Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 332/2017-T
Data da decisão: 2017-10-30  IMT  
Valor do pedido: € 4.073.530,40
Tema: IMT – Isenção – Caducidade – Revenda – Meio de pagamento do preço.
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Decisão arbitral

 

 

  1. Relatório

 

FUNDO ESPECIAL FECHADO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A… (adiante designado por “Fundo A…” ou Requerente), com o número de identificação fiscal…, aqui representado pela sua sociedade gestora B…– SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., com o número de identificação fiscal … e com sede na …,  …, …, …, em Lisboa, veio, em 17-05-2017, ao abrigo do artigo 2º nº 1, alínea a) e dos artigos 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade dos atos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) nºs…, …, …, … e … .

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, AT).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-05-2017.

 

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 11-07-2017 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados dos artigos 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 26-07-2017.

 

Devidamente notificada, a AT apresentou, no prazo legal, resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se unicamente por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.

 

Dispensada que foi a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, por se entender, no caso, inútil, o tribunal convidou as partes a produzir alegações por escrito, o que fizeram, reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

Foi fixado o dia 10-11-2017 para a prolação da decisão final.

 

Pretende a Requerente que seja declarada a ilegalidade das liquidações de IMT nºs…, …, …, … e … e correspondentes juros compensatórios no montante de € 4.073.530,40, com a sua consequente anulação e restituição do montante já pago pela Requerente, acrescido de indemnização por prestação de garantia indevida, alegando, em síntese:

 

  1. O Requerente foi citado, na qualidade de responsável subsidiário, da reversão dos processos de execução fiscal nºs …2015…, …2015…, …2015…, …2015…, …2016…, com referência a alegada divida de IMT e juros compensatórios.
  2. São ilegais quer os atos tributários de liquidação de IMT, quer os actos acessórios de liquidação de juros compensatórios, por assentarem em pressupostos de facto e de direito erróneos.
  3. Os actos de liquidação em causa devem, por isso, ser, declarados ilegais e anulados.

 

Por seu turno, a Requerida veio em resposta alegar, em síntese:

 

  1. As liquidações em crise são consequência da caducidade da isenção de IMT de que beneficiaram as transmissões dos imóveis identificados infra para a esfera da C…, Lda (C…), devedora originária nos processos de execução cuja reversão operou contra o Requerente.
  2. Caducidade devida ao facto de as referidas transmissões não cumprirem os requisitos do art. 874º do Código Civil (CC), não consubstanciando contratos de compra e venda, não preenchendo os pressupostos de revenda para efeitos de isenção de IMT e não reunindo, dessa forma, os requisitos do benefício previsto no art. 7º e no nº 5 do art. 11º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).
  3. Devendo, assim, improceder, por falta de fundamento, o pedido arbitral.

 

O tribunal arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e 1º da Portaria nº 112-A / 2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades nem há exceções ou questões prévias a decidir.

 

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II. Decisão

 

1. Matéria de facto

 

  1. Factos dados como provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. O Requerente adquiriu à sociedade C…, por escritura de “compra e venda e assunção de divida” outorgada em 31.03.2010 e pelo valor global de € 5.322.112,00, as fracções autónomas designadas pelas letras A a J, e pelo valor global de € 3.152.888,00, as fracções autónomas designadas pelas letras L a S, todas do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. …º, da União de Freguesias de … e …, concelho de Vila Nova de Gaia (doc. 5 junto com o pedido arbitral).
  2. O preço foi pago da seguinte forma:

- € 1.000.000,00 em numerário, recebido pela alienante e de que foi dada quitação;

- € 7.475.000,00 mediante a assunção pelo Requerente das dívidas da C… emergentes de Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o D…, SA, no dia 19.12.2007, que em 31.03.2010 ascendiam a € 7.475.000,00, efectuada por contrato de transmissão de posição contratual constante da escritura de compra e venda, ficando esta exonerada das mesmas.

  1. Os imóveis identificados em a) haviam sido adquiridos pela C… à E…, Lda, mediante escrituras de compra e venda outorgadas em 19.12.2007 (docs. 6 e 7 juntos com o pedido arbitral).
  2. O Requerente adquiriu à sociedade C…, por escritura de “compra e venda e assunção de divida” outorgada em 31.03.2010, as fracções autónomas designadas pelas letras A a T do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. …º, da freguesia de …, concelho de Viseu, pelo valor global de € 13.000.000,00 (doc. 8 junto com o pedido arbitral).
  3. O preço foi pago mediante a assunção pelo Requerente das dívidas da C… emergentes de Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o D…, SA, no dia 01.08.2007, que em 31.03.2010 ascendiam a € 13.000.000,00, efectuada por contrato de transmissão de posição contratual constante da escritura de compra e venda, ficando esta exonerada das mesmas.
  4. Os imóveis identificados em d) haviam sido adquiridos pela C… à F…, SA, mediante escritura de compra e venda outorgada em 01.08.2007 (doc. 9 junto com o pedido arbitral).
  5. O Requerente adquiriu à sociedade C…, pelo montante de € 60.000,00, que esta declarou ter recebido e de que deu quitação, por escritura de compra e venda outorgada em 31.03.2010, o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o art. … da União de Freguesias de … e …, concelho de Tondela (doc. 10 junto com o pedido arbitral).
  6. O imóvel identificado em g) havia sido adquirido pela C… à G…, Lda, mediante escritura de compra e venda outorgada em 10.10.2007 (doc. 12 junto com o pedido arbitral).
  7. O Requerente adquiriu à sociedade C…, por escritura de “compra e venda e assunção de divida” outorgada em 31.03.2010, pelo valor de € 2.990.000,00o, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art.º… da União de Freguesias de … e …, concelho de Tondela (doc. 11 junto com o pedido arbitral).
  8. O preço foi pago mediante a assunção pelo Requerente das dívidas da C… emergentes de Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o D…, SA, no dia 10.10.2007, que em 31.03.2010 ascendiam a € 2.990.000,000, efectuada por contrato de transmissão de posição contratual constante da escritura de compra e venda, ficando esta exonerada das mesmas.
  9. O imóvel identificado em i) havia sido adquirido pela C… à H…, SA, mediante escritura de compra e venda outorgada em 10.10.2007 (doc. 13 junto com o pedido arbitral).
  10. O Requerente adquiriu à sociedade C…, por escritura de “compra e venda e assunção de divida” outorgada em 31.03.2010, as fracções autónomas designadas pelas letras A a T do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. …º, da freguesia e concelho de …, pelo preço global de € 9.555.000,00 (doc. 14 junto com o pedido arbitral).
  11.  O preço foi pago mediante a assunção pelo Requerente das dívidas da C… emergentes de Contrato de Abertura de Crédito celebrado com o D…, SA, no dia 15.07.2008, que em 31.03.2010 ascendiam a € 9.555.000,00, efectuada por contrato de transmissão de posição contratual constante da escritura de compra e venda, ficando esta exonerada das mesmas.
  12. Os imóveis identificados em l) haviam sido adquiridos pela C… à H…, SA, mediante escritura de compra e venda outorgada em 15.07.2008 (doc. 15 junto com o pedido arbitral).
  13. As transmissões dos imóveis atrás identificados para a esfera jurídica da C… haviam todas elas beneficiado da isenção de IMT, prevista no art. 7º do CIMT, em virtude de esta ter declarado, nos respectivos actos notariais de aquisição, que os referidos imóveis se destinavam a revenda.
  14. Dos “contratos de compra e venda e assunção de divida” referidos em a), d), i) e l) consta, em primeiro lugar, a venda pela C… e a compra pelo Requerente dos imóveis e pelos valores aí referidos; num segundo momento, o acordo dos outorgantes quanto ao modo de pagamento – assunção de divida (docs. 5, 8, 11 e 14 juntos com o pedido arbitral).
  15. Em cumprimento da Ordem de Serviço OI2014… foi instaurado e realizado um procedimento de inspeção tributária à C…, relativamente ao exercício fiscal de 2010.
  16.  No Relatório de Inspeção Tributária a AT considerou que “caducou a isenção de IMT [de que a C… beneficiara], no momento da celebração dos referidos contratos [entre a C… e o Requerente], por ter sido dado aos imóveis alienados destino diferente ao da revenda” uma vez que as referidas “transacções foram outorgadas por escrituras públicas, nas quais estão celebrados negócios de “compra e venda” e “assunção de divida” (cfr. Processo Administrativo -PA2, p. 45 e ss).
  17. Nessa sequência, procedeu à emissão dos actos de liquidação de IMT nºs … (em 29.05.2015), … (em 29.05.2015), … (em 20.08.2015), … (em 19.08.2015) e … (em 19.02.2016) e exigiu o pagamento do respectivo imposto à C… (processo Administrativo – PA 4 e doc. 1 junto com processo arbitral).
  18. Em virtude da inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis da C…, a AT operou a reversão, contra o Requerente, dos processos de execução fiscal nºs …2015…, …2015…, …2015…, …2015… e …2016…, de 24.02.2017, que tinham por base os referidos actos de liquidação (Processo Administrativo – PA 5 e doc. 2 junto com pedido arbitral).

 

1.2. Factos dados como não provados

 

De entre os alegados, relevantes para a decisão, ficou por provar que o Requerente tenha prestado garantia.

 

1.3. Fundamentação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da (s) questão (ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06- 2014, proferido no processo 07148/131, “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

 

 

  1. Do Direito

 

A questão essencial a decidir e colocada pelo Requerente, FUNDO ESPECIAL FECHADO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO A…, no seu pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade dos atos de liquidação de IMT identificados na alínea s) da matéria de facto.

O Requerente invoca que a emissão das liquidações em crise assenta em pressupostos de facto e de direito erróneos.

 

De facto, a emissão das referidas liquidações vem na sequência do entendimento da AT, após ter procedido a processo inspectivo ao exercício de 2010 da C…, no sentido da caducidade da isenção de IMT de que esta beneficiara aquando da aquisição dos imóveis que veio posteriormente a vender ao ora Requerente.

 

A C…, sociedade imobiliária, adquirira os referidos imóveis por escrituras em que declarou a intenção de os destinar a futura revenda, tendo posteriormente celebrado os contratos que vieram a ser designados por “compra e venda e assunção de divida” com o Requerente.

 

Pretende-se, então, saber se estes contratos celebrados entre a C… e o Requerente configuram uma revenda para efeitos da isenção prevista no art. 7º, nº 1 do CIMT.

 

Convém, antes de mais, definir o enquadramento legal da questão.

 

Dispõe o art. 7º do CIMT :

 

Isenção pela aquisição de prédios para revenda


1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.

                                                                                 
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                        
[…]

 

No que respeita à caducidade da isenção, diz o art. 11º CIMT:

 

Caducidade de isenções

[…]

5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.                        
[…]

 

 

A isenção pela aquisição de prédios para revenda fundamenta-se no facto de se entender que tais prédios constituem “mercadorias” da atividade imobiliária da beneficiária. A isenção tem assim como objectivo afastar encargos financeiros que, apesar de constituírem custos dedutíveis, tenderiam a repercutir-se no preço final de venda dos imóveis.[1]

A lei estabelece um conjunto de pressupostos do regime de isenção em IMT dos prédios adquiridos para revenda que constituem mecanismos preventivos da sua utilização abusiva e da prática de operações de fraude fiscal, como se afirmou em acórdão do STA, de 22.02.2017, proferido no processo nº 01245/16. Na senda do que ali se escreveu, “só podem beneficiar desta isenção, [nos termos do art. 7º, nº 1 do CIMT], as empresas que estejam colectadas para efeitos de IRS ou IRC na actividade de compra de prédios para revenda”.

 

O regime de isenção aplica-se exclusivamente aos prédios adquiridos para revenda pelas empresas, não se aplicando a prédios adquiridos para outros fins (…). Para se aplicar a isenção deve constar do próprio contrato que o prédio adquirido se destina a revenda. A revenda deve ser efectuada no prazo máximo de três anos (art. 11º, nº 5), sendo que o conceito de revenda pressupõe a transmissão de propriedade do imóvel através do contrato de compra e venda.[2] Finalmente a revenda efectuada naquele prazo não pode ter como finalidade nova revenda (art. 11º, nº 5). Assim, numa interpretação estrita do preceito (art. 11º, nº 5 do CIMT), há-de entender-se que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de contrato. Este tem sido também o entendimento tradicional da nossa jurisprudência no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, cujo regime é, neste aspecto, muito semelhante ao regime do CIMT.” [3]

 

Ora, o termo revenda é um termo inexistente no direito civil e na legislação fiscal, sendo apenas referido nesta situação.

Como se referiu em acórdão do STA proferido em 07.03.2012, no proc. 1141/11, “revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda…”.

O conceito de revenda pressupõe, assim, a transmissão da propriedade do imóvel através do contrato de compra e venda.

Por seu turno, a compra e venda é, nos termos do art. 874º do CC, o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.

Os seus efeitos são os previstos no art. 879º CC: transmissão da coisa ou da titularidade do direito, obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.

Perante isto, temos então de apurar se os contratos designados pelo Requerente e pela C… por “compra e venda e assunção de divida” configuram uma revenda para o efeito de obstar à caducidade da isenção de IMT.

Analisando o probatório, é inquestionável que os contratos sub judice preenchem os requisitos do art. 874º e produzem os efeitos do art. 879º: estamos perante contratos através dos quais foi transmitido o direito de propriedade dos imóveis neles referidos por meio de escritura pública; são contratos onerosos e inequivocamente celebrados mediante um preço perfeitamente estabelecido para cada um dos imóveis. O modo de pagamento foi igualmente acordado pelas partes no seguimento da compra e venda através de assunção de dívida por parte do Requerente tendo a C… ficada desobrigada da mesma. Certo é que o art. 885º do CC não impõe o momento do pagamento.

A este propósito, Raul Ventura [4] reconhece que a obrigação assumida pelo comprador de pagar um preço ao vendedor é elemento essencial do contrato de compra e venda.[5]

No entanto, esclarece que há que distinguir o preço e a obrigação de que ele é objecto.

Continuando na esteira dos seus ensinamentos, “manifestamente, a qualificação do contrato não é alterada por haver, durante a fase de execução deste, uma dação em cumprimento (…)” ou uma assunção de divida, acrescentamos nós.

Na verdade, “o acordo entre comprador e vendedor para que a obrigação assumida pelo primeiro de pagar uma quantia em dinheiro se extinga pela entrega de coisa diferente respeita à execução e não há fase inicial de constituição da obrigação.” Cita, também, Sebastião de Sousa[6], que “afirma que o ajuste do elemento preço deve ser em dinheiro, mas o pagamento, que já é execução de um contrato perfeito e acabado, pode ser avençado por outra maneira.” Exemplificando, acrescenta “posso vender a edição desta obra por 20 mil cruzeiros, pagando-me o editor o preço em livros da sua livraria; adquirindo por compra uma casa de morada, por 100 mil cruzeiros, posso convencionar com o vendedor para fazer o pagamento em café ou açúcar; o contrato não perde, por isso, sua natureza de compra e venda”.

O entender de outra forma corresponderia a atentar contra importantes princípios da lei civilística, como a autonomia privada e a liberdade contratual.

Somos assim obrigados a concluir, ao contrário do que advoga a Requerida, que os negócios aqui referidos consubstanciam revendas, no sentido técnico-jurídico do termo, uma vez que neles se encontram todos os elementos que definem o contrato de compra e venda e que se encontram previstos no art. 874º do CC.

Em suma, face à factualidade apresentada e dada como provada - a C… transferiu a propriedade dos acima referidos imóveis por meio de escrituras públicas de compra e venda; o prazo de três anos para a revenda foi respeitado em todos os casos; não se verificou declaração por parte do adquirente, aqui Requerente, de intenção de revenda dos imóveis – conclui-se pela ilegalidade das liquidações sub judice, por violação dos arts. 7º e 11º, nº 5 do CIMT, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

As liquidações de juros compensatórios têm por base as liquidações impugnadas, pelo que enfermam também do mesmo vício de violação de lei.

Não procede o pedido arbitral na parte em que se requere a condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, uma vez que o Requerente não logrou provar ter prestado a referida garantia.

Procedendo parcialmente o pedido de pronúncia arbitral pelas razões apontadas, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outras questões suscitadas pelas partes.

 

3. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, declarar ilegais as liquidações de IMT nºs…, …, …, … e …, anulando-as, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral no que se refere à condenação da AT ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida.
  3. Condenar a Requerente e Requerida no pagamento das custas do processo na proporção de 5% e 95%, respectivamente.

 

4. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.073.530,40, nos termos do artigo 305º, nº 2 do CPC e 97º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

5. Custas

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 51.408,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Outubro de 2017

 

Os Árbitros

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

(Nuno Oliveira Garcia)

 

(Cristina Aragão Seia)

 



[1] Neste sentido, o acórdão do STA, de 22.02.2017, proferido no processo nº 01245/16 que cita, a este propósito J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os impostos sobre o Património. O Imposto do Selo: Anotados e Comentados, Lisboa, Engifisco, 2005, p. 385.

[2] Neste sentido, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pp. 422 a 424; Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, Imprensa Nacional, Vol. I, p. 371.

[3] Cfr. Acórdãos do STA de 19.06.1985 proferido no Proc. 002841, de 13.10.1993, proferido no Proc. 15334 de 28.01.2008, proferido no Proc.  642/08 e de 07.03.2012, proferido no Proc. 01141/11.

[4] O contrato de compra e venda no Código Civil, ROA, Ano 40-II, Lisboa, 1980, pp. 305-348.

[5] “Mediante um preço”, de acordo com o art. 874º CC.

[6] Da compra e venda, p. 102.