Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 106/2017-T
Data da decisão: 2017-11-18  IRS  
Valor do pedido: € 51.589,62
Tema: IRS - Mais-Valias - Valor de aquisição por permuta
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…, NIF … e B…, NIF…, residentes na …, número…, …, …– …-…, no Brasil, apresentaram, em 08-02-2017, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. Os requerentes pretendem, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, relativa ao ano de 2014 e do acto de indeferimento da reclamação graciosa à mesma referente (que teve o n.º …2016…), com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 08-02-2017.

 

3.1. Os requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

3.2. Em 03-04-2017 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 20-04-2017.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral os requerentes alegaram, em síntese, o seguinte:

Em Maio de 2014 realizaram uma escritura de compra e venda onde transmitiram a propriedade da fração autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano sito na …, …, na freguesia do …, concelho de Cascais; descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número … da mesma freguesia e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo P-…, pelo valor de €640.000,00.

Fracção essa que havia sido por eles adquirida, em 04-07-2006, por permuta com as fracções A e CR, de que então eram proprietários, do prédio urbano denominado “…”, na freguesia do …, concelho de Cascais, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … sob o artigo … e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número … da dita freguesia.

Àquela data, as fracções em causa tinham como valores patrimoniais: € 7.823,93 - a A -, € 98.901,88 – a CR – e € 399.700,00 – a R.

Em virtude da necessidade de atribuição de um valor de alienação, os requerentes e a sociedade permutante acordaram que a fração “R” teria o valor de €450.000,00 e que as frações “A” e “CR” teriam, conjuntamente, o valor de € 450.000,00 (com a entrega dos imóveis e o pagamento de uma prestação pecuniária).

Os requerentes e a sociedade mencionada estabeleceram que, para além da transferência mútua da propriedade dos bens imóveis, seria necessária a atribuição de uma contrapartida monetária no valor de €230.000,00, por parte dos requerentes.

Para o pagamento do montante acima mencionado, os requerentes recorreram ao saldo da sua “conta-emigrante” – regulada pelo Decreto-Lei n.º 323/95 de 29 de Novembro – pelo que se considerou estarem isentos do pagamento de IMT.

Face à venda efectuada em Maio de 2014, os requerentes entregaram a declaração de rendimentos em sede de IRS referente ao ano de 2014, fazendo referência à venda supra mencionada onde se declarou como valor de realização €640.000,00 e valor de aquisição €450.000,00 juntamente com as despesas que perfaziam um total de €51.899,55, tendo, em consequência, pago IRS num montante de € 26.544,81.

Não tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira aceite a totalidade das despesas indicadas, mas apenas as relativas a despesas da imobiliária e do certificado energético e considerado que o valor de aquisição seria de € 292.974,19, foram notificados da liquidação ora em causa, de que resultou um acerto de contas de IRS no valor de € 51.589,62.

No caso em concreto, não existem dúvidas de que estamos em presença de um contrato de permuta — contrato pelo qual uma pessoa transmite a propriedade de um bem ou outro direito contra a propriedade de outro bem ou direito dado em troca – e, em particular, por aquilo que se designa por “permuta composta”, porque para além da transferência mútua da propriedade de bens imóveis, é estabelecida a atribuição de contrapartidas em bens não imóveis, uma vez que os valores patrimoniais dos imóveis são distintos.

É aceite, tanto para a Autoridade Tributária como para os requerentes, o valor de realização, ou seja, o valor atribuído no contrato aos bens, de acordo com o artigo 44º n.º 1 alínea a) do CIRS, é de € 640.000,00. No entanto, a divergência surge quanto ao valor de aquisição, ou seja, aquele que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, que de acordo com o artigo 46º n.º 1 e n.º2, deverá ser entendido como o valor que as partes consideraram para efeito da permuta, ou seja, €450.000,00.

Nos termos do n.º 1 do art.º 46.º do CIRS: “ … se o imóvel houver sido adquirido a título oneroso, considera-se valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do Imposto Municipal sobre as Transações Onerosas de Imóveis (IMT) …”. Ou seja, o legislador não menciona expressamente que o valor de aquisição é o valor sobre o qual incide o IMT.

Como tal, a leitura da AT de que é aplicável o disposto na alínea b) do n.º 5 do art.º 2.º do CIMT não tem qualquer cabimento no normativo acima mencionado – art.º 46.º n.º 1 do CIRS.

No caso em apreço, a verdade é que as partes estabeleceram como valor para o negócio o montante de 450.000,00 € (quatrocentos e cinquenta mil euros) e é este o montante que deve ser considerado como o verdadeiro preço, sobre o qual incidiria IMT.

A interpretação que a AT faz é redutora e não tem em atenção a mencionada substância económica do negócio, que foi considerada como justa para ambas as partes e assim o contrataram e o valor de aquisição mencionado pelos requerentes na sua declaração fiscal, deve ser considerado como o efetivamente praticado e por conseguinte não é passível de qualquer correção.

Aliás, a verdade é que com a leitura da AT, não é sequer considerado o pagamento acima mencionado de 230.000,00 € (duzentos e trinta mil euros), sendo que desconsiderar que os requerentes efetuaram, parte do pagamento para a aquisição do bem imóvel através de uma quantia em dinheiro seria manifestamente injusto e contrário à noção de mais-valia.

Não entendem como a Autoridade Tributária, para efeitos de cálculo do valor de aquisição, apenas considera a diferença entre os Valores Patrimoniais Tributários das frações, sem considerar a quantia pecuniária efetivamente despendida.

Caso a AT não considere que o preço do negócio foi de 450.000,00 €, a verdade é que então, pelo menos deverá considerar o valor de aquisição como sendo o correspondente aos meios que os ora requerentes se viram privados com a permuta efetuada.

Face ao exposto, atento o raciocínio demonstrado, seria contrário aos princípios vertidos na Constituição Fiscal, desconsiderar-se totalmente o montante pago no valor de € 230.000,00. Tanto porque fere o princípio da capacidade contributiva no cálculo do valor de aquisição, como posteriormente, fere o mesmo princípio, porque vai afectar a diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição que vão traduzir-se num apuramento desvirtuado do ganho obtido.

Deve colocar-se a questão da “ratio legis” da norma do Código do IMT ao abrigo da qual no caso de permuta de imóveis, o imposto apenas é devido pelo adquirente do imóvel de maior valor e apenas incide sobre o diferencial de valor entre os imóveis objeto de permuta. Parece evidente que, como qualquer regime de neutralidade o legislador não pretendeu, ao criar um regime de neutralidade em sede de IMT, proceder à eliminação do valor histórico de aquisição do imóvel para efeitos de IRS.

A interpretação da Autoridade Tributária implicaria que o contribuinte que recebe em permuta o imóvel de menor valor e, como tal não suporta qualquer IMT com essa aquisição, numa posterior alienação não teria qualquer valor de aquisição para efeitos de IRS apagando o valor de aquisição histórico, pelo numa futura alienação do imóvel o contribuinte seria tributado sobre a totalidade do valor de realização e não sobre o rendimento acréscimo.

Por outro lado, a decisão da Autoridade Tributária em considerar unicamente como encargo, para a determinação de mais-valias, as despesas imobiliárias e a do certificado energético no valor de € 47.471,85, desconsiderando as despesas incorridas com a prestação de serviços jurídicos, no valor de €4.480,00, parece-nos desadequada porque admite que o sujeito passivo tem uma capacidade contributiva que, na verdade, não tem.

Considera-se o papel dos advogados como sendo fulcral para a transmissão do direito de propriedade do imóvel em apreço não só porque realizaram as diligências necessárias à obtenção da documentação da fração como também ao pagamento dos serviços do Notário assim como, representaram os requerentes na referida venda.

As despesas enquadráveis, no âmbito da alínea a) do artigo 51º do CIRS são, antes de mais, aquelas necessariamente realizadas com vista à obtenção de um determinado rendimento, desde que conexas aos negócios de aquisição e alienação. Desse modo, em conformidade com o que foi estabelecido para as empresas de mediação imobiliária em Portugal, no Despacho 12/2008, entende-se que estando perante não residentes que estas despesas de serviços jurídicos devem ser equivalentes às remunerações pagas às mediadoras porque, são efetivamente conexas com a obtenção da mais valia e sem estes serviços a transação concreta que originou o rendimento não seria possível.

Não se conformam com o despacho de indeferimento proferido naquela reclamação graciosa.

Concluem, por isso, os requerentes pela ilegalidade da liquidação objecto do pedido arbitral, bem como do aludido despacho de indeferimento, pretendendo que seja anula a liquidação em causa ou, a título subsidiário, ser a mesma corrigida considerando-se como valor de aquisição € 336.725,81 €, devendo ser-lhes restituído o imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:

            A única matéria de facto controvertida respeita à despesa suportada com a prestação de serviços jurídicos, por não constar comprovada, quer em sede administrativa, conforme resulta do Processo Administrativo que se junta, quer na presente instância arbitral.

            O nº 1 do art. 46º do CIRS determina que o valor de aquisição a considerar no cálculo da mais-valia é o valor que serviu para efeitos de liquidação de IMT, mais se determinando no nº 2 daquele normativo legal que, não havendo liquidação de IMT, considera-se o valor que lhe serviria de base, caso fosse devido, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto.

            No caso dos autos, não houve lugar à liquidação de IMT em virtude de o reclamante ter aplicado o saldo da sua conta poupança-emigrante. Mas, caso fosse devido, o valor de IMT seria apurado nos termos da al. b) do nº 5 do art. 2º do CIMT, de harmonia com o qual “são sujeitas a IMT as permutas pela diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante o que for maior”.

            Não restam, pois, quaisquer dúvidas que caso o IMT fosse devido, o valor que serviria de base para o seu cálculo seria o valor de € 292.974,19, sendo esse o valor a considerar para efeitos de aquisição do referido prédio na determinação dos ganhos de mais-valias nos termos do nº 1 e 2 do art. 46º do CIRS.

            Resulta, pois, inequívoco, da conjugação do nº 2 do art. 46º do CIRS com a alínea b) do nº 5 do art. 2º do CIMT que a intenção do legislador foi a de eleger, para o que aos presentes autos interessa, a diferença de valores patrimoniais como o valor de aquisição a considerar para efeitos de cálculo da mais-valia obtida com a alienação do imóvel recebido na permuta.

            Dos montantes inscritos pelos Requerentes a título de despesas e encargos, foi desconsiderada a importância de € 4.480,00, alegadamente suportada com a prestação de serviços jurídicos, a qual não foi de todo o modo provada pelos Requerentes, por não ter sido exibido o respectivo documento comprovativo, quer em sede administrativa quer na presente instância arbitral, por se entender que a mesma não é susceptível de enquadramento na al. a) do art. 51º do CIRS.

Assim, relativamente às “despesas necessárias e efectivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação”, atente-se à letra da lei, donde resulta inequívoco que nem todas as despesas que se afigurem necessárias, em face das circunstâncias concretas de cada negócio, podem acrescer ao valor de aquisição, mas apenas as que são objectivamente necessárias, porque decorrem de uma exigência legal, e as que se afiguram inerentes ao negócio, porque consubstanciam uma contrapartida necessária do mesmo.

Ainda que, perante as circunstâncias concretas do negócio, se afigure necessário recorrer a apoio jurídico, essa prestação de serviços não tem enquadramento naquela previsão legal por não ser objectivamente necessária nem inerente à sua realização.

Mais do que isso, a prestação de serviços jurídicos constitui uma obrigação de meios que não depende da obtenção do resultado. Ou seja, os serviços de apoio jurídico são devidos quando prestados, ainda que a alienação não se concretize, donde resulta que os mesmos não podem ser considerados inerentes à alienação ora controvertida.

As prestações de serviços jurídicos não sendo objectivamente necessárias, porque não decorrem de uma exigência legal, nem sendo inerentes ao negócio, pois o seu pagamento não consubstancia uma contrapartida do negócio, não são susceptíveis de enquadramento naquele normativo legal.

Conclui, por isso, a requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pelo requerentes que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Por despacho de 26-07-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT e, com a anuência das partes, de apresentação de alegações.

 

 

II – Saneamento

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

8. Matéria de facto

8.1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos - tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT) - consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

  1. Os requerentes outorgaram, em 30-05-2014, escritura de compra e venda através da qual venderam, pelo preço de 640.000,00 €, a fracção autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano sito na …, …, união das freguesias de … e …, descrito na segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número … e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …;
  2. Fracção que havia sido por eles adquirida, em 04-07-2006, por permuta com as fracções A e CR, de que então eram proprietários, do prédio urbano denominado “…”, então da freguesia do … e nessa data inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … e descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o número …;
  3. Nessa escritura de permuta foi atribuído à fracção “R”, que os requerentes adquiriram, o valor de 450.000,00 € e às fracções “A” e “CR”, que entregaram, o valor de 220.000,00 €, pelo que, além destas fracções, os requerentes pagaram ainda a quantia de 230.000,00 €.
  4. Aquando da outorga da escritura de permuta os imóveis permutados tinham os seguintes valores patrimoniais:

- Fracção A: 7.823,93 €

- Fracção CR: 98.901,88 €

- Fracção R: 399.700,00 €

  1. Em resultado do contrato de permuta efectuado em 2006, os requerentes não declararam, na respectiva declaração de rendimentos, qualquer mais-valia;
  2. Os requerentes apresentaram, na qualidade de não residentes em território português, em 22-05-2015, declaração de rendimentos, onde declararam a mais-valia obtida com a aludida venda da fracção “R” ocorrida em Maio de 2014;
  3. Declaração de rendimentos que vieram a substituir por outra, em que declararam também rendimentos da categoria A;
  4. Na sequência de prévia “análise de divergências ao IRS de 2014”, a AT comunicou por e-mail, o seguinte:

- “Dos documentos recebidos, aceitam-se as despesas da imobiliária e do certificado energético, no total de 47.471,85 € mas a despesa da factura 2014…, de 4.428,00 da prestação de serviços jurídicos, não se enquadra no art. 51º do Código IRS. O valor de aquisição tem de ser de acordo com o art. 46º do Código do IRS, conjugado com a alínea b) do n.º5 do art. 2º do Código do IMT. No caso concreto, a maior diferença é a dos valores patrimoniais: a fracção R tinha VPT de 399.700,00 e as fracções A+CR tinham VPT de 106.725,81. A diferença é de 292.974,19 eur e será este o valor de aquisição.

  1. Em resultado do que os requerentes foram notificados da liquidação n.º 2016…, no valor de 51.589,62 €;
  2. Os requerentes apresentaram reclamação graciosa da referida liquidação, a qual mereceu despacho de indeferimento que lhes foi notificado, na pessoa do seu mandatário judicial, por carta registada com aviso de recepção, recepcionada no dia 29-11-2016;
  3. Os requerentes procederam ao pagamento do imposto em causa.

 

8.2. Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental, não impugnada, bem como do processo administrativo junto aos autos.

 

Não se seu por provado que os requerentes tenham despendido a quantia de 4.480,00 €, com a prestação de serviços jurídicos tendo em vista a transmissão do imóvel em causa.

 

 

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral e da resposta apresentada, a questão submetida a apreciação do tribunal cinge-se à determinação da mais valia resultante da alienação de imóvel efectuada pelos requerentes, no ano de 2014, que adquiriram, por permuta, no ano de 2006.

 

De acordo com o disposto no n.º 1, al a) do art. 10º do CIRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

 

O ganho sujeito a IRS é, de acordo com o disposto no n.º 4 do mesmo preceito, constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.

 

Se é consensual entre as partes que, para efeitos de determinação de mais-valia, o valor de realização resultante da aludida venda é de 640.000,00 €, face ao disposto na alínea f) do n.º 1 do art. 44º do CIRS, já o mesmo não sucede no que respeita ao valor de aquisição do mesmo.

 

Para esse efeito, dispõe o n.º 1 do art. 46º do CIRS que, tendo o imóvel sido adquirido a título oneroso, se considera como valor de aquisição o que tiver servido para efeitos de liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), concluindo o n.º 2 que, “não havendo lugar à liquidação de IMT, se considera o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de acordo com as regras próprias daquele imposto”.

 

Como se disse, o imóvel alienado pelos requerentes veio à sua esfera patrimonial por virtude de contrato de permuta.

 

Pese embora o contrato de permuta estivesse tipificado no primeiro código civil português – com a designação de “escambo” ou “troca” - não figura, no actual código civil, no elenco dos contratos que este expressamente prevê e regula, basicamente por se ter entendido “ser inútil essa regulamentação” [1].

 

Como se diz no Ac STJ de 9-10-2007 – Proc. 07A2761: O contrato de permuta, também denominado de troca ou escambo, é hoje um contrato atípico, inominado, já que não tem regulamentação específica na nossa lei, desde o Código Civil de 1966. No contrato de troca ou permuta, a regulação de referência há-de buscar-se, adaptadamente, no contrato de compra e venda”. [2]

 

E assim é na medida em que o contrato de permuta é um contrato oneroso, sendo-lhe subjacente, à semelhança do contrato de compra e venda, o carácter sinalagmático, constituindo o sinalagma de cada uma das transmissões a inversa aquisição que deriva precisamente da alienação feita pelo outro contraente.

 

Preliminarmente, há que esclarecer que, no caso, não houve lugar a liquidação de IMT apenas pelo facto de os requerentes terem aplicado o saldo da “conta poupança-emigrante” de que eram titulares e, nessa medida, terem beneficiado da isenção de pagamento de IMT prevista no, então vigente, DL 323/94, de 29 de Novembro.

 

Posto isto, há que aplicar o disposto no n.º 2 do art. 46º do CIRS quando determina que, não tendo havido liquidação de IMT, se tem de considerar “o valor que lhe serviria de base, caso fosse devida, determinado de harmonia com as regras próprias daquele imposto”.

 

Ora, de acordo com o disposto na al. b) do n.º 5 art. 2º do CIMT, no caso das permutas o IMT incide sobre a diferença declarada de valores ou pela diferença entre os valores patrimoniais tributários, consoante o que o for maior.

 

A este propósito a requerida faz uma interpretação do preceito em análise para concluir, sem reservas que, a ter existido liquidação de IMT, esta teria incidido sobre a diferença de valores patrimoniais (292.974,19 €), por ser superior à diferença de valores declarados (230.000,00 €).

 

Para daí extrair a conclusão que é aquele valor – 292.974,19 € - a considerar como valor de aquisição, para determinação do ganho de mais-valia, por aplicação do n.º 2 do art. 46º do CIMT.

 

Por sua vez, os requerentes consideram que a leitura da AT de que é aplicável o disposto na alínea b) do n.º 5 do art.º 2.º do CIMT não tem qualquer cabimento no normativo acima mencionado – art.º 46.º n.º 1 do CIRS, concluindo que tal interpretação é redutora e não tem em atenção a mencionada substância económica do negócio, que foi considerada como justa para ambas as partes e assim o contrataram.

 

Vejamos então.

 

Contrariamente ao que alegam os requerentes, não pode deixar de aplicar-se ao caso o disposto no referido art. 2º, n.º 5, b) do CIMT, face ao que dispõem os n.º 1 e 2 do art. 46º do CIRS.

 

Cremos, todavia, que nenhuma das partes faz uma devida interpretação do disposto no CIMT a propósito da liquidação desse imposto nos contratos de permuta.

 

De acordo com o art. 12º, n.º 4, regra 4ª do CIMT, “nas permutas de imóveis, toma-se para base da liquidação a diferença declarada de valores, quando superior à diferença entre os valores patrimoniais tributários”.

 

A solução há-de, por isso, ser encontrada na redacção do preceito quando se refere a “diferença declarada de valores”. O que não é sinónimo de diferença de valores declarados.

 

Ora, a conclusão da requerida parece sustentar-se na diferença de valores declarados o que não é que a lei estabelece.

 

Já a propósito do que estipulava o art. 19º § 3, regra 8ª do CIMSISD – que a regra 4ª do n.º 4 do art. 12º do actual CIMT replica - diziam F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes – CIMSISD anotado, pag. 114, comentário 3.1: “realmente, é flagrante o facto de na regra 8ª do § 3º do artigo 19º se mencionar, expressamente, a «diferença declarada de valores», fórmula que não tem o significado de «diferença de valores declarados»; ora esta circunstância é digna da maior atenção, evidente, como é, a cada passo, o escrúpulo e rigor de que vem impregnada a linguagem do Código”.

 

Entendem, a propósito do CIMT, mantêm Silvério Mateus e Corvelo de Freitas – Os Impostos sobre o Património Imobiliário, pag. 418: “Saliente-se que para efeitos de liquidação o que tem de ser declarado pelos permutantes é aquela diferença de valores e não o valor de cada um dos lotes permutados, conforme decorre da literalidade da norma. Esta opção do legislador não traduz mera opção terminológica. Ela tem na sua base o facto de, nas permutas, o preço ser constituído não só pela coisa permutada como pela parte em dinheiro ou outros valores ou bens móveis com ela dada em troca”.

 

É, aliás, esse o sentido do Ofício Circular A-2/60, de 18 de Maio, reportado ao imposto de sisa, não existindo qualquer razão válida para se alterar o respectivo entendimento.

 

Daqui se conclui que por “diferença declarada de valores” se deve entender, não a diferença de valores declarados, ou seja, a diferença entre os valores atribuídos aos bens imóveis, mas sim o dinheiro, bens móveis ou outros valores que venham a ser entregues por um dos permutantes ao outro e que deverão integrar o conceito amplo de valor do acto ou contrato declarado para efeitos de liquidação do IMT.

 

Outra não poderia, aliás, ser a conclusão uma vez que o IMT “tributa a riqueza efectivamente transmitida e por ser assim é que o mesmo incide sobre o valor real do imóvel transmitido na data da celebração do negócio” [3].

 

Posto isto, há que concluir que, a ter havido liquidação de IMT no contrato de permuta através do qual os requerentes adquiriram, em 2006, o imóvel alienado em 2014, aquela teria tido como valor tributável o montante de 230.000,00 € (quantia então paga em dinheiro pelos requerentes).

 

Isto, sem prejuízo de ali se considerar que ao imóvel então adquirido foi atribuído o valor de 336.725,81 € (resultante da soma dos valores patrimoniais dos imóveis entregues pelos requerentes, com o valor global de 106.725,81 €, e da quantia paga em dinheiro, de 230.000,00 €)[4], embora o valor tributável – por estar em causa uma permuta – ser apenas o correspondente ao dinheiro pago.

 

Valor esse que deve ser considerado como o de valor de aquisição suportado pelos requerentes tendo em vista a obtenção do valor de realização de 640.000,00 €.

 

Aliás, do n.º 1 do art. 46º do CIRS não resulta que o valor de aquisição tenha de corresponder ao valor tributável em sede de IMT. Pelo contrário, o que aí se exige é que seja tido em consideração o valor do imóvel que serviu de base para determinação do valor tributável sujeito a IMT e de que resultou – ou teria resultado, se tivesse existido – a respectiva liquidação.

 

O que, aliás, dentro princípio da unidade do sistema tributário, valida o entendimento de se considerar a tributação do rendimento com a obtenção de uma mais-valia como um acréscimo patrimonial, por assimilação do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal.

 

Conclusão que vai ao encontro do pedido alternativo dos requerentes formulado ao abrigo do disposto no art. 553º do CPC que, desse modo, deve proceder.

 

Pretendem ainda os requerentes que se considere o valor da despesa que pretensamente suportaram com a prestação de serviços jurídicos conexos com a transacção do imóvel em causa.

 

Pese embora se adiante que propendemos a não considerar tais despesas como integrantes das previstas na alínea a) do art. 51º do CIRS, o certo é que não se deu por provado que tais despesas tenham sido suportadas, pelo que, sem necessidade de outras considerações, improcede o pedido neste ponto.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além do reembolso do imposto, pretendem os requerentes que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Pelo que assiste aos requerentes o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto, nos termos decorrentes do atrás exposto.

 

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, relativa ao ano de 2014, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, sendo de admitir como valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia tributável o valor de 336.725,81 €, improcedendo o demais peticionado.
  2. Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a reembolsar os requerentes do montante do correspondente imposto relativamente à referida liquidação, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.
  3. Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção de 70% pela requerida e 30% pelos requerentes.

 

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 51.589,62 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Outubro de 2017

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

(António Alberto Franco)

 



[1]     CC anotado – Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. II – 3ª ed. Pag. 256.

[2]     O contrato de permuta não vem disciplinado no Código Civil, mas dada a sua natureza de contrato oneroso, é regulado nos termos das disposições relativas ao contrato de compra e venda, por força do artigo 939 do Código Civil (Ac STA 22-6-1995 – Proc 086619).

[3]     Ac STA de 27-01-1999 – Proc 022537.

[4]     Com dizem P. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, op cit: “ora como a determinação da matéria colectável da sisa passou a fazer-se pelo preço, como afirma o relatório do Código, é através de quanto o constitua – e, portanto, nas trocas, não só a coisa permutada como o que seja pago além dela – que há-de encontrar-se a base para tributação”..