Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 717/2016-T
Data da decisão: 2017-07-03  IRC  
Valor do pedido: € 778.769,52
Tema: IRC - Tributação autónoma - Menos-valias - Imparidades
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Joaquim Pedro Lampreia e Dr. Jorge Carita, designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 17-03-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A… S.A., contribuinte fiscal n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …, …-… Lisboa (doravante abreviadamente designada de “Requerente”), requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016…, de 02-07-2016, relativa ao período de tributação de 2012, bem como da demonstração das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016… e 2016 … e consequente demonstração de acerto de contas com o n.º 2016…, referente à compensação n.º 2016…, da qual resultou um valor total a pagar (incluindo juros compensatórios) de € 778.769,52.

A Requerente pretende ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada da pagar-lhe indemnização de todas as despesas incorridas pela Requerente com a prestação e manutenção de garantia bancária identificada com o n.º … e emitida pelo B… no valor de €986.231,95 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016… entretanto instaurado pelo Serviço de Finanças Lisboa-…, na sequência de falta de pagamento voluntário da alegada dívida de IRC e de juros compensatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente designou como Árbitro o Dr. Joaquim Pedro Lampreia, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea b), do RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-12-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Dr. Jorge Carita.

Os Árbitros designados não acordaram em designar terceiro Árbitro, na sequência do que o Conselho Deontológico do CAAD designou o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa como árbitro presidente, que aceitou a designação.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 02-03-2017.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º desse diploma sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 17-03-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 08-05-2017 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

Com as suas alegações a Requerente apresentou documentos relativos a custos relacionados com a apresentação de garantia bancária e cópia de uma liquidação de IRC e uma demonstração de acerto de contas relativas ao exercício de 2015.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, nas suas alegações, defendeu que devem ser desentranhados os documentos juntos pela Requerente com as alegações e a Requerente pronunciou-se sobre estas pretensões.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

            As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

            Importa apreciar prioritariamente o requerimento de desentranhamento dos documentos juntos pela Requerente com as suas alegações.

 

 

            2. Questão do desentranhamento de documentos de documento relativos a despesas com garantia bancária

 

            A Requerente juntou documentos com as suas alegações, indicando que se reportam a despesas com a prestação de garantia bancária.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que os documentos são anteriores à apresentação do pedido de pronúncia arbitral e que teriam de ser com ela junto, invocando um princípio processual da preclusão.

            Nos processos arbitrais não se aplicam necessariamente as regras do CPC ou do CPPT, aplicando-se um princípio da informalidade e impondo-se ao Tribunal Arbitral que defina a tramitação mais adequada a cada processo, obrigação esta que é considerada de relevância primacial, como se infere do facto de ela ser referida insistentemente no RJAT, prevendo-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT a realização de uma reunião para «definir a tramitação processual a adoptar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo» e impondo-se ao Tribunal Arbitral, no n.º 2 do artigo 29.º, o dever de «definir a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado».

            Por isso, ao abrigo desse princípio da informalidade, o Tribunal Arbitral pode admitir a junção ao processo dos documentos em qualquer momento, se entender que isso é adequado para o processo, desde que seja assegurado o princípio do contraditório, não sendo aplicáveis as regras sobre preclusão que se prevêem no CPC relativas à junção de documentos.

            Por outro lado, de harmonia com o preceituado no artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda», mas pode ser fixada também em execução de julgado, como tem vindo a entender uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo. ( [1] )

            Por isso, neste específico caso da indemnização por garantia indevida nem se poderia justificar a preclusão do direito a juntar documentos no processo impugnatório pois a sua apresentação pode mesmo ser feita depois desse processo findar.

            No caso em apreço, a Requerente pediu logo no pedido de pronúncia arbitral «indemnização de todas as despesas incorridas pela Requerente com a prestação e manutenção de garantia bancária identificada com o n.º … e emitida pelo B… no valor de €986.231,95 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016… entretanto instaurado pelo Serviço de Finanças Lisboa-…», não indicando o seu montante global, o que manifestamente se justifica por as despesas aumentarem ao longo do processo (o processo foi instaurado em 30-11-2016 e há despesas datadas de 03-10-2016, 21-10-2016, 03-01-2017, 31-03-2017, 04-04-2017), sendo perfeitamente aceitável e até preferível, em sintonia com o princípio da economia processual, apresentar os documentos relativos à totalidade das despesas de uma só vez na fase final do processo, pois antes desse momento não dispõe de todos os documentos relativos a todas as despesas relativamente às quais pretende ver reconhecido no processo o direito de indemnização ( [2]).

            Considera-se, assim, para efeitos do n.º 2 do artigo 29.º do RJAT, que corresponde à tramitação mais adequada ao processo arbitral a apresentação com as alegações de documentos comprovativos da globalidade das despesas suportadas até esse momento com a prestação de garantia bancária, em vez da alternativa que seria a junção parcelar de documentos em vários momentos processuais, com a correlativa necessidade de assegurar o contraditório relativamente a cada um dos requerimentos de junção.

            No entanto, apesar de os documentos referidos terem sido juntos antes do início do prazo para alegações da Autoridade Tributária e Aduaneira, que pôde nelas exercer o direito de contraditório, não é claro que este direito possa considerar-se adequadamente assegurado no prazo de 10 dias que foi fixado para as alegações, pois não é clara a eventual relação de alguns deles com a garantia prestada pela Requerente e poderão ser necessárias diligências para os esclarecer.

            Pelo exposto, não se podendo concluir que são impertinentes ou que foram intempestivamente apresentados os documentos referidos, indefere-se a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira de desentranhamento dos documentos relativos às despesas com a garantia bancária.

            No entanto, em face das dúvidas sobre a suficiência do prazo para a Autoridade Tributária e Aduaneira se pronunciar e não sendo curial, para assegurar a celeridade do processo arbitral, reabrir a fase de discussão da causa, decide-se não considerar os referidos documentos para efeitos de indemnização, no caso de vir a proceder o pedido de pronúncia arbitral, sem prejuízo dos direitos que a Requerente tem no âmbito de eventual execução de julgado.

 

 

            3. Questão do desentranhamento da liquidação e demonstração de contas relativa ao exercício de 2015

 

            A Requerente juntou às alegações uma liquidação e demonstração de acerto de contas relativa ao exercício de 2015.

            A Autoridade Tributária e Aduaneira pede o desentranhamento por estarem em causa no presente processo liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao exercício de 2012.

            A Requerente refere no artigo 54.º das alegações que «se o pedido arbitral apresentado vier a ser julgado totalmente procedente pelo douto Tribunal Arbitral, a Requerente entende que a AT deverá proceder oficiosamente à anulação da liquidação adicional de IRC entretanto emitida por referência ao exercício de 2015, abstendo-se igualmente de emitir quaisquer outras liquidações adicionais baseadas na correção relativa ao exercício de 2012».

            Não se trata de um pedido dirigido ao Tribunal Arbitral, mas sim de uma manifestação do entendimento da Requerentes obre a actuação que a Autoridade Tributária e Aduaneira deve ter.

            De qualquer forma, sendo objecto do presente processo a declaração de ilegalidade das liquidações de IRC e juros compensatórios relativas ao exercício de 2012, não tem qualquer interesse para a decisão da causa a junção da liquidação e demonstração de acerto de contas relativas ao exercício de 2015.

            Por isso, justificar-se-ia o desentranhamento requerido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

            No entanto, como as referidas liquidação e demonstração de acerto de contas não foram apresentados em documentos autónomos, mas num único ficheiro informático em que se incluem as alegações e os documentos relativos às despesas com a prestação da garantia bancária, não se afigura viável o desentranhamento físico, pelo que se opta por eliminar a sua relevância jurídica, decidindo que não será dada qualquer relevância para decisão da causa às referidas liquidação e demonstração de acerto de contas.

            Defere-se, assim, nestes termos, a pretensão da Autoridade Tributária e Aduaneira.

           

           

4. Matéria de facto

 

            4.1. Factos provados

 

            Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é um sujeito passivo de IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC, enquadrado no regime geral de determinação do lucro tributável, definido na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma, sendo tributado à taxa prevista no n.º 1 do artigo 87.º do CIRC;
  2. A Requerente iniciou a actividade de transporte aéreo não regular de passageiros, durante o ano de 2007, e até 2012 pertenceu ao Grupo C…;
  3.  Com a entrada em falência desse grupo, em 26 de Fevereiro de 2013 concretizou-se a passagem da totalidade das acções da empresa para o Grupo D…;
  4.  Os períodos de tributação da Requerente, nos exercícios de 2011 e 2012, tiveram início a 1 de Novembro e termo a 31 de Outubro do ano seguinte;
  5.  Após a aquisição, em 26 de Fevereiro de 2013, da totalidade do capital social da empresa pelo Grupo D…, a Requerente passou a adotar o período de tributação correspondente ao ano civil, facto que originou que o exercício de 2013 compreenda apenas o período de 1 de Novembro a 31 de Dezembro desse mesmo ano.
  6. A coberto da OI 2015… a Requerente foi objecto de acção de inspecção externa de âmbito parcial referente ao período de tributação de 2012;
  7. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que em se refere, além do mais o seguinte:

 III - Descrição dos Factos e Fundamentos das Correções Meramente Aritméticas à Matéria Tributável / Imposto

Em resultado da análise efetuada aos documentos que suportam os registos contabilísticos da sociedade foram detetadas as seguintes situações suscetíveis de correção, em sede de IRC, no exercício de 2012:

III.1. Alienação de créditos abaixo do valor nominal

A A… declarou no campo 762 do quadro 07 da DR modelo 22 de IRC, o valor de 2.815.878,34 €. (vide Anexo 10, pág. 4)

Solicitada justificação da dedução daquele montante no apuramento do lucro tributável e documentos comprovativos da operação subjacente (vide Anexo 11, pág. 2), foi aludido que:

"No exercício de 2011 a A… detinha créditos no montante total de € 3.266M sobre várias sociedades do grupo espanhol C… (cf. página 11 da escritura pública espanhola do contrato de cessão de créditos em anexo corno documento n.º 1). Ao abrigo do normativo contabilístico em vigor, a A… reconheceu uma imparidade no montante de €2.815M no final do exercício de 2011.

Não obstante, tal imparidade não era dedutível em sede de IRC e por isso foi acrescida no campo 718 da Modelo 22 submetida com referência ao exercício de 2011 (cf. declaração Modelo 22).

Durante o exercício de 2012, a imparidade foi remensurada, tendo sido atualizado o montante da imparidade para € 3.066M e reconhecido contabilisticamente um montante adicional de €0.251M (€ 2.815M + € 0.251M).

Após o reconhecimento contabilístico adicional de € 0.251, e ainda no exercício de 2012, os créditos detidos sobre as sociedades do grupo C… foram vendidos pelo valor de € 0.2M (cf. cláusula 3, página 7 do documento n.° 1).

Neste contexto, a perda de €3.066 resultante da venda dos créditos foi aceite para efeitos fiscais, enquanto o rendimento resultante da reversão da imparidade de € 2.815M anteriormente acrescida e tributada na declaração Modelo 22 do exercício de 2011 não deveria concorrer para a formação do lucro tributável. Por este motivo, o referido montante de € 2.815M foi deduzido no campo 762 da Modelo 22 do exercício de 2012.

Finalmente, notamos que por mero lapso, o montante de € 2.815M foi deduzido no campo 762 referente a "Reversão de ajustamentos em inventários tributados (art. 28°, n.º 2) e de perdas por imparidade tributadas (art. 35.º, n.º 3)", em vez de ter sido deduzido no campo 781 relativo a "Perdas por imparidade tributadas em períodos de tributação anteriores (art.º 35° n.°s 1 e 4)". No entanto, a dedução efetuada no campo 762 em nada altera o lucro tributável apurado na respetiva Modelo 22 do exercício de 2012."

(vide Anexo 11, págs. 3 a 43)

 

Na sequência daquela explicação pediu-se, através da notificação realizada no dia 11 de Março de 2016:

 

Relação das perdas por imparidade de dívidas a receber de clientes, existentes no exercício de 2012, discriminadas por NIF, nome, n.° documento, data, valor, data de vencimento, perdas por imparidade acumuladas a 31-10-2012, imparidade do exercício, motivo da sua constituição e indicação do seu acréscimo no quadro 07 da DR modelo 22;

Prova do risco de incobrabilidade da imparidade reconhecida no exercício de 2012, no valor de 251.049,09 €, e diligências efetuadas para o seu recebimento, tal como previsto nos artigos 35.° e 36.° (à data dos factos) do CIRC;

Apresentação de elementos que comprovem que, no exercício de 2012, se encontravam reunidas as condições previstas nos artigos 35° e 36.° do CIRC, para que a imparidade constituída em 2011 e acrescida no quadro 07 da modelo 22 desse exercício, no montante de 2.815.878,34 €, fosse passível de dedução fiscal em 2012;

Prova do enquadramento no artigo 41.° (à data dos factos) do CIRC, caso o valor de 3.066.927,43€ (Valor dos créditos- valor da venda: 3.266.927,43-200.000,00), tenha sido considerado como crédito incobrável;

Demonstração da contabilização do gasto no valor de 3.066.927,43 €, e respetivos extratos de conta corrente, diário de movimentos e documentos de suporte.

(vide Anexo 12, págs. 2 e 3)

Na data prevista para o efeito, a A…:

> Apresentou mapas relativos às perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes; (vide Anexo 12, págs. 12, 19, 20, 23 e 24)

>De forma a justificar a dedutibilidade fiscal da imparidade reconhecida no exercício de 2012, no valor de 251.049,09 €, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 35.° e da alínea a) do n.° 1 do artigo 36.°, ambos do CIRC, juntou cópia do Boletim Oficial do Estado Espanhol (Boletín Oficial del Estado) de 12 de Abril de 2013, cujo capítulo IV refere o concurso de credores no âmbito do processo de insolvência das várias entidades do Grupo C… (identificadas nos pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 13 e 16 do documento), que corria os seus termos no Tribunal do Comércio n.°… de Palma de Maiorca; (vide Anexo 12, págs. 13, 21 e 22)

> Quanto à prova das condições previstas nos artigos 35.º e 36 do CIRC, para que a imparidade constituída em 2011 e acrescida no quadro 07 da modelo 22 desse exercício, no montante de 2.815.878,34 €, fosse passível de dedução fiscal em 2012, argumentou que o crédito sobre o qual havia sido constituída a imparidade no exercício anterior (acrescida e tributada na respetiva modelo 22) foi vendido no exercício fiscal de 2012 e por isso a imparidade em causa anteriormente tributada, foi deduzida na modelo 22 do exercício de 2012. Acrescentou ainda que se os créditos não tivessem sido vendidos, a dedução da imparidade seria aceite para efeitos fiscais, dada a insolvência das entidades devedoras; (vide Anexo 12, págs. 13 e 13)

> Alegou que o crédito no valor de 3.066.927,43 € não foi considerado como incobrável no exercício de 2012, para efeitos do artigo 41.° do CIRC, vigente à data dos factos; (vide Anexo 12, pág. 140).

> Apresentou a contabilização do montante do gasto apurado no valor de 3.066.927,43 €. (vide Anexo 12, págs. 18 e 25)

     

                 Conclusão

Após análise aos esclarecimentos e documentos justificativos apresentados pela empresa, constata-se que:

a)A A… detinha créditos concedidos sobre as seguintes sociedades no montante de 3.266.927,13 €:

 

 

 

 

b) Conforme documento que se anexa (vide Anexo 11, págs. 9 a 43), designado por "Credits Assignment Agreement", datado de 26 de Fevereiro de 2013, os créditos em questão foram alienados por 200.000,00 € à sociedade E… Lda (adiante designada por E…), NIPC … .

c) Para justificar o gasto apurado com a alienação dos referidos créditos, 3.066.927,43 €, refere o sujeito passivo que os mesmos eram detidos sobre entidades do grupo espanhol C…, nas quais decorriam processos de insolvência no Tribunal de Comércio n.° … de Palma de Maiorca.

d) À data da alienação dos créditos, a sociedade tinha uma provisão sobre aqueles créditos no valor total de 3.066.927,43 €. O montante de 2.815.878,34 € foi provisionado no exercício de 2011 e o montante de 251.049,09 € no exercício de 2012.

e) O valor da provisão constituída em 2011 foi acrescido para efeitos fiscais, porém, no exercício de 2012 foi o mesmo deduzido ao quadro 07 da DR modelo 22. Tal montante não se encontre relevado em proveitos, resultando desta forma num gasto fiscal deste período.

f) Quanto ao valor da provisão constituída em 2012, a mesma não foi acrescida para efeitos fiscais, considerando-se assim como um gasto fiscal deste período.

g) Embora o balancete final do exercício de 2012 não reflita as contas movimentadas na operação em causa (vide Anexo 4, págs. 2 a 6 e 12 a 16), através do diário de lançamentos verifica-se que a imparidade constituída em 2011, no valor de 2.815.878,34 €, foi utilizada na perda resultante da venda dos créditos em 2012 (vide Anexo 12, págs. 18 e 25).

 

Implicação fiscal decorrente da alienação dos referidos créditos

Em virtude de estarmos perante uma perda contabilística originada pela alienação, com prejuízo, de créditos concedidos a clientes decorrentes da atividade normal da empresa, é necessário avaliar se se encontram reunidos os pressupostos legais para a dedução fiscal daquele gasto.

Para isso teremos de atender ao disposto nos artigos 23.°, 35.°, 36.° e 41,° (à data dos factos) do CIRC.

De acordo com o princípio da indispensabilidade presente no n.° 1 do artigo 23.° do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os elencados nas suas alíneas.

Pois bem, no que respeita à alienação onerosa de créditos com prejuízo, a aplicação do requisito da indispensabilidade dos gastos obriga a ter em conta a própria situação dos ativos (créditos) que são objeto de alienação. O que significa que a sua aceitação depende relevantemente da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade.

Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 35.°, podem ser deduzidas fiscalmente as perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos anteriores, que tenham por fim a cobertura de créditos resultantes da atividade normal do sujeito passivo, que no fim do exercício possam ser considerados de cobrança duvidosa e que sejam evidenciados na contabilidade.

O que, segundo o n.° 1 do artigo 36.°, se verifica sempre que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, nomeadamente quando: o devedor tenha pendente processo de insolvência e de recuperação de empresas ou processo de execução; os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; ou os mesmos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

De acordo com o artigo 41.° do Código do IRC, os créditos incobráveis podem ser diretamente considerados custos ou perdas do exercício desde que se verifiquem dois requisitos: que tal resulte, entre outros, de processo de insolvência e de recuperação de empresas; e que relativamente aos mesmos não seja admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

 

Perdas por imparidade de créditos de cobrança duvidosa

Tendo em atenção ao disposto no artigo 35.° do CIRC, ao tipo de créditos em questão e aos movimentos contabilísticos efetuados pelo sujeito passivo, conclui-se:

Que os créditos em causa estão relacionados com a atividade normal da empresa, e

Que nos termos e nas condições previstas no artigo 36° do CIRC, a A… poderia reconhecer perdas por imparidade relacionadas com aqueles créditos. Porém,

Não se encontra qualquer evidência na contabilidade da A… dos créditos de cobrança duvidosa em contas específicas, nem no Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados ou no mapa oficial, Modelo 30 - Mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos de inventários, que integra o dossier fiscal (vide Anexo 4, págs. 2 a 6 e 12 a 39)

Assim, ao não se encontrarem preenchidas todas as condições estabelecidas no artigo 35.° do CIRC, o gasto decorrente da alienação dos créditos sobre clientes não tem enquadramento naquela norma.

Refira-se apenas que embora a A… tenha, contabilisticamente, constituído uma imparidade no exercício de 2011, no montante de 2.815.878,34 €, a mesma foi acrescida ao quadro 07 da respetiva modelo 22 por não ser dedutível em sede de IRC, conforme justificado pelo sujeito passivo (vide Anexo 11, pág. 3).

O que se acolhe pelo facto do risco de incobrabilidade dos créditos em causa só se ter verificado em Janeiro de 2013 (mês que incorpora o período de tributação de 2012 da A…) com a entrada em Tribunal de processo de insolvência das várias empresas devedoras, (vide Anexo 12, págs. 21 e 22)

 

Créditos incobráveis

Quanto ao considerar como crédito incobrável de 2012, a perda contabilística originada pela alienação dos créditos sobre clientes, é necessário que a mesmo reúna as condições já identificadas no artigo 41.° do CIRC à data dos factos, nomeadamente, que os créditos incobráveis resultem de processo de insolvência, o que não se verifica pelos elementos facultados pelo sujeito passivo, (vide Anexo 12, pags. 21 e 22)

Mais se informa que o próprio sujeito passivo na resposta à notificação alegou que o crédito no valor de 3.066.927,43 € não foi considerado como incobrável no exercício de 2012, para efeitos do artigo 41.º do CIRC, vigente à data dos factos, (vide Anexo 12, pág. 14).

Pelo exposto, tendo a A… relevado para efeitos fiscais um gasto relacionado com a alienação de créditos que detinha sobre clientes, sem qualquer enquadramento legal nos artigos 35.°, 36.° e 41,° (à data dos factos) do CIRC, será proposta correção no montante 3 066 927,43 €, que se traduzirá:

Na não aceitação da dedução fiscal efetuada no campo de 762 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012, no valor de 2.815.878,34 €, e

No acréscimo do valor de 251.049,09 € no campo de 718 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012.

 

As omissões e inexatidões praticadas nas declarações fiscais são punidas pelo n.º 1 do artigo 119.°do RGIT.

 

III.2. Ajudas de custo - tributação autónoma

A A… declarou no campo 365 (tributações autónomas) do quadro 10 da DR modelo 22 de IRC, o valor de 72.849,86 €, apurado da seguinte forma:

     

 

 

 

 

(vide Anexo 10, pág. 6)

      Nos termos do n.º 9 do artigo 88.º (à data dos factos) do CIRC, "são ainda tributados autonomamente, à taxa de 5%, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturados a clientes, escriturados a qualquer titulo, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de /RS na esfera do respetivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.° 1 do artigo 45.° suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam."

      Refere ainda o n.º 14 que "as taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos qus apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referido nos números anteriores."

      Em virtude do gasto contabilizado na conta SMC 6325 Ajudas de custo ser de 1.417.262,27 € -vide Anexo 4, pág. 15 -, solicitou-se o mapa de cálculo da tributação autónoma, o extrato da conta SNC 6325 Ajudas de custo e o respetivo suporte documental, bem como a justificação para a diferença entre os montantes registados na contabilidade e a quantia indicada no campo 415 do quadro 11 da DR modelo 22 de 2012. (vide Anexo 13, pág. 2)

      Apresentado apenas o mapa de cálculo da tributação autónoma e os documentos que suportam o valor indicado no campo 415 do quadro 11 da DR modelo 22 de 2012 (483.114,22 €), na notificação realizada a 11 de Março de 2016 pediu-se à empresa que demonstrasse que a diferença entre o montante registado na contabilidade (1.417.262,27 €) e o valor que serviu de base ao cálculo da tributação autónoma (483.114,22 €) tinha sido faturada a clientes e/ou tributada em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário, de acordo com o artigo 88.° do CIRC. (vide Anexo 12, pág. 3)

      Na resposta à notificação, foi referido pelo sujeito passivo que aquela diferença se justifica por se tratar de ajudas de custo pagas pela sucursal da A… em Espanha no âmbito da atividade exercida por seu intermédio, conforme tabela que anexou à notificação (vide Anexo 12, -págs. 14,15 e 27). Juntou ainda e a título exemplificativo, listagem do processamento de salários de Julho de 2013 e cópias dos recibos de vencimento de 3 trabalhadores emitidos nesse mês.

      Da análise aos documentos remetidos foi possível validar a tributação autónoma aplicada sobre as ajudas de custo pagas em Portugal (483.114,22 €). Porém, quanto às despesas ou encargos de estabelecimentos estáveis situados fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio, só a partir dos períodos de tributação que se iniciem, ou aos factos tributários que ocorram, em ou após 1 de Janeiro de 2014 é que as mesmas deixaram de ser tributadas, de acordo com a redação dada ao artigo 88.° do CIRC, introduzida pela lei do OE 2014 (vide n.º 16 do artigo 88.° do CIRC).

      O que significa que, à data dos factos (2012), estavam sujeitos todos os encargos suscetíveis de serem tributados autonomamente, nos termos do artigo 88.º do CIRC, ainda que imputáveis a um estabelecimento estável situado no estrangeiro. No caso em apreço, as despesas de representação no valor de 1.913,66 € e os encargos com ajudas de custo no montante total de 1.417.262,27 €.

      Este facto constitui infração ao disposto no n.° 9 do artigo 68.° do CIRC, punível pelo n.º 1 do artigo 119.° do RGIT.

      Porém, atendendo ao facto de, com a correção proposta no ponto III.1 deste capítulo, o sujeito passivo passar de um prejuízo fiscal para lucro tributável, propõe-se uma correção ao imposto a favor da A…, no valor de 1.795,39 €, em virtude de não ser aplicável a taxa agravada prevista no n.° 14 do artigo 88.° do CIRC.

 

 

 

 

 

 

(...)

VIII - Propostas

      Na análise realizada aos documentos de suporte dos registos contabilísticos da sociedade, foram verificadas as irregularidades descritas e quantificadas no capítulo III deste relatório com as seguintes repercussões no apuramento do lucro tributável e do cálculo do imposto, declarado do sujeito passivo, no exercício de 2012:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Na sequência da inspecção foi emitida da liquidação de IRC n.º 2016 … e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016 …;
  2. Os trabalhadores da Requerente a quem foram pagas ajudas de custo por actividade exercida através da sucursal da Requerente em Espanha são aí tributados (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); 
  3. A Requerente prestou garantia bancária identificada com o n.º … e emitida pelo B… no valor de € 986.231,95 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º …2016…, que foi instaurado pelo Serviço de Finanças Lisboa-…, na sequência de falta de pagamento voluntário da alegada dívida de IRC e de juros compensatórios (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); 
  4. A Requerente despendeu com a prestação da garantia bancária o montante de € 5.917,39, a título de Imposto do Selo (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido); 
  5. Em 30-11-2016, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

4.2. Factos não provados

 

Relativamente às despesas com a garantia bancária, a Requerente apresentou documentos com as alegações, mas não é clara a relação de alguns deles a garantia prestada e não é seguro que a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse possibilidade de exercer adequadamente o direito de contraditório, pelo que não se lhes atribui relevância probatória, sem prejuízo de o direito de indemnização poder ser exercido em execução de julgado, se for caso disso.

Não há factos relevantes para decisão da causa, quanto aos vícios imputados às liquidações impugnadas, que não se tenham provado.

 

 

4.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

 

5. Matéria de direito

 

5.1. Questão dos créditos alienados no ano de 2012 por valor inferior ao nominal

 

Os períodos de tributação da Requerente, nos exercícios de 2011 e 2012, tiveram início a 1 de Novembro e termo a 31 de Outubro do ano seguinte.

Em 2011, a A… detinha créditos sobre várias sociedades do grupo espanhol C… no montante de € 3.266.927,13.

No exercício de 2011, a Requerente reconheceu uma imparidade no montante de € 2.815.878,34, relativa a esses créditos. O fundamento invocado pela Requerente para reconhecer tal imparidade foi decorrerem processos de insolvência no Tribunal de Comércio n.°… de Palma de Maiorca relativos às sociedades sobre que eram detidos tais créditos.

A Requerente considerou que esta imparidade reconhecida no exercício de 2011 não era dedutível em sede de IRC e o seu montante foi indicado no campo 718 da respectiva declaração Modelo 22 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

No exercício de 2012, essa imparidade foi acrescida de € 251.049,09, passando a ser de € 3.066.927,43.

Em 26-02-2013 (data englobada no exercício de 2012), os referidos créditos foram alienados pelo valor global de € 200.000,00, quando estava iminente a insolvência das devedoras.

Na declaração Modelo 22 relativa ao exercício de 2012, a Requerente indicou no campo 762 o valor de € 2.815.878,34, por entender que o rendimento resultante da reversão da imparidade desse valor tributada na declaração Modelo 22 do exercício de 2011 não deveria concorrer para a formação do lucro tributável. A Requerente referiu que «por mero lapso, o montante de € 2.815M foi deduzido no campo 762 referente a "Reversão de ajustamentos em inventários tributados (art. 28°, n.º 2) e de perdas por imparidade tributadas (art. 35.º, n.º 3)", em vez de ter sido deduzido no campo 781 relativo a "Perdas por imparidade tributadas em períodos de tributação anteriores (art.º 35° n.°s 1 e 4)".

Assim, a imparidade constituída no exercício de 2011, no valor de 2.815.878,34 €, foi utilizada na perda resultante da venda dos créditos no exercício de 2012.

Quanto ao valor da provisão constituída em 2012, a mesma não foi acrescida para efeitos fiscais, considerando-se assim como um gasto fiscal deste período.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, o seguinte:

– à face do princípio da indispensabilidade previsto no n.° 1 do artigo 23.° do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente, os elencados nas suas alíneas;

– no que respeita à alienação onerosa de créditos com prejuízo, a aplicação do requisito da indispensabilidade dos gastos obriga a ter em conta a própria situação dos ativos (créditos) que são objeto de alienação. O que significa que a sua aceitação depende relevantemente da questão da própria possibilidade de cobrança e dos requisitos de incobrabilidade;

– a perda por imparidade reconhecida no exercício de 2011 não tem enquadramento nos artigos 35.º e 36.º do CIRC por não estarem preenchidas todas as condições exigidas; designadamente não se encontra qualquer evidência na contabilidade da A… dos créditos de cobrança duvidosa em contas específicas, nem no Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados ou no mapa oficial, Modelo 30 - Mapa de provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos de inventários, que integra o dossier fiscal;

– os créditos referidos não podiam considerar-se como incobráveis no exercício de 2012, por não estarem preenchidas as condições previstas no artigo 41.º do CIRC;

– por isso, efectuou uma correção no montante 3 066 927,43 €, que se traduzirá:

• Na não aceitação da dedução fiscal efetuada no campo de 762 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012, no valor de 2.815.878,34 €, e

• No acréscimo do valor de 251.049,09 € no campo de 718 do quadro 07 da DR modelo 22 de 2012.

– no  que  respeita  à  alienação  onerosa  de  créditos  com  prejuízo,  a  aplicação  do requisito  da  indispensabilidade  dos  gastos  obriga  a  ter  em  conta  a  própria  situação  dos activos (créditos) que são objecto de alienação, o que significa que a sua aceitação depende relevantemente  da  questão  da  própria  possibilidade  de  cobrança  e  dos  requisitos  de incobrabilidade do mesmo.

 

No presente processo, a Requerente defende, em suma, o seguinte:

 

– reconhece que não estão reunidos os requisitos previstos nos artigos 35.º, 36.º e 41.º do CIRC;

– mas,  daí não decorre que possam ser aceites como gastos nos termos do artigo 23.º do CIRC, traduzindo a relevância de uma menos-valia fiscal realizada com a venda de créditos abaixo  do seu valor nominal, pelo seu valor de mercado;

– no caso, a alienação dos créditos por valor inferior ao seu valor nominal foi «a decisão de gestão que melhor salvaguardou os interesses da Requerente ao  permitir que a perda com aqueles créditos fosse de EUR 3.066.927,43 (ao invés de EUR 3.266.927,43)», pois «as sociedades devedoras de tais créditos viriam, dois meses depois da venda, a ser decretadas insolventes»;

– as limitações à dedutibilidade que se prevêem nos artigos 35.º, 36.º e 41.º do CIRC justificam-se sempre que as perdas registadas decorram de juízos valorativos do próprio sujeito passivo não validados pelo mercado e por outros agentes económicos com os quais os mesmos se relacionam e por se tratar de perdas meramente potenciais;

– no caso de uma venda de créditos abaixo do valor nominal estamos perante uma menos-valia efectivamente realizada.

 

            A questão essencial a apreciar é, assim, a  de saber se a relevância fiscal de menos-valias resultantes da alienação de créditos por valor abaixo do seu valor nominal está dependente da verificação dos requisitos previstos nos artigos 35.º, 36.º e 41.º do CIRC para a relevância fiscal de perdas por imparidade e créditos de cobrança incobráveis.

            O artigo 23.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 23.º

Gastos

 

            1 – Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:

(...)

h) Ajustamentos em inventários, perdas por imparidade e provisões;

(...)

l) Menos-valias realizadas;

 

            Os artigos 35.º, 36.º e 41.º do CIRC estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 35.º

Perdas por imparidade fiscalmente dedutíveis

 

            1 – Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da actividade normal que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade;

 

Artigo 41.º

Créditos incobráveis

            1 - Os créditos incobráveis podem ser directamente considerados gastos ou perdas do período de tributação desde que: (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12)

a) Tal resulte de processo de insolvência e de recuperação de empresas, de processo de execução, de procedimento extrajudicial de conciliação para viabilização de empresas em situação de insolvência ou em situação económica difícil mediado pelo IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, de decisão de tribunal arbitral no âmbito de litígios emergentes da prestação de serviços públicos essenciais ou de créditos que se encontrem prescritos de acordo com o respectivo regime jurídico da prestação de serviços públicos essenciais e, neste caso, o seu valor não ultrapasse o montante de (euro) 750; e (Redacção da Lei n.º 55-A/2010, de 31-12)

b) Não tenha sido admitida perda por imparidade ou, sendo-o, esta se mostre insuficiente.

 

            Resulta do teor literal do artigo 23.º o conceito de perdas por imparidade relativas a créditos não corresponde ao de menos-valias realizadas com a sua alienação.

            Como bem diz a Requerente, «a própria terminologia subjacente ao registo de imparidades ou ao desreconhecimento de créditos incobráveis por oposição à  terminologia  subjacente  às  mais-valias decorrentes da venda de determinado ativo confirmam este entendimento: enquanto no  primeiro caso, do que se trata é de aferir a validade sobre o juízo quanto ao “valor realizável”;  no  segundo  caso  trata-se  apenas  de  confirmar  qual  o  “valor  realizado” daquele bem».

            A distinção entre as duas situações é clara e é correctamente efectuada pela Requerente, com suporte no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 29-11-2013, proferido no processo n.º 1666/07.6BEPRT, junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 15, em que se refere, na página 60:

Créditos incobráveis” e cedência de créditos a um valor inferior ao contabilizado são realidades diferentes com tratamentos fiscais distintos. Uma coisa é ter um “crédito perdido”, cuja incobrabilidade sabe-se que é definitiva por resultar de um qualquer daqueles processos judiciais previstos no artigo 39.°[3]. Outra, é ceder um crédito por valor inferior ao contabilizado. Estes casos pressupõem que a dívida é cobrável, mas a empresa decide ceder o crédito com perda.

Às dívidas incobráveis aplica-se o artigo 39.° do Código do IRC: só se admite directamente o custo se verificados os requisitos previstos na lei.

À segunda situação aplica-se o artigo 23.° do Código do IRC. O que significa que nestes casos o contribuinte terá que fazer a prova da indispensabilidade do custo. Não o pode, naturalmente, fazer invocando a incobrabilidade do crédito. E como acima já ficou expresso na consideração e preenchimento conceito de indispensabilidade, a análise de um concreto custo terá de ser feita em fruição da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa.

 

            E as razões para o tratamento distinto daquelas perdas por imparidade e menos-valias realizadas são bem evidenciadas pela Requerente ao dizer que «nos  casos  dos  art.ºs  35.º,  36.º  e  41.º  do  Código  do  IRC,  estamos  perante perdas meramente potenciais, ainda não realizadas e que, por esse motivo, carecem do preenchimento  de  requisitos  objetivos  de  validação  por  uma  entidade  externa  ao próprio sujeito passivo (seja o devedor que não cumpre depois de interpelado para tal, no caso das imparidades, seja o tribunal que decreta a insolvência do devedor, no caso dos créditos incobráveis).

            Assim, no caso em apreço, sendo realizadas no exercício de 2012 menos-valias com a alienação de créditos relativamente aos quais não haviam sido anteriormente considerada qualquer relevância fiscal a título de perdas por imparidade, a dedutibilidade daquelas menos-valias como gastos daquele exercício apenas está dependente dos requisitos gerais previstos no n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, designadamente serem comprovadamente «indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

            Como vem sendo jurisprudência pacífica, para ser satisfeito o requisito da indispensabilidade previsto no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, basta que os gastos sejam efectuados no interesse da empresa e estejam conexionados com a sua actividade, independentemente de com eles terem, sido ou não obtidos proveitos ou se ter confirmado a sua relevância para a manutenção da fonte produtora.

            No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona no Relatório da Inspecção Tributária a indispensabilidade da referida alienação de créditos para efeito da formação do lucro tributável. Mas, de qualquer modo, como refere a Requerente, em face da situação económica difícil em que se encontravam as empresas devedoras dos créditos alienados, que já justificara a efectivação de uma avultada provisão no exercício de 2011, afigura-se que a alienação dos créditos por valor inferior ao valor nominal não deve deixar de ser considerada como um acto de gestão, praticado no interesse da Requerente. Aliás, a AT nunca colocou em causa o preço acordado, nem tampouco as regras de preços de transferência ou que a existência de alguma relação entre comprador e vendedor, pelo que não se coloca no processo a questão de o preço acordado não corresponder ao valor de mercado dos créditos.

            Pelo exposto, a correcção efectuada enferma de vício de violação de lei (artigos 23.º, 35.º, 36.º e 41.º do CIRC), que justifica a anulação da liquidação de IRC na parte respectiva, de harmonia artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

5.2. Questão das ajudas de custo e tributação autónoma

 

A Requerente A… declarou no campo 365 (tributações autónomas) do quadro 10 da DR modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2012, o valor de 72.849,86 €, sendo € 382,73 relativo a despesas de representação (20% x € 1.913,66) e € 72,467,13 relativo a encargos com ajudas de custo e compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes (15% x € 483.114,22).

Este valor de € 483.114,22 corresponde às ajudas de custo pagas em Portugal.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, em 2012,  estavam sujeitos  a tributação autónoma todos os encargos, nos termos do artigo 88.º do CIRC, ainda que imputáveis a um estabelecimento estável situado no estrangeiro, no caso as ajudas  de  custo  pagas  em  Espanha  e imputáveis à atividade da Sucursal da Requerente em Espanha, no montante total de 1.417.262,27 €, pelo que liquidou tributações autónomas relativamente à diferença entre este valor e aquele com base no qual a Requerente calculou as tributações autónomas indicadas na declaração modelo 22 (€ 934.148,05), passando a aplicar as tributações autónomas sem o agravamento de taxa previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC por, com a referida correcção relativa aos créditos alienados, a Requerente deixar de apresentar prejuízo fiscal.

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira manifestou o entendimento de que «só com a nova redacção do artigo 88.º do CIRC (introduzida pela Lei do Orçamento de Estado para 2014), ficou assente pelo legislador que a tributação autónoma  não  se  aplica  às  despesas  e  encargos  de  estabelecimentos  estáveis situados fora do território português e relativos à actividade exercida por seu intermédio”, de que, «até àquela data, todos os encargos susceptíveis de serem tributados autonomamente, nos termos do artigo 88.º do CIRC, ainda que imputáveis a estabelecimento estável situado no estrangeiro, deviam integrar o respectivo cálculo para a tributação autónoma» e de que a nova redacção não é interpretativa, ao contrário do que defende a Requerente.

O artigo 88.º, n.º 9, do CIRC na redacção vigente no período de tributação de 2012, utilizado pela Requerente, estabelece o seguinte:

 

9 – São ainda tributados autonomamente, à taxa de 5 %, os encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturados a clientes, escriturados a qualquer título, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário, bem como os encargos não dedutíveis nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 45.º suportados pelos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que os mesmos respeitam.

 

            Nesta redacção, alude-se a encargos dedutíveis relativos a ajudas de custo e à compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, sem se fazer qualquer distinção entre os suportados em Portugal e no estrangeiro.

            A Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, aditou um n.º 16 ao artigo 88.º do CIRC em que se estabelece o seguinte:

 

16 – O disposto no presente artigo não é aplicável relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio.

 

            A partir da entrada em vigor desta nova redacção ficou claro que as tributações autónomas não são aplicáveis aos encargos relativos à actividade exercida por estabelecimento estável situado fora do território português, mas a Requerente defende que já anteriormente se deveria entender, relativamente à tributação autónoma prevista no n.º 9 do artigo 88.º do CIRC.

             A Requerente defende o seguinte, em suma:

 

–   no caso das ajudas de custo, o escopo anti abusivo traduzido na intenção de evitar que, por via da atribuição das ajudas de custo sejam atribuídas remunerações não tributadas em sede de IRS aos colaboradores das empresas que sejam beneficiários de tais ajudas de custo, é evidente pelo facto de o legislador faz cair a imposição de tributação autónoma sobre a parte das  ajudas  de  custos  que  foi  efetivamente  sujeita  a  IRS  na  esfera  dos beneficiários;

– o fim é evitar o defraudar do interesse fiscal na arrecadação de receita de IRS sobre rendimentos do trabalho não sujeitos àquele imposto;

–  só nos casos em que os beneficiários das ajudas de custo sejam sujeitos passivos de IRS, seja  como  residentes  ou  como  não  residentes  em  território  português,  se poderá conceber a hipótese de o interesse fiscal na arrecadação de receita ser defraudado;

 

            A excepção que consta do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, afastando a tributação autónoma «na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário» aponta manifestamente no sentido defendido pela Requerente.

            Na verdade, essa excepção revela que a tributação autónoma está conexionada com a tributação de rendimentos do trabalho dependente, visando evitar que as empresas,    conluiadas com os seus trabalhadores,  efectuem pagamentos de remunerações camuflados como ajudas de custo e compensações por uso de viatura própria do trabalhador, sem a correspondente tributação do rendimento na esfera dos beneficiários. É isso que explica que, na medida em que esses pagamentos sejam tributados em IRS na esfera do trabalhador, nos termos do artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do CIRS, deixa de ser aplicada a tributação autónoma. À mesma conclusão sobre a finalidade desta tributação autónoma conduz a sua não aplicação nos casos em que esses encargos são facturados a clientes, pois neste caso há uma entidade externa que paga esses encargos e tem oportunidade de comprovar se eles foram efectivamente suportados pela empresa.

            Neste contexto, apenas se justifica a aplicação da tributação autónoma aos casos de trabalhadores que sejam tributados em Portugal em sede de imposto sobre o rendimento, pois só nestes casos o Estado Português seria defraudado com os referidos pagamentos de  remunerações como se fossem ajudas de custo ou encargos suportados com o uso de viatura própria ao serviço da entidade patronal. É neste sentido  que aponta, decisivamente,  o facto de se fazer referência especificamente ao IRS, e não genericamente qualquer outro imposto sobre o rendimento que seja aplicado em qualquer outro país.

            O novo n.º 16 do artigo 88.º, aditado pela Lei n.º 2/2014, excluindo a aplicação desta tributação autónoma relativamente às despesas ou encargos de estabelecimento estável situado fora do território português e relativos à atividade exercida por seu intermédio, vem confirmar que não há qualquer preocupação do Estado Português em evitar comportamentos abusivos das empresas que não tenham reflexos negativos nas receitas tributárias nacionais.

            Pelo exposto, a correcção efectuada relativamente a esta tributação autónoma enferma de erro de interpretação do n.º 9 do artigo 88.º do CIRC, que constitui vício de violação de lei que justifica a anulação da liquidação na parte respectiva.

 

            5.3. Liquidações de juros compensatórios

 

            As liquidações de juros compensatórios têm como pressuposto a liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que aquela estão afectadas pelos vícios que afectam esta, justificando-se também a anulação quanto àquelas.

 

            5.4. Questão de conhecimento prejudicado

 

            Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão da tributação autónoma por vício de violação de lei, que assegura eficaz e estável tutela dos interesses da Requerente, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento do vício de falta de fundamentação que a Requerente também imputa à correcção referida.

 

           

            6. Indemnização das despesas com prestação de garantia

 

            A Requerente pede que a Autoridade Tributária e Aduaneira seja condenada na  indemnização  das despesas  incorridas  pela  Requerente  com  a constituição,  prestação  e  manutenção  de garantia  bancária  para  a  suspensão  do processo  de  execução  fiscal  n.º …2016… instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira para cobrança das quantias referentes às liquidações de IRC e juros compensatórios que são objecto do presente processo.

            Como já se referiu no ponto 2 deste acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 171.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda», pelo que o processo arbitral é meio processual adequado para apreciar pedidos de indemnização por prestação de garantias conexionadas com as liquidações impugnadas.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, os erros subjacentes às liquidações de impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esses erros fossem praticados.

Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.

Considerou-se provado que a Autoridade Tributária e Aduaneira despendeu € 5.917,39 de Imposto do Selo (documento n.º 14) e poderão ter sido suportadas outras despesas cujo pagamento é  invocado pela Requerente.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante total da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que já de considerou provado e no que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão [artigos 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 565.º do Código Civil, aplicáveis neste sentido nos termos do artigo 2.º, alínea d), da LGT].

           

 

7. Decisão

 

Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016…, de 02-07-2016, relativa ao período de tributação de 2012, bem como das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016… e 2016…;
  2.  Anular as liquidações referidas;
  3. Julgar procedente o pedido de pagamento de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 5.917,39, bem como outras despesas com a prestação da garantia imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira que venham a ser liquidadas em execução do presente acórdão.

 

 

            6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 778.769,52.

 

 

Lisboa, 03-07-2017

 

Os Árbitros

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Joaquim Pedro Lampreia)

 

 

(Jorge Carita)

(vencido, conforme voto que segue e integra o presente acórdão)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

 

Não posso acompanhar a interpretação que a maioria dos membros do Tribunal faz do nº 1 do art. 23.º do Código do IRC, na redacção anterior à dada pelo art. 2.º da Lei nº 2/2014 de 16 de Janeiro, que subordinava o reconhecimento dos gastos do exercício, para efeitos do apuramento do lucro tributável, à indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora. A interpretação vencedora acolhida pelo Tribunal tem, na verdade, por consequência lógica, o total esvaziamento do princípio da indispensabilidade: relevariam, no apuramento do lucro do exercício, todos os gastos contabilizados pela empresa no âmbito da sua actividade, que a lei expressamente não excluísse.

 

De fora do nº 1 do art. 23.º, para além dos casos enunciados no art. 45.º, que, com a Lei nº 2/2014, viria a ser o 23.º- A, ficariam apenas os gastos resultantes da concessão de vantagens a favor de terceiros ou de benefícios a favor do património pessoal do empresário, ou seja, actuações criminalmente puníveis, com carácter marginal.

 

Seria o sujeito passivo a definir exclusivamente, a seu belo prazer, o que é, ou não, gasto do exercício dedutível e qualquer tentativa da administração fiscal de sindicar a indispensabilidade do gasto deduzido seria ilegítima, por ela não poder avaliar a oportunidade ou mérito da gestão do sujeito passivo.

 

Seria uma mudança de paradigma do nº 1 do art. 23.º do CIRC, que sempre foi entendido como uma norma de carácter indeterminado sobre a dedutibilidade dos custos do exercício, subordinando a sua aceitação ao critério da indispensabilidade.

 

É certo que tal posição tem explícito apoio, embora avulso, em jurisprudência superior (ver, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 24 de Junho de 2003, processo nº 6350/02). Não se pode aceitar, no entanto, que seja esse o sentido e alcance do nº 1 do art. 23.º.

 

É de referir que, a págs. 98 a 106, o chamado Anteprojecto da Reforma do IRC, subscrito pela Comissão de Reforma do IRC, proporia a alteração da redacção do nº 1 do art. 23.º, então em vigor, em ordem a considerar dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável de IRC, os gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo.

 

A redacção proposta pela Comissão de Reforma do IRC para o nº 1 do art. 23.º do Código do IRC deixaria, por outro lado, de fazer referência ao requisito da indispensabilidade do gasto.

 

A supressão da referência ao princípio da indispensabilidade seria justificada, nesse documento, pela necessidade de adequação dessa norma legal à interpretação que dele viria alegadamente a ser feita pelos tribunais superiores do requisito da indispensabilidade: esgotar-se-ia, sem mais, na obrigatoriedade de o gasto ou perda ser suportado ou incorrido no âmbito da actividade do sujeito passivo, não tendo qualquer relevância autónoma.

 

Indispensável, seria todo o gasto relacionado com a actividade da empresa.

 

No entanto, a redacção finalmente aprovada do nº 1 do art. 23.º, subordinaria o reconhecimento como custos do exercício dos gastos ou perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo com vista a obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.

 

À luz dessa alteração legal, não pode deixar de ser entendido que o critério da indispensabilidade do custo mantém hoje relevância autónoma, perante o da relação com a actividade da empresa.

 

Não basta à qualificação como gasto dedutível a mera relação do encargo com a actividade da empresa: o gasto concreto tem de relacionar-se, como sucedia anteriormente à Lei nº 2/2014, com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a imposto, único caso em que tem verdadeiramente natureza empresarial.

 

Inversamente, a exclusão da aplicação do nº 1 do art. 23.º não depende da demonstração de o gasto visar a concessão de vantagens a favor de terceiros ou de benefícios a favor do património pessoal do empresário, bastando a demonstração da ausência do escopo lucrativo.

 

Essa relação reporta-se, sem dúvida, ao momento em que o gasto é incorrido ou a perda suportada, não sendo relevante, se o resultado pretendido foi efectivamente obtido, facto apenas susceptível de apuramento posterior.

 

Caso assim não fosse, a administração fiscal estaria, concede-se, a avaliar a oportunidade ou mérito da gestão do sujeito passivo com base em elementos que este não conhecia nem podia conhecer aquando da assunção do encargo.

 

Questão diferente da avaliação da oportunidade ou mérito da gestão é a possibilidade de a administração fiscal, de acordo com critérios de racionalidade económica, avaliar se o gasto concreto, aquando do seu dispêndio, é, ou não, à luz de critérios objectivos, útil e inevitável para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora, cuja negação se traduziria na ausência pura e simples de qualquer efectividade do nº 1 do art. 23.º do CIRC.

 

Não deve a administração fiscal reconhecer como custos do exercício gastos que, à luz desses critérios, não podiam, pela sua natureza, concorrer para a realização ou garantia dos rendimentos sujeitos a imposto.

 

O não reconhecimento desses gastos não implica qualquer apreciação da oportunidade ou mérito da gestão exercida, mas o reconhecimento da impossibilidade dos fins que o sujeito passivo declarou alcançar.

 

A dedutibilidade fiscal das menos-valias estava - e continua a estar mesmo após a Lei nº 2/2014 - ao crivo da indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (nesse sentido, ver o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul 05295/12, de 13 de Novembro de 2014, que contrariou a doutrina do Acórdão nº 00595/06, de 13 de Setembro de 2013, do Tribunal Central Administrativo Norte).

 

A alínea l) do nº 1 do art. 23.º do Código do IRC deve ser entendida sem prejuízo do princípio da indispensabilidade: só são dedutíveis as menos-valias resultantes de operações genuinamente empresariais. 

 

É o que, aliás, ainda que apenas teoricamente, admite a maioria dos membros do Tribunal ao declarar a indispensabilidade da menos-valia realizada com a cessão de créditos que originaram a liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Nessa medida, não cabem no conceito de custos as menos- valias realizadas no âmbito da actividade da empresa em virtude da cessão de créditos por valor inferior ao nominal, sem que, aquando da cessão, tivessem sido contabilizadas, quaisquer perdas por imparidades fiscalmente relevantes, nos termos do nº 2 do art. 36.º do Código do IRC, por o devedor ter pendente processo de insolvência ou de recuperação de empresas ou processo de execução, os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral ou estarem em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento ou, se existirem provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento, ou, no caso de inadmissão ou insuficiência de perda por imparidade, os créditos em causa não tenham sido directamente considerados custos ou perdas de exercício com fundamento na sua incobrabilidade, face ao disposto no art. 41.º do CIRC.

 

Ou seja, sem que tenha sido demonstrada a irrecuperabilidade ou sequer o risco de irrecuperabilidade do crédito.

 

A venda de uma carteira de créditos por valor inferior ao nominal, salvo quando os créditos já tenham sido previamente contabilizados como incobráveis ou de cobrança duvidosa, não é, assim, uma operação que possa contribuir, numa perspectiva de racionalidade económica, para o lucro da empresa.

 

Pode, quanto muito, contribuir para o empolamento dos gastos e consequente redução ou eliminação do imposto a pagar.  

 

No caso concreto, da aplicação do critério da indispensabilidade dos gastos, resulta apenas poderem ser considerados como custos do exercício as menos-valias realizadas com a cessão de créditos contabilizados como de cobrança duvidosa ou incobráveis aquando da cessão, contabilização que a própria Requerente reconhece não ter acontecido.

 

Como, por isso, os créditos cedidos eram ainda fiscalmente recuperáveis por não serem de cobrança duvidosa ou incobráveis, as menos-valias em causa não cabem no conceito de custos do exercício, por violação do princípio da indispensabilidade.

 

Tal conclusão não implica qualquer juízo sobre o mérito ou oportunidade das decisões de gestão da empresa, mas resulta pura e simplesmente da impossibilidade de esse tipo de dispêndio ser considerado custo.

 

O requisito da não recuperabilidade tem de se verificar aquando da cessão, ou seja, da transferência definitiva dos activos, e não posteriormente, com a declaração de falência da devedora dos créditos.

 

Se essa circunstância ocorreu posteriormente, como teria sido o caso, seria ao cessionário do crédito que caberia registar a respectiva imparidade, nos termos do Código do IRC e da Norma Contabilística de Relato Financeiro nº 27.

 

É de referir que, nos termos das alíneas c) e d) do nº 3 do art. 36.º do CIRC, o facto de devedor e credor serem entidades relacionadas não obsta à contabilização dos créditos como de cobrança duvidosa ou incobráveis. 

 

Ao presente caso, é aplicável a doutrina do Acórdão nº 0963/13, de 4 de Novembro de 2015, do Supremo Tribunal Administrativo relativo à extinção de um crédito, “por perdão”, à margem da disciplina do nº 2 do art. 36.º do Código do IRC, com o mero fundamento do interesse da empresa, que não foi considerado suficiente para a menos-valia respectiva ser considerada custo ou perda de exercício.

 

A doutrina desse Acórdão, por identidade dos fundamentos, tanto é aplicável à pura e simples extinção dos créditos como à sua transferência, por cessão.

 

O fundamento principal do julgamento da inadmissibilidade do gasto não foi, para o Supremo Tribunal Administrativo, o dito perdão não ter relação com a actividade da empresa, mas o crédito em causa ser ainda recuperável, por não ter sido contabilizado como de cobrança duvidosa ou incobrável.

 

Deve, finalmente, ser referido que da posição sustentada na presente declaração resultaria uma dupla tributação jurídica dos créditos cedidos, que já teriam sido tributados aquando da sua obtenção, independentemente do seu efectivo recebimento, nos termos do nº 1 do art. 18.º do Código do IRC.

 

Ainda que essa dupla tributação jurídica tivesse ocorrido, é perfeitamente legítimo e não é chocante, ao contrário das consequências que resultam do abandono na prática do princípio da indispensabilidade, que o legislador fiscal tenha subordinado o reconhecimento para efeitos fiscais do abate ao ativo dos créditos obtidos a requisitos específicos, com vista a evitar situações de ausência de tributação.      

 

Embora entenda que é curta e redutora a interpretação feita na Decisão do conceito de tributação autónoma, como se todas elas estivessem relacionadas com a contraposição dos rendimentos de trabalho, concordo com o sentido da Decisão, neste particular.

 

Lisboa, 3 de Julho de 2017

 

(Jorge Carita)



[1]                             Entre muitos, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 9-10-2002, processo n.º 09/02.

[2]              Sem prejuízo de, no caso de procedência da pretensão anulatória, ser ainda possível à Requerente, em execução de julgado, apresentar outros documentos relativo a despesas com a prestação da garantia bancária, como afirma pretender, na parte final das alegações.

[3]              Actual artigo 41.º.