Acórdão Arbitral
Os árbitros Dr. José Pedro Carvalho (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e Dr. Emanuel Vidal Lima, designados, respetivamente, pela Requerente e Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 05-06-2017, acordam em proferir o seguinte acórdão arbitral:
I – RELATÓRIO
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A sociedade “A…, S.A.”, com o NIPC … e sede no Lugar …, …, …-… …, sujeito passivo fiscal da área do Serviço de Finanças de …, doravante designada por “Requerente”, apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, a alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) e da Portaria n.º 112 – A/2011, de 22 de março, para impugnação e declaração de ilegalidade do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, notificado em 14/12/2016, e da liquidação adicional de Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) efetuada pela Autoridade Tributária (AT), na sequência de procedimento externo aos anos de 2013 e 2014, através das ordens de serviço n.ºs OI2014…, OI2015… e OI2015…. No seguimento desta acção inspectiva foram efectuadas correcções e emitidas as seguintes liquidações a seguir discriminadas:
Liquidações de IVA
Liquidações de Juros
No valor total de €858.733,08.
2. Os referidos actos de liquidação adicional de IVA foram praticados em resultado da acção inspetiva levada a cabo pela Inspecção Tributária (IT), promovida pela Direcção de Finanças de Braga, conforme Relatório de Inspecção Tributária (RIT) junto aos autos como documento n.º 1 anexo ao pedido arbitral (PA), e que consta do processo administrativo junto aos autos pela AT. As liquidações em crise traduzem uma correcção técnica em sede de IVA, promovida pela IT, em virtude do registo na contabilidade da Requerente do recebimento de uma indemnização no valor de 3.500.000,00€ (três milhões e quinhentos mil euros), fixada judicialmente, por decisão de tribunal arbitral, na sequência da resolução de um contrato de concessão e exploração do domínio público e de obra pública, designado por “…”, sito no concelho de …, outorgado entre a Requerente e o Município de … (enquanto Concedente). As liquidações agora impugnadas assentam no entendimento da AT, segundo o qual, o recebimento desta indemnização constitui uma operação tributável em sede de IVA. A Requerente entende de modo diverso e sustenta o seu pedido arbitral, entre outros, no vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, violação do disposto no artigo 16º, nº 6, a) do CIVA, bem assim como por vício de inconstitucionalidade.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi apresentado pela Requerente em 14-03-2017, na mesma data foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado automaticamente à AT, nos termos e para os efeitos legalmente previstos.
A Requerente optou por designar árbitro, tendo para o efeito indicado como árbitro a Dra. Maria do Rosário Pereira Cardoso dos Anjos, constante da Lista de árbitros do CAAD em matéria tributária. Nesta conformidade a AT indicou como árbitro de parte o Dr. Emanuel Vidal Lima, constante da Lista de árbitros do CAAD em matéria tributária. Por acordo entre os árbitros designados pelas partes foi indicado como Árbitro Presidente o Dr. José Pedro Carvalho, o qual aceitou a nomeação, conforme declaração constante dos autos proferida em 17-05-2017. Nestes termos, por despacho proferido em 19-05-2017, pelo Exmº Sr. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, foram confirmados e nomeados os árbitros que integram o presente tribunal arbitral coletivo, o qual se constituiu em 05-06-2017.
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Em 05-06-2017 foi proferido despacho arbitral para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) apresentar resposta no prazo legal, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT. A Requerida veio juntar aos autos a sua resposta em 10-07-2017, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual reconhece a similitude do caso dos presentes autos com o mencionado na informação vinculativa junta ao pedido arbitral como documento nº 9. Não obstante, conclui, por dever de patrocínio, pela manutenção dos actos impugnados.
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Em 11-07-2017, face à posição das partes evidenciadas nos autos, foi proferido despacho arbitral convidando a Requerente a pronunciar-se sobre o interesse em produzir a prova testemunhal indicada no pedido arbitral e, no caso de manter esse interesse, indicar a matéria de facto para a referida inquirição. No mesmo despacho arbitral é notificada a AT para vir juntar aos autos o processo administrativo. Em 31-07-2017 a AT requereu a junção aos autos do processo administrativo.
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Por requerimento apresentado em 17-07-2017 veio a Requerente declarar aceitar especificadamente a confissão da Administração Tributária, vertida no artigo 2º da Resposta apresentada nestes autos, relativamente à similitude de conteúdo, com a situação em apreço nestes autos, da Informação Vinculativa cuja cópia foi junta com o requerimento inicial como documento n.º 9. Em 04-09-2017, veio a Requerente pronunciar-se quanto ao interesse na manutenção da diligência de inquirição de testemunhas, nos termos seguintes:
“A Requerente aceitou especificadamente a confissão da Requerida vertida no artigo 2º da sua Resposta e a posição da AT no sentido de que “a similitude de conteúdo” relativamente à situação subjacente à Informação Vinculativa n.º 2061, de 02-03-2011, “não deve ser desprezada no momento de proferir decisão no âmbito dos presentes autos” (posição em que a Requerente se revê e que, no entender desta, será, por si só, determinante para a decisão deste Tribunal).
2. Sem embargo, por cautela e porque a AT dá por reproduzido “tudo quanto consta em sede de reclamação graciosa”, a Requerente mantém interesse na inquirição das testemunhas por si arroladas, não prescindindo desta diligência probatória [tanto mais que a opinião exarada no relatório de inspecção tributária (RIT) assenta, em larga medida, numa interpretação da factualidade subjacente ao acórdão arbitral – cfr., nomeadamente, o ponto 38 desse relatório – e a Requerente arrolou como testemunha a pessoa que exerceu o cargo de árbitro-presidente].
3. São os seguintes os pontos do requerimento inicial sobre os quais a Requerente pretende produzir prova testemunhal: 15º, 16º a 20º, 22º a 27º, 32º, 35º a 40º, 44º a 47º, 57º a 60º, 63º a 66º, 71º, 72º, 75º, 90º a 93º, 114º, 161º, 173º a 175º, 178º, 179º, 182º e 239º a 242º.”
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Em 19-09-2017 foi proferido Despacho arbitral com o seguinte teor:
“Notificada para indicar quais os factos sobre os quais pretende que incida a prova testemunhal por si arrolada, a Requerente indicou os pontos 15 a 20, 22 a 27, 32, 35 a 40, 44 a 47, 57 a 60, 63 a 66, 71, 72, 75, 90 a 93, 114, 161, 173 a 175, 178, 179, 182 e 239 a 242, do seu pedido de pronúncia arbitral.
Compulsado aquele pedido, verifica-se que:
- os pontos 15 e 16 não assumem qualquer relevância para a boa decisão da causa, sob o prisma de qualquer das soluções de direito aplicáveis, tratando-se de matéria relativa à opção da utilização da faculdade concedida pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro, que não tem que ser justificada, não é controvertida e não contende com a decisão do pedido;
- os pontos 17 a 20, 22 a 27, 75, 92 estão documentalmente provados, remetendo o próprio Requerimento inicial para a documentação pertinente;
- os pontos 32, 35 a 40, 44 a 47, 57 a 60, 63, 64, 71, 72, 90, 91, 93, 114, 161, 173 a 175, 178, 179, 182, e 242 integram matéria conclusiva e/ou de direito, como tal insusceptível de prova, devendo as conclusões em questão ser retiradas da matéria de facto que se dê como assente; em especial os pontos 32, 35 a 40, 44 a 47, 57 a 60, 63, 71, 72, 91, 114, 173 a 175, 178, 179, 182, deverão resultar da interpretação que se faça da decisão arbitral junta como documento 5, cujo valor dispositivo, como o de qualquer outra decisão jurisdicional, será o que resultar da sua interpretação, objectivamente considerada, e não o que, subjectivamente, as partes ou os juízes nela intervenientes lhe venham, extra-processualmente ou extra-decisão, a pretender outorgar-lhe.
- os pontos 65 e 66 e 239 a 241 dizem respeito à liquidação de IVA nas prestações de serviços de parqueamento, e no pagamento de IVA pela construção e concepção do parque de estacionamento, não são contestados pela Requerida, quer em sede arbitral quer no RIT, sendo, necessariamente do seu conhecimento pessoal.
Face ao exposto, atendendo a que:
- não existe necessidade de produção de prova adicional, para lá da prova documental já incorporada nos autos;
- não existe matéria de excepção sobre a qual as partes careçam de se pronunciar;
- no processo arbitral vigoram os princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis;
- auscultados os restantes árbitros, que manifestaram a sua concordância com o presente despacho, ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT:
- Dispensa-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT;
- Faculta-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas, podendo o Requerente fazê-lo no prazo de 10 dias, contados da notificação do presente despacho, e a AT no mesmo prazo, contado da notificação das alegações do Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas.
A decisão final será proferida no prazo de 30 dias após a apresentação de alegações pela Requerida, ou o termo do respectivo prazo, devendo a requerente, até 10 dias antes do termo de tal prazo, proceder ao depósito da taxa arbitral subsequente.”
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Em 29-09-2017 a Requerente juntou aos autos as suas alegações escritas.
A requerida AT não juntou alegações.
B) DO PEDIDO FORMULADO PELA REQUERENTE:
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Em síntese, a Requerente fundamenta o seu pedido alegando o seguinte:
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Errónea qualificação do facto tributário, porquanto, o que está em causa é uma indemnização fixada por decisão judicial, proferida por tribunal arbitral, para reparação dos danos emergentes por incumprimento de um contrato de concessão, a qual não configura uma operação tributável em sede de IVA. Com efeito o litígio decidido pelo tribunal arbitral “A…, S. A./Município de…” tem origem no incumprimento do contrato de concessão celebrado entre a Requerente e o Município de …, na medida em que este não disponibilizou os meios necessários à execução do contrato que celebrara com a ora Requerente. Nesta acção arbitral a Requerente peticionou que o Tribunal reconhecesse o direito de resolução do contrato de concessão, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 332º do Código dos Contratos Públicos e que, em consequência da resolução, condenasse o Concedente no pagamento de uma indemnização por todos os prejuízos (danos emergentes e lucros cessantes) decorrentes do incumprimento contratual. O Acórdão arbitral proferido nesse processo considerou procedentes os pedidos então formulados pela Requerente, com excepção do pedido relativo aos lucros cessantes, cujo pedido improcedeu integralmente.
Assim, o acórdão arbitral então proferido julgou parcialmente procedente a pretensão da Requerente, decidindo:
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A resolução do Contrato de Concessão, por facto imputável ao Concedente Município de …; e, em consequência:
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O pagamento de uma indemnização à Concessionária, ora Requerente, no valor de €4.577.233,21, acrescido de juros de mora;
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A entrega do estabelecimento concessionado ao Concedente (Município), no estado em que se encontrasse, fixando para o efeito um período transitório;
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A improcedência total do pedido indemnizatório quanto aos lucros cessantes.
Já após prolação do acórdão arbitral, a Requerente e o Município de … alcançaram um acordo de pagamento, acordando na redução da quantia indemnizatória fixada a título de danos emergentes de €4.577.233,21 para €3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros), mantendo-se a obrigação de entrega do estabelecimento concessionado. “Percebendo-se assim que não foi assumida, quer pelas Partes, quer pelo próprio Tribunal Arbitral, como uma operação de carácter económico enquadrável em sede de IVA, nos termos previstos no CIVA.”
Alega a Requerente que, contrariamente ao que a AT fez constar no RIT não estamos face a uma prestação de serviços materializada na entrega do parque subterrâneo ao Concedente, nem a indemnização assumiu a natureza de “contrapartida onerosa” pela entrega do parque de estacionamento. Acrescenta que “ainda que se entendesse que configurou uma operação para efeitos de IVA – o que não se concede, mas que se refere em benefício de raciocínio – sempre estaria excluída de tributação nos termos do artigo 16º, n.º 6, alínea a) do CIVA. Significa isto que a AT, para poder sugerir a tributação de uma indemnização, sempre teria de, a priori, aferir com clareza se o pagamento daquela indemnização, com base no correcto enquadramento factual, legal e doutrinal, representa ou não uma operação tributável.”
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Inexistência do facto tributário, dado que de acordo com o artigo 62º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), entende-se por facto gerador do imposto “o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto”. Também nos termos do artigo 1º, n.º 1, al. a) do CIVA, estão sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado “as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal”. No caso dos autos, segundo a Requerente, não estamos perante uma transmissão de um bem ou uma prestação de serviços, com carácter oneroso, pelo que inexiste facto tributário. A este propósito, a Requerente discorre desenvolvidamente sobre cada um dos pressupostos para concluir pela inexistência de facto tributário. Desde logo porque o Concedente não é um consumidor, pelo que não se vislumbra nenhuma operação de natureza económica e nenhum consumidor “identificável” que possa fundamentar a incidência de IVA.
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Inexistência de prestação de serviços tributável, pelo que o conteúdo do artigo 48º do RIT é totalmente desprovido de sentido, e bem assim o entendimento sufragado pela AT subjacente a todos os actos impugnados, ao considerar que “o SP recebe 3.500.000,00€ e entrega o parque ao Município de … (nexo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida)”. Sucede que esta interpretação da AT é totalmente desprovida de sentido lógico-legal, porque confunde duas realidades distintas: por um lado a indemnização e por outro a entrega do Parque. Com efeito, a indemnização recebida pela Requerente não é uma contrapartida pela entrega do parque (que a AT assume como “prestação de serviços”), mas apenas o ressarcimento pelos prejuízos causados pelo Concedente. (…) A AT confunde duas realidades distintas: a indemnização devida pelos prejuízos peticionada nos termos do artigo 562º do Código Civil, segundo o qual “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e a entrega do parque de estacionamento que ocorreu como consequência legal da resolução contratual, determinada pelo Tribunal. E é também o que decorre da acção arbitral, em que a Requerente reclamou o seu direito “a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos “.
Em discussão nos presentes autos está em causa a correcta qualificação da indemnização recebida pelos prejuízos sofridos, emergentes do incumprimento do contrato de concessão. A este propósito invoca os ensinamentos de Xavier de Basto quando refere: “há que, todavia, ter o cuidado de não ir longe demais o significado e as implicações da renúncia da directiva em definir, de modo positivo, as prestações de serviços e em identificar o seu conteúdo. Parece ser necessário que, de qualquer modo, exista um serviço. Uma atribuição patrimonial feita por um sujeito passivo não pode ser considerada, sem mais, como contrapartida de um serviço”. Conclui, assim, que “a AT, antes de enquadrar a indemnização numa putativa prestação de serviços, deveria ter verificado pelo menos dois requisitos cumulativos, a saber: a) O carácter oneroso da operação; b) A existência de um nexo directo entre o putativo serviço e a indemnização recebida.”
Alega, ainda que o exercício do direito de resolução do contrato é independente do direito que o co-contratante eventualmente tenha a ser indemnizado dos prejuízos sofridos em consequência do incumprimento do contraente público. Pelo que, mesmo que o Tribunal Arbitral não tivesse concluído pelo direito da Requerente a ser indemnizada, a resolução do contrato obrigava à reversão do parque de estacionamento para a Concedente. Por outro lado, o activo da concessão vale muito mais do que o valor da indemnização fixada e recebida, que apenas representa os danos emergentes, isto é, os custos que a Requerente teve com a concessão. Logo, a indemnização não podia, por isso, ser entendida como preço da concessão e, consequentemente, como “contrapartida onerosa” desta, como resulta evidenciado no Acórdão arbitral.
Alega, também, que não se verifica a reciprocidade das prestações, a qual pressupõe um nexo directo entre a “contrapartida” e o “serviço”. A este propósito a Requerente, com suporte na doutrina e na jurisprudência do TJUE, que desenvolve pormenorizadamente, termina concluindo que “quando a Concessão reverte para o Concedente, como consequência legal da resolução contratual, não há qualquer transferência de propriedade. O Concedente não está a adquirir um bem, nem o Concessionário o está a vender”.
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Alega, ainda, a Requerente a exclusão de tributação por força do disposto no artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA, o qual dispõe que “do valor tributável referido no número anterior [entenda-se, do valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços] são excluídos os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”.
De acordo com este artigo, para que uma indemnização seja excluída de tributação têm de estar preenchidos dois requisitos: a) tratar-se de uma indemnização por incumprimento de obrigações; b) que a indemnização seja declarada judicialmente.
A análise do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA é suficiente para que se perceba que o legislador fiscal, sem distinguir a natureza das indemnizações, excluiu-as do elenco de operações tributáveis. A indemnização recebida pela Requerente preenchia e preenche todos os requisitos para ser excluída de tributação, nos termos e ao abrigo do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA, o que a AT indevidamente desconsiderou.
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Em reforço da natureza reparatória da Indemnização, que considera provada pela documentação junta aos autos e, desde logo, pelo teor do Acórdão arbitral que a fixou, a Requerente invoca e cita numerosa doutrina e jurisprudência, concluindo que sempre estaria excluída nos termos do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA. E, se outro fosse o entendimento, então a obrigação de pagamento de IVA é do consumidor/destinatário (Município de …), nos termos do artigo 37º do CIVA e não da Requerente, pelo que as liquidações sempre estariam feridas de ilegalidade.
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Por último, invoca ainda a inconstitucionalidade dos actos impugnados por porem em causa, nomeadamente, (i) o princípio da igualdade; (ii) o princípio da separação de poderes; (iii) o princípio do caso julgado; e (iv) o princípio da certeza e da segurança jurídica.
Com destaque para a alegada violação do princípio da igualdade decorrente da própria AT ter reconhecido em situação idêntica e numa informação vinculativa junta aos autos, que a indemnização aí em discussão era reparatória e como tal não estava sujeita a incidência de IVA.
A referida informação vinculativa retrata um litígio de uma empresa com um Município, decorrente do incumprimento de um contrato de concessão celebrado para a construção e exploração de um parque de estacionamento para viaturas ligeiras de passageiros. Tal como no caso dos presentes autos, também no caso mencionado na informação vinculativa, em virtude do incumprimento do Município foi instaurada uma acção arbitral para demonstração das consequências do incumprimento e da justificada resolução. O Município pagou uma indemnização, por consequência da resolução por incumprimento e a aí Requerente entregou a concessão ao Município, que a recebeu. “Ou seja: a mesma situação dos presentes autos!”
Nessa informação vinculativa a AT referiu que: “se as indemnizações sancionam a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços”. E concluiu que: “estamos perante uma indemnização declarada judicialmente, que conforme acordo anexo, resultou do incumprimento de um conjunto de obrigações do Contrato de Concessão para a Construção e Exploração de um parque de estacionamento para viaturas ligeiras e para a instalação e exploração de parcómetros. Face ao exposto podemos concluir que, a verificar-se a sentença do Tribunal Arbitral, a indemnização em causa tem enquadramento na alínea a) do n.º 6 do artigo 16º do Código do IVA, não estando consequentemente sujeita a imposto”
Conclui a Requerente que a AT, quando confrontada com o enquadramento fiscal de uma indemnização, auferida na sequência da resolução de um contrato de concessão e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, celebrado com um Município e resolvido por incumprimento contratual deste, entendeu que a indemnização é remuneratória e está excluída de tributação, nos termos do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA. Logo ao decidir de modo diferente o caso agora em apreciação violou o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP).
Alega ainda a violação do Princípio da Separação de Poderes (art.2º da CRP), porquanto com a sua atuação a AT “imiscuiu-se no entendimento e na decisão do Tribunal Arbitral, revestindo-a com um sentido que não foi o pretendido pelo Tribunal (…) desconsiderou a qualificação feita pelo Tribunal, fez do acórdão “letra morta” e concluiu, à revelia, que afinal a indemnização é uma remuneração e não uma reparação. Ora, é pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que o espírito do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA é precisamente conferir à decisão do Tribunal a segurança de não estarem a ser camuflados factos que devam ser tributados.” Invoca a doutrina de Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, segundo a qual “sempre que estejamos perante o pagamento de uma indemnização que foi objecto de reconhecimento judicial, a mesma não originará implicações ao nível da liquidação de IVA. De facto, o legislador terá reconhecido que nesses casos a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, obviando-se ao risco da dissimulação de operações tributáveis a coberto de conceitos aparentemente inócuos.”
Por idênticas razões e fundamentos invoca, também, a violação do princípio da intangibilidade do caso julgado, pondo em causa os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, pelo que a sua actuação foi manifestamente inconstitucional.
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Por último, invoca a violação das orientações comunitárias e da jurisprudência do TJUE, com os fundamentos que desenvolve detalhadamente no seu pedido arbitral e que aqui se dão por reproduzidos. Conclui que decorre sem margem de dúvida de todas estas orientações que o “princípio base é o de tributação apenas de contraprestações de operações tributáveis e não a indemnização de prejuízos que não tenham carácter remuneratório”. Os actos impugnados violaram o princípio da neutralidade fiscal, o qual, associado ao princípio da igualdade de tratamento e da uniformidade, “assenta no exercício do direito à dedução que no caso concreto a Requerente jamais pode ou poderá exercer, o que consubstancia uma violação ostensiva dos princípios fundamentais do imposto.”
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Conclui a Requerente que, com o acto de indeferimento da reclamação graciosa, que manteve as liquidações adicionais de IVA, a AT incorreu em manifesto erro sobre os pressupostos de facto e direito, já que ficou demonstrado que:
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A Requerente não actuou no âmbito de uma operação económica, não havendo qualquer consumo sobre o qual possa incidir IVA;
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Não existe facto tributário, pois não estamos perante uma transacção onerosa de bens ou uma prestação de serviços tributável;
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Decorre do artigo 16º, n.º 6, al. a) do CIVA a exclusão, que é objectiva e inequívoca, de tributação das indemnizações por incumprimento de obrigações. Não obstante, mesmo que se entendesse que apenas estão excluídas de tributação as indemnizações de natureza reparatória, ficou demonstrado que a indemnização em apreço é meramente reparatória dos prejuízos suportados pela Requerente por incumprimento contratual do Concedente Município de …;
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O entendimento vertido pela AT nos actos impugnados é inconstitucional, por violação dos mais elementares princípios do Estado de Direito Democrático (igualdade, separação de poderes, intangibilidade do caso julgado e segurança jurídica);
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O entendimento vertido pela AT nos actos impugnados é ilegal, porquanto viola as orientações da AT já expressas em caso idêntico e viola a Directiva do IVA, por consubstanciar uma violação dos princípios subjacentes ao imposto, devidamente sedimentados à luz da jurisprudência do TJUE.
Termina pugnando pela procedência do pedido arbitral, com a consequente anulação de todos os atos impugnados, e pela condenação da AT no reembolso das quantias entretanto pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos previstos nos artigos 43º da LGT e 61º do CPPT. Subsidiariamente e sem prescindir, caso outro seja o entendimento deste tribunal arbitral, deverá “promover o competente reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos previstos no artigo 277º do TFUE, para que se pronuncie sobre a questão essencial em apreciação nos presentes autos e que é a de saber se a indemnização que apenas repara (parcialmente) os prejuízos directos de uma empresa por incumprimento de um contrato de concessão, poderá ser uma transacção/prestação de serviços, para efeitos de tributação em sede de IVA.”
C – A RESPOSTA DA REQUERIDA
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Na sua resposta, junta aos autos em 10-07-2017, veio a Requerida dizer o seguinte:
“1º - Para efeitos de defesa, dá-se por reproduzido tudo quanto consta em sede de reclamação graciosa, com o n.º …2016…, de 06.12.2016.
2º - Não obstante, é do conhecimento da AT a existência da Informação Vinculativa n.º 2061, de 02-03-2011, emanada pela Direcção de Serviços do IVA, cuja cópia foi junta com o requerimento inicial como documento n.º 9, e que, dada a similitude de conteúdo com a situação em apreço, não deve ser desprezada no momento de proferir decisão no âmbito dos presentes autos.
3º -De todo o modo, e por uma questão de dever de patrocínio, devem os actos tributários pendentes de apreciação no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral ser mantidos intactos na ordem jurídica, porquanto não padecem de qualquer vício de ilegalidade.”
Concluiu, assim, por dever de patrocínio, pela manutenção dos atos tributários.
A Requerida não apresentou alegações escritas (facultativas) no prazo fixado para o efeito.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
11. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º n.º2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22 de março).
O processo não padece de vícios que o invalidem, pelo que se verificam todos os pressupostos processuais para o tribunal arbitral conhecer do pedido.
12. Tendo em conta a prova documental junta aos autos e o alegado pelas partes, cumpre fixar a matéria de facto relevante para a decisão.
III – Matéria de facto
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Factos Provados
13. Como matéria de facto relevante, dá o presente tribunal por assente os seguintes factos:
a) A Requerente foi objecto de uma inspecção por parte da AT, cujo procedimento se iniciou no dia 09/09/2015, na decorrência de acção especial determinada por selecção central de contribuintes, no âmbito do Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária e Aduaneira (PNAITA) 2014.
b) No âmbito da acção inspectiva levada a cabo pela Inspecção Tributária, promovida pela Direcção de Finanças de Braga, propôs-se, em Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”), uma correcção técnica em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado, relacionada com o registo, na contabilidade da Requerente, do recebimento por esta de uma indemnização no valor de € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros).
c) Indemnização essa recebida em virtude da resolução, decretada por acórdão de um Tribunal Arbitral, de um contrato administrativo de concessão (o contrato de exploração do domínio público e de obra pública relacionado com a implementação do “…”, no concelho de …), outorgado entre a Requerente (enquanto Concessionária) e o Município de … (enquanto Concedente).
d) No procedimento inspectivo a AT considerou que o recebimento da referida indemnização constituía uma operação tributável em sede de IVA, pelo que processou as Liquidações de IVA, com base nas correcções de imposto que entendeu deverem ser feitas, conforme o seguinte quadro:
e) Ao referido valor de € 805.000,25 relacionado com a tributação de IVA, a AT acrescentou a quantia de € 53.732,83, a título de juros compensatórios pelo retardamento da liquidação.
f) A Requerente apresentou a respectiva reclamação graciosa, pela qual requereu à AT a anulação das referidas liquidações.
g) Por despacho proferido pela Directora dos Serviços de Finanças de Braga em 09/12/2016 e notificado à Requerente por transmissão electrónica de dados em 14/12/2016, a AT indeferiu expressamente a pretensão formulada pela Requerente na referida reclamação graciosa.
h) A Requerente – em data anterior ao acto de indeferimento expresso referido – aderiu ao plano de regularização extraordinária de dívidas fiscais previsto no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro.
i) A Requerente celebrou com o Município de …, em 18 de Agosto de 2010, um contrato de concessão denominado “Contrato de Concessão de Exploração do Domínio Público e de Obra Pública” no qual a Requerente figurou como Concessionária e o Município de … como Concedente.
j) Nos termos do Contrato de Concessão, incumbia à Requerente – na qualidade de Concessionária – construir, explorar e assegurar a manutenção de um parque de estacionamento subterrâneo junto ao mercado da …, em … .
k) Tal parque de estacionamento foi efectivamente construído e a actividade concessionada explorada pela Requerente até à resolução do contrato de concessão.
l) A Requerente, enquanto Concessionária, prestou serviços aos utentes do estacionamento, que pagaram àquela uma contrapartida sobre a qual incidiu IVA, tendo a Requerente, nessa altura, liquidado os devidos montantes daquele imposto.
m) O Concedente (Município de…) incorreu em incumprimento definitivo do Contrato de Concessão, tendo inviabilizado a manutenção desse Contrato.
n) Perante o incumprimento do Contrato pelo Município Concedente, a Requerente promoveu a constituição de Tribunal Arbitral perante o qual peticionou a resolução do Contrato de Concessão nos termos previstos no n.º 3 do artigo 332.º do Código dos Contratos Públicos e, em consequência dessa resolução, a condenação do Município de … no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos suportados pela Requerente em consequência do incumprimento contratual.
o) Nomeadamente, a Requerente pediu a condenação do Município na reparação dos danos emergentes, atendendo aos custos que suportou com a concepção e a construção do parque de estacionamento subterrâneo objecto do Contrato de Concessão, correspondentes ao montante das facturas que a Requerente teve de liquidar junto da empresa responsável pela construção do parque de estacionamento, no valor global de €4.403.668,80, correspondente aos custos que efectivamente suportou.
p) A Requerente pediu também a condenação do Município em indemnização pelos lucros cessantes, em função da rentabilidade que, em virtude da resolução do Contrato, deixaria de auferir.
q) Este pedido de indemnização pelos lucros cessantes foi julgado improcedente pelo Tribunal Arbitral.
r) O Tribunal Arbitral reconheceu o direito da Requerente “a uma indemnização que a reembolse do investimento realizado”, referindo-se ao prejuízo que a Requerente teve relativo aos custos com a construção do parque de estacionamento;
s) Ficou provado perante o Tribunal Arbitral que o valor da concessão variava, consoante a taxa de actualização, entre €6.200.000,00 (pelo equivalente dos cash flows líquidos futuros gerados pela concessão) e €14.286.014,00 (se se considerasse a taxa de desconto de 6,08% subjacente ao Estudo de viabilidade económica).
t) O Tribunal Arbitral determinou que: “na sequência da resolução do contrato, o estabelecimento concessionado (parque subterrâneo e parcómetros da via pública) deve ser entregue, no estado em que se encontra e com todas as suas pertenças, pela Demandante ao Demandado, e este tem a obrigação de o receber”.
u) O Tribunal Arbitral, na decisão proferida, decretou:
i) A resolução do Contrato de Concessão, por incumprimento definitivo do Município de…; e, em consequência:
ii) O pagamento de uma indemnização à Requerente, a título de danos emergentes (acrescido de juros), no valor de €4.577.233,21;
iii) A entrega ao Concedente do estabelecimento concessionado, no estado em que se encontrasse, fixando para o efeito um período transitório.
v) Após a prolação do acórdão arbitral, em 11/12/2013, a Requerente e o Município de … celebraram um acordo de pagamento, pelo qual acordaram na redução – para o valor de €3.500.000,00 – da indemnização a pagar pelo Município em cumprimento da decisão arbitral.
x) Nesse acordo, a Requerente e o Município de … acordaram sobre aspectos “do cumprimento da referida decisão arbitral”.
y) Foi relativamente ao referido valor de €3.500.000,00 que a AT considerou existir uma operação tributável em sede de IVA.
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FACTOS NÃO PROVADOS
14. Não existem factos relevantes para a decisão que devam considerar-se como não provados.
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FUNDAMENTAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS
15. Os factos descritos foram dados como provados com base na prova documental que a Requerente juntou aos autos, confirmada pelo processo administrativo junto aos autos pela AT. Pelo que, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos elencados, consensualmente reconhecidos e aceites pelas partes.
IV – DO DIREITO: fundamentação da decisão de mérito
Dispõe o artigo 124.º do CPPT:
“1 - Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
2 - Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:
a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;
b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.”.
Como se escreveu no Ac. do STA de 18-05-2016, proferido no processo 0100/16:
“Nos termos do disposto no nº 2 do art. 124º do CPPT deve conhecer-se, em primeiro lugar, dos vícios de violação de lei stricto sensu (salvo nos casos em que não possa apreender-se o conteúdo do acto), assim se assegurando tutela mais eficaz dos direitos do contribuinte.”.
O artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT, estatui, portanto, que o tribunal deve apreciar prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, seguidamente, os vícios que conduzam à sua anulação (n.º 1). No concernente aos vícios que consubstanciem inexistência ou nulidade, o julgador deve conhecer prioritariamente dos vícios cuja procedência determine, segundo o seu prudente critério, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos. No tocante aos vícios que constituam anulabilidade, é estabelecido o mesmo critério, que só não será aplicável se o impugnante tiver estabelecido uma relação de subsidiariedade entre os vícios imputados ao acto – o que é permitido pelo artigo 101.º do CPPT –, pois nesse caso é dada primazia à sua vontade (desde que o Ministério Público não tenha arguido outros vícios) (n.º 2).
As regras emanadas desta norma legal sobre a ordem de conhecimento de vícios destinam-se a tutelar o interesse do impugnante com a máxima economia processual, omitindo pronúncia sobre vícios invocados quando o vício ou vícios já reconhecidos impedem a renovação do acto com o mesmo sentido. Efectivamente, o estabelecimento desta ordem de conhecimento dos vícios pressupõe que, conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem de conhecimento.
A tutela dos interesses ofendidos é mais estável quando a decisão impede a renovação do acto lesivo dos interesses do impugnante e será mais eficaz quando permitir ao interessado, em execução de julgado, obter uma melhor satisfação dos seus interesses, ofendidos pelo acto anulado.
Assim, se se tratar, por exemplo, de um vício de violação de lei, a anulação do acto impedirá a prática de um novo acto tributário em que se aplique ou desaplique a mesma norma que esteve em causa no acto anterior, o que se traduzirá na impossibilidade de praticar um novo acto que imponha tributação ao impugnante.
Como se infere do que se vem de dizer, é tendo em consideração a execução do julgado anulatório e a influência que nela tem o tipo de vício que fundamentou a anulação que se justifica o estabelecimento de uma ordem de conhecimento dos vícios do acto impugnado.
Nesta parametria, volvendo ao caso concreto, impõe-se, então, começar pela apreciação do vício de violação do artigo 16.º/6/a) do CIVA aplicável, pois, a verificar-se, afastará definitivamente a possibilidade de impor à Requerente um novo acto impositivo de tributação, alcançando-se, dessa forma, a mais estável e eficaz tutela dos seus interesses.
*
Dispõe o referido artigo 16.º/6/a) do CIVA aplicável:
“6 - Do valor tributável referido no número anterior são excluídos:
a) Os juros pelo pagamento diferido da contraprestação e as quantias recebidas a título de indemnização declarada judicialmente, por incumprimento total ou parcial de obrigações”
É na norma referida que a Requerente funda a sua pretensão no presente processo arbitral, e foi a sua aplicação que foi recusada nas liquidações de imposto que constituem o objecto daquele.
Compulsados os factos dados como provados, verifica-se que o Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Comercial decidiu que a indemnização arbitrada teve como fundamento reembolsar a Requerente do investimento realizado, não tendo em consideração qualquer componente referente a lucros cessantes (cfr. pp. 66 e 67 do Acórdão do Tribunal Arbitral - Doc. n.º 5 anexo ao Pedido).
Deste modo, parece claro que a operação controvertida, a indemnização por resolução do contrato de concessão do parque de estacionamento e parcómetros, não apresenta natureza remuneratória, pelo que, tal operação não configurará desde logo uma operação tributável uma vez que o valor recebido pela Requerente tem como objectivo a compensação dos danos que sofreu com o não cumprimento pelo município das suas obrigações contratuais e terá, por isso, natureza reparatória, conforme o previsto no artigo 562.º e seguintes do Código Civil.
Nestes termos, não poderá a referida indemnização ser sujeita a IVA visto que não corresponde à contraprestação devida pela realização de uma actividade económica, isto é, não constitui um facto sinalagmático uma vez que não remunera qualquer operação, ou seja, não existe nexo directo entre a prestação de indemnização e qualquer outra prestação que a Requerente (na sua qualidade de lesada) esteja obrigada a efectuar, não se validando, assim, a conclusão do RIT, segundo a qual “O SP recebe 3.500.000,00 € e entrega o parque ao município de … (nexo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida)”.
De facto, não obstante a Requerente, por força da decisão arbitral tenha ficado obrigada a entregar “na sequência da resolução do contrato, o estabelecimento concessionado (parque subterrâneo e parcómetros da via pública) (...), no estado em que se encontra e com todas as suas pertenças”, o certo é que, como apontam a doutrina e jurisprudência administrativas citadas pela Requerente, tal é um efeito necessário da cessação da concessão, correspondendo, de resto, aquela obrigação da Requerente, não a um direito da Concessionária, mas uma obrigação desta, como decorre da supra-citada decisão arbitral, que lhe impõe “a obrigação de o receber” (cfr. ponto t) dos factos provados).
Note-se, aliás, que se o contrato de concessão tivesse sido cumprido integralmente, a Requerente estaria obrigada a entregar o bem concessionado, sem receber qualquer contrapartida por tal entrega e, consequentemente, sem liquidar IVA.
O facto de a indemnização em causa ter sido declarada por um Tribunal obriga, assim, à aplicação do disposto no artigo 16.º, n.º 6, alínea a), segundo o qual as quantias recebidas a título de indemnização pelo incumprimento de obrigações, declarada judicialmente, ficam excluídas do valor tributável do IVA, isto é, não são tributadas.
Acresce que, contrariamente ao que a AT defende, a exclusão a que se refere o artigo 16.º, n.º 6, alínea a), não distingue quanto à natureza das indemnizações. Se apenas se aplicasse às indemnizações reparatórias, como a AT pretende, não teria qualquer efeito útil visto que estas já ficam excluídas da tributação pela sua natureza.
O artigo 16.º, n.º 6, alínea a), só terá verdadeira utilidade em relação às indemnizações remuneratórias, sinalagmáticas, uma vez que as reparatórias ou não remuneratórias (não sinalagmáticas) já se encontram excluídas da tributação por não constituírem, sequer, operações sujeitas a IVA.
Como referem Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcelos Silva em "O IVA e as Indemnizações", publicado na Revista FISCO, n.º 107/108, Março, 2003, Ano XIV, "sempre que estejamos perante o pagamento de uma indemnização que foi objeto de reconhecimento judicial, a mesma não originará implicações ao nível da liquidação do IVA. De facto, o legislador terá reconhecido que nesses casos a comprovação judicial será suficiente para classificar determinadas prestações como indemnizações, obviando-se ao risco da dissimulação de operações tributáveis a coberto de conceitos aparentemente inócuos. Efetivamente, muitas cláusulas penais poderão ter como único fito a redução do valor de operações tributáveis, configurando-se, por exemplo, parte do preço como uma indemnização. O crivo do Tribunal permitirá na maioria das situações, distinguir a verdadeira natureza dos factos".
Também a jurisprudência vai nesse sentido, referindo o STA que:
“IV - As indemnizações, no caso de sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.”[1]; e que:
“I - Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços.
II - Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.”[2]
A própria AT, na Informação Vinculativa n.º 2061, de 02-03-2011, emanada pela Direcção de Serviços do IVA, junta pela Requerente como Documento 9, considerou que:
No caso em apreciação deve atender-se, ainda, ao facto de o valor da indemnização não corresponder ao que foi decidido em Tribunal, tendo prevalecido um valor inferior posteriormente acordado pelas partes.
Tal circunstância, julga-se, em nada altera o quanto vem de se referir.
Com efeito, o acordo de 11/12/2013, não integra qualquer prestação ou contraprestação sinalagmaticamente ligada à prestação de €3.500.000,00, que se funda na redução do valor da indemnização a receber pela Requerente, fixado pela decisão arbitral.
Não se valida assim, também, a conclusão do RIT, segundo a qual “a indemnização não resulta duma determinação judicial, mas antes dum acordo celebrado entre as partes, sem a intervenção judicial” que pressuporia que a obrigação de pagar a quantia em causa apenas tivesse surgido com o acordo, o que não é manifestamente o caso, já que aquela estava contida na obrigação de pagamento de €4.577.233,21, fixada pelo Tribunal arbitral.
Deste modo, e face ao exposto, enfermando as liquidações objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, deverão as mesmas ser anuladas, procedendo o pedido arbitral e ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas.
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Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, que praticou os actos de liquidação ilegais por sua iniciativa.
Tem, pois, direito a ser reembolsada a Requerente da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizada pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, pela Requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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V - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular os actos tributários de Liquidação de imposto e juros compensatórios objecto da presente acção arbitral e acima identificados, no valor total de €858.732,83;
b) Condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pela Requerente em cumprimento das liquidações ora anuladas, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €858.732,83 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €48.000,00 nos termos da Tabela II do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 5º do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 08 de Novembro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo,
(José Pedro Carvalho - Presidente)
(Maria do Rosário Anjos)
(Emanuel Vidal Lima)
[1] Ac. do STA de de 27-01-2016, proferido no processo 0331/14, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Ac. do STA 31-10-2012, proferido no processo 01158/11, disponível em www.dgsi.pt.