Decisão Arbitral
I – Relatório
1.1. A…, S.A., contribuinte fiscal com o n.º…, com sede na Avenida…, n.º…, … Piso, …-… Lisboa (doravante designada por «requerente»), tendo sido notificada dos actos tributários de fixação do valor patrimonial de IMI de vários prédios urbanos, apresentou, em 24/4/2017, pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), tendo em vista “a anulação dos actos de fixação do valor patrimonial” e a “repetição do procedimento de avaliação e a fixação do respectivo valor patrimonial [nos termos que são defendidos pela Requerente]” e, “ainda, o reembolso das despesas de segunda avaliação em que a requerente incorreu.”
1.2. Em 30/6/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral.
1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta, nos termos e para os efeitos do mencionado artigo. A AT apresentou a sua resposta em 19/9/2017, tendo argumentado, em síntese, a total improcedência do pedido da Requerente.
1.4. Ao abrigo do disposto no art. 16.º, al. c), do RJAT, o presente Tribunal considerou ser dispensável a reunião do art. 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse para decisão. Nestes termos, foi fixada a data de 18/10/2017 para a prolação da decisão arbitral.
1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.
II – Alegações das Partes
2.1. Vem a Requerente alegar, na sua petição, que: a) “os valores patrimoniais foram fixados, tanto nas primeiras como nas segundas avaliações tendo por base determinadas premissas. Que passamos a identificar, após o que enunciaremos a fundamentação que, com base no Código do IMI e da jurisprudência do CAAD e dos tribunais judiciais, afasta essas mesmas premissas”; b) “1.º Foi aplicado o «Manual de Avaliação» da AT, que classifica um posto de abastecimento de combustíveis como prédio urbano «outros» [...]. [...] as comissões de avaliação cumpriram, acriticamente e sem a leitura do artigo 6.º do Código do IMI, o critério que consta do [referido Manual.] Foi desconsiderado tanto o artigo 6.º do Código do IMI, que define a tipologia de prédios urbanos, como as inúmeras decisões arbitrais decididas em favor da Requerente. [...]. [...] a classificação dos prédios urbanos em apreço como «outros» reflecte os critérios previstos no «Manual». Mas certo é que o «Manual» não contém um único fundamento para – nos termos do artigo 6.º do CIMI – se afastar da classificação destes prédios como «comerciais»”; c) “2.º Ainda que classificado como prédio «outros», o artigo 38.º era passível de aplicação. [...] o «Manual» parece sobrepor-se tanto ao Código do IMI como à jurisprudência judicial, considerando que os postos de abastecimento constituem prédios «outros» e, por esse motivo, são objecto de avaliação nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do Código do IMI. E, seguindo este entendimento, o «Manual» consagra a fixação do valor patrimonial por obediência ao «método do custo de construção adicionado do valor de mercado do terreno». O que denota um manifesto vício de indevido enquadramento do disposto no Código do IMI (que prevalece sobre qualquer «Manual»). Porquanto, o n.º 1 do artigo 46.º, aplicável à avaliação dos prédios «outros», estipula que, «no caso de edifícios, o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38.º com as necessárias adaptações». Dito de outra forma, ainda que o prédio fosse susceptível de ser classificado como «outros», o método de avaliação preferencial continuaria a ser a fórmula prevista no artigo 38.º”; d) “3.º O custo de construção utilizado é arbitrário e desordenado. Os valores de mercado dos terrenos foram fixados [em] €100 por metro quadrado. Porquê este valor e não um qualquer outro? Não se sabe. Quanto aos valores de construção, foram apurados valores compreendidos entre €110,56 e €83,34. Porquê estes valores e não quaisquer outros? Não se sabe”; e) “O n.º 4 do artigo 37.º do CIMI determina que: «A avaliação reporta-se à data do pedido de inscrição ou actualização do prédio na matriz». Na situação em apreço, tendo os modelos 1 sido entregues em 15 e 22 de Dezembro de 2014 e 18 de Março de 2016, as regras que possibilitam a avaliação dos prédios em apreço serão as que estavam em vigor a essa data. [...] é claro e inequívoco que as alterações introduzidas ao artigo 38.º do CIMI pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que aprovou o Orçamento de Estado para 2016 e que entraram em vigor em 31 de Março, não se aplicam ao caso sub judice. [...]. Dado que a Requerente apresentou em 15 e 22 de Dezembro de 2014 e 18 de Março de 2016 as modelo 1 para corrigir as matrizes dos prédios em causa, a determinação dos respectivos valores patrimoniais tributários efectuar-se-á pelo método directo previsto no artigo 38.º e seguintes para os prédios classificados como «comercial»”; f) “Uma estação de serviço configura um prédio «comercial» ou «de serviços». [...]. [...] os prédios urbanos em apreço são constituídos por edifícios e um terreno, no qual estão instalados bens de equipamento (cobertura metálica, tanques e bombas de combustível) e respectivos arruamentos (passeios, zonas verdes e local de passagem dos veículos para aquisição de combustíveis)”; g) “parece-nos óbvio que estas estações de serviço constituem locais que têm como «destino normal» a prática de actos de comércio (venda de combustíveis, bebidas e alimentos). Mas, se dúvidas houvesse, juntámos aquando a entrega das modelos 1, cópias das licenças emitidas pelas respectivas Câmaras Municipais, cf. documentação anexa às modelos 1”; h) “Como pode um local de comercialização de combustíveis, bebidas e alimentos ser um prédio «outros»?”; i) “segundo a comissão de avaliação [...] a estação de serviço, além de estar na categoria «outros», inclui-se na sub-categoria ... «outros». [...]. Podemos discutir se a afectação será «comércio» (venda de combustíveis, bebidas e alimentos) ou «serviços» (preparação de pequenas refeições). Mas «outros» não será seguramente”; j) “O «Manual de Avaliação» não se sobrepõe ao Código do IMI”; l) “Os prédios «comerciais» ou para «serviços» avaliam-se nos termos do artigo 38.º do Código do IMI”; m) “[várias decisões arbitrais do] CAAD já [decidiram] favoravelmente à Requerente em diversos processos idênticos ao em apreço. [...]. O Tribunal Central Administrativo Sul também decidiu no mesmo sentido”.
2.2. Em face do acima exposto, a Requerente afirma “que os actos de fixação do valor patrimonial incorrem em vícios de facto e de direito” e solicita “a anulação dos actos de fixação do valor patrimonial, com os seguintes fundamentos: a) As estações de serviço configuram prédios «comerciais», sendo o valor patrimonial determinado com base nas fórmulas previstas no n.º 1 do artigo 38.º [“Vt = Vc × A × Ca × CI × Cq × Cv” / “A = (Aa + Ab) × Caj + Ac + Ad”]; b) Os bens de equipamento não se subsumem ao conceito de prédio, pelo que não relevam para o conceito de área bruta privativa ou área bruta dependente.” Consequentemente, “solicita-se a repetição do procedimento de avaliação e a fixação do respectivo valor patrimonial em: - artigo n.º… … €133.490,00; - artigo n.º … … €71.220,00; - artigo n.º … … €221.131,00; - artigo n.º … … €112.520,00; nos termos anteriormente descritos na presente peça processual. Por fim, solicita-se ainda o reembolso das despesas de segunda avaliação em que a requerente incorreu.”
2.3. Por seu lado, a AT alega, na sua contestação, que: a) “Todos os prédios [ora em causa] consubstanciam postos de abastecimento de combustível e outras valências, e sobre os mesmos foram apresentados pedidos de 2.ª avaliação. A ora requerente vem colocar em causa essas avaliações, pugnando pela classificação dos prédios como «comerciais», e a consequente aplicação da fórmula prevista no artigo 38.º do CIMI e ainda o fundamento de que bens de equipamento não se subsumem ao conceito de prédio”; b) “a defesa da entidade requerida, no presente processo, vai assentar nos mesmos pressupostos já apresentados no âmbito dos processos do CAAD, que cita, uma vez [que] a requerente é a mesma, o pedido idêntico, e utiliza neste processo todos os argumentos que já tinha apresentado no âmbito daqueles processos”; c) “a entidade requerida continua a considerar que tem razão, tendo em conta as decisões do CAAD, mas a posição da AT não fica prejudicada pelo decidido no citado acórdão de 15 de Novembro de 2011 do Tribunal Central Administrativo Sul que, como iremos ver, em nada conflitua com o decidido pela AT e em nada beneficia a requerente”; d) “[o] acórdão 3917/10, de 15 de Novembro de 2011, do Tribunal Central Administrativo Sul [trata de] matéria de facto muito diferente. [...]. No caso dos autos, os prédios obtiveram licenciamento que, consoante os casos, refere-se «tout court» à venda de combustível e de outros até se refere a comercialização de outros produtos. Portanto a questão para a classificação e avaliação dos prédios dos autos não é o seu licenciamento – questão que se colocava no aresto citado – mas sim as estruturas específicas implantadas no terreno que fazem de cada prédio um posto de abastecimento de combustível”; e) “há que ter em conta nesta análise a composição dos prédios, quando sabemos que o fim primordial a que se destinam, por natureza, é a venda a retalho de combustível. De referir, ainda, que do Alvará de Licença de Utilização especifica, por um lado, Estação de Serviços de Combustíveis líquidos e por outro a venda de produtos alimentares e diversos – situação que está em consonância com a posição da requerida já que distingue o posto de abastecimento, como sendo uma realidade construtiva diferente da venda de outros produtos e prestação de serviços como a lavagem de veículos”; f) “No que diz respeito aos prédios de … destaca-se dos termos de avaliação do cálculo do VPT demonstrando-se, por um lado o valor do terreno que se distingue do valor da área de abastecimento, do valor da loja e ainda do valor das escavações e construções dos tanques de armazenamento de combustível e ainda o valor dos pavimentos e áreas ajardinadas. De referir, ainda, que do Alvará de Licença de Utilização consta, simplesmente, posto de abastecimento de combustíveis”; g) “A discussão em torno da classificação do prédio surge agora como um meio para atingir o fim, efectivamente, pretendido que é obter um VPT ainda mais baixo. Ou seja, o que a ora requerente verdadeiramente quer discutir, nesta sede, é a natureza jurídico-fiscal do prédio, pois o método de avaliação e o seu cálculo são, inevitavelmente, uma consequência daquela premissa”; h) “não concordamos com a forma como a ora requerente apresentou este argumento: ou não identifica o prédio, ou quando o faz, refere-se a «estação de serviço», quando a designação utilizada nos termos de avaliação, bem como nos alvarás de utilização, que justificam a avaliação efectuada é de «posto de abastecimento de combustível» ou simplesmente «posto de abastecimento». [...]. Trata-se efectivamente de dois conceitos distintos e com consequências a nível da classificação do prédio e do respectivo método avaliativo, conforme iremos ver. [...] considera-se uma área de serviço, um conjunto de serviços concebidos para responder às necessidades de quem viaja. Nestas áreas, estão disponíveis serviços como: abastecimento de combustível, restauração, loja de conveniência, estação de serviço, zonas de descanso, entre outros. [...] Estação de Serviços é sinónimo de Área de serviços [...]. Quanto a «posto de abastecimento de combustível», sendo um termo/vocábulo composto, define-se, empiricamente, como um local onde os veículos se abastecem de combustível, ou através de uma definição legal que consta do artigo 2.º, n.º 3, alínea q), da Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro (posteriormente alterada pela Portaria n.º 362/2005, de 4 de Abril), que aprova o Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis, posto de abastecimento é definido como a instalação destinada ao abastecimento, para consumo próprio, público ou cooperativo, de gasolinas, gasóleo e GPL para veículos rodoviários, correspondendo-lhe a área do local onde se inserem as unidades de abastecimento, os respectivos reservatórios e as zonas de segurança e de protecção, bem como os edifícios integrados e as vias necessárias à circulação dos veículos rodoviários a abastecer. Incluem-se nesta definição, por extensão, as instalações similares que sejam destinadas ao abastecimento de embarcações ou aeronaves. O mesmo regulamento na alínea e) do n.º 3 do artigo 2.º define «Área de serviço», como a denominação usual de postos de abastecimento em itinerários principais itinerários complementares contendo equipamentos e meios destinados aprestar apoio aos utentes e aos veículos rodoviários”; i) “Em ambos os vocábulos o seu significado tem por base a mesma ideia: local de abastecimento de combustível de veículos rodoviários, podendo incorporar outras valências ligadas aos veículos e aos viajantes, e ao local onde se encontra, junto a uma via rápida ou não”; j) “Desta narrativa podemos concluir que o destino dos prédios da ora requerente é a venda de combustível a retalho ao público, e os prédios onde desenvolve esta actividade é prima facie um posto de abastecimento com várias unidades de abastecimento, com os respectivos reservatórios de armazenamento, sendo o prédio destinado a desenvolver a actividade da empresa”; l) “Das outras actividades que aí se desenvolvem, nalguns casos, destaca-se a loja de conveniência, e o centro de lavagem de veículos, afirmando-se que não é a actividade principal da A…, nem é o destino principal dos prédios. Trata-se de uma actividade acessória, de apoio aos clientes que se abastecem de combustível sendo, pois, a actividade principal, o fornecimento de combustível aos seus clientes”; m) “De todo exposto, bem como das fotografias que constam do termo da avaliação e do senso comum que cada um de nós tem desta realidade, não temos de dúvidas em afirmar que estamos perante um posto de abastecimento de combustível, ao qual a entidade requerente anexou, no espaço do logradouro, sobrante, uma loja de conveniência, entre outras valências ligadas ao abastecimento de combustível como o ar/gás e a lavagem de viaturas, mas que não desvirtua a definição legal de posto de abastecimento de combustível”; n) “a autoridade tributária classificou os prédios em questão, objecto da actividade da empresa, como urbano da espécie «Outros»”; o) “Enquadram-se na categoria «Outros», segundo o n.º 4 [do art. 6.º do CIMI], os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção ou, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afectação; e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não habitacionais, comerciais, industriais e para serviços”; p) “Como se chega à conclusão, face à lei, de que os postos de combustíveis são prédios urbanos «outros»?”; q) “sem qualquer esforço interpretativo para além do literal, e tendo em conta o texto legal destacado, dir-se-á que um posto de abastecimento de combustível comporta edifícios e construções licenciados para esse fim, que é a exploração de postos de abastecimento, e que não são fins habitacionais, comerciais, industriais ou serviços, isto na óptica do destino do prédio. Tendo em conta a natureza jurídico-estatutária da actividade da A…, e atendendo à configuração construtiva do prédio que foi avaliado, excluímos este prédio de ser comercial ou para serviços. Aliás, na interpretação do normativo feita pela requerente sobressai, somente, a finalidade ou o destino da construção desprezando as características construtivas do prédio. Ao invés, o que os peritos avaliadores tomam em consideração, em primeiro lugar são as características construtivas que distinguem claramente os prédios, para posteriormente os integrar na classificação dada pela lei e a partir daí passarem a aplicar as regras de avaliação próprias”; r) “Tendo a ora requerente cumprido todas estas regras para desenvolver a sua actividade, licenciamento para construir e explorar postos de combustível, não se pode afirmar que o prédio tem um fim comercial ou de serviços, tal como pretende a requerente”; s) “referem os termos de avaliação que se optou por aplicar o método do custo adicionado do valor do terreno, previsto no n.º 2 do artigo 36.º, em detrimento do método avaliativo previsto no artigo 38.º, pelo facto de ser um prédio “outro”, cujas características intrínsecas impedem a utilização da fórmula que consta do artigo 38.º”; t) “A descrição dos prédios da ora requerente subsume-se a um terreno, onde se encontram as unidades de abastecimento, as áreas de acesso, as zonas de protecção, assim como a loja de conveniência e, nalguns casos, os espaços de lavagem-auto e de abastecimento de ar/água, com os respectivos acessos. É difícil de admitir que a este prédio se possa aplicar um coeficiente de qualidade e conforto, e um coeficiente de vetustez!”; u) “tendo os avaliadores necessidade de afastar diversos coeficientes, pois eram naturalmente inaplicáveis, isso levou ao afastamento do método de avaliação previsto no artigo 38.º. E por isso as comissões de avaliação optaram, e bem, por seguir o método do custo adicionado do valor do terreno, conforme o permite o artigo 46.º, n.º 2 e 3, do CIMI”; v) “um prédio onde se pratiquem actos de comércio, não fica, automaticamente, perante a lei fiscal referida, como sendo um prédio urbano com destino a comércio”; x) “Temos [...] por certo, o método de avaliação aplicado, face as especificidades deste tipo de prédio, que nunca poderia ser classificado de, simplesmente, comercial, face à complexidade construtiva”; z) “segundo a lista de prédios em anexo à referida portaria [n.º 11/2017, publicada em Diário da República a 09/01/2017], verifica-se que os postos de abastecimento de combustíveis passam a ser avaliados de acordo com o método avaliativo previsto no artigo 46.º, n.º 2, do CIMI, ou seja o «método do custo adicionado do valor do terreno»”.
Conclui a AT que “deverá a entidade requerida ser absolvida do pedido, porquanto os actos avaliativos não enfermam das ilegalidades apontadas.”
III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação
3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:
i) A Requerente submeteu uma declaração modelo 1 para cada um dos prédios urbanos a seguir identificados e ora em causa: i) n.º…, sito na freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia (Documento 1); ii) n.º…, sito na freguesia de…, concelho de Gondomar (Documento 2); n.º…, sito na freguesia de…, concelho de Gondomar (Documento 3); iv) n.º…, sito na freguesia de …, concelho da Maia (Documento 4).
ii) Como se pode verificar pela leitura dos anexos 1 a 4 da p.i.: no alvará de utilização n.º …/08 emitido pela C.M. de Vila Nova de Gaia, refere-se como utilização do prédio “posto de abastecimento de combustível e estabelecimento de prestação de serviço de bebidas”; no alvará de utilização n.º …/93 emitido pela C.M. da Maia, refere-se como utilização do prédio “posto de abastecimento de combustível líquido [com x m2]”; no alvará de utilização n.º …/96 emitido pela C.M. de Gondomar, refere-se como utilização do prédio “posto de abastecimento de combustíveis líquidos”; no alvará de utilização n.º …/08 emitido pela C.M. de Gondomar, refere-se como utilização do prédio “posto de abastecimento de combustíveis, composto por um estabelecimento de comércio de apoio, com área bruta de 169 m2, e três ilhas de abastecimento cobertas (206 m2), áreas de lavagem automática (199 m2) e de jet-wash (92 m2)”.
iii) Todos os prédios supra identificados consubstanciam postos de abastecimento de combustível com outras valências comerciais associadas (razão pela qual os citados prédios devem, em rigor, ser considerados como “estações de serviço”), não deixando tais postos, por tal razão, de possuir as características de edifício comercial (i.e., de ter fim comercial). Como se prova pelas fotografias constantes da p.i., os prédios ora em causa, para além da actividade (comercial) de venda de combustível, têm também, como se disse, outras valências comerciais associadas.
iv) Atento o disposto no n.º 2 do art. 6.º do CIMI, verifica-se, pela utilização atribuída pelo licenciamento aos referidos prédios (e pelo critério da afectação normal dos mesmos) que se está perante prédios onde são praticados actos de comércio, e que têm como destino normal a prossecução de fins comerciais.
v) Das avaliações aos referidos prédios resultaram os seguintes valores patrimoniais: i) €386.470,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 5); ii) €521.440,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 6); iii) €619.220,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 7); iv) €420.560,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 8).
vi) A Requerente apresentou pedido de 2.ª avaliação, por discordar da classificação dos prédios urbanos em causa como «outros» e da consequente fixação do valor patrimonial com base no método previsto no n.º 2 do art. 46.º do CIMI relativamente a todas as avaliações (vd. Documentos 9 a 11).
vii) As segundas avaliações mantiveram a classificação dos prédios como «outros», procedendo à determinação do valor patrimonial tributário com base no método enunciado no mencionado n.º 2 do art. 46 do CIMI (valor de mercado do terreno adicionado pelo custo de construção).
viii) Das referidas segundas avaliações resultaram os seguintes valores patrimoniais: i) €391.360,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 12); ii) €348.990,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 13); iii) €747.670,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Documento 14); iv) €511.760,00, referente ao prédio n.º…, sito na freguesia de … (Doc. 15).
ix) Os representantes da ora Requerente nas comissões de avaliação apresentaram uma declaração de voto vencido, conforme consta dos respectivos termos de avaliação.
x) Inconformada, a ora Requerente apresentou, em 24/4/2017, o presente pedido de pronúncia arbitral.
3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.
3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.
IV – Do Direito
No caso em análise, a questão essencial de direito controvertida é a de saber se, para efeitos de aplicação do IMI, prédios que estejam licenciados para “posto de abastecimento de combustíveis” devem ser classificados como prédios urbanos «outros» ou antes como prédios urbanos «comerciais» e se, em consequência, o método a utilizar na sua avaliação é o que está previsto no art. 38.º do CIMI, ou se é, antes, o que está previsto no art. 46.º, n.º 2, do CIMI (como defende a AT).
Vejamos, então.
1) Para tratar desta questão é necessário, antes do mais, atender ao texto do CIMI e, nomeadamente, ao que se dispõe no seu artigo 2.º.
No n.º 1 desse artigo diz-se que prédio é “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”
Também no caso aqui em análise – que em nada difere, quanto à questão de direito, da que foi bem analisada na Decisão arbitral n.º 244/2016-T, de 31/10/2016 (razão pela qual se seguirá aqui, de perto, os termos dessa decisão) – a Requerente e a Requerida concordam que os prédios em causa são prédios urbanos (vd. art. 4.º do CIMI), mas discorda a Requerente da classificação daqueles como prédios “outros”.
Face à referida discordância, torna-se necessário observar as classificações dos prédios urbanos à luz do disposto no art. 6.º do CIMI. Assim, neste artigo 6.º pode ler-se que:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.”
Por seu lado, no n.º 2 do referido artigo assinala-se que:
“2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”
Quanto aos prédios urbanos classificados como “outros”, verifica-se que os mesmos são definidos pelo critério residual que está contido no n.º 4 deste artigo 6.º, e que remete para os “edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, [para os] que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3”.
Em face do supra exposto, e considerando que a ora Requerente entende que estão em causa prédios “comerciais” (vd. art. 6.º, n.º 1, al. b), do CIMI), i.e., “edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins” (vd. art. 6.º, n.º 2, do CIMI), cabe agora apurar, tal como o fez a Decisão arbitral acima mencionada (e que aqui se vem acompanhando), “o que são fins comerciais e se são esses ou outros os prosseguidos pela Requerente no prédio cuja avaliação se contesta.”
A este respeito, deve ter-se presente que o art. 11.º da LGT, nomeadamente no seu n.º 2, não deixa espaço para qualquer dúvida quanto à forma como as normas fiscais devem ser interpretadas quando nelas se empregam termos próprios de outros ramos de Direito (como é, aqui, o caso):
“2 - Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm salvo se outro decorrer diretamente da lei”.
Ora, nada havendo, no caso destes autos, que justifique a aplicação da parte final deste n.º 2, deve concluir-se que os fins comerciais a que se destinam os prédios urbanos não podem deixar de ser aqueles que se encontram regulados nas leis comerciais, ou seja, aqueles que se materializam pela prática de actos de comércio (art. 2.º do Cód. Comercial) e, nomeadamente, pela prática de compras e vendas comerciais (vd. art. 463.º e segs. do Cód. Comercial).
Com efeito, deve ter-se presente que a venda de combustíveis – que foi correctamente considerada a actividade principal da Requerente nos prédios avaliados – traduz-se na prática de actos de comércio, tanto objectivos, visto que as vendas de produtos adquiridos para esse fim são, necessariamente, vendas comerciais, como subjectivos, uma vez que as sociedades comerciais são comerciantes por natureza (vd. artigo 13.º, n.º 2, do Cód. Comercial).
Tal como no caso subjacente à mencionada Decisão arbitral n.º 244/2016-T, também neste processo a Requerida vem alegar que, para que um prédio seja comercial, não basta que nele se pratiquem actos de comércio (vd. §52 da resposta). A questão que, agora, se coloca é a seguinte: os prédios aqui em causa (“postos de abastecimento”) podem não ser considerados comerciais, apesar de neles serem praticados actos de comércio (como reconhece a própria Requerida)?
A resposta a tal questão terá de ser negativa. Com efeito, no caso dos presentes autos estão em causa “postos de abastecimento de combustíveis”, os quais são, por definição legal – ver artigo 2.º, al. q), do Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis, aprovado pela Portaria n.º 131/2002, de 9/2, depois alterada pela Portaria n.º 362/2005, de 4/4 –, as “instalaç[ões] destinada[s] ao abastecimento, para consumo próprio, público ou cooperativo, de gasolinas, gasóleo e GPL para veículos rodoviários, correspondendo-lhe[s] a área do local onde se inserem as unidades de abastecimento, os respectivos reservatórios e as zonas de segurança e de protecção, bem como os edifícios integrados e as vias necessárias à circulação dos veículos rodoviários a abastecer”.
Daqui decorre, pois, a conclusão de que a denominação “posto de abastecimento” não significa, somente, um local de “vend[a] a retalho [de] combustível”, contendo, para além das unidades de abastecimento propriamente ditas, outros edifícios (e actividades) associados ou complementares.
Como bem salienta a supra mencionada Decisão arbitral n.º 244/2016-T, “«posto de abastecimento» é uma realidade complexa em que, para além das unidades de abastecimento, se inserem ainda os «edifícios integrados», ainda que os mesmos se destinem à prossecução de atividades complementares (definidas pelo Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis como sendo «os serviços a prestar aos utentes dentro dos limites do posto de abastecimento, em complemento da oferta de combustíveis e lubrificantes, nomeadamente loja de conveniência, apoio auto e lavagem de viaturas (manual ou automática)».”
Como refere a Requerente (e está documentado por fotografias de cada um dos prédios aqui em causa, constantes do pedido de pronúncia arbitral), estes “postos de abastecimento” são sempre compostos por edifícios associados (sejam estes de venda de bebidas e produtos alimentares, ou de apoio automóvel), que daqueles são partes integrantes, motivo pelo qual se conclui, em face de tudo o que foi exposto, inexistirem razões para não aplicar o método de avaliação previsto no art. 38.º, n.º 1, do CIMI.
Verifica-se, também, que a jurisprudência arbitral e judicial vai no mesmo sentido do entendimento aqui expresso, i.e., no sentido de que os referidos “postos de abastecimento” de combustíveis devem ser considerados, para efeitos de aplicação de IMI, como sendo prédios urbanos comerciais.
Assim, no que diz respeito às decisões arbitrais, vejam-se, por ex.: Decisão arbitral n.º 218/2015-T, de 22/1/2016; Decisão arbitral n.º 271/2015-T, de 15/12/2015; Decisão arbitral n.º 348/2015-T, de 4/1/2016; Decisão arbitral n.º 604/2015-T, de 23/2/2016; Decisão arbitral n.º 244/2016-T, de 31/10/2016 (várias vezes aqui citada); e Decisão arbitral n.º 2/2017-T, de 9/6/2017.
No plano judicial, veja-se, e.g., o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4/6/2015, proferido no processo n.º 08035/14. Aí se decidiu que, “quanto à classificação do prédio urbano como pertencente à espécie «outros», o legislador adoptou um critério de finalidade «residual» por referência aos fins enunciados no n.º 2, tal como resulta do disposto no n.º 4 do art. 6.º do CIMI ao excluir-se desta espécie todos os edifícios e construções que tenham como destino normal os fins referidos no n.º 2”. E acrescentou-se, ainda, que “apenas se poderá classificar um prédio urbano na espécie «outros» prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 6.º do CIMI quando o edifício ou construção não seja de classificar na espécie comerciais, industriais ou para serviços”. De forma mais detalhada, assinala, ainda, o citado Acórdão que “o prédio em questão [nesses autos] é uma construção feita num lote de terreno destinado à indústria, comércio e serviços, e encontra-se licenciado para um centro de lavagem e aspiração automóvel, donde se conclui que se encontra preenchida a previsão legal do n.º 2 do art. 6.º do CIMI (“comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.”), sendo, portanto, de classificar na categoria ou espécie prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços, prevista na alínea b) do n.º 1 daquele preceito legal. Com efeito, resulta provada a finalidade da construção por via quer da natureza do terreno, quer do licenciamento da actividade nele exercida, que levam a concluir que estamos perante uma construção comercial, industrial ou para serviços. [...]. Aliás, há que sublinhar que na fundamentação da 2.ª avaliação, acto sindicado em sede de impugnação, a razão com base na qual se faz a qualificação da construção na espécie «outros» não assenta na verificação dos pressupostos do n.º 4 do art. 6.º do CIMI (preceito legal que dispõe sobre a classificação de prédios urbanos na espécie «outros»), mas por se entender que «a construção não possibilita a aplicação da regra geral» [...]. Como vimos pelo supra exposto, são claros os pressupostos da classificação das espécies dos terrenos urbanos, encontram-se vertidos no art. 6.º do CIMI, e em momento algum se aponta para critérios de possibilidade ou adequabilidade do método previsto no art. 38.º para o apuramento do VPT, nem tão pouco para o método do custo adicionado do valor do terreno previsto no art. 46.º, n.º 2 daquele código. Há que partir das regras previstas no art. 6.º e determinar a classificação do prédio urbano, e somente depois há que averiguar qual o método aplicável face à classificação apurada, e não o inverso. Para apurar a classificação de um determinado prédio urbano, não há, portanto, que aferir da adequabilidade do método a aplicar e alterar a classificação, pela simples razão que a lei não o prevê. Em suma, o prédio em causa nos presentes autos é de classificar na espécie de prédios urbano Comerciais, industriais ou para serviços, prevista na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do art. 6.º do CIMI, e nessa medida, a 2.ª avaliação não poderia ter sido apurada nos termos do art. 46.º do CIMI [...], porquanto não estamos perante um prédio classificado como «outros», enfermando de vício de violação de lei.”
No caso dos presentes autos, tendo ficado demonstrado que os prédios da Requerente são postos de abastecimento compostos por edifícios anexos/complementares, que os mesmos se encontram licenciados para fins comerciais e, ainda, que têm como destino normal a prática de actividades comerciais, é forçoso concluir que todos eles são prédios comerciais, devendo, por essa razão, ser avaliados nos termos do disposto no art. 38.º do CIMI.
Note-se, por último, que a Portaria n.º 11/2017, de 9/1/2017, não se aplica aos prédios aqui em causa, dado que, como bem refere a Requerente, “dispõe o artigo 2.º que a Portaria é aplicável às declarações modelo 1 entregues após a respectiva entrada em vigor. Ora, dado que a requerente apresentou em 15 e 22 de Dezembro de 2014 e 18 de Março de 2016 as modelo 1 para corrigir as matrizes dos prédios em causa, a determinação dos respectivos valores patrimoniais tributários efectuar-se-á pelo método directo previsto no artigo 38.º e seguintes para os prédios classificados como «comercial».”
Concluindo-se, pelas razões expostas, que o presente pedido arbitral é procedente, com a consequente anulação dos actos de avaliação dos prédios urbanos em causa, fica prejudicada a apreciação de qualquer outra questão colocada pelas partes.
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V – DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade do actos de avaliação dos prédios urbanos inscritos na matriz com os seguintes números: i) n.º…, sito na freguesia de…, concelho de Vila Nova de Gaia; ii) n.º…, sito na freguesia de…, concelho de Gondomar; iii) n.º…, sito na freguesia de…, concelho de Gondomar; iv) n.º…, sito na freguesia de …, concelho da Maia;
- Determinar a repetição dos procedimentos de avaliação em conformidade com a qualificação dos prédios nos termos supra descritos e com todas as consequências legais, mormente em sede de aplicação dos critérios de avaliação, como o previsto no artigo 38.º do CIMI, na redacção em vigor à data dos factos.
Fixa-se o valor do processo em €7608,84 (sete mil seiscentos e oito euros e oitenta e quatro cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas a cargo da Requerida, no montante de €612,00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique.
Lisboa, 18 de Outubro de 2017.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
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Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.