Processo arbitral n.º 31/2013-T
Decisão arbitral
Acordam os Árbitros Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues (Árbitro Presidente), Professor Doutor Carlos Lobo e o Dr. Pedro Marques, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral:
A – Relatório
A sociedade A..., NIPC …, doravante Requerente, requereu a constituição do tribunal arbitral colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2º e 10º do Decreto-lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – “RJAT”) tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) n.º … de 25.01.2012 e a condenação à devolução do imposto pago em excesso no valor de €99.886,96, acrescido de juros indemnizatórios, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira – doravante AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneiro em 07/03/2013.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6º do RJAT, os signatários foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
Foram designados árbitros o Exmo. Conselheiro Benjamim Silva Rodrigues (Árbitro Presidente), Exmo. Professor Doutor Carlos Lobo e o Exmo. Dr. Pedro Marques.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído no CAAD, no dia 10/05/2013, para apreciar e decidir o objecto do presente processo, conforme consta da respectiva acta.
Em síntese, a Requerente sustenta a sua pretensão no seguinte:
A Requerente adquiriu, pelo valor de €5.740.472,36, 99.5% das quotas da sociedade B... & Comandita, N.I.P.C. ….
Esta sociedade era proprietária do prédio urbano U-…, sito na Rua …, com o valor patrimonial de €4,196,027.43.
Em harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 2 do art.º 2º do Código do IMT (“CIMT”), integra o conceito de transmissão de bens imóveis a aquisição de quotas nas sociedades em comandita simples ou por quotas quando tais sociedades possuam bens imóveis e quando, por aquela aquisição, algum dos sócios fique a dispor de, pelo menos, 75% do capital social.
O IMT deverá ser liquidado pelo valor patrimonial tributário dos imóveis correspondente à quota ou parte social maioritária, ou pelo valor total desses bens, consoante o caso, preferindo em ambas as situações o valor do balanço, se superior, conforme a alínea a) da regra 19 do n.º 4 da art.º 12 do CIMT.
Pelo que a Requerente procedeu, em 25/01/2012, ao pagamento de IMT no valor de €371.265,03, tendo este valor sido liquidado com base no valor de balanço, entendido como o valor de aquisição do bem em causa, ou seja €5.740.472,36, por ser superior ao valor patrimonial.
Contudo entendeu a Requerente que para se determinar o valor de balanço do imóvel, ao valor de aquisição deveriam ser deduzidas as depreciações por ele sofridas desde a data da sua aquisição e que ascendem a €3.795.762,44.
Pelo que o valor de balanço do imóvel deveria ascender a €1.944.709,92, o que implica que a liquidação do IMT deveria ter sido efectuada sobre o valor patrimonial tributário do imóvel.
Implicando assim um pagamento em excesso de IMT no valor de €99.886,96, que resulta da diferença entre o VPT do Imóvel (€4.196.027,43) x 6.5% (taxa aplicável) x 99.5% (quotas adquiridas), ou seja, €271.378,07 e o valor efectivamente liquidado de €371.265,03.
Pretendendo a Requerente a devolução do montante pago em excesso e os correspondentes juros indemnizatórios devidos, nos termos do art.º 43º da Lei Geral Tributária e do art.º 61º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Na sua resposta, a AT, informou que por despacho do Exmo. Sr. Director da Autoridade Tributária e Aduaneira de 04.06.2013 foi parcialmente revogado o acto sindicado, dando assim provimento à anulação da liquidação n.º … referente a IMT de 25.01.2012 – na medida do excesso - e correspondente devolução do montante de €99.886,96.
Entendendo contudo a AT não serem devidos juros indemnizatórios, uma vez que tal direito depende de erro imputável aos serviços na liquidação o que, na situação em apreço, não se verifica.
B – Fundamentação
B.1 – Da matéria de facto:
Por pertinentes para a decisão da causa, dão-se por provados os seguintes factos:
a) A AT procedeu à liquidação n.º … relativa a IMT, de 25.01.2012, no valor de €371.265,03;
b) A liquidação referida na alínea anterior foi efectuada com base no valor de balanço patrimonial declarado pela Requerente, em consequência da aquisição de 99,5% das quotas da sociedade B... & Comandita, NIPC … e do facto desta ser proprietária do prédio urbano U-…, sito na Rua … (modelo 1 do IMT);
c) A AT revogou o acto de liquidação, na parte impugnada, por despacho de 04.06.2013, do Director da Autoridade Tributária e Aduaneira;
d) A Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação impugnada que foi indeferida por despacho de 12.12.2012;
e) A Requerente procedeu ao pagamento do imposto impugnado, no dia 25.01.2012.
O juízo probatório de facto feito pelo tribunal arbitral, relativo aos factos dados como provados, baseia-se no acordo das partes, ínsito nas posições tomadas por estas no articulado inicial e na resposta, e nos documentos apresentados pela Requerente.
B.2 – Da matéria de direito:
Expostos os factos, cumpre aferir em primeiro lugar do mérito da questão principal - revogação parcial da liquidação de IMT – e, em segundo lugar, da questão relativa à existência ou não do direito a juros indemnizatórios por parte da Requerente.
Quanto ao pedido principal, verifica-se a impossibilidade superveniente da lide em virtude de o acto de liquidação, na parte impugnada (€99.886,96), ter sido revogado pela AT.
Destruído, na Ordem Jurídica, por efeito da sua revogação administrativa, nos termos da alínea c) do probatório, o efeito jurídico constitutivo do acto de liquidação (a obrigação de pagamento do imposto), torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe.
Sendo assim, não pode deixar de julgar-se extinta a instância processual, sem embargo da responsabilidade da AT pelas custas, na parte correspondente [art.ºs 287.º, alínea e), e 446.º, n.º 1, do CPC].
Importa, agora, decidir quanto à questão dos juros indemnizatórios, cuja solução depende da aferição da entidade à qual seja imputável a ilegalidade do acto.
O direito a juros indemnizatórios encontra-se consagrado no art.º 43º da Lei Geral Tributária, cujo n.º 1 determina que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos
serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido”, acrescentado o n.º 2 daquele artigo que “Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas”.
Neste sentido, o art.º 21º do CIMT é muito claro ao referir, no seu n.º 1, que o “O IMT é liquidado pelos serviços centrais da Direcção-Geral dos Impostos, com base na declaração do sujeito passivo”. Resultando igualmente claro que na Declaração para Liquidação de IMT Modelo 1, a Requerente inscreveu, como valor pelo qual estava o bem inscrito no balanço da sociedade, a quantia de €5.740.472,00 (i.e., valor de aquisição do imóvel, sem qualquer dedução das depreciações efectuadas).
Sendo da responsabilidade da Requerente a inscrição do montante relevante para efeitos da liquidação de IMT, e não existindo orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas, que “indicassem” como procedimento correcto a consideração do valor de inscrição no balanço sem ter em consideração as depreciações praticadas, conclui-se assim não poder ser imputável aos serviços o erro efectuado na liquidação de IMT e, consequentemente, a responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios.
C – Dispositivo
Em face do exposto, decidem os árbitros deste Tribunal Arbitral:
a) julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, na parte relativa à parte impugnada do acto de liquidação de IMT;
b) absolver a AT do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
c) condenar a Requerida e Requerente nas custas do processo, na proporção do seu decaimento, sendo imputável à AT o montante correspondente ao do pedido principal e à Requerente o dos juros indemnizatórios, estes do montante a calcular pelos serviços.
Fixa-se o valor do processo no montante correspondente ao da soma do pedido principal com os juros indemnizatórios pedidos que seriam devidos até esta data e as Custas da Arbitragem em €3.060,00.
Notifique.
Lisboa, 04 de Novembro de 2013
Benjamim Rodrigues
Carlos Lobo
Pedro Marques