Decisão Arbitral
I. Relatório
1. A sociedade A…, SGPS, S.A. (doravante designada por “Requerente”), com o n.º de identificação fiscal…, com sede na Rua…, n.º …-…, …-… Lisboa, apresentou, no dia 29 de novembro de 2016, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, i.e., Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), pedido de constituição de Tribunal Arbitral, de forma a ser declarada ilegal a liquidação adicional n.º 2016…, referente ao exercício de 2013, relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), no valor total de € 516.343,56, sendo demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”).
A) Constituição do Tribunal Arbitral Coletivo
2. De acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação no dia 25 de janeiro de 2017.
3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, e mediante a comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído no dia 7 de março de 2017.
B) História processual
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC anteriormente referido, suscitado no âmbito de uma inspeção realizada pela AT, por respeito ao período de tributação de 2013.
5. A AT apresentou resposta, peticionando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não se verificar qualquer vício de violação de lei, solicitando que o ato de liquidação em análise, por não violar qualquer preceito legal ou constitucional, fosse mantido na ordem jurídica.
6. Por despacho de dia 31 de maio de 2017, o Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do disposto na alínea c) do artigo 16.º do RJAT, decidiu, sem oposição das partes, que não se mostrava necessário promover a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT.
7. Ainda no âmbito daquele despacho, as partes foram também convocadas para apresentar alegações finais, tendo um prazo sucessivo de 10 dias.
8. Tomando conhecimento que a Requerente não teria acedido à sua caixa de correio eletrónico, com vista a tornar efetiva a aludida notificação, o presente Tribunal Arbitral Coletivo sancionou que aquela notificação se considerava efetuada, para todos os efeitos legais e processuais, em 11 de julho de 2017.
9. A esse respeito, a Requerente apresentou as suas alegações no dia 12 de julho de 2017.
10. Por outro lado, a Requerida não apresentou quaisquer alegações, tendo, contudo, requerido, no dia 14 de julho de 2017, o desentranhamento das alegações apresentadas pela Requerente, por intempestivas e, bem assim, a revogação parcial do referido despacho arbitral, designadamente no que concerne à fixação da data em que se considerava efetivada a notificação.
11. No dia 16 de Agosto, por despacho arbitral, o presente Tribunal Arbitral Coletivo decidiu repetir a notificação de ambas as partes para apresentarem as suas alegações, no prazo sucessivo de 10 dias, e, bem assim, prorrogar o prazo para a decisão arbitral, em 2 meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do RJAT, fixando como prazo final fixado para a emissão da decisão arbitral o dia 3 de novembro de 2017.
12. O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído e é competente para apreciar as questões indicadas (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade plena (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Não ocorrem quaisquer nulidades, pelo que nada obsta ao julgamento de mérito.
13. Encontra-se, assim, o presente processo em condições de nele ser proferida a decisão final.
II. Questão a decidir
14. O presente Tribunal apreciará, antes de mais, se a exceção levantada pela Requerida, quanto à falta parcial de objeto, será de prosseguir, dando-se por extinta a presente instância.
15. Em paralelo, e caso tal não se verifique, o presente Tribunal decidirá também quanto ao mérito da causa, que consiste, designadamente, em apreciar se as perdas resultantes da aplicação do método do justo valor, nos termos do artigo 18.º, n.º 9 do Código do IRC, são, tal como defende a Requerente, consideradas a 100%, ou, em alternativa, em apenas 50% do seu valor, conforme argumentado pela Requerida.
III. Decisão da matéria de facto e sua motivação
16. Examinada a prova documental produzida, o presente Tribunal julga como provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:
I. A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais;
II. A Requerente adotou a Norma Contabilística e de Relato Financeiro (“NCRF”) 27, no seguimento da transição do Plano Oficial de Contabilidade (“POC”) para o Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”) em Portugal, alterando a sua política contabilística de reconhecimento de instrumentos financeiros transacionados em mercado regulamentado, designadamente de capital próprio, do modelo do custo para o modelo do justo valor;
III. Neste sentido, a Requerente, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, reconheceu fiscalmente as perdas resultantes da referida adoção (na íntegra), repartindo aquele impacto, como indicado pela legislação aplicável, ao longo de 5 exercícios.
IV. A Requerente, em 29-5-2014, procedeu à submissão electrónica da sua declaração fiscal de rendimentos (Mod. 22 de IRC), respeitante ao exercício de 2013, apurando um lucro tributável de €582.650,11.
V. Em 29.7.2016 a AT notificou a Requerente de que procedera a correções ao lucro tributável do exercício referido (2013) para €6.037.375,43.
VI. Para tal correção da AT esta alegou, essencialmente, que a Requerente “alterou os valores respeitantes às variações patrimoniais negativas (...)”, concluindo por aí que a Requerente deveria ter deduzido “(...) 50% do valor de 1/5 da perda apurada em resultado da aplicação do modelo de mensuração do justo valor (...)”
VII. Em consequência, a AT emitiu liquidação adicional de IRC/2013 (Doc 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral).
VIII. Na sua declaração referida supra, em IV., a Requerente considerou uma dedução de 100% da perda de 1/5 apurada por aplicação do modelo de mensuração do justo valor no exercício de 2013, relativo ao valor das suas ações na sociedade B…, SGPS, SA (atualmente, C…, SGPS, SA), adquiridas pelo preço de €84.868.590,00 e com um valor de balanço de €30.321.336,00 em 31-12-2009
Motivação
17. A convicção do Tribunal sobre os factos provados resultou do exame crítico da cópia do processo administrativo instrutor junto pela AT em conjugação com a posição das partes no processo, espelhadas nos articulados e documentos juntos aos autos pelas partes, conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.
IV. Do Direito
A) Quadro jurídico
18. Dado que a questão jurídica a decidir no presente processo exige que se interprete os textos legais pertinentes, importa, em primeiro lugar, elencar as normas que compõem o quadro jurídico relevante, à data da ocorrência dos factos (2013).
19. Em primeiro lugar, cumpre citar o Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho, no qual foi estabelecido um regime transitório, em sede de IRC, para os efeitos decorrentes da adoção, pela primeira vez, das Normas Internacionais de Contabilidade, nos seguintes termos:
“Artigo 5.º
(Regime transitório)
1. Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respetiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou passivos, ou de alterações na respetiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
2. (…).
3. Os ajustamentos a que se referem os números anteriores devem ser devidamente evidenciados no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º do Código do IRC, de acordo com a renumeração introduzida.
4. (…).
5. O regime transitório estabelecido nos números anteriores é igualmente aplicável à adoção, pela primeira vez, do Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, das Normas de Contabilidade Ajustadas, aprovadas pelo Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2005, ou do Plano de Contas para as Empresas de Seguros, aprovado pela Norma Regulamentar n.º 4/2007-R, de 27 de Abril, do Instituto de Seguros de Portugal, sem prejuízo de, relativamente às entidades que já vinham aplicando estes novos referenciais contabilísticos, o período referido no n.º 1 se contar a partir do período de tributação em que os mesmos tenham sido adotados pela primeira vez.
6. Relativamente às entidades que tenham optado, nos termos do Decreto-Lei n.º 35/2005, de 17 de Fevereiro, por elaborar as respetivas contas individuais em conformidade com as normas internacionais de contabilidade adotadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento (CE)
n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, os efeitos a que se refere o n.º 1 deste artigo são apurados tomando por referência as contas individuais, organizadas de acordo com a normalização contabilística nacional, previstas no artigo 14.º daquele decreto-lei”.
20. Adicionalmente, elencamos também as normas relevantes, para o efeito da presente decisão, expostas no Código do IRC, à data dos factos (2013).
“Artigo 18.º
(Período do lucro tributável)
(…)
9 — Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, exceto quando:
a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social; ou
b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.
Artigo 21.º
(Variações patrimoniais positivas)
1. Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal;
c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;
d) As relativas a impostos sobre o rendimento.
(…)
Artigo 45.º
(Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais)
(…)
3. A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
(…)”
21. Assim, é no presente quadro jurídico que importa apreciar se a correção efetuada pela Requerida ao lucro tributável da Requerente, por referência ao período de tributação de 2013, enferma de alguma ilegalidade (nos termos defendidos pela última).
B) Argumentos das partes
22. Para a Requerente, a questão sub juditio consiste em saber qual o tratamento fiscal a dar às perdas decorrentes da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados,
Influindo na determinação do lucro tributável de IRC da Requerente, e, se às perdas com aquela natureza específica é aplicável, ou não, a norma do Artigo 45.º, n.º 3 do CIRC”.
23. E, nesse sentido, a Requerente considera que “a expressão «outras perdas ou variações patrimoniais negativas» utilizada no Art. 45.º, n.º 3 do CIRC não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas sim um sentido preciso, definido nos Arts. 23.º e 24.º, alínea b), ambos do CIRC.
E também expresso no Art. 46.º, n.º 1 do mesmo Código (…) quando estipula «(…) instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do n.º 9 do Art. 18º»”.
24. Com efeito, defende a Requerente, “que uma interpretação literal sobre o Art. 45.º, n.º 3 do CIRC que admitisse, no seu âmbito de aplicação, não só as perdas (definidas no Art. 23.º) mas também as variações patrimoniais negativas (como definidas no Art. 24.º), bem como os custos (tal como definidos no Art. 23.º) levaria a que, v.g., o custo de aquisição de participações de capital apenas concorresse em metade do respetivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, óbvia e logicamente, inconcebível num legislador minimamente razoável (…)”.
25. Por isso, entende a Requerente, que “a citada norma do Art. 45.º, n.º 3, foi pensada para a realização de menos-valias e demais situações nela elencadas «stricto sensu», dependentes de uma atuação voluntárias do sujeito passivo correspondente à realização da mesma”.
26. A Requerente faz também alusão ao artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), considerando que, “à luz do imperativo (…) que assenta a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, outro entendimento não poderia ser retirado daquele enquadramento fiscal.
27. De salientar que a Requerente, no âmbito da sua exposição, suporta-se, sobretudo, na decisão arbitral referente ao Processo n.º 108/2013-T.
28. Conclui a Requerente dizendo que, “na interpretação do estatuído pelo Art. 45.º, n.º 3 do CIRC, não podem incluir-se os gastos/perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos e âmbito do disposto pela alínea a) do n.º 9 do Art. 18.º do CIRC”.
29. Solicitando, assim, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IRC previamente identificado.
30. Já em sede de alegações finais, a Requerente procurou, sobretudo, reforçar o entendimento anteriormente vertido na petição inicial, defendendo também que, do seu ponto de vista, o valor da causa se encontrava adequado.
31. Por seu turno, a Requerida, depois de devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta na qual começou por solicitar a sua absolvição no pedido, já que se verificava uma exceção peremptória.
32. Com efeito, no entendimento da Requerida, existia “falta de objeto relativamente à parte que excede o valor da liquidação n.º 2016…, no valor de € 336.686,27, a qual constitui uma exceção peremptória, que se invoca para todos os efeitos legais (…) a qual dá lugar à absolvição da Requerida do pedido (…)”.
33. Posteriormente, e no que ao mérito da ação diz respeito, a Requerida considerou que não assiste razão à Requerente, nos termos infra expostos.
34. Para a Requerida, “por força da adoção, pela primeira vez, do SNC, aprovado pelo DL n.º 159/2009, de 13/07, ocorreram alterações significativas na política de valorimetria dos investimentos financeiros, pelo que, em determinadas situações, os instrumentos financeiros passaram a dever estar mensurados na contabilidade ao justo valor do mercado (…)”.
35. Desta forma, nas palavras da Requerida, “entendeu o legislador criar mecanismos transitórios que acautelassem o (forte) impacto decorrente da introdução do justo valor (em detrimento do custo histórico), tendo-se estabelecido no Art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho que «os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção (…) concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes»”.
36. Assim, “caso tivessem ocorrido ajustamentos negativos, o seu valor devia, de igual modo, ser tributado, em partes iguais, durante 5 anos (…), com início em 2010”.
37. Em face do exposto, a Requerida entende que, “de acordo com o legalmente previsto, apenas é dedutível ao lucro tributável metade do valor total das perdas verificadas em partes de capital, motivo por que, e atendendo ao disponho no Art. 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, em conjugação com o Art.º 45.º, n.º 3 do CIRC, o valor dedutível em cada um dos cinco anos corresponderá a metade de 1/5 do valor total da perda verificada”.
38. Por respeito, em específico, ao artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, a Requerida cita o entendimento preconizado por André A. Vasconcelos, “pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os ativos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscais em metade do seu valor”.
39. Prossegue a Requerida, arguindo que “em face do preceituado no elemento literal do Art.º 45.º, n.º 3 do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Note-se que o legislador e, acima de tudo, a própria lei, fizeram uma clara opção no n.º 3 do Art. 45.º do CIRC (…) e isto pese embora as sucessivas alterações legislativas levadas a cabo ao CIRC, o legislador não estabeleceu no Art. 45.º, n.º 3 do CIRC qualquer exceção relativa tanto às perdas apuradas pelos ajustamentos de transição decorrentes da alteração do normativo contabilístico, como às perdas aceites fiscalmente decorrentes da redução do justo valor através de resultados.
Pelo contrário, o mesmo normativo continuou a aplicar-se a todas as perdas, com relevância fiscal, verificadas em partes de capital, nomeadamente perdas potenciais, como será o caso das variações no justo valor em metade do seu valor”.
40. Por conseguinte, para a Requerida, “se fosse intenção do legislador excluir as perdas em questão do âmbito da aplicação do Art. 45.º, n.º 3 do CIRC, renumerado pelo DL. N.º 159/2009, certamente tê-lo-ia deixado claro na lei, promovendo, para o efeito, a devida alteração à norma em presença.
Em face do exposto, resulta que, tratando-se de instrumentos financeiros (…) mensurados ao justo valor a resultados, a perda refletida na contabilidade, só será considerada para efeitos fiscais em metade do seu valor (…)”.
41. Quanto à questão da constitucionalidade levantada pela Requerente, lembrou a Requerida que “o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta questão (…) «no que toca à questão da proibição de tributação por um rendimento presumido é a própria letrado do artigo 104.º, n.º 3 da CRP que fornece uma resposta segura: a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».
(…)
Será pois de aqui concluir, também, que a solução consagrada no n.º 3 do Art.º 45.º do CIRC não padece de qualquer inconstitucionalidade”.
42. Em conclusão, a AT solicita que a pretensão aduzida seja julgada improcedente e, em consequência, que a mesma seja absolvida do pedido, nos termos previamente referidos.
43. Nas suas alegações finais, a Requerida procurou reforçar o entendimento previamente preconizado em sede de resposta.
44. Não obstante, a Requerida evoca que o entendimento do presente Tribunal, em matéria de prazos, sofreu uma modificação abruta.
45. Adicionalmente, a Requerida salientou, uma vez mais, que o valor da causa estava erradamente apurado, devendo, como tal, esta ser absolvida do pedido.
C) Apreciação do Tribunal Arbitral Coletivo
46. A título preliminar, cumpre ao Tribunal Arbitral Coletivo aferir a exceção perentória levantada pela Requerida.
47. Ora, a Requerida considera que o valor consignado no pedido de pronúncia arbitral,
€ 516.434,56, não tem fundamento, já que o valor da liquidação que se pretende pugnar se fixa em € 336.686,27.
48. Sucede que, dos documentos enviados pela Requerida à Requerente, nomeadamente da demonstração de acerto de contas, consta o valor de € 516.343,55 junto da referência para pagamento e da sua respetiva data limite.
49. Ora, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, “os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as ações que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes (…) quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende (…)”.
50. É de salientar que a Requerente, efetivamente, visa impugnar a demonstração de acerto de contas, com o n.º 2016…, e não a liquidação, com o n.º 2016…, conforme referido pela Requerida.
51. E daí surge aquela disparidade de valores.
52. Contudo, o valor da liquidação só não corresponde ao da demonstração de acerto de contas porque lá se encontram refletidas retenções na fonte, no valor de € 179.657,28, um ativo fiscal da Requerente.
53. Em face do exposto, entende o Tribunal que o valor da causa deverá ser o apresentado pela Requerente, i.e., € 516.434,56, uma vez que esse é o impacto financeiro, em sede de imposto, que efetivamente se dá na esfera daquela[1].
54. À luz do exposto, improcede a exceção suscitada pela Requerida.
55. Entrando agora na apreciação do mérito da causa.
56. A título prévio, de referir que se considera que a questão sub judice é somente apurar se os gastos fiscalmente relevantes, por aplicação do artigo 18.º, n.º 9, alínea a) do Código do IRC, in casu, as perdas por redução do justo valor de partes de capital valorizadas ao justo valor...
57. ...são, afinal, somente considerados, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor, por força do que decorre do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC.
58. Do ponto de vista legal, este enquadramento é, porventura, controverso, já que há uma clara discrepância no tratamento conferido aos gastos e aos rendimentos resultantes da aplicação do justo valor, sendo os primeiros aceites somente em 50% do seu valor e os últimos tributados na totalidade.
59. Contudo, não cabe ao Tribunal aferir, a não ser incidentalmente, da pertinência ou justiça das normas que aplica, mas apenas e só julgar o caso que tem em mãos em função do que emanam as aludidas normas e na interpretação que destas faz à luz das boas regras da hermenêutica jurídica.
60. Ora a posição da Requerente parece sufragar, em grande parte, o vertido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo arbitral n.º 108/2013-T.
61. Sem necessidade de dissecação exaustiva das regras a que obedece a interpretação jurídica da norma, dir-se-á que, relativamente ao elemento teleológico da lei, ou seja e grosso modo, o fim visado pelo legislador com a norma, tal desiderato tem de ser encontrado, ainda que minimamente ou de forma imperfeita, na letra da lei.
62. O que quer dizer que está vedado ao intérprete afastar-se da letra da Lei para encontrar os fins visados por ela.
63. Como referido anteriormente, o Tribunal não aprecia o mérito da norma salvo no que concerne ao seu enquadramento constitucional, matéria sobre qual se pronunciará em última instância o Tribunal Constitucional.
64. Com efeito, é ao legislador e não ao julgador, que compete restaurar ou corrigir a eventual injustiça que eventualmente emane da norma e que não seja suscetível de correção à luz das boas regras de interpretação.
65. Regressando ao caso sub juditio: O legislador, mais tarde e através da Lei nº 2/2014, de 16 de janeiro, veio revogar a norma em causa, em vigor à data dos factos e, como tal, aplicável.
66. Por isso é que, à luz do regime legal então vigente, pretender afastar as perdas em análise do exposto no artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, é ir na direção contrária à Lei, com mero suporte em imprecisões conceptuais.
67. Senão veja-se,
68. Resulta do artigo 18.º, n.º 9 do Código do IRC (redação à data dos factos), que “os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que (…)” (sublinhado nosso).
69. “Gasto”, para o efeito desta norma, corresponde à totalidade das rúbricas contabilísticas (que poderão ter ou não relevância fiscal) consideradas como afetando negativamente o resultado líquido de uma sociedade, nas quais se incluem, designadamente, as perdas, as menos-valias, as depreciações, os gastos operacionais, entre outros.
70. Ora, afirmar que gasto e perda são conceitos estanques e distintos é, no entendimento do Tribunal, falacioso. Com efeito, a perda é uma tipologia de gasto.
71. Além dos pertinentes comentários de André Vasconcelos, que a Requerida trouxe à colação, atentemos também no entendimento vertido na decisão arbitral referente ao processo n.º 25/2015-T, diametralmente oposta à referida pela Requerente. Citando: “(...) Ana Maria Rodrigues dá conta das tentativas de superação dessas imprecisões e de hesitações quanto às soluções por receio de aumentar a perturbação no ordenamento jurídico. Como exemplo, cita as epígrafes dos artigos 20.º e 23.º do CIRC. Quanto à primeira (…), e quanto à segunda, «gastos e perdas», observa que gastos é um conceito que, em contabilidade, já incluí as perdas”.
72. Note-se que aquela não é a única decisão nesse sentido, veja-se, por exemplo, a decisão arbitral relativa ao processo n.º 90/2016-T, na qual o coletivo de árbitros também considerou que os ajustamentos em causa concorreriam para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, apenas em metade do seu valor.
73. Em face do exposto, fica claro que a dedutibilidade daquela perda, que é, naturalmente, um gasto, deverá ser analisa à luz do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, com vista a apurar até que ponto poderá cair no escopo daquela norma.
74. A norma em discussão, prevê que “a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio (…) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor” (sublinhado nosso).
75. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital cabem no âmbito do artigo 45.º, n.º 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).
76. Sufraga este Tribunal, no essencial, o defendido nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 25/2015 e 90/2016 e a doutrina do voto de vencido da árbitra Dra Manuela Roseiro no acórdão proferido no processo nº 30/2015.
77. Em conclusão: nada há a censurar à correção realizada pela Requerida e este pedido arbitral terá, consequentemente, de improceder.
78. Igualmente improcedente será a invocação incidental de inconstitucionalidade do artigo 45º-3, do CIRC (redação na data dos factos) por alegada violação do artigo 104º, da Constituição.
79. Com efeito, não só não é constitucionalmente imperioso que o rendimento tributável consista sempre e apenas no rendimento real, tal como aparentemente resulta da contabilidade empresarial, mas também tal rendimento não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, antes sendo um conceito normativamente modelado.
80. Nestes termos, não viola o citado preceito constitucional um regime fiscal que se traduza numa menor ponderação, para efeitos tributários, de determinadas menos valias contabilizadas pelas empresas.
81. Aliás, a impossibilidade de dedução integral de alguns custos ou perdas, como tal contabilizados pelos contribuintes, para efeitos de determinação da base tributável, não só resulta de diversos números do atual artigo 45º do CIRC, como já tem sido objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, nomeadamente nos processos decididos pelos Acórdãos n.ºs 418/2000 e 451/2002 (disponíveis na página Internet do Tribunal Constitucional em http://www.tribunalconstitucional.pt/), os quais não julgaram inconstitucional a solução encontrada.
82. Nesta mesma linha de entendimento encontram-se, v. g., os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 162/2004 e 85/2010, publicado no mencionado sítio da internet.
V. Decisão
83. Termos em que este Tribunal Arbitral Coletivo decide:
A)Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência,
B) Manter na ordem jurídica e declarar legal a liquidação adicional referida supra, por referência a 2013, do qual resultou imposto a pagar (e juros compensatórios) no montante total de € 516.343,56 e
C) Condenar a Requerente a suportar as custas do processo.
VI. Valor do processo
84. Fixa-se o valor do processo em € 516.343,56, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
85. De harmonia com o disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.956,00 nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente, dada a improcedência total do pedido.
Lisboa e CAAD, 13 de outubro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo
(Dr. Juiz José Poças Falcão – Árbitro Presidente)
(Dra. Maria Cristina Aragão Seia – Árbitro Adjunto)
(Dr. Gonçalo Cid Peixeiro – Árbitro Adjunto)
[1] Assinale-se que o valor da utilidade económica do pedido arbitral segue as regras previstas no artigo 97º-A, do CPPT – quando se trate da impugnação de atos de liquidação, de autoliquidação, de retençãoo na fonte ou de pagamento por conta – e do artigo 3º-3, do Regulamento de Custas – quando se trate de ato de fixaçãoo de valores patrimoniais ou de determinação da matéria coletável ou tributável.