DECISÃO ARBITRAL
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 19-04-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo e notificou as partes dessa designação em 05-06-2017.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído 21-06-2017, seguindo-se o regular procedimento.
I – RELATÓRIO
1- No dia 03-04-2017, A… e B…, (Requerentes), contribuintes nº … e …, respectivamente, com domicílio na …, nº…, Porto, apresentaram um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
2-Vêm os Requerentes submeter o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, impugnando o despacho de indeferimento, de 30.12.2016, da Direcção de Finanças do Porto, que indeferiu a Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRS, nº 2016…, de 23.07.2016, relativa a 2015, no valor total de Euro €28.642,02.
Pedem a anulação parcial, por ilegalidade, da liquidação referida, com a consequente restituição do imposto indevidamente liquidado e pago em excesso, no montante de €8.209,70 e juros indemnizatórios, nos termos legais
3-Para tanto, invocam os Requerentes vício de violação de lei, com fundamento na previsão dos, entre outros, artigos 43.º, n.º 2 do CIRS e 71.º, n.º 5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
4- Invocam, sucintamente, em seu favor:
O saldo obtido entre as mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis objecto de reabilitação urbana, deve ser tributado em apenas 50% do seu valor, quer o sujeito passivo opte pela aplicação da taxa especial de 5% prevista do artigo 71.º, n.º 5 do EBF, quer o sujeito passivo opte pelo englobamento da totalidade dos rendimentos.
Na verdade, arguem, nem do artigo 71º nº 5 do EBF, nem de qualquer outra disposição legal, se extrai que a aplicação da taxa reduzida de IRS de 5% consignada naquele preceito legal exclui que o saldo, positivo ou negativo, entre mais e menos valias imobiliárias, seja sujeito a tributação em apenas 50% do seu valor, conforme estabelece o artigo 43º nº 2 do CIRS.
E nada na lei, acrescentam, impede a consideração conjugada dos benefícios contemplados em ambas as normas, dado estar em causa uma mais-valia decorrente da alienação de imóvel situado em “área de reabilitação urbana”, recuperado nos termos das respetivas estratégias de reabilitação.
A interpretação que a AT faz dos artigos 43º nº 2 do CIRS e 71º nº 5 do EBF, não respeita a constituição, violando princípios como o da legalidade e tipicidade de normas sobre benefícios fiscais, um dos “elementos essenciais” dos impostos, violando igualmente o princípio da reserva de lei (artigos 103 nº 2 e 3 e 165, nº 1, i), da CRP).
5-Por seu turno, a AT… entende não assistir qualquer razão aos Requerentes.
Com efeito, entende a AT
As alegações dos Requerentes consubstanciam uma interpretação enviesada das normas aplicáveis ao caso e totalmente errada do ponto de vista da lógica e mecânica de todo o Código do IRS e respetivo regime de tributação que lhe está subjacente, designadamente no âmbito da tributação de mais valias.
A razão pela qual o legislador consagrou esta exclusão de tributação, determinando que as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis apenas são de considerar em 50% do seu valor, foi a de evitar, ou pelo menos limitar, a gravosidade que decorreria da aplicação das taxas gerais do IRS, atenta a sua pregressividade, à totalidade dos rendimentos englobados.
Ora, sustenta a AT, se a consagração da referida exclusão tributária, foi motivada pela gravosidade da tributação decorrente da aplicação de taxas progressivas, então, á contrario, nos casos em que o legislador determina a aplicação de taxas autónomas e especiais, de natureza proporcional e não progressiva (como é o caso, da taxa especial de 5% aplicável prevista no artigo 71.º, n.º 5 do EBF), não tem aplicação esta exclusão de tributação, porquanto desapareceu o motivo subjacente à mesma, ou seja, a gravosidade decorrente da aplicação de taxas progressivas.
Conclui, a utilização de elementos sistemáticos na interpretação jurídica não pode dissociar-se da consideração de um aspeto verdadeiramete essencial na pesquisa do sentido da norma, o da teleologia da mesma. Deste modo, a determinação de quais são esses interesses revela-se decisiva para a compreensão da sua expressão verbal. Pelo que, no caso em apreço, o elemento teleológico não pode senão revelar-se absolutamente decisivo.
6- O processo não enferma de nulidades.
7- Considerando a matéria controvertida - atento o disposto nas al.s c) e e) do art.º 16 e art.º 19.º do RJAT, bem como os princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis - dispensou-se a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, a audição de testemunhas, bem como a apresentação de alegações pelas partes.
8- Não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II - MATÉRIA DE FACTO
1- Os Requerentes submeteram, em 30.05.2016, a declaração de rendimentos de IRS relativa ao ano de 2015, com a identificação nº …-… -… .
Entretanto, foram notificados pela Autoridade Tributária da demonstração de liquidação respetiva, da qual resultou um valor a pagar de €28.642,02, que foi, efetivamente, pago pelos Requerentes na totalidade.
2- Em 27.10.2016, foi apresentada Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida nos termos do despacho impugnado.
3- O Requerente A… era proprietário do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia …- União das Freguesias de …, …, …, …, … e …, que estava situado numa área de reabilitação urbana da cidade do Porto.
4- O prédio foi integralmente recuperado de acordo e nos termos das respetivas estratégias de reabilitação para a área de reabilitação onde estava e está inserido, tendo essas obras de recuperação sido iniciadas depois de 1 de Janeiro de 2008 e concluídas durante 2014.
5- Em 2015, o Requerente alienou a totalidade do prédio urbano em causa.
6- O imóvel tinha sido adquirido pelo Requerente em dois momentos distintos: (i) em Setembro de 1979, adquiriu 1/3 do direito de propriedade; (ii) em Janeiro de 1989 adquiriu os restantes 2/3 do direito de propriedade.
7- Os Requerentes apresentaram os anexos G (“Mais-valia e Outros Incrementos Patrimoniais”) e G1 (“Mais-valias - Não tributadas”), os quais anexaram à declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2015.
Não optaram pelo englobamento do rendimento de mais-valias, assinalando, para o efeito, o campo 02 do quadro 15 do respetivo anexo G da Declaração apresentada.
8- A liquidação de IRS impugnada tributou a mais-valia resultante da alienação onerosa do imóvel sem ter em conta o disposto no nº 2 do artigo 43º do CIRS, apurando um imposto relativo a tributações autónomas no montante de €16.419,41.
III - Fundamentação da matéria de facto provada
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV - DO DIREITO
A questão essencial no presente processo, consiste em saber se o saldo obtido entre as mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis, objecto de reabilitação urbana, nos termos e para os efeitos do artigo 71.º do EBF, deve ser tributado em apenas 50% do seu valor, (aplicando-se o nº 2 do artigo 43º do CIRS), quer o sujeito passivo opte pela aplicação da taxa especial de 5% prevista do artigo 71.º, n.º 5 do EBF, quer o sujeito passivo opte pelo englobamento da totalidade dos rendimentos auferidos.
VEJAMOS
Como já se disse, noutras ocasiões, entende-se que, efetivamente, as regras de interpretação das normas fiscais são exactamente as mesmas que são aplicadas às normas dos outros ramos do direito, “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”
Mas até por isso, (ou não obstante), há que ter presente, que em Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade específica, elemento do princípio da legalidade, o que, para o que interessa, exige a enumeração taxativa dos factos ou realidades que, “dentro de cada tipo genérico do objecto normativo de incidência, são indicados por lei como objecto de incidência”.
Por força do princípio da legalidade previsto no artigo 106.º, n.º 2, da Constituição da República e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.
“A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a utilização de conceitos indeterminados, bem como de conceitos determinados normativos, cuja aplicação ao caso concreto assente em valoração subjectiva ou pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica”.
…Sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa,
Contudo, no caso, não parece estarmos perante uma interpretação que invoque qualquer questão a envolver o elemento literal ou a “letra da lei”, nomeadamente para concluir, como pretendem os Requerentes que, se tivesse sido o caso, certamente que o legislador o teria dito de forma clara e explícita – se não o fez é porque claramente não teve em vista tributar 100% da mais-valia imobiliária sempre que seja aplicável a taxa reduzida de IRS de 5% prevista no artigo 71º nº 5 do EBF.
Outrossim, parece resultar de manifesta clareza, não estarmos perante qualquer fenómeno de integração analógica ou extensiva de tributação e/ou restrição de beneficio fiscal, como, também, referem os Requerentes.
O que se entende passar na presente situação é o seguinte:
A regra em matéria de tributação de mais-valias é a da tributação do valor integral, pelo que, nos casos em que se estabelece uma possibilidade de opção por um regime benefico de tributação e se adere esse regime, há uma vinculação ás regras desse regime sem que, naturalmente, possam ser invocadas as normas potencialmente conflituantes do regime geral, afastado, por opção, em seu beneficio.
ASSIM, não ressaltando o limite imposto pelo o elemento literal - que no caso se não adequa, como se referiu - há que lançar mão dos outros elementos a ter em consideração na tarefa interpretativa das normas tributárias, como seja a conjugação sistemática e orientação do espírito e fim das mesmas, ou seja a sua rácio subjacente.
E, nessa medida e razão temos que concordar, com as considerações e alegações da AT, (bem como dos autores que cita em abono do seu entendimento).
Efetivamente, não se considera que possa haver, como alegam os Requerentes, uma aplicação sucessiva e conjugada dos dois preceitos legais: o artigo 43º (e ss.) quantifica, de forma geral, a mais-valia sujeita a IRS; o artigo 71º nº 5 do EBF especifica a taxa reduzida de IRS que lhe é aplicável.
O intérprete ...deverá reconstruir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do ordenamento jurídico na sua íntegra, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (VASQUES, SÉRGIO, Manual deDireito Fiscal, Almedina, Coimbra p. 307).
Como, bem se refere na Resposta da AT, como instrumento de política tributária, os benefícios fiscais constituem uma manifestação das orientações políticas prosseguidas pelo Estado, uma vez que impedem ou afastam no tempo o nascimento da obrigação material de pagamento do imposto, sendo concedidos e limitados consoante os objetivos prosseguidos.
Assumindo-se que o legislador previu a concessão do “benefício fiscal” por considerá-lo uma necessidade premente para a política social e económica, as normas relativas a estes não devem ser interpretadas no sentido de limitar o benefício destes pelo contribuinte, mas deve ser procurada a intenção do legislador subjacente à previsão e concessão do referido benefício, e interpretá-lo no sentido que melhor a manifeste.
ORA, concordamos que a razão pela qual o legislador determinou que as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis fossem apenas consideradas em 50% do seu valor, foi a de evitar, ou pelo menos limitar, a gravosidade que decorreria da aplicação das taxas gerais do IRS, atenta a sua progressividade, à totalidade dos rendimentos englobados.
Como sustenta a AT, se a consagração da referida exclusão tributária, foi motivada pela gravosidade da tributação decorrente da aplicação de taxas progressivas, então, á contrario, nos casos em que o legislador determina a aplicação de taxas autónomas e especiais, de natureza proporcional e não progressiva (como é o caso, da taxa especial de 5% aplicável prevista no artigo 71.º, n.º 5 do EBF), não tem aplicação esta exclusão de tributação, porquanto desapareceu o motivo subjacente à mesma, ou seja, a gravosidade decorrente da aplicação de taxas progressivas.
Nestes termos, deve salientar-se que, o consagrado no 71.º, n.º 5 do EBF, materializa num importante benefício fiscal, que, por definição consubstancia uma medida de carácter especifico e excepcional, cujas regras próprias afastam, naturalmente, as do regime geral que com elas possam conflituar.
Cumpre referir, por fim, que não se consegue vislumbrar em que medida o entendimento propugnado possa contender com os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade tributárias, (artigos 103º nº 2, 165º nº 1 i) e 266º nº 2 da CRP).
Tem de considerar-se, pois, que o saldo obtido entre as mais-valias e menos-valias decorrentes da alienação de direitos reais sobre bens imóveis objecto de reabilitação urbana, nos termos e para os efeitos do artigo 71.º do EBF, deve ser tributado pelo valor total, quando o sujeito passivo opte pela aplicação da taxa especial de 5% prevista do artigo 71.º, n.º 5 do EBF.
Só haverá lugar á tributação de 50% daquele valor, (a que se refere o nº 2 do artigo 43º do CIRS), caso o sujeito passivo opte pelo englobamento da totalidade dos rendimentos com consequente aplicação das taxas gerais do artigo 68.º do CIRS.
PELO QUE IMPROCEDE, assim, o pedido de pronúncia arbitral já que o ato tributário de liquidação contestado, não enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e direito, impondo-se a sua manutenção na ordem jurídica e não a sua anulação, como é pedido.
Quanto ao pedido de reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios, formulado pelos Requerentes, o artigo 43.º, n.º 1 da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, pelo que foi referido, não há, obviamente, lugar a qualquer reembolso ou pagamento de juros indemnizatórios.
V - DECISÃO
Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral formulado:
a- Não declarando a anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa e ato tributário de liquidação impugnados;
b- Não atendendo ao pedido de inconstitucionalidade formulado;
c- Não determinando o reembolso do valor do imposto pago e pagamento de juros indemnizatórios;
d- Condenando a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €8.209,70, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €918,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente - uma vez que o pedido foi considerado totalmente improcedente - nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 23-10-2017
O Árbitro,
(Fernando Miranda Ferreira)