Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 545/2016-T
Data da decisão: 2017-10-12  IRC  
Valor do pedido: € 332.718,20
Tema: IRC – Tributação Autónoma – Bónus pagos a Administradores
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Decisão Arbitral

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitro-presidente), Mestre Ricardo da Palma Borges e Professor Dr. Américo Brás Carlos (Árbitros-adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12 de Dezembro de 2016, acordam no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. O Requerente A…, S.A., com sede na Rua…, …, …, …-… Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação fiscal …, representado pela B…- Sucursal em Portugal, em virtude da sua extinção e da transmissão dos seus direitos para esta última entidade, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), artigo 6.º, n.º 2, al. b), e artigo 10.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante abreviadamente designado por “RJAT” – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de Tribunal Arbitral colectivo, para o que formulou pedido nesse sentido, em 2 de Setembro de 2016.

 

  1. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste (i)na anulação parcial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016…, referente ao exercício de 2011, e, inicialmente, da liquidação dos respectivos juros compensatórios (demonstração de liquidação n.º 2016…), da soma das quais se apurou o valor total a pagar de € 314.762,87, (ii) bem como no reembolso das quantias indevidamente pagas pelo Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa máxima legal, até efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29 de Setembro de 2016.

 

  1. No exercício da opção de designação de árbitro prevista na al. b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, igualmente do RJAT, o Requerente designou como árbitro o Exmo. Senhor Dr. Ricardo da Palma Borges.
  2. Nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como árbitro o Exmo. Senhor Professor Dr. Américo Brás Carlos.
  3. De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD notificou o Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 11 de Novembro de 2016, e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de árbitro-presidente.
  4. Em 23 de Novembro 2016 os árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro-Presidente.
  5. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 23 de Novembro de 2016.
  6. Em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 12 de Dezembro de 2016.
  7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o Requerente alega, em síntese, o seguinte:
    1. Que era, à data dos factos, uma instituição de crédito portuguesa, mais concretamente um banco com sede em Portugal, sendo posteriormente extinto, em 2013, por via de fusão por incorporação numa sociedade de direito inglês, o B…, que lhe sucedeu em todos os seus direitos, cujo objecto social consistia na realização de operações financeiras, estando autorizado a efectuar as operações descritas no artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), sujeito, como tal, à regulamentação e supervisão do Banco de Portugal.
    2. Que ao proceder ao pagamento em 2012 da primeira parcela (50%) da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração referente ao exercício de 2011, no montante de € 950.623,33 - tendo efectuado o pagamento da restante parcela (correspondente a 50% do total atribuído) ao longo dos três anos seguintes de forma proporcional -, actuou em estrito cumprimento da legislação a que está adstrito - regulatória e fiscal.
    3. O Requerente não se conforma com o Ponto III.1.3.1.1. do Relatório de Inspecção, que deu origem à liquidação sub judice, pois considera que se encontravam verificadas as condições legais para a não aplicação da tributação autónoma prevista na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do Código do IRC (“CIRC”).
    4. Segundo a mencionada norma, há lugar a tributação autónoma dos montantes suportados por um sujeito passivo, a título de remunerações variáveis pagas aos seus administradores, quando se verifiquem as seguintes condições:
      1. Exista uma parcela da remuneração variável que exceda 25% da remuneração anual fixa destes administradores;
      2. O valor total da remuneração variável exceda o montante anual de € 27.500; e
      3. Não se verifiquem as seguintes condições cumulativas de afastamento da tributação autónoma:
        1. O pagamento esteja subordinado ao diferimento de, pelo menos, 50% do valor da remuneração variável por um período mínimo de três anos; e
        2. O diferimento esteja condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período de três anos.
    5. O Requerente não contesta o que a Requerida defende no Relatório de Inspecção, ao considerar que os critérios quantitativos referidos nos pontos a) e b) do parágrafo antecedente se encontram verificados, pelo que as condições de partida para a aplicação da tributação autónoma também existem.
    6. Contudo, o Requerente apela à evolução da redacção da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, do artigo 90.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (norma específica aplicável ao sector financeiro) e à explicação dada nos respectivos trabalhos preparatórios para a existência da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, para defender a convergência entre o regime fiscal (geral) e o regime regulatório (específico para o sector financeiro).
    7. Alega ainda que a regulação europeia e nacional dos pagamentos a gestores de topo de instituições de crédito desde 2006 serviu de justificação para a introdução da norma de tributação autónoma objecto de análise na presente acção (a al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC), a qual deve ser entendida como impondo a aquisição do direito ao pagamento do montante diferido numa base proporcional ao longo do período de diferimento, não tendo a interpretação dada pela Requerida, no sentido de que o pagamento em regime de diferimento implicaria que o total do montante diferido só fosse pago no final do período de diferimento, qualquer respaldo legal. Assim, o Requerente sintetiza a evolução das normas fiscais e regulatórias da seguinte forma:

  1. Argumenta também que da letra da lei, em consonância com o seu espírito, resulta que a parte diferida da remuneração variável pode ser paga ao longo dos três anos subsequentes, na medida em que não é mencionada a suspensão ou o adiamento “integral” (ou “total”) da quantia, mas sim o seu “diferimento por três anos” e, desta forma, da referida norma legal nada resulta, como erroneamente interpreta a Requerida, que a quantia sujeita ao regime de diferimento apenas possa ser paga após o decurso (fim) desse período.
  2. Invoca ainda a necessidade de compatibilização das normas fiscais e regulatórias na interpretação da norma fiscal, à luz do n.º 2 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), para defender igualmente que a expressão “diferimento por três anos” deve ser interpretada no sentido de permitir um pagamento proporcional ao longo do referido período de três anos.
  3. O Requerente invoca também que a interpretação efectuada pela Requerida constitui uma restrição desproporcional à liberdade de actuação dos privados, que são assim afectados por uma limitação ao livre estabelecimento da sua política remuneratória que não se encontra expressamente prevista na lei, e uma ingerência na jurisdição bancária e financeira.
  4. Defende igualmente que, ainda que se entendesse que seria “lógico” aguardar pelo decurso do período de três anos, pois só aí se poderia verificar se houve desempenho positivo (segundo critério legal exigido para dispensar a tributação autónoma), ainda assim sempre se poderia liquidar adicionalmente a tributação autónoma em caso de não cumprimento do critério do desempenho positivo, acrescida de juros compensatórios (sem prejuízo para o Estado).
  5. No que respeita ao critério do desempenho positivo, invoca nos termos da al. c) do artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de fundamentação no relatório de inspecção, uma vez que a lei não define o que se deva entender por “desempenho positivo” ‑ sendo que, em sede de inspecção tributária a Requerida vem defender que o mero facto de a sociedade ter tido resultados negativos é suficiente para que a possibilidade de não aplicação da tributação autónoma fique afastada.
  6. Enquanto requisito (cumulativo) a atender para efeitos da exclusão de incidência objectiva, o Requerente entende que a densificação do conceito “desempenho positivo” caberá casuisticamente a cada empresa, tendo em conta as regras regulatórias, societárias e estatutárias aplicáveis.
  7. Consequentemente, o Requerente seguiu como critérios de atribuição de remuneração variável aos membros executivos do seu órgão de administração o resultado consolidado operacional recorrente do exercício (Resultado Consolidado Operacional - RCO), pois este critério, apesar de também partir dos resultados contabilísticos objectivos do Requerente, é mais adequado do que o critério seguido pela Requerida, uma vez que inclui aqueles que ocorrem na esfera de sociedades integralmente detidas pelo Banco e expurga o efeito de acontecimentos que escapam ao controlo dos administradores da sociedade, nomeadamente os resultados que decorrem de participações minoritárias em outras sociedades, como era o caso, em 2011, da participação detida pelo Requerente no Banco C… .
  8. Defende adicionalmente que a manutenção de um nível excepcionalmente baixo de crédito “malparado” – Non Performing Loans (“NPL”), a sua solvabilidade comparada com o restante sistema bancário português e o facto de ter obtido lucro tributável e pago IRC são igualmente indicadores de desempenho positivo do Requerente.
  9. Por último, defende o seu direito a juros indemnizatórios, a calcular, sobre o montante de € 314.762,87, desde a data do pagamento (i.e., 6 de Junho de 2016) até ao efectivo e integral reembolso por parte da AT, à taxa de 4% ao ano, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, do n.º 10 do artigo 35.º e do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/03, de 8 de Abril.

 

  1. A Requerida apresentou resposta, concordando com a factualidade e defendendo-se por impugnação de direito, invocando em síntese:
  1. No cálculo das tributações autónomas do ano de 2011 (campo 365 do Quadro 10 da declaração Modelo 22), o Requerente não procedeu em conformidade com o legislador, apesar de no Balancete Analítico Global reportado a 2011-12-31 estarem registados gastos com remunerações variáveis dos Órgãos de Gestão e Fiscalização (OGF), relativas ao exercício de 2011, na conta “70000901 - PR-PREMIO ANUAL”, a qual apresenta saldo devedor de € 2.935.852,00.
  2. A norma constante na al. b), do n.º 13, do artigo 88.º, do CIRC, refere-se aos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis, pelo que a mesma indicia considerar e qualificar como facto gerador da tributação autónoma o momento do reconhecimento dos gastos relativos às referidas remunerações.
  3. Como princípio subjacente a esta norma está que o gasto inerente aos benefícios dos gestores, administradores ou gerentes deve ser reconhecido no período em que uma entidade aufere os serviços dos referidos colaboradores e em que esta assume e reconhece a obrigação de atribuição das remunerações em causa, sendo a mesma relevada para efeitos da formação/determinação do resultado económico e fiscal apurado nesse período (e não quando os benefícios são pagos).
  4. A sujeição à tributação autónoma dos gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes, depende da verificação cumulativa de um conjunto de pressupostos relacionados com o valor dos próprios encargos (“superior a € 27.500,00”) e com o seu peso relativo no cômputo da remuneração anual paga (“uma parcela superior a 25% da remuneração anual”).
  5. Tal verificação cumulativa, conjuntamente com a não aplicação dos requisitos da delimitação negativa de incidência prevista na parte final da al. b), do n.º 13, do artigo 88.º do CIRC (“salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período”), permite aferir da sujeição, ou não, à tributação dos referidos encargos.
  6. Desta forma, uma vez que o Requerente não cumpriu com as condições necessárias, nos termos da al. b), do n.º 13, do artigo 88.º do CIRC, as remunerações variáveis pagas em 2012 e contabilizadas como gasto em 2011, estão sujeitas à tributação autónoma de 35%, totalizando € 332.718,20.
  7. A Requerida invoca os artigos 11.º, n.º 1, da LGT e o artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil para sustentar que a norma em questão não se limita a sociedades cotadas em bolsa ou às instituições financeiras de crédito e, consequentemente, o que o legislador não distingue não cabe ao intérprete distinguir (pelo que o Requerente incorre em falha de metodologia hermenêutica).
  8. Recorre ainda à evolução da norma e à nota justificativa da proposta do Partido Comunista Português para defender que as motivações subjacentes à introdução da tributação autónoma em questão aplicam-se a toda e qualquer sociedade, não estando em causa qualquer convergência com o regime regulatório para o sector financeiro.
  9. Alega ainda que a norma não suscita dúvidas interpretativas na comum interpretação de um homem médio no que respeita aos conceitos de “diferimento de três anos” e de “desempenho positivo”, pelo que não carece de ser interpretada através de outros ramos do direito.
  10. A Requerida sustenta também que a palavra “mínimo” implica que por mínimo se tenha o período em que não poderá ocorrer qualquer pagamento, porquanto está dependente do desempenho da sociedade durante a janela temporal de três anos, sendo que o Requerente não cumpriu com o primeiro dos pressupostos, ou seja a permanência de um período mínimo de três anos antes de ocorrer o pagamento.
  11. Defende ainda não existir qualquer restrição desproporcional à liberdade de actuação dos privados nem ingerência da norma fiscal na jurisdição bancária e financeira, pois o Requerente tem plena liberdade de remunerar os seus administradores, da forma e pelo montante que entende, como aliás veio a fazer, invocando para o efeito o acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional, de 13 de Abril.
  12. Acresce que, no que concerne ao desempenho/resultado positivo, nos anos de 2011 e 2012, o Requerente apresentou um resultado líquido de € -111.989.574,82 e € -2.757.055,07, pelo que não se compreende que desempenho positivo possa o Requerente obter, quando inclusive cessou a actividade no ano de 2013.
  13. Quanto ao pedido dos juros indemnizatórios, alega inexistir por parte da Requerida qualquer erro nos pressupostos de facto ou de direito nos actos de liquidação aqui postos em crise.
  14. Por último, quanto à testemunha arrolada pelo Requerente, alegou que a produção de prova testemunhal deveria ser dispensada, em nome do princípio da celeridade, porquanto para as questões em litígio, a prova a fazer reportar-se-ia exclusivamente a actos ou factos inseridos ou revelados em documentos administrativos ou com origem nas partes, que se encontravam incorporados nos processos onde foram produzidos ou autuados, pelo que apenas seria relevante e necessária a prova documental.

 

  1. Por requerimento de 9 de Fevereiro de 2017, o Requerente veio a pedir a junção aos autos de documentos e em simultâneo pronunciou-se quanto ao teor da contestação, tendo o Tribunal, por despacho arbitral de 13 de Fevereiro de 2017, concedido à Requerida o prazo de 5 dias para exercer, querendo, o contraditório.

 

  1. A Requerida exerceu o contraditório por requerimento de 15 de Fevereiro de 2017, tendo posteriormente o Tribunal considerado admissível a junção de documentos, por despacho arbitral de 20 de Fevereiro de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”), mas não a produção de novo articulado em resposta à impugnação de facto realizada na contestação, termos em que ordenou o desentranhamento do articulado apresentado e se concedeu ao Requerente o prazo de 5 dias para apresentação de mero requerimento de junção de documentos para posterior decisão do Tribunal.

 

  1. Também por despacho arbitral de 20 de Fevereiro de 2017, o Tribunal dispensou a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por não haver razões que a justificassem, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplicidade e a informalidade deste (cfr. artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT). Mais, ao abrigo do artigo 18.º do RJAT, designou-se para efeitos de realização da audiência de julgamento o dia 15 de Março pelas 10 horas, procedendo-se à inquirição de testemunhas, a apresentar pelo Requerente.

 

  1. No dia 15 de Março de 2017, pelas 10 horas, teve lugar no CAAD uma reunião do Tribunal Arbitral em que se procedeu à inquirição da testemunha arrolada pelo Requerente. O Tribunal notificou o Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias, contando o prazo para a Requerida da notificação da junção das alegações pelo Requerente. O Tribunal, em cumprimento do disposto no artigo 18.º, n.º 2, do RJAT, designou o dia 12 de Junho de 2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral. 

 

  1. O Requerente apresentou as suas alegações escritas a 30 de Março de 2017, mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados iniciais, acrescentando, contudo, o seguinte:
    1. Na sequência de reclamação graciosa parcialmente deferida também por referência ao IRC de 2011 (mas tendo por objecto um outro tema), em que a AT emitiu a liquidação de IRC n.º 2016…, eliminando os juros compensatórios, o Requerente reformulou o seu pedido de modo a restringi-lo ao imposto adicionalmente liquidado, ou seja, passando o valor total em discussão a € 332.718,20, correspondente ao valor do acréscimo de tributação autónoma, não obstante o valor da causa corresponder ao valor da liquidação impugnada, subtraído do valor dos juros compensatórios, ou seja, a € 272.790,51 (duzentos e setenta e dois mil, setecentos e noventa euros e cinquenta e um cêntimos).
    2. Alegou ainda, no que respeita à questão da extemporaneidade da tributação autónoma efectuada, referida pela Requerida, que o momento relevante para determinação da tributação autónoma nestes casos não é o momento em que o gasto é reconhecido na contabilidade do sujeito passivo, mas sim o momento em que o prémio ou bónus é efectivamente pago, uma vez que o artigo 88.º, n.º 12, al. b), do CIRC utiliza a expressão “pagas”, citando para tal o acórdão do CAAD de 22 de Dezembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 204/2015-T, pelo que também por este motivo a tributação autónoma neste caso é ilegal.

 

  1. Atentas as férias judiciais de 9 a 17 de Abril de 2017, a Requerida apresentou alegações escritas sucessivas dentro do prazo, a 26 de Abril de 2017, mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados iniciais.

 

  1. No dia 4 de Junho de 2017, foi proferido despacho arbitral prorrogando o prazo da arbitragem por dois meses e indicando-se como data limite para ser proferida a decisão o dia 12 de Agosto de 2017, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, uma vez que não foi possível proferir decisão arbitral no prazo de seis meses (segundo o estatuído no n.º 1 do mesmo artigo) por este incluir períodos de férias judiciais e ter havido lugar a julgamento, ao que acresce a complexidade do próprio processo. Data posteriormente prorrogada pelos mesmos fundamentos para o dia 12 de Outubro de 2017, por despacho de 28 de Julho. 

 

  1. A 22 de Junho de 2017, atento o facto de o Requerente ter nas suas alegações reformulado o pedido, restringindo-o, pois, ao imposto adicionalmente liquidado, o Tribunal emitiu um despacho arbitral propondo a fixação do valor da causa (notificando-se as partes para se pronunciarem, querendo, no prazo de 5 dias) nos seguintes termos:
    1. Estabelece a al. a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT, que o valor atendível da causa será “Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende”.
    2. Se é certo que a pretensão inicial objecto do pedido de pronúncia arbitral consistia na anulação parcial da liquidação de IRC n.º 2016…, referente ao exercício de 2011, e dos respectivos juros compensatórios (cfr. demonstração de liquidação n.º 2016…), cuja soma determinava um valor total a pagar de € 314.762,87, também é certo que “a importância cuja anulação se pretende” não se limita ao valor a pagar.
    3. Na verdade, a tributação autónoma em causa corresponde ao montante de € 332.718,20 (cfr. p. 21/25, 6.º parágrafo, do Relatório de Inspecção Tributária).
    4. Uma vez que a importância cuja anulação se pretende corresponde à tributação autónoma em causa, propõe-se a fixação do valor da causa em € 332.718,20 (trezentos e trinta e dois mil setecentos e dezoito euros e vinte cêntimos).

 

  1. As partes, legalmente notificadas do despacho sobre o valor da causa, nada disseram.

 

 

  1. SANEAMENTO

 

  1. O Tribunal é competente.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades, havendo, contudo, que resolver a questão prévia da extemporaneidade da tributação autónoma efectuada, alegada pelo Requerente, o que será feito em sede de apreciação da matéria de direito.
  3. Atendendo ao mencionado no ponto I.13 do Relatório, e considerando que as partes não se opuseram ao despacho sobre a matéria proferido em 22 de Junho de 2017, fixa-se, assim, oficiosamente, o valor da causa em € 332.718,20, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).
  4. Em alegações veio a Requerente comprovar que tinham sido anulados os juros compensatórios inicialmente liquidados, não tendo nisso sido contrariada pela Requerida, termos em que não se conhece daquele pedido.

 

  1.  DO MÉRITO

III.1. Matéria de facto

III.1.1. Factos provados

19) Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. O Requerente era, à data dos factos, uma instituição de crédito portuguesa, mais concretamente um banco com sede em Portugal, sendo posteriormente extinto, em 2013, por via de fusão por incorporação, com neutralidade fiscal, numa sociedade de direito inglês, o B…, que lhe sucedeu em todos os seus direitos, cujo objecto social consistia na realização de operações financeiras, estando autorizado a efectuar as operações descritas no artigo 4.º do RGICSF, sujeito, como tal, à regulamentação e supervisão do Banco de Portugal.
  2. O Requerente entregou, em 30 de Maio de 2012, a sua Declaração de Rendimentos Modelo 22, na qual apurou um lucro tributável de € 39.924.867,45 (dos quais € 33.936.137,33 sujeitos a tributação e € 5.988.730,12 isentos) e, em consequência, o montante de € 2.237.685,50 de imposto a pagar (cfr. Documento 4 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  3. Na sequência de uma acção inspectiva, de carácter externo e de âmbito parcial, dirigida à análise do apuramento do IRC efectuado pelo Requerente, com referência ao exercício de 2011, designadamente em cumprimento da Ordem de Serviço OI2014…, emitida pela Direcção de Finanças de Lisboa, o Requerente foi notificado, através do Ofício n.º…, de 16 de Março de 2016, do respectivo Projecto de Relatório, cujo Ponto III.1.3.1.1. respeitava a uma proposta de correcção de tributação autónoma, relativa a bónus e outras remunerações variáveis de administradores, no montante de € 332.718,20, por se entender que o montante pago pelo Requerente a título de remunerações variáveis aos seus administradores estava sujeito a tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC (cfr. Documentos 5 e 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  4. Em 5 de Abril de 2016 os Serviços de Inspecção Tributária notificaram o Requerente do Relatório de Inspecção Tributária, onde se mantiveram as correcções preconizadas para o referido exercício (cfr. Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral), não tendo o Requerente exercido o direito de audição.
  5. Na sequência das conclusões constantes do Relatório de InspecçãoTributária, o Requerente foi notificado da demonstração de liquidação de IRC, da demonstração de liquidação de juros e da demonstração de acerto de contas, referente ao exercício de 2011, nas quais se apurou o montante de € 314.762,87 a pagar, cujo prazo de pagamento voluntário terminou no dia 7 de Junho de 2016, tendo procedido ao seu pagamento integral em 6 de Junho de 2016 (cfr. Documento 7 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  6. A política de remuneração dos membros dos órgãos sociais aplicada pelo Requerente, à data dos factos, foi aprovada em sede de Assembleia Geral em 8 de Agosto de 2011 e consta da respectiva Acta número 62 (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral), determinando-se que:

2. Remuneração dos membros da Comissão Executiva do Conselho de Administração:

a) Os membros da Comissão Executiva auferem uma remuneração fixa em dinheiro aprovada pela Assembleia Geral do Banco, que poderá ser diversa entre eles, paga doze vezes durante o ano, e uma eventual remuneração variável, a qual não poderá exceder 15% do resultado operacional recorrente do exercício (Resultado Consolidado Operacional). O Resultado Consolidado Operacional (RCO) não incluirá os resultados decorrentes de eventos extraordinários não ligados à exploração corrente do Banco e de suas filiais, assim como os resultados quer correntes quer extraordinários apurados directa ou indirectamente relativamente a sociedades participadas que não sejam consideradas filiais, ou seja, a associadas e outras participações minoritárias.

  1. O Requerente seguiu como elemento limitador - até 15% do Resultado Consolidado Operacional-RCO - da atribuição de remuneração variável aos membros executivos do seu órgão de administração, daí excluindo, para o seu apuramento, para mais ou para menos, impactos decorrentes da participação indirecta e minoritária no Banco C… com base no facto de que o acompanhamento da actividade do Banco C… e a gestão de tal participação não competiam aos administradores do Requerente (cfr. Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral e prova testemunhal).
  2. O Requerente, no âmbito da sua política de remuneração, elegeu também definir como limite de atribuição de remuneração variável a manutenção de um rácio de solvabilidade adequado, estabelecendo que tal rácio não poderia ser significativamente afectado pelo pagamento de remuneração variável aos membros da Comissão Executiva, nem contribuir para pôr em causa a continuidade e sustentabilidade da actividade futura do banco (Documento 8 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  3. A atribuição da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração foi aprovada pelo Comité de Remunerações em 14 de Fevereiro de 2012 e consta da respectiva acta, referida no Relatório de Inspecção Tributária (Documento 9 junto ao pedido de pronúncia arbitral), sendo sintetizada da seguinte forma:

Nome do Administrador

Valor do Bónus

Moeda

D...

756.472

GBP

E...

519.151

GBP

F...

310.000

EUR

G...

380.000

EUR

 

  1. O Requerente procedeu em 2012 ao pagamento da primeira parcela (50%) da remuneração variável aos administradores da sua Comissão Executiva do Conselho de Administração referente ao exercício de 2011, no montante de € 950.623,33, tendo efectuado o pagamento da restante parcela (correspondente a 50% do total atribuído) ao longo dos três anos seguintes de forma proporcional (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  2. As remunerações anuais do Conselho de Administração Executivo são as seguintes (Documento 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral):

Nome

Remuneração Anual

25%

D...

320.508,00

80.127,00

E...

308.986,00

77.246,50

F...

138.206,88

34.551,72

G...

156.000,00

39.000,00

 

  • Nos anos de 2011 e 2012 o Requerente teve resultados líquidos negativos (€ -111.989.574,82 e € -2.757.055,07 respectivamente), verificando-se, contudo,  lucros tributáveis, tendo havido pagamento de IRC (cfr. Documentos 4 e 12 juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Fundamentação da matéria de facto

A factualidade provada teve por base a posição assumida pelas Partes e não contestada e a análise dos documentos junto aos autos pelo Requerente, que não foram impugnados.

Para além do facto constante do ponto g) do probatório, o depoimento testemunhal  não se revelou suficientemente convincente e esclarecedor para servir de base à convicção do tribunal.

 

III.1.2. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

III.2.1 Questão controversa

A questão controversa nos presentes autos é a de saber se é aplicável a exclusão de tributação autónoma prevista na 2.ª parte da al. b) do n.º 13, do artigo 88.º, do CIRC aos bónus e outras remunerações variáveis relativas ao exercício de 2011, atribuídas pelo Requerente a administradores que integram a sua comissão executiva.

O referido artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC dispõe que:

«São tributados autonomamente, à taxa de 35%: 

Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a €27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período». 

 

III.2.2. Da extemporaneidade da tributação

Sem que o tivesse feito na sua petição inicial, veio o Requerente, em alegações, arguir a extemporaneidade da tributação autónoma efetuada, fundamentando-se na decisão proferida no Processo n.º 204/2015-T do CAAD, argumentando que «o momento relevante para a determinação da tributação autónoma nestes casos não é o momento em que o gasto é reconhecido na contabilidade do sujeito passivo, como pretende a Fazenda Pública na sua Contestação, mas sim o momento em que o prémio ou bónus é efetivamente pago, pelo que também por este motivo a tributação autónoma neste caso é ilegal, uma vez que a remuneração variável não foi paga em 2011, tendo o primeiro pagamento por referência a 2011 ocorrido em 2012». 

Por seu lado, a Requerida, notificada das alegações da Requerente, apresentou em tempo as suas alegações, sem que se tenha pronunciado sobre esta nova causa de anulação da tributação autónoma em análise.

Cumpre ao Tribunal decidir previamente esta questão.

Tendo presente o disposto no n.º 4 do artigo 581.º do CPC, verifica-se que o Requerente trouxe aos autos, em alegações, uma nova causa de pedir: um novo facto jurídico invocado para obter a pretensão deduzida; no caso, a pretensão de anulação da tributação autónoma. Em face da factualidade sub judice, não lho permitia, contudo, a lei.

Só a nulidade é invocável a todo o tempo e de conhecimento oficioso (v. artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), artigo 102.º, n.º 3, do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, als. a) e d), do RJAT) e não se vê que caiba aqui esta sanção. Actos nulos são aqueles «a que falta qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei que expressamente preveja esta forma de invalidade»[1] como ocorre com os actos elencados nas als. do n.º 2 do artigo 161.º do CPA. O acto em questão não se enquadra em nenhuma destas previsões.

O Tribunal entende que a Requerente veio arguir um vício de violação de lei traduzido na aplicação pela Requerida da norma da al. b) do n.º 13, do artigo 88.º do CIRC a gastos contabilizados em vez de a pagamentos efectuados, determinando assim, em seu entender a inexistência de facto tributário no exercício de 2011. Este vício de violação de lei, contudo, não determina a nulidade, mas antes a mera anulabilidade, como resulta da lei (artigo 163.º, n.º 1, do CPA), da jurisprudência[2] e da doutrina[3]. E, tratando-se de vícios cujo valor negativo é o da anulabilidade, devem constar do pedido de pronúncia arbitral os «fundamentos do pedido» e, «bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do pedido de pronúncia arbitral» (artigo 10.º, n.º 2, al. c), do RJAT). No mesmo sentido dispõem a al. a) do artigo 108.º do CPPT e o artigo 260.º do CPC. Como, também, em idêntico sentido, sobre esta matéria se pode ler a fls. 13 do acórdão do CAAD, Processo n.º 33/2012-T «Quanto aos vícios do acto impugnado quando o impugnante está em condições de poder invocar na petição inicial do processo de impugnação judicial caduca o direito de os invocar se não fizer nesse momento tal invocação».  

Tudo ponderado, não se estando perante um facto superveniente, não pode o Tribunal apreciar a causa de pedir “extemporaneidade da tributação” invocada nas alegações do Requerente.

Decidida esta questão pela não aceitação da nova causa de pedir, não deve também, por inútil para os autos (v. artigo 130.º do CPC) o Tribunal pronunciar-se sobre o mérito da decisão proferida no Acórdão do CAAD, Processoº n.º 204/2015-T, trazida pelo Requerente como fundamento da sua pretensão de na norma sub judice fazer prevalecer a referência a «remunerações variáveis pagas» à que na mesma norma e em ligação com o regime de periodização económica (v. artigo 18.º do CIRC) se reporta a «os gastos ou encargos».

 

III.2.3. Dos requisitos para a exclusão da tributação autónoma

As partes concordam que as remunerações variáveis em análise representam uma parcela superior a 25% da remuneração anual de cada um dos respetivos beneficiários. E, por isso, a tributação autónoma apenas será afastada se verificados cumulativamente os dois requisitos constantes da segunda parte da al. b) do n.º 13, do artigo 88.º, do CIRC. A saber:

  1. O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos;
  2. O pagamento estar condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período.

 

As partes divergem, contudo, sobre a verificação destes requisitos de exclusão da tributação na situação sub judice.

Por um lado, o Requerente entende que estes requisitos estão preenchidos, porque, em síntese, a segunda parcela de 50% da remuneração variável referente ao exercício de 2011 foi paga durante os anos de 2013, 2014 e 2015. Entende também o Requerente que obteve nesse período um desempenho positivo mensurado através de um critério por si escolhido e designado por Resultado Consolidado Operacional (RCO), em linha com o seu entendimento de que «a densificação do conceito “desempenho positivo” caberá casuisticamente a cada empresa, tendo em conta as regras regulatórias, societárias e estatutárias aplicáveis» (art. 133º da PI). Mais refere que, de acordo com a «Política de Remuneração» do Requerente, o RCO «não incluirá os resultados decorrentes de eventos extraordinários não ligados à exploração corrente do Banco e de suas filiais, assim como os resultados quer correntes quer extraordinários apurados directa ou indirectamente relativamente a sociedades participadas que não sejam consideradas filiais, ou seja, a associadas e outras participações minoritárias.”Aplicando esta medida - o dito RCO - foi quantificado um resultado positivo de €14.029.000 em 2011 e também um resultado positivo em 2012 (artigos. 162.º e 163.º da PI).

A propósito da mensuração do “desempenho positivo” o Requerente refere também um outro critério relacionado com a manutenção de rácios de solvabilidade (v. artigo 159.º da PI). Já em alegações, o Requerente menciona ainda como um desempenho positivo o baixo nível de crédito “mal-parado”.

Por outro lado, a Requerida entende que não está cumprida nenhuma das duas condições cumulativas de exclusão da tributação autónoma. Em seu entender, a subordinação «ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos» significa a existência de um período mínimo de três anos antes de ocorrer qualquer pagamento relativo à parte repartível do respectivo bónus (v. artigos 107.º e 110.º da Resposta), o qual período não se verificou. Quanto à condição «desempenho positivo da sociedade», considera a Requerida que este se afere pelo resultado liquido do período, sendo que o mesmo foi negativo em €111.989.574,82 em 2011 e negativo em €2.757.055,07 em 2012 (v. artigo 125.º da Resposta).  

 

Cumpre agora decidir.

 

O Tribunal entende que os dois requisitos cumulativos para exclusão da tributação autónoma em análise devem ser analisados tendo em conta a relação que estabelecem entre si. 

A norma sub judice contém uma condição material primeira para a atribuição de bónus aos administradores: o desempenho positivo da sociedade ao longo do período de três anos. Sem a verificação desta condição não haverá qualquer exclusão tributária, seja qual for a forma e o momento em que o respetivo pagamento se efectue. É só, portanto, no final do período de três anos que se pode concluir se está verificada a condição de exclusão de tributação autónoma traduzida naquele desempenho positivo, como diz a lei: «ao longo desse período» de três anos.

Deve, pois, concluir-se que a exclusão tributária – esta delimitação negativa face à regra que é a da tributação autónoma - está dependente da verificação futura de um facto de formação sucessiva que se vai formando ao longo de um período mínimo de três anos.

A menos que a lei expressamente o dissesse, não se pode entender que a lei conceda um desagravamento fiscal condicionado antes de cumprida a condição desse desagravamento. O diferimento a que a norma se refere impõe, ao invés, que não exista qualquer pagamento de bónus até que a condição da exclusão tributária esteja cumprida. E, neste sentido, não deixa o Requerente de admitir - embora considerando depois não assistir razão à AT - que se possa entender que «seria “lógico” aguardar pelo decurso do período de três anos, pois só aí se poderia verificar se houve desempenho positivo» (artigo 123.º da PI). E, no entender do Tribunal, também neste caso, o “elemento lógico da interpretação”[4] é de fundamental importância.    

Se acaso se tiver verificado o referido desempenho positivo da sociedade, para almejar a exclusão de tributação autónoma coloca-se seguidamente a necessidade de respeitar o modo de pagamento imposto pela lei. Como se viu, para efeitos da citada exclusão, a lei impõe ainda uma subordinação quanto ao momento do pagamento: «O pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos».

 

Do cumprimento da condição «desempenho positivo da sociedade ao longo desse período»:

A norma de que vimos tratando é uma norma jurídica (com tudo o que isso significa) de exclusão fiscal, sendo, desde logo, de afastar a possibilidade de, como pretende o Requerente, a previsão da mesma poder ser construída casuisticamente por cada sujeito passivo de acordo com as suas regulamentações internas e «as suas idiossincrasias» (artigos 133.º e 134.º da PI).

Nos exercícios em análise, o referido RCO traduziu-se na prática em expurgar do resultado líquido uma imparidade relativa a uma participação no capital de outra instituição de crédito. É sabido que as empresas são obrigadas a reconhecer contabilisticamente «uma perda por imparidade na demonstração de resultados», nestes casos, pelo excedente da quantia escriturada de um activo, em relação à melhor estimativa de justo valor do referido activo (v. NCRF-27).  

Expurgar, para efeitos do cômputo do desempenho anual de uma empresa, factos negativos, por se tratarem de - como concretiza a Requerente no artigo 167.º da PI - «acontecimentos que escapam ao controlo dos administradores da sociedade» levaria a apagar dos resultados anuais das empresas uma importante quantidade de factos da sua vida normal (desvalorizações de títulos detidos ou insolvência dos emitentes, insolvência de clientes, indemnizações fixadas judicialmente, subidas de preços de combustíveis, energia ou de matérias primas, etc.).

É possível que um resultado assim obtido pudesse ser relevante para aferir do empenhamento dos administradores naquilo que estaria ao seu alcance, mas não servirá para aferir do desempenho da sociedade que, como se sabe, é coisa diferente. E foi este último desempenho que a lei escolheu como parâmetro para a dita exclusão da tributação autónoma.

É aliás importante notar que do documento que define a Política de Remunerações do Requerente ressaltam três aspectos relevantes:

a) Aquela deliberação nunca equipara a obtenção de um RCO positivo a um desempenho positivo. O que consta do documento definidor da Politica de Remunerações (v. cap. V, n.º 2, a)) é que «uma eventual remuneração variável não poderá exceder 15% do resultado operacional recorrente do exercício». O RCO é a medida base para fixar o limite máximo de remunerações variáveis a atribuir, mas nada esclarece sobre o critério, ou os critérios, que determinam e presidem a essa atribuição Também o rácio de solvabilidade não representa na circunstância um critério de medida de desempenho da sociedade, mas antes um limite à atribuição de bónus, já que a sua atribuição «não poderá afectar significativamente o rácio de solvabilidade do Banco nem de alguma forma contribuir para por em causa a continuidade e sustentabilidade da actividade futura do Banco» (artigo 19.º da PI). O nível de crédito “mal-parado” também nunca é referido na citada Politica de Remunerações como critério de desempenho positivo, nem se vê como poderia servir de critério objectivo e geral de mensuração de desempenho para todos os sujeitos passivos de IRC, como se caracteriza o âmbito pessoal de aplicação da al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC.

b) Daquele documento resulta claro que a remuneração variável de cada administrador «está sujeita a uma avaliação individual do respectivo desempenho, aprovada pelo CA», em face da ponderação de critérios como a capacidade de liderança e de gestão de pessoas. (v. cap. V, n.º 2, f)).  

c) Mais próximo de uma verdadeira medida de mensuração do desempenho estaria a regra que se encontra no cap. V, n.º 2, g) do referido documento. Ali se estipula: «a atribuição de remuneração variável é meramente eventual na medida em que está condicionada pelo alcance de resultados sustentáveis, podendo não ser atribuída, nomeadamente: (i) no caso do resultado global evidenciar uma deterioração substancial do desempenho do Banco face à média dos últimos 3 anos. (ii) E no caso de ser expectável uma deterioração substancial no exercício subsequente.» (sublinhado nosso). Ora não se vislumbra outro sentido mais próximo para a expressão “resultado global” do que o resultado líquido do período. Mas, como se viu, ao atribuir remunerações variáveis em exercícios com resultado líquido negativo, não foi essa a prática do Requerente. 

Reverter perdas por imparidade sem que à luz das regras da normalização contabilística em vigor (v. artigo 17.º, n.º 1 e n.º 3, al. a), do CIRC) tal se justifique pode, em certas circunstâncias, corporizar a criação artificiosa de condições de pagamento dos referidos bónus. O que, aliás, viola também o n.º 1 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal sobre a remuneração dos membros executivos do órgão de administração.  Aí se estipula que na parte que concerne ao desempenho da instituição a componente variável deve considerar entre outros «o real crescimento da instituição e a riqueza efectivamente criada para os accionistas». Ora a riqueza efectivamente criada para os accionistas resulta dos lucros das empresas, disponibilizados para o efeito em sede de aplicação de resultados.

É de meridiana clareza que, na ausência de disposição em contrário, a classificação do desempenho de uma sociedade se faça tendo em vista os seus resultados. E esses resultados, têm na lei uma expressão – o resultado líquido do exercício – a que se chega, precisamente, no âmbito da “classe 8 – resultados” do Quadro de Contas do SNC ou no âmbito da “classe 6 – resultados” do Plano de Contas para o Sistema Bancário.  O qual, resultado líquido, é também a medida base em que assenta a determinação do lucro tributável das sociedades e a sua tributação (artigo 17.º, n.º 1, do CIRC).

De todo o processo que antecedeu a aprovação da norma em análise, ressalta também, com clareza, a intenção de tributar fortemente os bónus sem correspondência na geração de lucros das empresas que sejam precisamente o substrato e justificação de tais pagamentos, a que, recorde-se, a empresa não estava obrigada ab initio, antes os pagando, ou não, em função dos seus resultados. Visa-se, assim, neutralizar a dedução fiscal, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos bónus sem correspondência na geração de lucros da sociedade e desincentiva-se o pagamento de remunerações variáveis quando não se tenha gerado na empresa a riqueza que os justifique. Como esclarecedoramente se pode ler no Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional «(…) No caso da alínea b) do n.º 13 do artigo 88.º, a intenção da lei parece ser a de sujeitar a tributação autónoma as remunerações variáveis que se não encontrem associadas a critérios de produtividade»

Uma outra evidência da expressiva ligação deste tipo de remunerações variáveis aos lucros das sociedades pode ainda encontrar-se no artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o qual dispõe consistirem aquelas remunerações «numa percentagem dos lucros do exercício», a que acrescenta uma cuidada ponderação da situação económica da sociedade e do equilíbrio entre os interesses de accionistas e administradores. Também o n.º 3 do mesmo preceito proíbe o pagamento de remunerações variáveis sobre reservas (lucros retidos) ou «sobre qualquer parte do lucro do exercício» que não pudesse, por lei ser distribuída aos accionistas. 

 

O conceito de «desempenho positivo da sociedade» só pode, pois, assentar na referida geração de riqueza por parte da sociedade. E essa, apresenta-se, paradigmaticamente, na demonstração de resultados e na sua conclusão - o resultado líquido do período.

E, como se comprovou, em 2011 e em 2012, o RLE do Requerente foi negativo, pelo que, para efeito da questão controvertida, não apresentou um “desempenho positivo” nestes exercícios. Já a circunstância de em 2011 e 2012 ter registado lucros tributáveis é irrelevante uma vez que este valor resulta de correcções fiscais ao resultado líquido do período.

Assim, independentemente do Resultado apurado no exercício de cessação da atividade (2013), o qual não foi trazido aos autos, verifica-se que o Requerente incumpriu aquele requisito pagando bónus relativos a exercícios em que o desempenho da sociedade não foi positivo, não tendo, assim, direito à exclusão de tributação autónoma que pretende. 

 

Do cumprimento do requisito «O pagamento estar subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos».

Também não se apresenta cumprida a subordinação acima referida, para efeitos de exclusão da tributação autónoma prevista na 2.ª parte da al. b) do n.º 13, do artigo 88.º, do CIRC, como se passa a fundamentar.

Como antes foi concluído, só verificado o desempenho positivo da sociedade ao longo do período mínimo de três anos está cumprido um dos requisitos que permite a exclusão daquela tributação. Logicamente, os bónus atribuídos antes do final desse período mínimo não poderão usufruir do citado desagravamento, porque o mesmo depende da verificação cumulativa dos dois requisitos já indicados.

Nos termos da lei, o pagamento com direito a exclusão de tributação autónoma, está subordinado ao diferimento de pelo menos 50% da remuneração variável por um período mínimo de três anos; e o que o Requerente fez foi diferir 1/3 dos referidos 50% por um ano, outro 1/3 por dois anos e o último 1/3 por três anos. A norma sub judice exige, porém, que o pagamento de, pelo menos metade dos bónus, seja diferido no seu todo por um (e não durante um) período mínimo de três anos; e não que seja diferido por um período de três anos apenas o pagamento de uma porção daquele montante. 

Sendo certo que a norma em análise tem como destinatários as sociedades em geral e não apenas as instituições de crédito, cabe citar no sentido que vimos apontando, Ana Perestrelo de Oliveira[5]. Diz a autora que «a Recomendação da Comissão Europeia de 30.4.2009 ao dispor que "uma grande parte da componente variável (da remuneração) não deve ser paga antes de decorrido um lapso de tempo mínimo", terá influenciado a redacção da Recomendação III.4 do Código de Governo das Sociedades da CMVM: Uma parte significativa da remuneração variável deve ser diferida por um período não inferior a 3 anos e o direito ao seu recebimento (qualquer parte do recebimento) deve ficar dependente da continuação do desempenho positivo da sociedade ao longo desse período"» (parênteses nossos). 

Nesta matéria, para efeitos de compreensão da ratio legis sobre a regra do diferimento, deve igualmente relevar-se o disposto no n.º 2 e no n.º 3 do artigo 8.º do Aviso n.º 10/2011 do Banco de Portugal e nas Recomendações III.6 e III.7 do Código de Governo da CMVM. Nos termos destas disposições, quando as remunerações variáveis forem pagas pela entrega de acções, devem os administradores mantê-las «até ao termo do seu mandato». Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, «o início do período de exercício (da opção) deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.» (parênteses nossos). 

Acresce, ainda, finalmente, que a interpretação do Tribunal face à expressão constante das “Guidelines on Remuneration Policies and Practices” trazida aos autos pelo Requerente «o direito à remuneração a pagar em regime diferido deve ser adquirido numa base estritamente proporcional» (artigo 67.º da PI) diverge da defendida pelo Requerente. Entende o Tribunal que é o direito à remuneração que deve ir sendo adquirido proporcionalmente ao longo do período (neste caso 3 anos), sendo que o pagamento da dita remuneração deve ser feito posteriormente em regime diferido.

 

III.2.4. Da «restrição desproporcional à liberdade de atuação dos privados e da ingerência da norma fiscal na jurisdição bancária e financeira»

O Requerente entende que a AT ao concretizar os requisitos de exclusão da tributação autónoma do modo como o fez, restringiu desproporcionadamente a liberdade de atuação da iniciativa privada e extravasou as suas competências ingerindo-se de forma ilegal e inconstitucional nas competências de regulação bancária do Banco de Portugal. Mas não é assim.

Sobre este ponto, cita-se, por todos, o recente Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional: 

«(…) Não se vê em que termos - nem a recorrente esclarece - é que a simples tributação autónoma de despesas das empresas no estrito quadro do sistema fiscal, visando a satisfação das necessidades financeiras do Estado, põe em causa a garantia institucional do setor privado, e de que modo é que essa medida fiscal pode representar uma intervenção indevida do Estado na gestão das empresas privadas.

É também muito evidente que, por efeito de uma medida de política fiscal, não é posta em causa a liberdade de iniciativa económica, seja esta entendida no sentido da liberdade de iniciativa ou da liberdade de organização empresarial.

Como o Tribunal tem afirmado, a liberdade de iniciativa económica que pode retirar-se do disposto no n.º 1 do artigo 61.º e da alínea c) do artigo 80.º da CRP, visa garantir, no contexto de uma economia de mercado, que a produção e distribuição de bens ou serviços não seja vedada à ação dos privados, que terão assim um direito a uma atividade não obstaculizada por intervenções desrazoáveis ou injustificadas dos poderes públicos. Tal implica que no âmbito de proteção da norma contida no n.º 1 do artigo 61.º se conte, não apenas a liberdade de iniciar uma certa atividade económica mas também a liberdade de organização e de ordenação dos meios institucionais necessários para levar a cabo a atividade que entretanto se iniciou (acórdão n.º 304/2010).

Essa liberdade não é afetada pelo sistema fiscal, que tem, além do mais, uma função de regulação da economia. De facto, as empresas não estão impedidas de atribuir aos seus trabalhadores indemnizações ou remunerações acessórias, ainda que estas possam parecer ser desproporcionadas e não se revelem indispensáveis à obtenção de resultados económicos. O ponto é que a atividade das empresas, como a de quaisquer outros contribuintes, se encontra subordinada a critérios de fiscalidade que estão legalmente definidos. E, desse modo, os atos de gestão empresarial que adotem, no quadro de liberdade de iniciativa económica, poderão originar o pagamento de imposto quando preencham os correspondentes requisitos de incidência tributária.

É o que sucede com as despesas sujeitas a tributação autónoma. Ao tributar essas despesas o Estado não está a criar qualquer obstáculo à liberdade de organização e de gestão empresarial, mas a realizar o objetivo estritamente financeiro do sistema fiscal, que se traduz na obtenção de receitas para financiar as despesas públicas.».

Também não se vislumbra qualquer interferência nas competências do Banco de Portugal, por parte da Requerida. Esta interpretou e aplicou uma norma de sujeição fiscal, a qual não se vê como possa interferir com a função de regulação ou supervisão bancária ou com outra das funções do Banco de Portugal.

III.2.5. Do «critério do desempenho positivo – falta de fundamentação no relatório de inspeção»

Nos artigos 129.º e seguintes da sua PI, vem o Requerente arguir o vício acima indicado.

Pode ler-se a fls. 21 do Relatório de Inspecção Tributária «Nos anos de 2011 e 2012, a empresa não apresentou um desempenho positivo, dado ter declarado resultado líquido de – 111.989.574,82 e – 2.757.055,07, respetivamente. Desta forma, uma vez que o sujeito passivo não cumpriu com as condições necessárias, nos termos da alínea b) do nº 13 do art. 88º do CIRC, as remunerações variáveis pagas em 2012 e contabilizadas como gasto em 2011 estão sujeitas à tributação autónoma de 35%».

Dali resulta que a Requerida considera que o único critério de mensuração legal do “desempenho positivo”, na economia da norma sub judice, é o resultado líquido do exercício. Também neste caso «as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem minimamente o contribuinte que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Fiscal a liquidar o imposto em causa (Ac. TCA Norte, de 24.95.2012, processo 00731/09)». Razões essas que foram transmitidas à Requerente e que ela, aliás, muito bem entendeu, como se pode ver na sua petição e alegações.

Pretende o Requerente que a Requerida deveria ter, em concreto, procedido «à análise crítica e exaustiva dos vários critérios disponíveis – como são, por exemplo, os critérios do Resultado Consolidado Operacional (RCO) e do rácio de solvabilidade», escolhidos pela Requerente para efeitos da sua política de remuneração variável, mas tal não lhe era exigível. O que o n.º 1 do artigo 77.º da LGT impõe é que a AT indique as razões de facto e de direito que motivaram o ato praticado, não que explique porque não atendeu a todos os critérios não utilizados.

Por tudo o que vai exposto, não pode deixar de improceder o pedido da Requerente de anulação parcial da liquidação de IRC referente ao exercício de 2011. 

 

III.2.6. Dos outros pedidos

Improcedendo o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC impugnada e consequente anulação parcial, relativa ao exercício de 2011, ficam igualmente prejudicados os pedidos feitos pela Requerente de devolução das quantias pagas e de respectivos juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal arbitral:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC n.º 2016… e consequente anulação parcial, absolvendo-se a Requerida deste pedido;
  2. Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante de IRC em apreciação e pago pela Requerente, respeitante ao exercício de 2011, acrescido de juros indemnizatórios, absolvendo-se a requerida do respetivo pedido.

 

  1. VALOR DA CAUSA

De acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e o artigo 3.º, n.º 2 do RCPAT, fixa-se o valor da causa em EUR 332.718,20.

 

Notifique-se.

Lisboa, 12 de Outubro de 2017

 

 

 

Maria Fernanda Maçãs (Árbitro-presidente)

 

 

 

Ricardo da Palma Borges (Árbitro-adjunto), vencido conforme declaração de voto anexa.

 

 

Américo Brás Carlos (Árbitro-adjunto)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto[6]

Votei vencido o Acórdão, discordando da posição que logrou vencimento, pelos fundamentos que exponho em seguida.

 

Importa, primeiramente, recordar o teor da norma (artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC) cuja interpretação é controvertida: “São tributados autonomamente, à taxa de 35%: (…) Os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes quando estas representem uma parcela superior a 25% da remuneração anual e possuam valor superior a €27.500, salvo se o seu pagamento estiver subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% por um período mínimo de três anos e condicionado ao desempenho positivo da sociedade ao longo desse período». 

 

  1. Questão prévia: o facto gerador da tributação autónoma e a extemporaneidade da tributação

Concordo com a Requerente quando afirma: "Conclui-se, assim, que a jurisprudência do CAAD, firmada no âmbito do processo n.º 204/2015-T (acórdão de 22 de dezembro de 2015), veio deixar claro que o momento relevante para determinação da tributação autónoma nestes casos não é o momento em que o gasto é reconhecido na contabilidade do sujeito passivo, como pretende a Fazenda Pública na sua Contestação, mas sim o momento em que o prémio ou bónus é efetivamente pago, pelo que também por este motivo a tributação autónoma neste caso é ilegal, uma vez que a remuneração variável em causa não foi paga em 2011, tendo o primeiro pagamento de remuneração variável por referência a 2011 ocorrido em 2012."

A posição que fez vencimento considerou que, não tendo este argumento sido invocado na petição inicial da Requerente, não podia o mesmo ser apreciado pelo Tribunal.

Com base nos artigos 260.º e 581.º, n.º 4, do CPC, nos artigos 162.º e 163.º, n.º 1, do CPA, nos artigos 102.º, n.º 3, e 108.º, do CPPT e nos artigos 10.º, n.º 2, al. c), 29.º, n.º 1, als. a) e d), do RJAT, concluiu o Tribunal estar em causa um vício de violação de lei que determina a mera anulabilidade pelo que não se estando perante um facto superveniente à petição inicial, não podia aquele apreciar a causa de pedir “extemporaneidade da tributação” invocada nas alegações do Requerente.

É inequívoco que o processo arbitral está legalmente assimilado ao de impugnação judicial, de que é um meio alternativo (cfr. n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

E a invocação em alegações finais de um fundamento concreto diferente dos invocados na petição inicial para uma violação de uma norma legal é vista tradicionalmente como uma nova da causa de pedir, em especial para quem assuma o contencioso tributário como de mera anulação.

Todavia, se perspectivarmos o contencioso tributário como de plena jurisdição, ou pelo menos não estritamente como de anulação, a solução será diferente.

 

Por exemplo, no contencioso administrativo o Professor Mário Aroso de Almeida, Manual de Processo Administrativo, 2012, Almedina, Coimbra, pp. 80-87, que transcrevemos com a devida vénia, entende que uma situação como a descrita não representa uma nova causa de pedir:

 

 

 

 

 

 

O contencioso tributário persiste sem se adaptar às reformas do contencioso administrativo de 2004 e 2015, sendo até duvidoso se tal não configura uma inconstitucionalidade por omissão(serão os contribuintes uns párias no contexto dos administrados?), na medida em que o segundo constitui uma mais perfeita tradução do princípio consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”): “É garantido aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos e a adopção de medidas cautelares adequadas”.

 

Mas será que a arbitragem tributária, introduzida em 2010, ignorou a reforma do contencioso administrativo de 2004? E será que bebe ainda e só das deficientes condições do contencioso tributário não reformado para viabilizar, na prática, uma plena jurisdição e uma tutela judicial efectiva?

 

Crê-se que não. Um dos princípios processuais do processo arbitral é, nos termos do artigo 16.º, al. c), do RJAT “A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas” (negritos meus), e que, segundo o artigo 29.º, n.º 2, do RJAT, “O disposto no número anterior não dispensa, nem prejudica, o dever de o tribunal arbitral definir a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado, nos termos do disposto nos artigos 18.º e 19.º e atendendo aos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais”.

 

Pronúncia de mérito, simplificação e informalidade, em especial o primeiro, são princípios relevantes para um processo, como o arbitral, em que os meios de recurso são muito limitados, e em que o paradigma é o de uma decisão final substantiva numa única instância, irrecorrível.

 

O próprio artigo 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, epigrafado “Objeto e limites da decisão” (eventualmente aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT – “As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários”, à luz dos mencionados princípios), reza:

 

1 - A sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.

2 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, mas, se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

3 - Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, exceto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório”.

 

No presente processo deu-se o insólito de ter sido a AT a suscitar ela própria a questão da tempestividade da liquidação na sua contestação, tendo a Requerente “cavalgado tal onda” nas suas alegações finais.

 

Tendo em conta que o fundamento de invalidade foi alegado pela Requerente, ainda que em alegações finais, que estas últimas são sucessivas, e que a AT não se pronunciou sobre a extemporaneidade, parece pertinente até invocar o artigo 264.º do CPC, epigrafado “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo”: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.”

 

Em abono da verdade, não houve acordo expresso das partes sobre a alteração da causa de pedir, mas é duvidoso se a tal não houve aceitação tácita pela Recorrida, por não ser impossível deduzir da ausência de oposição sua nas alegações uma declaração, tomando aquela ausência como um facto que com probabilidade a revela (cfr. artigo 217.º do Código Civil – “CC”). Sempre terá havido, pelo menos, um silêncio que à luz da tramitação do processo terá a sua eloquência…

 

Note-se que a situação em causa no presente processo nem sequer representa uma nova causa de pedir “absoluta” (outro vício, que não a violação de lei), mas antes uma causa de pedir que assaca outro fundamento concreto de invalidade para o mesmo vício de violação de lei já alegado na petição inicial da Requerente.

 

A despeito da invocação de um novo fundamento concreto nas alegações finais da Requerente, o que é certo é que o pedido se mantém (anulação da liquidação) e a causa de pedir lato sensu também (o conjunto de factos ao qual a Requerente atribui o efeito jurídico de anulação desejada). E, mesmo em termos abstractos, o próprio fundamento (ilegalidade por violação do disposto na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, erro na aplicação do direito por parte da AT) se mantém.

 

Como dispõe o artigo 5.º do CPC (Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal), n.º 3 “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”. O que deve ser relevante para apreciar se a Requerente invoca um fundamento, num processo de plena jurisdição e norteado pela tutela judicial dos contribuintes, são os factos invocados e não a sua qualificação jurídica, pois o Tribunal não está vinculado pelo alegado pelas partes quanto à aplicação do direito.

 

Ou seja, no limite, mesmo que não alegado até como fundamento concreto de anulação da liquidação pela Requerente, o Tribunal, na minha opinião, e de acordo com o RJAT, poderia considerar que a circunstância de a tributação autónoma dever ocorrer no ano do pagamento da despesa (e não no ano da contabilização do gasto) é uma violação do disposto na al. b) do n.º 13 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, um erro na aplicação do direito por parte da AT. Efectivamente, não me parece que o Tribunal esteja impedido de interpretar livremente a norma em questão, invocada pela Requerente como tendo sido violada, e considerar que ela é fundamento de anulação da liquidação segundo uma outra interpretação que não a formulada pela Requerente (ou não formulada ao menos na sua petição inicial).

 

  1. As normas regulatórias

 

A norma fiscal em apreço reporta-se a uma realidade disciplinada por um conjunto de normas não fiscais (nem todas elas contemporâneas da primeira), que importa conhecer, para “aferir das circunstâncias em que a lei [fiscal] foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 9.º, n.º 1, in fine, do CC):

 

Regime das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras

Artigo 115.º-E, n.º 7, al. b)

(redação em vigor, aditada pelo Decreto-Lei n.º 157/2014, de 24 de outubro)

 

Uma parte substancial da componente variável da remuneração deve ser diferida durante um período mínimo de três a cinco anos, devendo tal componente e a duração do período de diferimento ser fixados em função do ciclo económico, de natureza da atividade da instituição de crédito, dos seus riscos e da atividade do colaborador em questão, devendo ser respeitado o seguinte: (...) b) O direito ao pagamento da componente variável da remuneração sujeita a diferimento deve ser atribuído numa base proporcional ao longo do período de diferimento.

 

 

Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2011, 26 de Janeiro de 2010.

Artigo 8.º

1 - A remuneração dos membros executivos do órgão de administração deve integrar uma componente variável, com fixação de um limite máximo, cuja determinação dependa de uma avaliação do desempenho, realizada pelos órgãos competentes da instituição, de acordo com critérios mensuráveis predeterminados, incluindo critérios não financeiros, que considerem, para além do desempenho individual, o real crescimento da instituição e a riqueza efectivamente criada para os accionistas, a protecção dos interesses dos clientes e dos investidores, a sua sustentabilidade a longo prazo e a extensão dos riscos assumidos, bem como o cumprimento das regras aplicáveis à actividade da instituição.

2 - Até ao termo do seu mandato, devem os membros executivos do órgão de administração manter as acções da instituição a que tenham acedido por força de esquemas de remuneração variável, até ao limite mínimo de duas vezes o valor da remuneração total anual, com excepção daquelas que necessitem de ser alienadas com vista ao pagamento de impostos resultantes do benefício dessas mesmas acções.

3 - Quando a remuneração variável compreender a atribuição de opções, o início do período de exercício deve ser diferido por um prazo não inferior a três anos.

4 - O quadro plurianual a que se refere a al. h) do ponto 24 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 104/2007, de 3 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 88/2011, de 20 de Julho, para efeitos de avaliação de desempenho, deve ser composto por um período de três a cinco anos.

 

 

Anexo ao Decreto-Lei n.º 104/2007, de 3 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 88/2011, de 20 de Julho

Capítulo XI - Políticas de Remuneração, ponto 24 (referido no Aviso n.º 10/2011)

[…]

h) A avaliação do desempenho deve processar-se num quadro plurianual, a fim de assegurar que o processo de avaliação se baseie num desempenho a longo prazo e que o pagamento efetivo das componentes da remuneração dependentes do desempenho seja repartido ao longo de um período que tenha em conta o ciclo económico subjacente da instituição de crédito e os seus riscos de negócio;

[…]

s) Uma parte substancial, que deve representar pelo menos 40% da componente variável da remuneração, deve ser diferida durante um período não inferior a três a cinco anos e corretamente fixada em função da natureza da atividade, dos seus riscos e das atividades do colaborador em questão;

t) O direito à remuneração a pagar em regime diferido deve ser adquirido numa base estritamente proporcional. No caso de uma componente variável da remuneração de valor particularmente elevado, pelo menos 60% do montante deverá ser pago de forma diferida. A duração do período de diferimento deve ser estabelecida em função do ciclo económico, da natureza da atividade, dos seus riscos e das atividades do colaborador em questão;

 

Diretiva 2013/36/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho,de 26 de junho de 2013

(relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE)

 

Artigo 94.º, n.º 1

[…]

m) Uma parte substancial, que represente pelo menos 40 % da componente variável da remuneração, deve ser diferida durante um período mínimo de três a cinco anos e corretamente fixada em função da natureza da atividade, dos seus riscos e das atividades do trabalhador em questão.

O direito ao pagamento da remuneração em regime diferido não se deve constituir de forma mais rápida do que resultaria no âmbito de um regime de pagamento proporcional. No caso de uma componente variável da remuneração de montante particularmente elevado, pelo menos 60 % do montante deve ser pago de forma diferida. A duração do período de diferimento deve ser definida em função do ciclo económico, da natureza da atividade, dos seus riscos e das atividades do trabalhador em questão;

n) A remuneração variável, incluindo a parte diferida, só deve ser paga ou constituir um direito adquirido se tal for sustentável à luz da situação financeira da instituição no seu todo e se se justificar à luz do desempenho da instituição, da unidade de negócio e do indivíduo em questão.

 

Orientações da EBA relativas a políticas de remuneração sãs, de 27/06/2016

 […]

15. Processo de pagamento da remuneração variável

233. As instituições devem pagar uma parte da remuneração variável imediatamente e a outra parte de forma diferida, com um equilíbrio adequado entre ações, instrumentos indexados a ações e outros instrumentos elegíveis e instrumentos de tipo pecuniário, em conformidade com o artigo 94.º, n.º 1, da Diretiva 2013/36/UE. Antes da realização do pagamento da parte diferida ou da aquisição do direito a instrumentos de pagamento diferido, deve ser efetuada uma reavaliação do desempenho e, se necessário, um ajustamento pelo risco ex ante, para alinhar a remuneração variável com os riscos adicionais identificados ou materializados após a atribuição. Estas considerações aplicam-se igualmente nos casos em que são utilizados períodos de contagem plurianuais.

 

[…]

 

15.3 Aquisição do direito à remuneração diferida

 

245. A aquisição do direito sobre a primeira porção diferida só deve ocorrer 12 meses após o início do período de deferimento. O período de diferimento termina quando tiver sido adquirido o direito à remuneração variável atribuída ou quando o montante tiver sido reduzido a zero em virtude da aplicação de um mecanismo de redução («malus»).

246. A aquisição do direito à remuneração diferida deve ser totalmente constituída no termo do período de diferimento ou ser distribuída por diversos pagamentos durante o período de diferimento, em conformidade com o artigo 94.º, n.º 1, al. m), da Diretiva 2013/36/UE.

247. A aquisição proporcional do direito significa que, p. ex., num período de diferimento de três anos, um terço da remuneração diferida passa a constituir um direito adquirido no final de cada um dos anos n+1, n+2 e n+3, sendo «n» o momento em que a parte imediata da remuneração variável atribuída é paga.

 

248. A aquisição de direitos não deve ocorrer mais do que uma vez por ano, a fim de assegurar a avaliação adequada dos riscos antes da aplicação de ajustamentos ex post.

 

 

Directiva 2006/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho de 2006 (conforme alterada pela Directiva 2010/76/UE de 24 de Novembro de 2010, tendo sido nomeadamente aditados os temas remuneratórios – revogada pela Directiva 2013/36/UE)

[…]

Artigo 22.º

[…]

4. O Comité das Autoridades Europeias de Supervisão Bancária deve garantir a existência de orientações relativas a políticas de remuneração sãs que respeitem os princípios estabelecidos nos pontos 23 e 24 do anexo V. As orientações terão igualmente em conta os princípios em matéria de políticas de remuneração sãs estabelecidos na Recomendação da Comissão de 30 de Abril de 2009 relativa às políticas de remuneração no sector dos serviços financeiros.

[…]

Anexo V

«11. POLÍTICAS DE REMUNERAÇÃO

[…]

p) Uma parte substancial, que deve representar pelo menos 40 % da componente variável da remuneração, deve ser diferida durante um período não inferior a três a cinco anos e correctamente fixada em função da natureza da actividade, dos seus riscos e das actividades do trabalhador em questão.

O direito à remuneração a pagar em regime diferido deve ser adquirido numa base estritamente proporcional. No caso de uma componente variável da remuneração de valor particularmente elevado, pelo menos 60 % do montante deverá ser pago de forma diferida. A duração do período de diferimento deve ser estabelecida em função do ciclo económico, da natureza da actividade, dos seus riscos e das actividades do trabalhador em questão;

 

[…]

 

Guidelines on Remuneration Policies and Practices, de 10 de Dezembro de 2010

 

[…]

 

b. Vesting process

117. Pro rata vesting (or payment) means for e.g. a deferral period of three years that at the end of years n+1, n+2 and n+3, 1/3 of the deferred remuneration vests, if the end of n is the moment at which the performance is measured to determine the variable remuneration. Annex 3 to these guidelines includes a diagram showing an example of a pro rata spreading for a deferral scheme in which 60% of the variable remuneration is deferred (first diagram).

118. In any case, vesting should not take place more frequently than on a yearly basis (e.g. not every six months) since higher frequencies do not allow for a proper assessment of risks and thus, an ex-post adjustment of remuneration.

 

  1. Do diferimento por 3 anos

 

“Diferir” tem dois sentidos possíveis: (i) deixar para mais adiante (como pretende a Requerida); (ii) fazer durar ou demorar (como pretende a Requerente) – cfr. https://www.priberam.pt/dlpo/diferir; https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/diferir; http://dicionario-aberto.net/search/diferir.

 

 

Nem do teor literal da norma nem da sua occasio legis se retira a conclusão de que o artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC implica que o pagamento esteja subordinado ao diferimento de uma parte não inferior a 50% para o termo de um período mínimo de três anos. Pelo contrário: sendo o elemento literal compatível com os dois sentidos possíveis e a occasio legis com apenas um, uma interpretação lógica impõe a adopção deste. O diferimento é, pois, por um período, ao longo do qual tem de se aferir um desempenho (pelo que é razoável supor que tal avaliação seja anual); não é para um termo

 

Igualmente não se percebe como se irá articular a teoria de que o facto gerador da tributação autónoma é o da contabilização do gasto, tal como defendido pela Requerida, com o pagamento da tributação autónoma. Imagine-se que uma empresa atribuiu um bónus a um administrador no ano n. Tendo a expectativa de o pagar pela totalidade tem naturalmente de contabilizar o gasto a 100% nesse ano n. Mas a empresa difere 50% do pagamento do mesmo para o termo do período dos 3 anos subsequentes ao da atribuição. Há ou não tributação autónoma imediata sobre a parte diferida? É que o gasto é contabilizado no ano n ainda que 50% do bónus só seja pago no ano n+3. O que sucede, pois? Há tributação autónoma imediata e a empresa terá no ano n+3 de pedir um reembolso, caso se verifique que aquela afinal não se mostrou devida? Ou não há tributação autónoma imediata nesse ano n? Neste último caso, o que acontece se a empresa no ano n+3 paga mesmo o bónus, apesar de o desempenho não ser positivo (ou não ser positivo segundo o critério da AT)? Paga então a tributação autónoma nesse momento? Mas o gasto já estava contabilizado no ano n… 

 

  1. Do desempenho positivo

 

O artigo 88.º do CIRC não desconhece conceitos precisos como "prejuízo fiscal" e "lucro distribuído", entre outros. E o CIRC conhece bem o conceito de “resultado líquido do exercício” (cfr. artigos 17.º, n.º 1 e n.º 2, 21.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 e n.º 2, 42.º, n.º 2). Ora, ao importar o conceito de "desempenho positivo", previamente elaborado no seio de outras fontes, e com outros intuitos (regulatórios e disciplinadores das políticas de remuneração) parece-me forçado, salvo o devido respeito, e sem apoio nos elementos literal, sistemático e histórico de interpretação, entender que o mesmo equivale a "resultado líquido do exercício positivo". Isto porque, devendo o intérprete presumir “que o legislador (…) soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9.º, n.º 3, do CC), e utilizando o legislador a expressão “resultado líquido do exercício” no CIRC, logicamente que com “desempenho positivo” o legislador não poderia pretender reportar-se à mesma realidade em que se traduz o “resultado líquido do exercício”…

 

Por outro lado, o artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC manifesta preocupações extrafiscais evidentes e pretende "sancionar", por via de uma pesada tributação autónoma (que acresce ao IRS e, eventualmente, à segurança social), os pagamentos de bónus à margem de boas práticas de remuneração variável. Deve ser procurado um ponto de equilíbrio entre a liberdade de gestão, a intervenção reguladora e a oneração fiscal das decisões empresariais, pelo que não creio que o crivo do "desempenho positivo" possa ser tão rígido quanto o "resultado líquido do exercício positivo". Ora, supor que uma oneração anti-sistemática, como é típico das tributações autónomas, e que tem subjacente preocupações extrafiscais, pode ser aplicada mesmo a um sistema de incentivos remuneratórios de uma empresa conforme às boas práticas não me parece ser o bom ponto de equilíbrio.

 

Acresce que a instituição de sistemas de incentivos através de pagamento de remunerações variáveis, indexadas a objectivos, é particularmente comum, como é do conhecimento generalizado, nas empresas em fase de arranque ("start-ups") ou de reestruturação ("turnaround"), e estas apresentam tipicamente resultados líquidos do exercício negativos. Ora, porquê penalizar fortemente, em sede tributária, empresas em fases débeis, por criarem incentivos remuneratórios que podem ser perfeitamente conformes às boas práticas? Sem dúvida que as normas jurídicas contemplam um comando. Mas se uma empresa definir que o desempenho positivo, para si, no seu sector e conjuntura, será reduzir prejuízos, aumentar quota de mercado, atingir o "break-even" mais rapidamente do que o planeado, etc. o cumprimento desses objectivos não deixa de ser escrutinável, e o seu incumprimento, nos termos inicialmente definidos pela própria empresa, redundaria obviamente num desempenho negativo para efeitos do artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC.

 

Os relatórios de governo societário de sociedades cotadas e actas das Assembleias Gerais dessas sociedades (disponíveis na internet) demonstram que o conceito de "desempenho positivo" é interpretado de forma díspar, por referência a aumento de capitais próprios e/ou aumento do EBITDA e/ou do resultado líquido, da quota de mercado, etc. Por vezes há casos em que são utilizados em simultâneo mais de um critério.

 

Uma tributação autónoma de 35% cria naturalmente uma situação de dependência inversa, em que as práticas remuneratórias são fortemente condicionadas pela fiscalidade, e adaptar-se-ão a ela - e bem, porque foi isso que o legislador pretendeu, e a norma do artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC, parece assentar, pelo menos em grande medida, em fontes, não-fiscais, que já tinham algum grau de maturação sobre a problemática.

 

Ora, esse condicionamento, à luz de princípios constitucionais como os ínsitos no artigo 61.º, n.º 1 (iniciativa privada) e 80.º, al. c) (Liberdade de iniciativa e de organização empresarial), da CRP e de outros como a proporcionalidade e a razoabilidade, não pode, na minha modesta opinião, à luz do elemento teleológico de interpretação, supor que a coberto de um "desempenho positivo" apenas se admite um "resultado líquido do exercício positivo" e que uma boa parte das empresas tenha de sacrificar as suas boas práticas remuneratórias no altar da tributação autónoma - ou pior, abdicar, de boas práticas em detrimento de outras, piores de acordo com a ciência da gestão, caso em que a tributação autónoma em IRC violaria fortemente o princípio da neutralidade, alterando o comportamento dos agentes económicos muito para além do que seria desejável.

 

Não concordo igualmente com o argumento que o Tribunal retira do artigo 399.º do CSC. Por um lado, o artigo 88.º, n.º 13, al. b), do CIRC, não disciplina a situação apenas de administradores (pelo que nem todos os sujeitos visados pela norma do CIRC estão sob o crivo da norma do CSC). Por outro lado, pelo menos parte da doutrina societária tem interpretado aquela norma em sentido diferente do que o Tribunal fez.

 

Assim, como afirma Patrícia Assunção Soares, em “A remuneração dos administradores e a situação económica de crise” in Datavenia, Setembro de 2017, p. 237 (consultado on-line a 12.10.2017):

 

Também, Carlos Eduardo de Castro Poças in Corporate governance: a composição e o estatuto remuneratório do órgão de administração, Tese de Mestrado na Universidade Católica Portuguesa, 2012, pp. 24-26 (consultado on-line em 12.10.2017) faz a seguinte resenha:

 

 

(…)

 

Por todo o exposto, não comungo igualmente da interpretação que o Tribunal concedeu ao conceito de "desempenho positivo".

 

Lisboa, 12 de Outubro de 2017

 

 

Ricardo da Palma Borges

 



[1] JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT, Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, p. 879.

[2] Vg. Ac. STA, Proc. N.º 0417/14, de 18.06.2014: «Reconduzindo-se o vício que o impugnante atribui ao acto de liquidação impugnado a vício de violação de lei, por inexistência do facto tributário, a procedência de tal vício será geradora de anulabilidade do acto, e não da sua nulidade, não podendo, pois, ser impugnado a todo o tempo (n.º 3 do artigo 102.º do CPPT)».    

[3] JORGE LOPES DE SOUSA, CPPT, Anotado e Comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, p. 735: A sanção da anulabilidade é residual, sendo aplicável sempre que a lei não preveja outra sanção para os actos administrativos (em que se incluem os tributários).     

 

[4] Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Arménio Amado-Editor, 1978, p. 138 e José de Oliveira Ascensão, O Direito: Introdução e Teoria Geral, Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 361.

[5] Manual de Governo das Sociedades, Almedina, 2017, p. 209

[6] Seguem-se as mesmas abreviaturas do acórdão.