Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 169/2017-T
Data da decisão: 2017-10-17  IVA  
Valor do pedido: € 237.770,49
Tema: IVA - competência do Tribunal Arbitral - cumulação de pedidos - prestação de serviços de medicina dentária - renúncia à isenção; reenvio prejudicial.
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Decisão Arbitral

 

 

I - RELATÓRIO

 

A…, Ldª., B…, Ldª. e C…, Ldª. contribuintes fiscais nºs …, … e …, respectivamente, todas com sede no Porto, apresentaram, em 10/03/2017, pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nºs 1 e 2, ambos do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de nulidade de um acto de indeferimento tácito de recurso hierárquico e anulação das liquidações de IVA e correspondentes juros compensatórios, com referência aos anos de 2012 a 2015 abaixo identificadas.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Colectivo foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 14/03/2017.

Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificada às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

Em 11/05/2017 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados dos artigos 11º, nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico.

O tribunal arbitral colectivo ficou constituído em 26/05/2017, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 22º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

Em 03/07/2017 a Requerida apresentou a sua resposta e em 13/09 seguinte juntou o processo administrativo.

Por despacho arbitral de 07/07/2017 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, convidando-se as partes a apresentarem, por escrito, as suas alegações.

As Requerentes, com data de 13/07/2017, responderam às excepções e questões prévias suscitadas pela AT, tendo-se igualmente pronunciado sobre o tema do reenvio prejudicial e formulado as suas alegações.

Em 15/09/2017, a AT contra-alegou.

Foi proferido despacho arbitral, em 26/09/2017, indicando como prazo limite para notificação da decisão arbitral o dia 26/10/2017.

 

A fundamentar os seus pedidos, as Requerentes invocam, em síntese, serem sociedades que se dedicam à actividade de medicina dentária e conexas, tendo-se, inicial ou posteriormente, enquadrado no regime normal de IVA de periodicidade mensal.

Consideram que, enquanto prestadoras de serviços de saúde em regime ambulatório, realizados em estabelecimentos que para tal detêm, estão abrangidas pela isenção prevista no nº 2 do artigo 9º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), sendo-lhes permitido renunciar a ela nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 12º do mesmo diploma.

São, consequentemente ilegais as liquidações impugnadas, que assentaram no entendimento de que lhes não era facultado o direito a renunciar àquela isenção, sendo-lhes devidos, além do mais, juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43º e 100º da Lei Geral Tributária (LGT) e 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

 

A AT sustenta a incompetência material do tribunal arbitral por entender estar em causa o reconhecimento de um direito em matéria tributária - o direito à renúncia à isenção de IVA -, defende que é ilegal a cumulação de pedidos, pugna pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça, e pretende, em sede de impugnação, a sua absolvição do pedido de pronúncia arbitral, pois a actividade desenvolvida pelas Requerentes (medicina dentária e odontologia) enquadra-se no nº 1 do artigo 9º do CIVA, e não no seu nº 2, inexistindo, consequentemente a possibilidade de renúncia à isenção ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do CIVA, já que tal possibilidade só é atribuída aos sujeitos passivos isentos nos termos do nº 2 do artigo 9º.

 

 

II – SANEAMENTO

 

- questão da incompetência material do tribunal arbitral tributário

 

As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, tendo a sua apreciação carácter prioritário, pelo que importa começar por apreciar a da incompetência material do tribunal suscitada pela Requerida.

A AT diz, em súmula, que vem pedido que o tribunal aprecie a legalidade dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA, ao abrigo do previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 12º do CIVA; ora, os actos de liquidação adicional de IVA efectuados deverão ser qualificados como actos consequentes, pois estão numa relação de dependência substancial do reconhecimento ou não do direito por parte das Requerentes àquela renúncia.

Entende a AT que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para conhecer se as Requerentes têm ou não direito de renúncia à isenção, já que o âmbito da sua competência não contempla a possibilidade de apreciação de pedidos tendentes ao reconhecimento de direitos em matéria tributária, como se extrai do nº 1 do artigo 2º do RJAT e dos nºs 2 e 4, alínea b) do artigo 124º da Lei nº 3-B/2010, de 28 de Abril.

Para as Requerentes, a excepção improcede, porquanto a competência dos tribunais arbitrais tributários é definida em função do tipo de acto objecto da pretensão dos contribuintes e não das questões que é necessário apreciar para decidir da legalidade desses actos.

 

Esta questão, em situações como a presente, foi submetida à jurisdição arbitral em vários processos, entre eles os nºs 168/2015-T, 782/2015-T, 788/2015-T, 789/2015-T, 160/2016 -T e 687/2016 -T.

Como consta da decisão proferida no processo nº 168/2015-T, depois acolhida nos seguintes, “ A Portaria nº 112-A/2011, relativamente aos actos enquadráveis indicados no artigo 2º, apenas afastou do âmbito da vinculação da Administração Tributária, em matéria não aduaneira, as pretensões relativas a actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidas de recurso à via administrativa e as pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.

É manifesto que não se está perante qualquer das situações em que a Portaria nº 112-A/2011 afasta a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, pelo que a competência tem de ser aferida apenas à face do CPPT.

Como se vê pelo artigo 2º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD foi definida pelo RJAT apenas tendo em atenção a tipo de actos que são objecto das pretensões dos contribuintes e não em função do tipo de questões que é necessário apreciar para decidir se os actos são legais ou ilegais.

Não há, designadamente, qualquer proibição de apreciação de matérias relativas à verificação dos pressupostos do direito de renúncia à isenção de IVA ou quaisquer outras questões de legalidade relativas aos actos dos tipos referidos no artigo 2º do RJAT. Uma liquidação de imposto que parte da desconsideração de uma isenção ou de uma renúncia a isenção não deixa de ser um acto tributário de liquidação. E a pretensão de apreciação da legalidade ou da ilegalidade dessa desconsideração subjacente a um acto de liquidação não deixa, portanto, se ser a apreciação de uma pretensão relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, em que se materializa essa desconsideração.

Assim, no processo arbitral à semelhança do que sucede no processo de impugnação judicial, pode, em regra, ser imputada aos actos de liquidação qualquer ilegalidade, como decorre do artigo 99º do CPPT, subsidiariamente aplicável.

Só não será assim nos casos em que a lei preveja a impugnabilidade autónoma de actos administrativos que são pressuposto dos actos de liquidação, sendo só nessa medida que fica afastada a apreciação da legalidade dos actos de liquidação em todas as vertentes.

Mas, para haver essa impugnação autónoma, é necessário que haja algum acto administrativo em matéria tributária, pois a impugnabilidade reporta-se a actos e não a posições jurídicas assumidas explícita ou implicitamente como pressupostos dos actos de liquidação mas não materializada em actos tributários autónomos.

Os actos consequentes, de que fala a Autoridade Tributária e Aduaneira, são consequentes de outros actos tributários ou administrativos anteriores e, no caso em apreço, não há noticia de que tenha sido praticado qualquer acto administrativo apreciando se a Requerente tem ou não direito a renunciar à isenção de IVA.

Isto é, para haver limitação à impugnabilidade dos actos de liquidação impugnados, teria de ser praticado, anteriormente, algum acto administrativo que fosse pressuposto destes actos de liquidação, o que não sucedeu no caso em apreço.

Por isso, sendo actos de liquidação lesivos dos interesses da Requerente e sendo os únicos actos praticados pela administração tributária sobre a situação neles apreciada, tem de ser assegurada a sua impugnabilidade contenciosa com fundamento em qualquer ilegalidade, como decorre do princípio da tutela judicial efectiva, consagrado nos artigos 20º, nº 1 e 268. nº 4 da CRP.

Por outro lado, quando não há qualquer acto autonomamente impugnável anterior a um acto de liquidação versando sobre os seus pressupostos, pode “ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida “ (parte final do artigo 54º do CPPT), pelo que todas as questões relativas à legalidade dos actos de liquidação podem ser apreciadas nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, como decorre da alínea a) do nº 1 do artigo 97º e do artigo 99º do mesmo Código.

Na verdade, nos tribunais tributários, mesmo quando, tendo sido praticados actos de liquidação, se estiver perante uma situação em que poderia ser mais útil para o contribuinte o uso da acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo (por possibilitar, para além da apreciação da legalidade de actos a definição para o futuros dos direitos do contribuinte), o uso da acção em vez da impugnação judicial é um mera faculdade, como decorre do próprio texto do artigo 145º, nº 3, do CPPT, ao dizer que “as acções apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido”.

Isto é, o que se prevê nesta norma é limitação ao uso da acção e não limitação ao uso do processo de impugnação judicial.

Com efeito, é manifesto que o processo de impugnação judicial inclui a possibilidade de reconhecimento de direitos em matéria tributária, como o são o direito à anulação ou declaração de nulidade de liquidações, o direito a juros indemnizatórios e o direito a indemnização por garantia indevida, pelo que o facto de estar em causa o reconhecimento de direitos não é obstáculo à utilização de impugnação judicial.

Assim com refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo o processo arbitral tributário sido criado como alternativa ao processo de impugnação judicial, é de concluir que não há obstáculo a que a legalidade dos actos de liquidação em causa neste processo seja apreciada por este Tribunal Arbitral, pois nos tribunais tributários essa legalidade poderia ser apreciada em processo de impugnação judicial”.

Pelas razões transcritas, que inteiramente se subscrevem, improcede a excepção de incompetência material do tribunal arbitral.

 

- questão da ilegal cumulação

 

O facto de o tribunal ser competente para o pleito não basta para que possa prosseguir-se na sua apreciação.

Em regra, por razões funcionais, a cada pretensão, fundada numa ou várias causas de pedir, corresponde uma acção. De outro modo os processos poderiam atingir excessiva complexidade e prejudicar uma justiça correcta e tempestiva.

Mas há casos em que se admite que, na mesma acção, se cumulem várias pretensões. No caso das impugnações de actos tributários de liquidação, é admissível que se submetam à apreciação do tribunal vários desses actos, desde que “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”, como estabelece, para o caso dos tribunais arbitrais tributários, o nº 1 do artigo 3º do RJAT.

Valem aqui razões de celeridade, de economia de meios, de evitação de contradição de julgados e de propiciação de mais fácil acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efectiva.

Importa saber se o nosso é um destes casos.

            A Requerida sustenta que, neste processo, é ilegal a cumulação de impugnações.

Fá-lo, porém, com manifesta infelicidade, aparentando que incorreu em lapso ao tratar deste caso concreto, usando de uma fundamentação que aqui não tem cabimento.

Na verdade, a AT refere-se a um imposto – o IUC – que não está aqui em causa, pois do que se trata é de IVA, e a um circunstancialismo de facto que não é o invocado pelas Requerentes. Veja-se o que a (des)propósito escreve:

“Ainda que se possa alvitrar que os procedimentos factuais possam ser transversais a todas as liquidações, o que é certo é que estamos perante situações fácticas díspares consubstanciadas em: (i) veículos diferentes; (ii) com datas de transmissão diferentes; (iii) fundamentos de transmissão diferentes; (iv) fundamentos de tributação diferentes; e (v) proprietários diferentes”.

“Nos parágrafos 42° a 67°, a Requerente expõe a fundamentação de facto referente às situações em que os veículos foram alienados;

Nos parágrafos 68° a 77°, a Requerente expõe a fundamentação de facto referente às situações em que está em vigor um contrato de locação financeira sobre os veículos;

Nos parágrafos 78° a 81°, a Requerente expõe a fundamentação de facto respeitante às situações de perda total dos veículos.

E finalmente, nos parágrafos 82° a 89°, a Requerente expõe a fundamentação de facto respeitante às situações de contratos de locação financeira que se encontram em incumprimento.

Nos cinco quadros factuais descritos, a procedência do pedido não depende, essencialmente, das mesmas circunstâncias de facto”.

E daí o pedido formulado, de absolvição da instância.

Porém, como se disse, os actos impugnados são liquidações adicionais de IVA, assentes num quadro factual apurado pela AT em acções inspectivas, idêntico em todos os casos, e os princípios e regras de direito a considerar são, também, em todos os casos, os mesmos, como claramente flui do pedido arbitral formulado.

 

Conclui-se, pois, pela legalidade da cumulação de liquidações, à luz do citado artigo 3º nº 1 do RJAT.

 

- questão do reenvio prejudicial

 

Trataremos, já, desta questão porque, a procederem as razões da Autoridade Tributária, a instância não poderá prosseguir, impondo-se a sua suspensão para consulta prévia ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos dos artigos 267º do Tratado de Funcionamento da União Europeia e 23º do Estatuto do TJUE.

Diz a AT:

“Estando os actos de liquidação adicional de IVA, pendentes de apreciação nesta instância arbitral, numa relação de dependência do reconhecimento ou não do direito da ora Requerente à renúncia à isenção de IVA (como atrás ficou referido), e não existindo na jurisprudência comunitária qualquer decisão susceptível de aplicação directa aos presentes autos, solicita-se, desde já, que seja ordenado o reenvio do processo ao TJUE, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE, para efeitos de definir o recorte da renúncia ao referido regime de isenção.

Na verdade, toda a jurisprudência do TJUE, com alguma similitude ao caso dos presentes autos, resultou de casos que se situam numa posição antagónica ou, se quisermos, numa posição em espelho face à situação dos presentes autos.

Efectivamente, nesses casos, os visados pretendiam antes beneficiar da isenção relativamente à prestação de serviços médicos, quando as administrações fiscais respectivas pretendiam a sua sujeição/tributação.

Há pois, em nosso entender, que averiguar se o conceito de “condições sociais análogas” deve aferir-se tendo em atenção se tal “implica ou não uma violação do princípio da igualdade de tratamento relativamente aos outros operadores que efectuam as mesmas prestações em situações comparáveis”, v.p.t. Acórdão Dornier, Processo C-45/01, de 6 de Novembro de 2003.  

Assim, se o recorte do direito à renúncia não tem uma definição precisa e concreta, então mais perto se está do regime regra (regime da isenção), tendo em conta a interpretação que o Tribunal de Justiça da EU tem vindo a efectuar nos casos que lhe têm sido submetidos”.

 

A questão foi já colocada, nos mesmos termos, no processo arbitral nº 682/2016-T, que tratou de um caso similar.

Apoiando-se nos anteriores acórdãos do CAAD nos processos nºs 315/2015-T e 782/2015- T, e transcrevendo parte da decisão tirada no processo nº 315/205-T, aí se lê:

“(…) o reenvio prejudicial para o referido Tribunal, não se deverá dar quando:

  1. já exista jurisprudência na matéria (e quando o quadro eventualmente novo não suscite nenhuma dúvida real quanto à possibilidade de aplicar essa jurisprudência ao caso concreto); ou
  2. quando o modo correcto de interpretar a regra jurídica em causa seja inequívoco.

Consequentemente, continua-se no ponto 13., “um órgão jurisdicional nacional pode, designadamente quando se considere suficientemente esclarecido pela jurisprudência do Tribunal, decidir ele próprio da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação factual de que conhece.

Por fim, conforme consta do ponto 18, das mesmas recomendações, “O órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal um pedido de decisão prejudicial, a partir do momento em que considera que uma decisão sobre a interpretação ou a validade é necessária para proferir a sua decisão”

No caso, não se considera que uma decisão sobre a interpretação das normas comunitárias seja necessária para proferir nem a Requerida o demonstra, não tendo, sequer, apresentado qualquer questão concreta que o demonstre.

Por outro lado, e como se verá infra, entende-se que a Jurisprudência disponível do TJUE esclarece suficientemente, em termos de se poder decidir da interpretação correta do direito da União e da sua aplicação à situação fatual de que se conhece.”

Na verdade, a consulta ao TJUE, obrigatória em determinados casos, não o é naqueles em que o tribunal nacional não tenha dúvidas sobre a interpretação das normas de direito comunitário aplicáveis, seja porque as entende inequívocas, seja porque considera que anteriores pronúncias do tribunal da União as clarificaram já, e não necessariamente em casos concretos semelhantes.

Não deve esquecer-se que o aplicador do direito da União e, consequentemente, o seu intérprete, é em primeira linha, o juiz nacional, que não pode desobrigar-se da sua tarefa apelando ao TJUE em casos em que tal se não justifica.

 

Eis porque não é de acatar a sugestão da AT de proceder ao reenvio prejudicial ao TJUE.

 

Concluindo:

O tribunal é o competente e está regularmente constituído, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e acham-se devidamente representadas (artigo 3º, 6º e 15º do CPPT, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT), o processo não enferma de nulidades, e não há outras excepções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.

 

 

III – APRECIAÇÃO

 

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

A) As Requerentes são sociedades colectadas para o exercício, em consultórios e clínicas de que para o efeito dispõem, sem internamento, da actividade de medicina dentária e odontologia (CAE 086230).

B) A Requerente A… iniciou a sua actividade em 27/01/2007, tendo apresentado, em 26/01/2007 Declaração de Inicio de actividade junto do … Serviço de Finanças do Porto, assinalando que iria efectuar “transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem direito à dedução”.

C) A Requerente A… não assinalou a prática de operações “isentas que não conferem direito à dedução”, nem preencheu o quadro “opção por regime de tributação (IVA)”.

D) A Requerente B… iniciou a sua actividade em 28/08/96 e gozou de isenção de IVA até 08/10/2012, data em que apresentou declaração de alterações declarando ir realizar operações isentas que conferem direito à dedução, optando pelo regime de tributação normal.

F) A Requerente C… iniciou a sua actividade em 04/11/99, beneficiando de isenção de IVA até 02/11/2012, data em que apresentou declaração de alterações em que declarou ir realizar operações isentas que não conferem direito à dedução, optando pelo regime de tributação normal em IVA.

G) Para efeitos de IVA as Requerentes estão enquadradas no regime normal de periodicidade trimestral.

H) As Requerentes foram objecto de procedimentos inspectivos de natureza externa, de âmbito geral, com referência aos períodos de 2013 a 2015.

I) Na sequência da referidas acções inspectivas as Requerentes foram notificadas dos correspondentes relatórios, dos quais consta a fundamentação das liquidações impugnadas, e cujos teores aqui se dão por reproduzidos.

J) Os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral resultaram da referidas acções inspectivas.

K) As liquidações adicionais de IVA efectuadas à Requerente A… e referentes aos anos de 2013 a 2015 montam a € 160.301,10, acrescidos de € 15.788,42 de juros compensatórios.

L) As liquidações adicionais de IVA efectuadas à Requerente B… e referentes aos anos de 2013 a 2015 montam a € 16.778,62, acrescidos de € 2.106,11 de juros compensatórios.

M) As liquidações adicionais de IVA efectuadas à Requerente C… e referentes aos anos de 2012 a 2014 montam a € 40.706,10, acrescidos de € 2.090,40 de juros compensatórios.

N) A Requerente C… deduziu reclamação graciosa, que foi indeferida, interpondo de tal indeferimento recurso hierárquico em 12/10/2016, o qual não foi objecto de decisão.

O) A Requerente A… pagou, ao abrigo do decreto-lei nº 67/2016, € 397,06 relativamente a custas, em 15 de Novembro de 2016, € 13.523,85, em 23 de Dezembro de 2016, e € 4.507,95 em 20 de Fevereiro de 2017, ao abrigo do referido plano de pagamento em prestações.

P) A Requerente B… pagou as quantias liquidadas dentro do prazo para pagamento voluntário.

Q) A Requerente C… pagou as quantias liquidadas dentro do prazo para pagamento voluntário.

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Com relevo para a decisão, inexistem factos não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria dada como provada e não provada

 

Foram tidas em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos e o PA anexo.

 

B – MATÉRIA DE DIREITO

 

O IVA foi concebido como um imposto neutro, querendo com isto significar-se que, embora incida sobre todas as operações de aquisição de bens e de serviços, não onera os vários intervenientes na cadeia, porquanto eles, embora obrigados a liquidar IVA nas operações que efectuam, podem recuperar o imposto suportado a montante, de tal modo que só o último da cadeia, em princípio, o consumidor final, suporta, efectivamente o IVA.

Há, porém, excepções, que, por isso que se trata de excepções, provocam uma distorção no sistema.

Entre elas avultam as isenções, criadas com a intenção de beneficiar certos sectores de actividade que, pela função que desempenham, forma entendidos como merecedores de um regime especial.

Os casos de isenção não se confundem com os de não incidência de imposto.

Nestes últimos, não há lugar a IVA, ou porque falta um dos elementos tipificadores do imposto ou porque sobeja um elemento negativo que afasta a tributação. As operações sobre as quais não incide IVA estão fora do sistema, não consubstanciam um facto tributário para efeitos de IVA.

Quando se fala de isenções, fala-se de casos em que a norma de incidência encontra o seu natural campo de aplicação, mas esta é postergada pela regra excepcional que afasta a tributação, em consideração de factores de natureza política económica ou social – no caso vertente, actividades conexas com a saúde, que visam a sua manutenção e/ou recuperação - que o legislador entendeu merecedoras do regime de isenção. Por outras palavras, há lugar a IVA, porque ocorrem os elementos tipificadores do facto tributário, mas há, também, uma dispensa dele, não se atribuindo eficácia à norma de incidência.

Há isenções completas e incompletas, também ditas simples, ou parciais. Nestas últimas o sujeito passivo beneficiário está dispensado de liquidar imposto nas operações activas mas fica onerado com uma contrapartida: não pode deduzir o suportado nas aquisições de bens e serviços efectuadas a montante, ao contrário do que sucederia se se enquadrasse no regime normal (de não isenção).

Nestes casos, de isenções parciais, pode estar-se perante um presente envenenado: o beneficiário da isenção não liquida imposto e, portanto, a sua actividade é beneficiada, porque os bens e serviços que transacciona podem ser colocados mais baratos, ao não integrarem IVA. Mas, por outro lado, não lhe sendo permitido recuperar o imposto que suportou nas aquisições que fez, imposto esse que, tendencialmente, vai incorporar no preço dos bens e serviços que vende ou presta, pode acontecer que tais bens ou serviços, acabem por sair mais caros do que os comercializados pelos operadores que não gozem de isenção.

É por isto que, em alguns casos, o beneficiário do regime de isenção não está obrigado a aceitar o benefício, podendo renunciar a ele, como adiante se verá.

 

As isenções nas operações internas estão previstas no artigo 9º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), que dispõe, com interesse para o caso em apreço:

“Estão isentas do imposto:

1. As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédica;

2. As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

O artigo 9º do CIVA transpôs o artigo 132º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, aonde se lê que

“Os Estados-Membros isentam as seguintes operações:

(…);

“b) a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”;

“c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.

 

A primeira questão a decidir, no caso que nos é submetido, consistiria, pois, em saber se as Requerentes gozam da isenção de IVA consagrada no artigo 9º do CIVA.

Na verdade, tal questão não se coloca, porque quer as Requerentes quer a Requerida confluem no mesmo sentido: as Requerentes, cabem na previsão do artigo 9º do CIVA, achando-se isentas de IVA.

 

Já uma segunda questão se deve apreciar, porque sobre ela não há confluência de posições. Consiste ela em definir se a isenção indiscutida é a prevista no nº 1 do artigo 9º se a consagrada no seu nº 2.

O ponto é relevante porque do que sobre ele se decida depende a possibilidade de renúncia à isenção, conforme flui do artigo 12º do CIVA, que adiante consideraremos.

 

Viu-se já que o direito europeu permite aos Estados isentar, quer “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”, quer “as prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa”.

Internamente, estão isentas “as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas”, e “as prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares”.

As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas, podem ser efectuadas em qualquer lugar, incluindo o domicílio, do profissional ou do paciente, sem intermediação de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares não são efectuadas directamente pelos profissionais ao paciente, nem os profissionais as facturam a este. Os profissionais de saúde vendem os seus serviços ao estabelecimento, e é este quem os fornece e factura aos pacientes.

No que respeita ao conceito de prestações de serviços médicos, o entendimento do TJUE, designadamente no acórdão de 14/09/2000, tirado no processo C-384/98, é o de que se consideram como tais as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde. No acórdão de 10.06.2010 o mesmo TJUE, no Processo C-262/08, o mesmo tribunal considera com que têm a natureza de prestações de serviços médicos as atividades destinadas a impedir, evitar ou prevenir uma doença, uma lesão ou anomalias de saúde, ou a detetar doenças latentes ou incipientes.

Ora, as Requerentes prestam, em consultórios e clínicas – e não em outro qualquer local -, serviços de medicina dentária e odontologia, aí realizando também exames complementares de diagnóstico, pelo que beneficia da isenção obrigatória prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.

A sua actividade é enquadrável no número 2 e não no número 1, pois este último define o seu âmbito de aplicação, apenas, pela natureza das prestações, sem se preocupar com a natureza jurídica do prestador, enquanto que o nº 2 atende a essa natureza, exigindo que se trate de estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

As Requerentes não são, elas mesmas, médicas, odontologistas, nem profissionais paramédicos e, daí, os serviços que prestam não se consubstanciam directa e imediatamente no exercício dessas profissões.

Antes, o que elas fazem, é dispor de estabelecimentos especificamente dedicados (e, necessariamente, equipados) a essa prestação. Os serviços são prestados por estabelecimentos, (naturalmente executados, interpretados e intermediados por profissionais de saúde), mas não por esses profissionais de saúde, directamente ao paciente, no exercício das suas profissões.

O facto de os serviços prestados pelas Requerentes o serem em regime ambulatório, não incluindo, em nenhum caso, internamento hospitalar, é irrelevante, pois tal internamento não constitui exigência nem da lei comunitária nem da nacional – designadamente, não é factor de exclusão da previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA ou (menos ainda) de inclusão na do seu nº 1.

Note-se que mesma linha de pensamento se encontra espelhada no acórdão proferido pelo TJUE, caso L.u.P. (de 8 de Junho de 2006, no processo n.º C-106/05), esclarecendo que «O artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, (...) deve ser interpretado no sentido de que análises clínicas que tenham por objecto a observação e o exame dos pacientes a título preventivo, que sejam efectuadas, como as que estão em causa no processo principal, por um laboratório de direito privado externo a um estabelecimento de assistência médica sob prescrição de médicos generalistas, são susceptíveis de ser abrangidas pela isenção prevista por essa disposição enquanto cuidados médicos dispensados por outro».

Neste acórdão L.u.P., o TJUE entendeu que «uma vez que as análises clínicas são abrangidas, tendo em conta a sua finalidade terapêutica, pelo conceito de «assistência médica» previsto no artigo 13.°, A, n.º 1, alínea b), da Sexta Diretiva, um laboratório como o que está em causa no processo principal deve ser considerado um estabelecimento da «mesma natureza» que os «estabelecimentos hospitalares» e os «centros de assistência médica e de diagnóstico» na acepção dessa disposição» (ponto 35).

Note-se que o TJUE tem insistido que as isenções são conceitos autónomos de direito europeu, (entre outros VDP Dental Laboratory, C-401/05 de 14-12-2006, n.º 44), o que tem por consequência que a interpretação destas normas deve assentar nos seguintes princípios: «por um lado o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços e cada entrega de bens efectuada a título oneroso por um sujeito passivo; E, por outro lado, o princípio da neutralidade fiscal opõem-se a que os operadores económicos que efectuam as mesmas operações sejam tratados de forma diferente em matéria de cobrança de IVA» (vide, acórdão Cimber Air, C-382/02 de 16-09-2004).  

Ora, é suficientemente clara nesta matéria a jurisprudência comunitária, no sentido de que, a isenção prevista na alínea b) do artigo 132º da Directiva abrange os serviços prestados por entidades dos tipos das Requerentes, independentemente de a prestação ocorrer ou não em meio hospitalar, - aliás o n.º 2 do artigo 9.º do Código do IVA alude expressamente a entidade qualificadas como “clínicas” ou “dispensários” -  e de implicar ou não o respectivo internamento, pois tal interpretação defendida pela AT, que associa o cuidado de saúde à necessidade de internamento, não encontra apoio no texto normativo, quer da Directiva quer do Código do IVA.

O artigo 12º do CIVA diz-nos que “podem renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações (…) os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, não pertencentes a pessoas colectivas de direito público ou a instituições privadas integradas no sistema nacional de saúde, que efectuam prestações de serviços médicos e sanitários e operações com elas estreitamente conexas”.

Não permite que renunciem à isenção os prestadores de serviços que não sejam os estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.

Em súmula conclusiva: as Requerentes estão abrangidas pela previsão do nº 2 do artigo 9º do CIVA e pela alínea b) do artigo 132º da Directiva citada, podendo renunciar à isenção nos termos do artigo 12º do CIVA, já que efectuam prestações de serviços médicos e operações com elas estreitamente conexas, de acordo com a alínea b) do nº 1 do artigo 12º do CIVA.

 

De acordo com esta última norma, “o direito de opção é exercido mediante a entrega, em qualquer serviço de finanças ou noutro lugar legalmente autorizado, da declaração de início ou de alterações, consoante os casos, produzindo efeitos a partir da data da sua apresentação”.

Ou seja, para ficarem abrangidas pelo regime geral, de não isenção, as Requerentes hão-de fazer essa opção.

Opção que se não presume (o que mal se quadraria com o carácter obrigatório do regime de isenção), devendo ser expressa em termos claros, inequívocos, de modo consciente, também para que a Administração conheça, sem dúvidas, a escolha do sujeito passivo. É que, a partir do momento em que ele afirma querer enquadrar-se no regime geral de tributação, deve proceder à liquidação do imposto nas operações por si praticadas, e pode deduzir o imposto suportado a montante.

Não existe, todavia, nem no direito comunitário, nem no interno, norma que especifique os precisos termos em que deve ser feita a opção, para além da já transcrita, que diz ser o direito de opção exercido mediante a entrega da declaração de início ou de alterações.

Ou seja, é numa dessas declarações que o sujeito passivo deve optar.

No caso que nos ocupa, a Requerente A…, quando apresentou declaração de inicio de actividade, assinalou que iria efectuar “transmissões de bens e/ou prestação de serviços que conferem direito à dedução”.

Ora, o direito à dedução presume a liquidação de IVA e, consequentemente, também a renúncia à isenção.

O mesmo se passa quanto à Requerente B…, que apresentou declaração de alterações em 08/10/2012 na qual declarou ir realizar operações isentas que conferem direito à dedução, optando pelo regime de tributação normal.

Menos claro é o caso da Requerente C…, que apresentou em 02/11/2012 declaração de alterações em que declarou ir realizar operações isentas que não conferem direito à dedução, optando pelo regime de tributação normal.

Esta declaração não é inequívoca, mas a própria AT a interpretou no sentido de renúncia à isenção, decorrente da opção pelo regime de tributação normal.

Ou seja, deve entender-se que, ao invés do que entendeu a Requerida, as Requerentes podiam renunciar e efectivamente renunciaram à isenção de que gozavam, e que o fizeram nos termos exigíveis. E, consequentemente, passaram a poder deduzir o IVA suportado a montante, e não têm que o devolver.

 

V - DECISÃO

Nos termos e pelos motivos expostos, decide-se:

 

- Julgar procedentes os pedidos das Requerentes, anulando, consequentemente, os actos tributários impugnados;

- Condenar a AT a restituir as quantias pagas pelas Requerentes, acrescidas de juros indemnizatórios, contados desde os pagamentos até efectivo reembolso;

- Condenar a AT nas custas do processo, que se fixam em € 4.284,00;

- Fixar ao processo o valor de € 237.770,49.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 17 de Outubro de 2017.

 

 

 

 

Os árbitros,

 

(José Baeta de Queiroz – com declaração de voto)

 

 

 

(Paulo Lourenço)

 

 

 

(Filipa Barros)

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Votámos a decisão, mas o facto de termos subscrito o acórdão arbitral proferido no processo arbitral nº 682/2016-T em sentido diferente impõe uma explicação.

Continuamos a entender que a renúncia à isenção não se presume nem pode inferir-se de declarações que a pressuponham, devendo, antes, ser formal, expressa, clara e inequívoca. Idealmente, ela deveria consubstanciar-se numa expressão semelhante a esta: “O(a) declarante renuncia à isenção de IVA que lhe é atribuída pelo artigo (…)”.

É verdade que, se o sujeito passivo declara optar por um determinado regime de tributação em IVA, subjaz a essa declaração a sua intenção de não gozar de isenção. Do mesmo modo, se afirma ir praticar operações isentas que conferem direito à dedução, é de inferir que não pretende beneficiar da isenção.

Mas, sendo a isenção obrigatória, como é no caso vertente, sempre será exigível uma renúncia expressa, clara e inequívoca, e não uma que se retira a contrario de outra declaração.

Veja-se, aliás, o caso exemplar da Requerente C…, que expressamente declarou efectuar operações isentas que não conferem direito à dedução, ao mesmo tempo que, contraditoriamente, optou pelo regime de tributação normal. Ora, se as operações são isentas – ou seja, o sujeito não liquida IVA - e não conferem direito à dedução – ou seja, o sujeito não deduz o IVA que suportou -, não se entende que escolha um regime de tributação em IVA.

Noutros casos de isenção com possibilidade de renúncia, como é o do nº 30 do artigo 9º do CIVA, conjugado com os nºs 5 e 6 do artigo 12º do mesmo diploma e com o decreto-lei nº 21/2007, de 29 de Janeiro, o legislador impôs regras formais precisas para a renúncia à isenção.

Mas a verdade é que o não fez no caso da isenção que ora nos ocupa, limitando-se a indicar qual o momento da renúncia e o(s) documento(s) do qual ela deve constar.

É ainda verdade que a Administração não inseriu, nesses documentos – declaração de início de actividades e/ou alterações – nenhuma referência expressa à renúncia à isenção, de modo a que o sujeito passivo fosse obrigado a assinalar indubitavelmente a sua opção.

Não obstante, declarações como as feitas pelas Requerentes sempre a Administração as entendeu como renúncia à isenção. Aliás, no caso, a AT não contesta que as Requerentes tenham renunciado; o que defende, e motivou as liquidações impugnadas, foi que a faculdade de renunciar à isenção não lhes era atribuída pela lei e que, por isso, a renúncia não era válida.

Exigir, agora, quando antes tratou as Requerentes como sujeitos passivos de IVA enquadrados no regime normal, permitindo-lhes recuperar o IVA suportado, a devolução desse IVA, afrontaria a segurança jurídica e as legítimas espectativas das Requerentes que, ademais, veriam os serviços que prestam artificial e injustificadamente encarecidos pelo IVA que liquidaram nas suas operações activas sem a contrapartida da recuperação do que elas mesmas suportaram a montante.

Em súmula, entendemos, agora, que não era exigível outro comportamento às Requerentes, ou seja, aceitamos que a sua renúncia à isenção revestiu forma adequada e bastante.

E, por isso, o sentido do nosso voto diverge do que demos no apontado processo nº 682/2016-T.

                                           

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelos árbitros.

A redacção do presente acórdão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.