Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 126/2017-T
Data da decisão: 2017-10-19  IRS  
Valor do pedido: € 19.553,50
Tema: IRS – Indemnização - Antiguidade
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Decisão Arbitral

O ora Signatário, Nuno de Oliveira Garcia, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide no seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

No dia 17.02.2017, o contribuinte A…, NIF …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (‘Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária’, doravante apenas RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante apenas AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD, e automaticamente notificado à AT em 24.02.2017.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o ora Signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo seguidamente o CAAD notificado as partes dessa designação em 28.04.2017.

Nessa mesma data, em 28.04.2017, o presente tribunal arbitral foi constituído.

Em 01.06.2017, a AT remeteu a este Tribunal a sua Resposta e fez juntar o respetivo processo administrativo.

No dia 28.09.2017, este Tribunal despachou no sentido da dispensa da reunião com as partes prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como da não realização de audiência de inquirição de testemunhas por tal não ter sido solicitado pelas partes. Igualmente se despachou no sentido da apresentação de alegações escritas, mais se fixando o dia 20.10.2017 como data para prolação e notificação da presente decisão final.

Na mesma data, o Tribunal solicitou à Requerente para, num prazo de 10 dias, vir remeter e entregar aos Autos o contrato que titulou o início da relação laboral que terminou em 2013, nomeadamente para se poder apurar se nesse acordo/contrato encontrava-se consagrada cláusula referente à (não) consideração, e qual a sua devida extensão, da antiguidade do Requerente no setor em causa (ie., setor da banca ou setor bancário).

Em 09.10.2017, a Requerente viria a proceder à junção do documento requerido pelo Tribunal em anexo às suas alegações finais, tendo a AT apresentado as suas alegações em 16.10.2017.

Em crise nos presentes Autos Arbitrais encontra-se a liquidação de IRS com o número de documento n.º 2017…, e respetivos juros compensatórios também liquidados, relativa ao exercício de 2013, com um valor total de 19 553,50€.

O busílis prende-se com a consideração, ou não-consideração, para efeitos do cálculo do montante isento de tributação em sede de IRS, da antiguidade do Requerente noutras entidades empregadoras dentro mesmo setor de atividade. De forma resumida, a Requerente sustenta afirmativamente no sentido da consideração de tal antiguidade (o que lhe permitiria in casu que a indemnização se encontrasse totalmente isenta de IRS, nos termos do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS), enquanto a AT sustenta que a antiguidade deve limitar-se a ser aferida em relação à entidade pagadora da indemnização por cessação de contrato de trabalho.

 

  1. FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

II.I. O Tribunal considera provados os seguintes factos essenciais para o objeto do pedido:

  1. O Requerente trabalhou no Banco B… entre 10.01.2007 e 12.07.2013.
  2. Em 06.05.2013, e no âmbito de um plano de reestruturação de negócio ibérico do Banco B…, este e o Requerente assinaram um acordo de revogação de contrato de trabalho no qual ficou estabelecido no n.º 2 da respetiva Cláusula 15ª:
  • «Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17ª dos ACT do Sector bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do TCA Sul de 11 de maio de 2004 (Procº 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Procº 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 2º do Código do imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108º da lei nº 64B/2011, de 30 de Dezembro».
  1. Foi paga ao Requerente uma indemnização de 102 606,25 €, correspondente a uma antiguidade de 18 anos, pela rescisão do contrato de trabalho.
  2. A referida indemnização foi calculada com base na antiguidade do Requerente, não apenas no Banco B… (onde esteve menos de 7 anos), mas também noutra(s) entidades empregadoras(s) onde tinha trabalhado anteriormente.
  3. Aquando do pagamento da indemnização, o Banco B… considerou que aquela não estava sujeita a tributação em IRS, na medida em que aquela não excedia o limite a que se refere o n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos.
  4. O Requerente era sindicalizado no ‘Sindicato dos Quadros e Técnicos do Sector Bancário’.
  5. Em 2013, a Cláusula 2ª do ACT do setor bancário estabelecia que:
  • «O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE – Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos».
  1.  O Banco B… subscreveu o ACT mediante a seguinte ressalva:
  • «Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias da presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras entidades ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador».
  1. O contrato individual de trabalho da Requerente tem uma Cláusula 7ª, com a epígrafe ‘Antiguidade’, segundo a qual:
  •  «1.O Banco garante ao segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras Instituições de Crédito, desde 23/10/1995, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:

a) Para efeitos do Fundo de Pensões do B…, o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.

b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6ª  do Plano de Pensões do B… .

c) O tempo de serviço prestado a outras Instituições de Crédito anteriormente à assinatura do presente contrato, também não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades».

II.II. O Tribunal considera como não-provados os seguintes factos:

  1. Pagamento voluntário da liquidação adicional e respetivos juros em crise. Efetivamente, a Requerente protestou juntar um doc. n.º 4 que não se encontra juntos aos Autos.

 

  1. DO DIREITO

III.I. Introdução e enquadramento da decisão

O presente processo arbitral insere-se num contencioso relativamente recente e que se relaciona com o tratamento fiscal, em sede de IRS, das indemnizações pagas a trabalhadores pelas respetivas entidades patronais. Em concreto, e como já vimos acima, versa-se sobre a isenção da indemnização recebida (in casu da totalidade, mas noutros casos apenas parcial) e o conceito de antiguidade a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.

Enquanto a AT adota um entendimento administrativo restritivo (apelidando-o, contudo, de ‘literal’), as entidades patronais e os contribuintes adotam um entendimento largo o suficiente para que a Lei Fiscal não seja discriminatória entre trabalhadores que se mantiveram numa única entidade patronal e aqueles outros que, apesar dos mesmos anos de trabalho, mudaram de entidade patronal dentro do mesmo ofício e até do mesmo setor de atividade.

Já existe, de resto, como ambas as partes o destacam incluindo com citações, jurisprudência bastante dos Tribunais e dos Tribunais Arbitrais nesta matéria. Ora, precisamente esta jurisprudência tem aceitado, na maioria dos casos, que o conceito de antiguidade deve incluir os anteriores vínculos laborais desde que estes tenham ocorrido na mesma atividade e existam Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) nesse sentido.

Mesmo as decisões, minoritárias de resto, não totalmente favoráveis aos contribuintes, fazem-no sempre com a ressalva dos casos em que (i) a nova entidade patronal sobrescreveu o ACT do setor, e na medida em que (ii) exista acordo individual entre o trabalhador e a nova entidade patronal no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo setor, e (iii) o trabalhador seja filiado no respetivo sindicato.

O mesmo é dizer, que toda a jurisprudência – do STA ao CAAD – atribui relevância, para efeitos da citada isenção de IRS, ao tempo de serviço prestado pelo trabalhador a entidades do mesmo setor, sempre os seguintes requisitos se verifiquem de forma cumulativa; a saber:

  1. A nova entidade patronal tenha sobrescrito o ACT do respetivo setor;
  2. Exista acordo individual entre o trabalhador e a nova entidade patronal (por regra, o contrato de trabalho) no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo setor; e,
  3. O trabalhador seja filiado no respetivo sindicato.

Quanto a nós, também partilhamos o mesmo entendimento, tanto mais que in casu, como vimos nos Factos, o ACT subscrito pelo Banco B… faz relevar o «tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias» do ACT «desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador».

 

Nestes termos, e sem demais considerações, importa aplicar o Direito aos Factos dados por assentes, ou seja importa confirmar, ou desmentir, a verificação in casu dos referidos requisitos.

 

III.II. Da (não) verificação de todos os requisitos indispensáveis para a relevância do tempo de serviço prestado noutras entidades do setor em sede de tributação em IRS da indemnização por cessação de contrato de trabalho

Como vimos nos Factos, nos presentes Autos encontra-se provado que a entidade pagadora da indemnização (Banco B…) sobrescreveu o ACT do respetivo setor, e que o Requerente era filiado no sindicado relevante, dois dos requisitos essenciais para que se tenha que reconhecer a antiguidade do trabalhador no setor referente a anteriores empregadores.

O restante requisito – imposto de resto pelo próprio ACT subscrito pelo Banco B…– relaciona-se com a existência de acordo individual entre o trabalhador e a nova entidade patronal no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo setor. Quanto a este aspeto, resultou provado nos Autos que, como é habitual nestes casos, existiam dois acordos; a saber: (i) acordo/contrato de trabalho que titulou, em 2007, o início da relação laboral que duraria até 2013; e (ii) acordo de cessação de contrato de trabalho que titulou, em 2013, precisamente os termos da extinção do primeiro acordo.

Importa pois, determinar, qual dos acordos é o relevante para o exame em causa, circunstância tanto mais relevante quando, como igualmente resulta dos Autos, a relevância atribuída à antiguidade no setor é diferente in casu consoante o acordo em análise. Com efeito, enquanto no contrato de trabalho (2007) existe uma limitação taxativa e exaustiva da extensão da relevância do conceito antiguidade no setor (ou seja, há uma limitação negativa clara dessa extensão), já no acordo de cessação (2013), e precisamente a propósito do valor da indemnização, a antiguidade do setor é efetivamente considerada.

Ora, a este propósito, seguimos de muito perto o pronunciamento de Carla Trindade no processo 616/2015 T, um caso com contornos análogos ao presente, no sentido em que «não se venha dizer que o conceito de antiguidade que inclui a prestação de serviços noutras entidades empregadoras decorre […] do Acordo de Revogação pois este não pode ser considerado como uma adenda ao Contrato Individual de Trabalho no qual, como se viu, nem sequer se reconhece esta antiguidade para efeitos de cálculo de indemnização por rescisão de contrato de trabalho. Tanto mais que o acordo de revogação do contrato de trabalho é precisamente o contrato extintivo da relação laboral, o qual não visa estabelecer condições respeitantes à execução da relação laboral mas sim à sua cessação».

Continuamos a citar a fazer referência expressa à referida decisão, quando esta subscreve que «não resultando nem do Contrato Individual de Trabalho celebrado entre o Requerente e o Banco B..., nem do ACT a antiguidade do Requerente nas anteriores entidades empregadoras, a única antiguidade a considerar no cálculo da indemnização por cessação de contrato de trabalho será a antiguidade do Requerente no B… . Esta é a única à qual a entidade devedora estava obrigada a pagar nos termos das regras jus-laborais».

Termos em que, e apesar de não seguirmos na íntegra a posição da AT – assente numa interpretação restritiva e meramente literal, realce-se –, dúvidas não restam que não se encontram reunidos in casu todos os requisitos indispensáveis para assegurar que o conceito de antiguidade se refira a experiências anteriores no mesmo setor de atividade.

O mesmo é dizer que, caso o contrato de trabalho celebrado entre o Requerente e o Banco B… (2007) tivesse consagrado o conceito de antiguidade no setor sem limitações, a nossa decisão seria em sentido oposto. Como assim não é in casu, improcede totalmente o pedido. Neste sentido, confirma-se o ato tributário de liquidação adicional, não sendo procedente o pedido do Requerente de anulação do ato em causa e, como se verá, de pagamento de juros indemnizatórios.

 

III.II. Dos juros indemnizatórios

Resta, por fim, apreciar o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT. Ora, tendo em conta que, nos termos acima expostos, o ato tributário de liquidação adicional de IRS não padece dos vícios de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, o pedido de declaração da respetiva ilegalidade, necessariamente improcede o pedido de juros indemnizatórios, que é suscitado como consequência das ilegalidades invocadas.

De resto diga-se que a Requerente nem chegou a provar o pagamento do imposto, pelo que também por esse motivo não poderia ser procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que decide este Tribunal Arbitral:

  1. Julgar improcedente o pedido arbitral e, em consequência, manter o ato tributário de liquidação de IRS em crise;
  2. Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios, absolvendo do pedido a AT; e,

            b) Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

  1. VALOR DA AÇÃO

O valor da ação é fixado em 19 553,50€ nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas no valor de 1 224.00 € de acordo com a Tabela I nos termos do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Notifique-se.

Lisboa, 19 de outubro de 2017

Nuno de Oliveira Garcia