não pode ser para fim diverso do de habitação, já que, segundo nos parece, a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação da norma a que vimos fazendo referência.

 

Contudo, a Requerente não disputa sequer este aspecto. Não decorre do sustentado pela Requerente que a edificação, autorizada ou prevista, no Prédio tenha outro fim que não o de habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

Assim, tem de colocar-se o problema de saber se é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação, a verba 28.1 da TGIS, quando pretende aplicar-se a terrenos para construção com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) propriedade de sociedades que têm por objecto o exercício de actividades de promoção imobiliária quando esteja em causa a construção de edifícios destinados à habitação em que nenhuma das futuras fracções autónomas ou partes susceptíveis de utilização independente se prevê venha a ter um VPT igual ou superior àquele montante.

 

3.5.      Da inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS

 

Entende a Requerente que a verba 28.1 da TGIS, na interpretação que dela faz a Requerida, atenta contra os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação.

 

A inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS foi já objecto de juízos negativos por parte do Tribunal Constitucional, nomeadamente nos Acórdãos 590/2015, 83/2016, 247/2016 e 568/2016. Mais recentemente, considerou-a inconstitucional o Acórdão 250/2017.

 

O artigo 13.º da CRP consagra o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Pode ler-se o seguinte no Acórdão n.º 590/2015 do Tribunal Constitucional:

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

 

 

Como vem sendo sistematicamente reiterado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, mais do que impor soluções idênticas para situações diferentes, visa sobretudo impedir o arbítrio legislativo. Como bem refere a Requerida “o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, i.e., as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante”.

 

Não vê este tribunal arbitral como sendo uma discriminação arbitrária, intolerável, a distinção que faz o legislador entre os prédios com afectação habitacional e os com afectação diversa (comércio, indústria ou serviços). Não cabe no juízo de inconstitucionalidade material de uma norma de incidência tributária a concordância ou discordância com as motivações políticas ou económicas que levaram o legislador a optar por um determinado critério de oneração fiscal. Contudo, a análise a que tem de proceder-se não pode limitar-se a este aspecto parcial.

 

O Acórdão n.º 250/2017 do Tribunal Constitucional oferece, no entender deste tribunal a chave da solução.

 

Não se rejeita a posição defendida por José Casalta Nabais, citado no referido Acórdão n.º 590/2015, para quem o legislador pode “proceder à discriminação de patrimónios, tributando os mais elevados e isentando os mais baixos ou adotando taxas progressivas” (cfr. Direito Fiscal, 7.ª edição, Almedina Editora, Coimbra, 2012, p. 436).

Mas o facto de se reconhecer que o legislador dispõe dessa margem de liberdade, não nos dispensa de verificar se, na situação concreta em apreço, a mesma foi exercida com respeito pelas vinculações constitucionais aplicáveis.

Na verdade, o reconhecimento de uma ampla margem de liberdade de conformação do legislador fiscal não tem como contrapartida uma restrição equivalente dos poderes de controlo deste Tribunal, pois é precisamente nos casos em que aquela liberdade é maior que este controlo mais se justifica à luz dos princípios constitucionais que devem nortear o seu exercício. Sob pena de se entender que aquela liberdade envolve uma permissão para legislar contra a Constituição e os princípios nela consignados.

Ora, ao impor que cada um pague impostos na medida das suas possibilidades, o princípio da igualdade tributária não impõe apenas que se verifique que essa exigência respeita a força económica de cada contribuinte, e que traduz uma justa repartição da carga fiscal, mas também que se avalie se essa carga não é excessiva, em termos análogos, aliás, àqueles que a Constituição estabelece para admitir outras restrições aos direitos fundamentais.

E na situação concreta em apreço isso implica necessariamente avaliar a legitimidade do aditamento dos terrenos para construção à previsão normativa da verba 28.1 da TGIS, ponderando a admissibilidade do alargamento da sua base de incidência à luz dos princípios fundamentais que regem o sistema fiscal, mas confrontando-a também com as próprias razões que presidiram originariamente à criação deste imposto

 

Não parece decisivo o pecado original da verba 28.1 da TGIS para que chama a atenção o aresto que vimos de citar. Ainda que fosse porventura preferível o alargamento da base de tributação ao conjunto do património imobiliário de cada contribuinte, a sua não realização, a nosso ver, não ofende, por si, a Lei Fundamental.

 

Contudo, não podemos deixar de acompanhar o juízo do dito Acórdão quando refere:

 

(…) ao reunir na mesma verba a tributação de casas de luxo e de terrenos para construção, no pressuposto de que ambos se subsumem genericamente à categoria de bens imóveis de elevado valor patrimonial tributário, a norma cuja validade se discute confundiu manifestações de riqueza com fatores de produção dessa mesma riqueza.

 

Ora, na verdade, não pode com seriedade formular-se um juízo sobre a capacidade contributiva de uma empresa que prossegue uma actividade económica na base dos factores de produção nela empregues. É nítida a intenção legislativa de incrementar no esforço de consolidação orçamental o contributo dos mais favorecidos, dos que evidenciam uma maior capacidade contributiva. Não reside neste aspecto a censura constitucional. Ela existe, sim, quando o legislador encara o processo produtivo de uma empresa, mais propriamente os factores de produção, como manifestação dessa capacidade contributiva. Parece-nos, pois, na linha do sufragado no Acórdão do Tribunal Constitucional 250/2017 que a inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS, nos termos em que ela é feita, é materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que não atende à diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, ao arrepio, aliás, do declarado propósito do legislador, que procurou, com esta norma de incidência, impor aos contribuintes com maior capacidade contributiva um sacrifício adicional, de harmonia com o princípio da equidade social na austeridade.    

  

3.6.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Ora, tendo a Requerente pago o tributo que pela liquidação reclamada lhe foi, por erro imputável aos serviços, exigido, tem ela direito não apenas ao reembolso de tudo quanto pagou mas ainda a perceber juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento de cada uma das prestações, até ao seu integral reembolso. 

 

3.7.      Questões prejudicadas

 

Fica prejudicada, por desnecessária, a análise dos demais argumentos usados pela Requerente para sustentar o defendido juízo de inconstitucionalidade. 

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso à Requerente de todos os montantes por ela pagos, relativamente à liquidação ora anulada;
  2. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do pagamento de cada uma das prestações até ao seu integral reembolso.

 

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 27 de Outubro de 2017

 

 

O Árbitro

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.

 

 



[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.

 

 

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

  1. Relatório

 

 

A - Geral

 

 

  1. A..., S.A., com o número único de matrícula e de pessoa colectiva..., com sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 01.03.2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral singular em matéria tributária, que foi aceite, visando, por um lado, em termos mediatos, a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015, respeitante à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (de ora em diante “TGIS”), relativo a prédio de que é proprietária, como adiante melhor se verá, e que deu origem às notas de cobrança n.º 2016..., n.º 2016... e n.º 2016..., concernentes às primeira, segunda e terceira prestações, respectivamente, no valor global de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), e, por outro, o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento indevido de prestações tributárias.

 

  1. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro, não tendo as Partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

  1. Por despacho de 14.03.2017, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação das Senhoras Dra. B... e Dra. C..., que assina C..., para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 17.05.2017.

 

  1. No mesmo dia 17.05.2017 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

  1. No dia 08.06.2017 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, que é um “terreno para construção”, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ..., com um valor patrimonial tributário (de ora em diante “VPT”) de € 2.906.945,26 (dois milhões novecentos e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e vinte seis cêntimos), a que corresponde a caderneta que a Requerente anexa ao seu pedido como documento n.º 5, cujo teor se tem por reproduzido (de ora em diante designado “Prédio”).

 

  1. A Requerida, no dia 05.04.2016 procedeu à liquidação do Imposto do Selo (de ora em diante designado “IS”) referida em 1.1., cujos documentos de cobrança relativos à primeira, segunda e terceira prestações foram anexados ao pedido de pronúncia arbitral como documentos n.ºs 2 a 4, cujos teores se têm por reproduzidos, que se baseou no art.º 1.º do Código do Imposto do Selo (de ora em diante o “CIS”) e na verba 28.1 da TGIS.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do IS supra referidas nos dias 29.04.2016, 09.08.2016 e 30.11.2016, respectivamente, a primeira no valor de € 9.689,83 (nove mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e três cêntimos) e as seguintes no valor de € 9.689,81 (nove mil seiscentos e oitenta e nove euros e oitenta e um cêntimos), cada uma.

 

  1. A 26.08.2016 a Requerente reagiu contra a dita liquidação de IS, apresentando Reclamação Graciosa, tendo sido notificada do seu indeferimento no dia 10.01.2017.

 

  1. Alega a Requerente que a Liquidação ora contestada é inconstitucional, desde logo por violação do princípio da igualdade tributária (artigos 12.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), que impede a discriminação de contribuintes em situação igual ou semelhante, sendo o critério fiscalmente relevante o da capacidade contributiva.

 

  1. Parece à Requerente inexistir uma justificação plausível para a discriminação negativa que impende sobre os terrenos para construção com afectação habitacional cujo VPT seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) quando comparados com prédios edificados, em regime de propriedade vertical ou horizontal, cujo valor de cada um dos andares susceptíveis de utilização independente ou fracções autónomas não exceda aquela bitola, mas que no seu conjunto se mostrem de valor superior a ela.

 

  1. Acresce que o Prédio não é manifestação de riqueza da Requerente, porquanto apenas integra o processo produtivo por ela protagonizado, não sendo razoável que se penalizem fiscalmente as sociedades que se dedicam à promoção imobiliária face às sociedades que prosseguem outro tipo de actividade, conclusão tão mais evidente quanto é certo que em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) foi criado um regime especial de tributação dos terrenos para construção, favorecendo-os quando estejam integrados num processo produtivo.

 

  1.  Aliás, parece também não haver justificação plausível para se conceber um regime tributário que pretenda diferenciar negativamente os terrenos para construção de habitação daqueles destinados a outro tipo de edificações.

 

  1. Acresce que no caso presente, para além das mencionadas inconstitucionalidades, temos também a que decorre da existência de uma não admissível dupla tributação, uma vez que o Prédio, estando já sujeito a IMI, passa a estar igualmente sujeito a IS, havendo em ambos os tributos uma identidade de facto tributário: a propriedade.

 

  1. Os juros indemnizatórios peticionados são devidos, uma vez que a Requerente pagou prestações tributárias a seu ver ilegais.

 

 

C – Posição da Requerida

 

 

  1. Entende a Requerida que a Liquidação impugnada resulta da aplicação directa da norma legal, respeitando integralmente a sua letra e o seu espírito.

 

  1. Não há dupla tributação, uma vez que estão em causa dois impostos diferentes: IMI e IS.

 

  1. Também não há inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, na vertente da capacidade contributiva, porquanto este não impede, em termos absolutos, qualquer diferenciação de tratamento. Veda apenas a ocorrência de discriminações arbitrárias e injustificadas, tendo o legislador elegido, de forma racional e objectiva, um determinado pressuposto de facto como base da incidência: terrenos para construção com VPT superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) tendo como destino único ou predominante a habitação.

 

 

D – Conclusão do Relatório e Saneamento

 

 

  1. Por despacho de 15.09.2017 o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), por entender que as Partes haviam já carreado para o processo os elementos de facto necessários e suficientes para a prolação da decisão, que se previu pudesse ter lugar até ao dia 31.10.2017, tendo sido oferecido prazo para a apresentação de Alegações escritas e sucessivas.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas a 25.09.2017, tendo a Requerida apresentado as suas a 04.10.2017, que reiteram o já propugnado por cada uma das partes nos articulados por si apresentados anteriormente.

 

  1. O tribunal arbitral é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.

 

  1. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

  1. A cumulação de pedidos (declaração de ilegalidade de acto de liquidação, por um lado, e reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, por outro) efectuada no presente pedido de pronúncia arbitral, em homenagem ao princípio da economia processual, justifica-se uma vez que o art.º 3.º do RJAT, ao admitir expressamente a possibilidade de “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos”, acomoda, sem abuso hermenêutico, a apreciação de um pedido que decorre, em termos necessários, do juízo que o tribunal arbitral sufrague quanto à validade da liquidação posta em crise.

 

  1. O processo não padece de qualquer nulidade nem foram invocadas quaisquer excepções, pelo que pode passar-se de imediato à apreciação do mérito da causa.

 

  1. Por decisão arbitral de 27 de Outubro de 2017, o tribunal arbitral decidiu:

 

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação da liquidação impugnada, com todas as consequências legais, desde logo o reembolso à Requerente de todos os montantes por ela pagos, relativamente à liquidação anulada; e

 

  1. Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, sendo eles contados desde a data do pagamento de cada uma das prestações até ao seu integral reembolso.

 

 

  1. A Requerida apresentou ao Tribunal Constitucional recurso da decisão arbitral referida, que deu origem ao seu processo n.º 1352/2017.

 

  1. Pela decisão sumária n.º 610/2018, proferida a 18.09.2018, o Tribunal Constitucional veio a apreciar esse recurso, decidindo, além do mais o seguinte:

 

  1. A dita decisão transitou em julgado, segundo se refere no ofício com que foi remetido ao CAAD, no dia 04.10.2018.

 

  1. O n.º 2 do artigo 80.º da Lei de Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) refere que “se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade.

 

  1. Assim, embora o Tribunal Arbitral esteja há muito dissolvido, decorre desta disposição que o Tribunal Arbitral deve, para efeitos de reformulação da decisão arbitral objecto do recurso, voltar a assumir plenas funções jurisdicionais, o que se cumpre.

 

  1. Matéria de facto

 

2.1.      Factos provados

 

  1. A Requerente tem objecto social relacionado com a indústria de construção civil, construção de prédios para venda, compra e venda de prédios urbanos e rústicos, urbanização e loteamentos, promoção imobiliária, gestão de imóveis próprios, representações e consignação de artigos e materiais para construção civil. (art.º 7.º do pedido de pronúncia arbitral).

  

  1. A Requerente é a única proprietária do Prédio (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Ao Prédio foi atribuído o tipo de coeficiente de localização: habitação (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Ao Prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 2.906.945,26 (dois milhões novecentos e seis mil novecentos e quarenta e cinco euros e vinte seis cêntimos) (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O Prédio é um terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI (consenso das Partes).

 

  1. A Requerente foi notificada dos documentos de cobrança referentes ao acto de liquidação de IS de 2015, respeitante à verba 28.1 da TGIS, relativo ao Prédio, no valor global de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) (docs. n.ºs 2 a 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das primeira, segunda e terceira prestações do IS supra referidas nas datas indicadas nos docs. n.ºs 2 a 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.2.      Factos não provados

 

Não há mais factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que hajam sido dados como não provados.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições por elas assumidas nos articulados apresentados.

 

 

  1. Matéria de direito

 

3.1.      Questões a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que as questões a apreciar são, no fundo, duas: 

  1. A de saber se é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação, a verba 28.1 da TGIS, quando pretende aplicar-se a terrenos para construção com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) propriedade de sociedades que têm por objecto o exercício de actividades de promoção imobiliária quando esteja em causa a construção de edifícios destinados à habitação em que nenhuma das futuras fracções autónomas ou partes susceptíveis de utilização independente se prevê venha a ter um VPT igual ou superior àquele montante; e
  2. A de esclarecer se, caso se julgue procedente o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto de liquidação contestado, a Requerente, no âmbito do presente processo arbitral poderá obter a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios relativamente às quantias por si entregues para satisfação das prestações tributárias por esta ilegalmente exigidas.

 

3.2.      A verba 28.1 da TGIS na redacção que resultou da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, entre várias alterações que promoveu ao CIS, aditou, pelo seu art.º 4.º, a verba 28 à TGIS, que contava, até 31.12.2013, com a seguinte redacção:

 

«28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

 

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1%;

 

 

Como se constata, a verba 28.1, com aquela redacção, referia-se a “prédios com afectação habitacional”. Ora, não só este conceito não surge definido em qualquer disposição do CIS, como tão-pouco é usado no CIMI, diploma para que expressamente remete o n.º 2 do art.º 67.º do CIS quando estejam em causa matérias não reguladas no CIS relativamente à verba 28.

 

3.3.      O sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”

 

Não podem ser fixados o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” sem ter presente o significado do próprio vocábulo “afectação”. E esse terá de ser encontrado nos dicionários, colhendo-se neles o benefício do estudo criterioso dos lexicógrafos. Assim, “afectação”, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é a acção de destinar alguma coisa a determinado uso e “afectar”, consequentemente, é sinónimo de destinar a um uso ou a uma função específica. 

 

  1. As regras de interpretação de normas fiscais

 

A questão a que primeiramente cumpria dar resposta não dispensava, antes implicava, que se surpreendesse o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional” a que fazia apelo a verba 28.1 da TGIS. Na ausência de uma definição legal, quer no CIS, quer em qualquer outro diploma, tem o intérprete-aplicador desta disposição o dever de convocar as normas que regem o necessário exercício hermenêutico.

 

Não há verdadeiramente um regime especial de interpretação de normas tributárias. O n.º 1 do art.º 11.º da LGT manda observar, “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam”, “as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”.

 

Os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis são os estabelecidos no art.º 9.º do Código Civil:

   

ARTIGO 9º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

 

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

 

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Note-se, porém, que a interpretação das normas, também das normas fiscais, não se esgota num exercício meramente lexical. Não envolve apenas, nem sequer sobretudo, a dissecação vocabular. Não estava, pois, em causa saber exactamente o que significava “prédio com afectação habitacional”, mas antes surpreender o sentido e o alcance desse conceito no âmbito do que dispunha a verba 28.1 da TGIS. O mesmo é dizer, sublinhe-se, que só haveria utilidade processual do esforço hermenêutico, no âmbito deste concreto pedido de pronúncia arbitral, se ele fosse dirigido a descortinar se o legislador, com a redacção então escolhida para a verba 28.1 da TGIS, quis nela abranger os prédios urbanos com as características do Prédio.

 

  1. A “afectação habitacional” – prédios habitacionais e com afectação habitacional

 

A afectação dos imóveis é um coeficiente que concorre para a sua avaliação, como bem recorda a Requerida. Contudo, importava saber se a verba 28 da TGIS, na redacção que vigorou em 2012 e 2013, compreendia quer os prédios edificados quer aqueles que fossem tidos por terrenos para construção.

 

O n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, com preocupação taxinómica, distingue “prédios habitacionais” de “terrenos para construção”. Os primeiros serão, nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta dessa licença, os que tenham como destino normal esse fim. Já os terrenos para construção, esclarece o n.º 3 do preceito a que vimos fazendo referência, são aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções.

 

Resulta claro, pois, que um terreno para construção não é, segundo esta classificação, um prédio habitacional. Importava ainda dilucidar a questão de saber se “prédio com afectação habitacional”, conceito então usado pela verba 28.1 da TGIS, correspondia, mau grado a diversidade literal, a “prédio habitacional”, noção empregue na classificação acabada de visitar.

 

Afectação, pelo que aprendemos com os dicionaristas, convoca o destino dado a certo bem. Já “habitacional” é relativo a habitação, sendo esta, por sua vez, e segundo o Dicionário que vimos usando, lugar ou casa em que se vive ou mora. Ora, afectação habitacional não poderá sugerir outro sentido que não seja a acção de dar a certo bem – no caso o Prédio, ainda que se admita para estes efeitos que é um terreno para construção – o destino de casa ou lugar onde se mora.

 

É sabido que o CIMI faz, em diversas disposições, uso da expressão “afectação”. Fá-lo, por exemplo:

 

  • No art.º 3.º, quando refere, relativamente a prédios rústicos, uma utilização geradora de rendimentos agrícolas;
  • No art.º 9.º, quando impõe aos sujeitos passivos o dever de comunicarem aos serviços de finanças que um terreno para construção passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda ou que um prédio passou a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a sua venda;
  • No art.º 27.º, quando relaciona certos edifícios e construções à produção de rendimentos agrícolas. 

 

Em todas as situações apresentadas, como se pode ver, a afectação não é referida em termos potenciais, de vocação ou de expectativa. É justamente ao contrário. Sugere um destino efectivo ou directo, para usar uma expressão a que o legislador faz apelo no art.º 27.º.

 

Contudo, o CIMI faz também abundante uso da expressão “afectação” quando enuncia as regras que devem aplicar-se à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos (artigos 38.º e seguintes do CIMI). Poderia ser extraído das regras de determinação do valor patrimonial algum elemento útil que nos permitisse surpreender o sentido e o alcance do conceito de “prédio com afectação habitacional”?

 

  1. A relevância das regras de determinação do valor patrimonial tributário

 

A noção de afectação de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis. Para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação.

 

É certo que para a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios se tem atendido à “afectação” do que neles possa ser edificado.

 

A mera constituição de um direito de potencial construção faz aumentar imediatamente o valor do imóvel em causa, em função, justamente, do que nele possa ser construído. Por isso, o art.º 45.º do CIMI “manda separar as duas partes do terreno”: de um lado, teremos de considerar “a parte do terreno onde vai ser implantado [rectius, onde pode vir a ser implantado] o edifício a construir, e do outro a área de terreno livre. Apurado o montante da primeira parte, reduz-se o valor determinado a uma percentagem entre 15% e 45% (…), em virtude de a construção não estar ainda efectivada”. É bom de ver que a aplicação daquela percentagem permite justamente atender à circunstância de não haver ainda construção, mas não autoriza o legislador que se ignore que o valor económico, ou de mercado, de um terreno está relacionado com a sua capacidade construtiva.

 

Dizer o que precede não significa, porém, afirmar que o legislador sente a necessidade de impor a tributação automática e necessária, em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, a todos os terrenos. Basta ler o que dispõe a alínea d) do já referido art.º 9.º do CIMI:

 

ARTIGO 9º

(Início da tributação)

  1. O imposto é devido a partir:

(…)

  1. Do 4.º ano seguinte, inclusive, àquele em que um terreno para construção tenha passado a figurar no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda;

(…)

 

Ou seja, ainda que o legislador entenda ser razoável, como parece ser, determinar o valor patrimonial tributário de um terreno levando em linha de conta a sua capacidade construtiva e, concedamos a benefício de raciocínio, a natureza ou vocação do que possa sobre ele ser edificado, não deixa de ser sintomático que tenha optado, do mesmo passo, por suspender essa tributação nos casos em que esses terrenos figurem no inventário de uma empresa que tenha por objecto a construção de edifícios para venda. Nos casos em que, poder-se-ia também dizer, esses prédios urbanos integram um processo produtivo que tende a continuar e a produzir, a jusante, frutos também eles tributáveis.

 

Se o sentido primacial de “afectação”, como deixámos dito, sugeria um destino efectivo, directo, dado a um determinado bem, não vemos como pudesse este entendimento ser infirmado pela constatação de que o legislador, no âmbito da avaliação de terrenos para construção, autoriza o uso do coeficiente de afectação, tendo em vista o que nele pode vir a ser construído. Na verdade, não parecia razoável admitir neste cenário o recurso a normas de determinação da matéria colectável para alargar a previsão das normas de incidência.

 

Face ao exposto, a boa interpretação do disposto na verba 28.1 da TGIS com a redacção aplicável aos anos de 2012 e 2013, impunha o entendimento segundo o qual a afectação habitacional de um prédio urbano sugeria que se lhe desse esse efectivo destino, ou se lhe pudesse directamente dar esse destino.

 

Não se diga que este juízo colide com a possibilidade de ver aplicado a um terreno para construção o coeficiente de afectação a que se faz referência na secção II do Capítulo VI do CIS. Na verdade, uma coisa são as regras que o legislador impõe para determinar o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, não sendo estranho que se atenda à sua capacidade construtiva e à natureza e vocação do que neles possa ser edificado, outra, bem diversa, é pretender que essas regras sejam convocadas para recortar o campo da previsão normativa das regras de incidência.

 

Aliás, a interpretação que aqui se acolhe, e amplamente sufragada pela jurisprudência judicial e arbitral, está de harmonia com o que parece ter sido a intenção do Governo, autor da proposta que resultou nesta pouco rigorosa intervenção legislativa.

 

Aquando da apresentação e discussão, no Parlamento, da proposta de lei n.º 96/XII (2.ª), o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais referiu expressamente[1]:

 

“O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros.”     

 

Ora, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apresentou esta proposta de lei referindo as expressões “prédios urbanos habitacionais”, que são os que constam da alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS e, como bem refere a Requerida, “casas”, sendo manifesto que, num caso e noutro, nesses conceitos não cabem, sem mais, terrenos, mesmo que para construção. 

 

Assim, mau grado a infelicidade da técnica legislativa e sem prejuízo da redacção posterior, resultava com meridiana clareza que a verba 28.1 da TGIS, não podia ser interpretada no sentido de nela estarem abrangidos imóveis com as características do Prédio, pelas razões supra aduzidas. Antes parece que o sentido e o alcance do conceito de “prédios com afectação habitacional” era o equivalente ao de “prédios habitacionais” mencionados na alínea a) do n.º 1 do art.º 6.º do CIS. 

 

3.4. A verba 28.1 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro

 

Com a alteração introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, a verba 28.1 da TGIS passou a ler-se assim:

 

28.1 - Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI;

 

Cuidemos, pois, de saber se o Prédio, no que se refere à liquidação de IS de 2015, está abarcado pela norma de incidência.

 

Estão as partes de acordo que o Prédio é um terreno para construção. Ora, já visitámos o n.º 1 do art.º 6.º do CIMI, a propósito da distinção entre “prédios habitacionais” e “terrenos para construção”, ou seja, aqueles para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, com algumas excepções, como se lê no n.º 3 do mesmo preceito.

 

Contudo, a preocupação do intérprete aplicador da norma não deve circunscrever-se ao conceito de “terreno para construção”. Esse exercício seria desprovido de qualquer utilidade se ignorasse a norma de incidência que o convoca.

 

Na verdade, mais do que saber se o Prédio é, ou não, um terreno para construção, o que é indisputado, importa descortinar, num primeiro momento, se o Prédio é, para efeitos da verba 28.1 da TGIS, um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”. Este é o primeiro ponto de análise, no que se refere á liquidação de 2015.

 

Não é a simples inscrição matricial como “terreno para construção” que acarreta a inelutável aplicação da verba 28.1 da TGIS, já que ela não constitui, por si só, demonstração cabal de que um determinado prédio tem uma edificação para habitação prevista.

 

Veja-se a este propósito JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES, (Lições de Impostos sobre o Património e do Selo. Coimbra, Almedina, 3.ª ed., 2015, págs. 110 a 112): “O direito a construir não está ínsito no direito de propriedade, mas só nasce ex novo no património do proprietário quando um ato administrativo da entidade pública competente reconhece e autoriza o proprietário a construir ou a lotear. [...] só quando esse direito se constitui na esfera jurídica do proprietário é que o Código do IMI estabelece que estamos perante um terreno para construção”.

 

Assim, parece claro que para a verificação da previsão normativa não basta a mera inscrição matricial de um prédio como terreno para construção afecto a habitação, porquanto o recorte da incidência objectiva ora em apreço não abdica da demostração de uma efectiva potencialidade de edificação, necessariamente revelada pela existência de suportes documentais que a autorizam. O mesmo é dizer que a incidência do imposto, para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, só se materializa, e mesmo assim não em termos definitivos ou completos, com a verificação de uma “afectação efectiva”, para utilizar a feliz expressão de JOSÉ MANUEL FERNANDES PIRES (ob. cit., p. 507). No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão do CAAD proferido no processo n.º 524/2015-T.

 

Ora, sem a demonstração dessa efectiva potencialidade de edificação não se mostra aplicável a verba 28.1 da TGIS. Contudo, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS não basta essa efectiva potencialidade de edificação. É necessário provar que a edificação, autorizada ou prevista, é para habitação. O mesmo é dizer que não pode ser para fim diverso do de habitação, já que, segundo nos parece, a edificação para comércio ou indústria não dará lugar à aplicação da norma a que vimos fazendo referência.

 

Contudo, a Requerente não disputa sequer este aspecto. Não decorre do sustentado pela Requerente que a edificação, autorizada ou prevista, no Prédio tenha outro fim que não o de habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.

 

Assim, tem de colocar-se o problema de saber se é materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação, a verba 28.1 da TGIS, quando pretende aplicar-se a terrenos para construção com VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros) propriedade de sociedades que têm por objecto o exercício de actividades de promoção imobiliária quando esteja em causa a construção de edifícios destinados à habitação em que nenhuma das futuras fracções autónomas ou partes susceptíveis de utilização independente se prevê venha a ter um VPT igual ou superior àquele montante.

 

3.5.      Da inconstitucionalidade material da verba 28.1 da TGIS

 

Entende a Requerente que a verba 28.1 da TGIS, na interpretação que dela faz a Requerida, atenta contra os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da proibição da dupla tributação.

 

Contudo, como se viu já, pela decisão sumária n.º 610/2018, proferida a 18.09.2018, o Tribunal Constitucional, apreciando recurso interposto pela Requerida e pelo Ministério Público, veio a decidir-se pela não inconstitucionalidade da norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, na parte em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

 

De resto, é justamente esse juízo de não inconstitucionalidade que impõe a reforma da decisão prolatada por este Tribunal Arbitral no dia 27.10.2017, uma vez que ela se baseava, na esteira do propugnado pela Requerente, na inconstitucionalidade dessa mesma, com os fundamentos então invocados. Assim, não resta ao Tribunal Arbitral alternativa que não seja a de julgar que falecem aqui os argumentos que militavam em favor da inconstitucionalidade, proferindo decisão que não afaste a aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, ao caso que cumpre apreciar. Tal significa que não padece de qualquer vício a liquidação nos presentes autos posta em crise, conformando-se ela com as normas legais aplicáveis.

  

3.6.      Dos juros indemnizatórios

 

A alínea b) do n.º 1 do art.º 24.º do RJAT dispõe que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.

 

Não se ignora que a autorização legislativa concedida ao Governo pelo art.º 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, na base da qual foi aprovado o RJAT, determina que o processo arbitral tributário constitua um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Ainda que as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 2.º do RJAT fundem a competência dos tribunais arbitrais em “declarações de ilegalidade”, parece razoável o entendimento segundo o qual se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo certo que nos processos de impugnação judicial, para além da anulação de actos tributários, podem ser apreciados pedidos de indemnização, desde logo relativos a juros indemnizatórios.

 

Com efeito, o princípio da cognoscibilidade dos pedidos de indemnização, em reclamação graciosa ou em processo judicial, justifica-se sempre que o dano que se pretende ver ressarcido resulte de facto imputável à Administração Tributária e Aduaneira. Encontramos manifestações desse princípio no n.º 1 do art.º 43.º da Lei Geral Tributária e no art.º 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

 

Assim, justifica-se a apreciação do pedido de pagamento de juros indemnizatórios feito pela Requerente.

 

Não padecendo a liquidação nos presentes autos posta em crise de qualquer invalidade, não são naturalmente devidos quaisquer juros indemnizatórios, por não ter havido pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

 

  1. Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação impugnada;
  2. Julgar igualmente improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 306.º do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 29.069,45 (vinte e nove mil e sessenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos).

 

 

  1. Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerente.

 

 

Lisboa, 29 de Abril de 2019

 

 

O Árbitro

 

 

_______________________________

(Nuno Pombo)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do art.º 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do art.º 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e com a grafia anterior ao dito Acordo Ortográfico de 1990.



[1] V. DAR I Série n.º 9/XII -2, de 11 de Outubro, pág. 32.