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O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 04 de Dezembro de 2013, decide o seguinte
I - RELATÓRIO
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No dia 01 de Outubro de 2013 a A…, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 03 de Outubro de 2013.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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Em 27 de Fevereiro de 2014, teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.
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Nessa reunião, e conforme consta da respetiva ata, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária da Requerente para responder à excepção invocada na resposta da Requerida, o que fez oralmente.
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Mais, a Ilustre Mandatária da Requerente e os Ilustres Representantes da Requerida prescindiram das alegações orais.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral: declare a ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto do Selo do período de Janeiro de 2013 correspondente à declaração de Imposto do Selo n.º ….
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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No âmbito do desenvolvimento da sua actividade televisiva, a Requerente promove diversos sorteios ou concursos, através dos quais são atribuídos prémios de diversas naturezas, designadamente prémios monetários e prémios em espécie.
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Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2010, estes prémios passaram a ser tributados em sede de Imposto do Selo, mediante previsão constante da verba 11.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
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Com referência ao período de Janeiro de 2013, a ora Requerente procedeu à atribuição/entrega de prémios de sorteios ou concursos, no montante líquido total de € 215.100 (duzentos e quinze mil e cem euros).
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Tal valor corresponde a prémios em espécie, conforme cópia do extracto da conta do razão …).
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Foi pago Imposto do Selo num total de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos).
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Este valor de Imposto do Selo resulta da aplicação da taxa de 45% ao valor ilíquido dos prémios:
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Valor ilíquido dos prémios: € 391.090,91 = € 215.100 /(1 - 45%);
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Total do imposto pago: € 175.990,91 = € 391.090,91 x 45%.
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Contudo, entende a Requerente que o método de cálculo adoptado na liquidação do imposto referente aos prémios atribuídos em espécie não foi o correcto, porquanto não deveria ter aplicado a taxa de 45% ao valor ilíquido dos mesmos.
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Com efeito, entende a Requerente que, no caso dos prémios em espécie, deverá ser incrementada, em 10%, a base tributável dos prémios e, subsequentemente, aplicada a taxa de 35% ao valor ilíquido dos mesmos.
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Deste modo, entende a Requerente que procedeu à liquidação de imposto em excesso com referência ao período de Janeiro de 2013 pelo montante de € 48.585,52 (quarenta e oito mil quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).
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Tendo pretendido a Requerente corrigir o erro da Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo, deduziu a competente reclamação graciosa.
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Após análise, a Autoridade Tributária indeferiu a reclamação graciosa deduzida por entender não ter havido qualquer erro na autoliquidação efectuada pela Requerente e confirmando o entendimento de que a taxa de imposto aplicável aos prémios em espécie é, efectivamente, de 45%.
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Entende a Requerente que a letra da lei, ou seja o elemento literal, sustenta desde logo a sua posição.
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Alega a Requerente que a opção do legislador foi a de utilizar a expressão «acrescendo 10%» ao invés de «acrescendo 10 pontos percentuais».
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Caso o legislador tivesse optado pela segunda hipótese, não haveria dúvidas da sua intenção, e neste sentido, o acréscimo de 10% seria indubitavelmente aplicado sobre a taxa e não ao valor tributável do prémio.
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O legislador utilizou a expressão «acrescendo 10%», na regra referente à determinação do valor tributável (i.e. “sobre o valor ilíquido, acrescendo 10% quando atribuídos em espécie”) e não na regra referente à determinação da taxa.
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Como tal, para a Requerente a referida majoração de 10% deverá ocorrer sobre o valor ilíquido dos prémios.
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Com efeito, de acordo com a ordem sistemática da Tabela Geral do Imposto do Selo, apresenta-se a regra de incidência do imposto logo após a numeração, seguindo-se a regra de determinação da matéria colectável, após o que, autonomamente, então se apresenta a taxa aplicável.
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Deste modo, a ordem da Tabela Geral guia-se inteiramente por esta sequência sistemática, não sendo coerente que o legislador viesse a alterá-la somente no que se refere à verba 11.2.
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Com efeito, caso fosse intenção do legislador determinar diferentes taxas consoante estejamos perante prémios monetários ou em espécie, tê-lo-ia feito à semelhança de outras situações (v.g. taxas relativas à utilização de créditos), mediante a inclusão de uma sub-verba e não por referência à regra de determinação da matéria colectável, pois, caso assim se considere, estaríamos perante uma alteração total da sequência sistemática da Tabela Geral.
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Tendo sido este o ideal subjacente alcançar a igualdade na tributação interna destes jogos, entende a Requerente que o ideal subjacente à posterior alteração no regime de tributação dos prémios decorrentes de sorteios ou concursos também terá sido, naturalmente, o de “alcançar a igualdade na tributação interna”, pelo que não faria sentido onerar a tributação dos prémios em espécie, sob pena de ser desvirtuado o objectivo final que visava ser alcançado.
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Ora, como já explicitado pela Requerente, e tendo por referência que terá sido intenção do legislador manter um sistema de tributação em tudo semelhante ao que já existia em sede de IRS, sendo concomitantemente alcançada maior igualdade na tributação interna deste tipo de jogos, não se poderá concluir que, no caso da atribuição de prémios em espécie exista (ou deva existir) um agravamento da taxa aplicável.
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Na interpretação de determinada norma também deverá ser tido em conta não só o fim visado, bem como o ambiente social no qual a mesma foi criada.
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Ora, até à entrada em vigor da Lei n.º 3-B/2010, a tributação dos prémios atribuídos no âmbito de sorteios ou concursos ocorria, na esfera das pessoas singulares, em sede de IRS.
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Deste modo, e à semelhança do que aconteceu com a tributação de outras realidades (v.g. transmissões gratuitas e entradas de capital) o Imposto do Selo foi o repositório da tributação anteriormente efectuada noutra sede, pretendendo-se uma tributação tão próxima quanto possível da que anteriormente vigorava, quer por razões de segurança fiscal, quer de garantia de receita já estabilizada no nosso ordenamento.
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Assim, entende a Requerente que o legislador pretendeu manter, na medida do possível, a mesma tributação, mantendo que o valor tributável seria ilíquido da taxa aplicável, como anteriormente em IRS, e estabelecendo a regra da majoração em 10% do valor dos prémios quando atribuídos em espécie, no sentido de precaver a margem de subjectividade que possa estar associada à determinação do seu valor, funcionando, deste modo, como norma de protecção e garantia de manutenção de receita fiscal.
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Nesta sequência, foi como que introduzido uma norma anti-abuso específica, por forma a evitar as situações de abuso identificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no que respeita à valoração dos prémios em espécie atribuídos em concursos ou sorteios, na medida em que os mesmos ficavam claramente abaixo do seu justo valor quando a tributação apenas ocorria em sede de IRS.
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Neste sentido, caso se verifique efectivamente que o objectivo subjacente à verba 11.2 é a correcção do valor ilíquido do prémio, através do recurso a uma norma anti-abuso, poder-se-á estar perante uma norma inconstitucional, uma vez que ao estabelecer a consideração de uma norma anti-abuso na determinação de uma norma de incidência, o legislador está a desrespeitar o princípio implícito no artigo 73.º da LGT – princípio da inexistência de presunções inilidíveis.
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Nesta sequência, a Requerente refuta, por completo, o entendimento segundo o qual o legislador terá pretendido onerar os prémios atribuídos em espécie, pelo simples facto de serem atribuídos em espécie, o que se verificaria se o diferencial das taxas fosse de 10% e, certamente, levaria as entidades promotoras dos sorteios ou concursos a deixarem de atribuir prémios em espécie.
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Nestes termos, para a Requerente o cálculo do valor do Imposto do Selo relativo aos prémios em espécie deverá ser apurado mediante a aplicação dos seguintes passos:
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Determinação do valor ilíquido do prémio, o qual deverá corresponder ao quociente do valor líquido por (1-35%), como sucede com os prémios atribuídos em dinheiro;
[numa primeira fase, deverá ser determinado o valor ilíquido do prémio sobre o qual irá recair tributação (à taxa de 35%), o qual resultará do quociente do valor líquido por 0,65: valor líquido/(1 – 0,35)];
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“Agravamento” da base tributável do prémio em 10%;
[tratando-se de um prémio em espécie, dever-se-á proceder ao acréscimo de 10% à base tributável, ou seja, ao valor ilíquido calculado anteriormente: valor ilíquido x 1,1];
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Aplicação da taxa de 35% à base tributável “agravada”, conforme apurada no 2.º passo;
[aplicação da taxa de 35% prevista na Tabela Geral de Imposto do Selo ao valor ilíquido corrigido: valor ilíquido corrigido x 35%].
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Aplicando estas regras ao caso em apreço, teremos então que:
Valor ilíquido dos prémios atribuídos em espécie: € 330.923,08 = € 215.100 /(1-35%)
Valor ilíquido agravado em 10%: € 364.015,38 = € 330.923,08 x (1+10%)
Imposto devido: € 127.405,38 = € 364.015,38 x 35%
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Considerando que, com referência aos prémios atribuídos em espécie, foi pago o montante de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), como referido supra, há um excesso a favor da Requerente no montante de €48.585,52 (quarenta e oito mil quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).
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Nos termos do art. 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se conclua ter havido erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de imposto em excesso.
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Para este efeito, considera-se haver erro imputável ao serviço sempre que o contribuinte siga as instruções da Autoridade Tributária no preenchimento das declarações e no processamento das liquidações.
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Acresce que, de acordo com o disposto no art. 78.º da LGT, considera-se haver sempre erro imputável aos serviços nas situações de autoliquidação de imposto, como a presente.
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Ora, no Portal das Finanças encontram-se publicadas duas informações vinculativas prestadas nos termos do art. 68.º da LGT – proc. n.º ... e proc. n.º …, ambos com despacho concordante, de 31.01.2011, da Subdirectora-Geral da Área dos Impostos sobre o Património – em que foi comunicado aos requerentes que a taxa de imposto aplicável aos prémios em espécie atribuídos em sorteios e concursos é de 45%.
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Face ao exposto, por estarmos perante um erro na autoliquidação sustentado em informações divulgadas pela Autoridade Tributária, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, contados desde o dia de pagamento do excesso de imposto até à data do reembolso integral do valor indevidamente pago.
I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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É de referir previamente que a A... não dispõe de qualquer legitimidade para colocar judicialmente em causa a liquidação do imposto de selo.
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É facto que, nos termos do art. 2º, nº 1, alínea p), do Código do Imposto de Selo, a entidade concedente dos prémios, a A... , é o sujeito passivo do imposto.
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O imposto de selo dos prémios atribuídos em sorteios ou concursos é cobrado, no entanto, mediante o mecanismo de retenção na fonte e não mediante autoliquidação (art. 3º, nº 3, alínea t), do Código do Imposto de Selo).
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Quando o imposto é, por imposição da lei, exigido a pessoa diversa do contribuinte, estão na verdade, preenchidos os requisitos da figura da substituição tributária a que se refere o art. 20º da Lei Geral Tributária (L.G.T.).
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Resulta do que acaba de ser referido que o imposto de selo da verba 11.2. da Tabela Geral é deduzido pela entidade concedente aos prémios que está legalmente obrigada a pagar aos vencedores dos sorteios ou concursos.
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O art. 133º, nº 1, do C.P.P.T. limita a legitimidade para reclamar ou impugnar do substituto tributário, como é a entidade concedente dos prémios, aos casos de entrega de imposto superior ao retido.
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Quando o imposto entregue nos cofres do Estado for igual ou inferior ao retido, a legitimidade é do substituído tributário.
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No caso do imposto de selo sobre prémios de jogo, a legitimidade para reclamar ou impugnar depende, assim, de o imposto em causa ter sido suportado pela entidade concedente e não deduzido por esta aos prémios a pagar aos concorrentes ou apostadores.
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No presente caso, a A... não demonstrou nem sequer invocou que, em lugar dos beneficiários dos prémios, tivesse suportado o encargo do imposto de selo.
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Tão pouco o elemento literal da lei concorre no sentido reivindicado pela A....
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As expressões “10 %” e “10 pontos percentuais” são, na verdade, semanticamente idênticas.
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“10 por cento” e “10 pontos percentuais” querem dizer a mesma coisa.
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A expressão “acrescendo 10 % quando os prémios sejam pagos em espécie” deve ser interpretada conjugadamente com a oração subsequente que vem explicar e complementar essa expressão.
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Na verdade, em toda a verba 11 a expressão “…por cento” refere-se à taxa do imposto de selo a aplicar e não a qualquer incremento do valor tributável que serve de base à liquidação.
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Por outro lado, não procede também eventual argumento da ordem sequencial seguida pela verba 11.2. na determinação da incidência, da matéria colectável e da taxa do imposto de selo a aplicar aos prémios de jogo.
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Na verdade, a norma da verba 11.2. não implica uma segregação artificial e rígida desses elementos, como pretende a A....
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A expressão “acrescendo, segundo essa verba 11.2., 10%, quando os prémios sejam atribuídos em espécie” é seguida de dois pontos, o que quer dizer que a oração subsequente aos referidos dois pontos está coordenada com a oração anterior.
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Esses dois pontos querem dizer, assim, que tais dois pontos se reportam à continuação lógica do sentido dessa frase, ou se se quiser, à oração subsequente que contém as diferentes taxas do imposto de selo a aplicar aos prémios de jogo.
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Não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade.
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Obviamente, ao agravar o imposto de selo sobre os prémios pagos em espécie, o legislador procurou desencorajar o seu pagamento, por contraposição aos prémios pagos em numerário.
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Esses 10 % pertencem, assim, à família dos agravamentos extra-fiscais e a sua introdução deve-se, sem dúvida, à maior dificuldade ou aleatoriedade do controlo fiscal quando os prémios sejam pagos em espécie.
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A posição exposta, no sentido da falta de legitimidade da A..., resulta, aliás, das decisões arbitrais tomadas em processos com natureza idêntica, os nº 30-2013-T e 274-2013- T.
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
É invocada uma excepção de ilegitimidade passiva que cumpre apreciar previamente.
Alega a requerida que o imposto de selo dos prémios atribuídos em sorteios e concursos é cobrado mediante o mecanismo de retenção na fonte. Está em causa o mecanismo de substituição tributária, onde a requerente é a substituta e o vencedor do sorteio o substituído. Alega a requerida que nestes casos o substituto só pode reclamar ou impugnar caso tenha entregue imposto superior ao retido (art. 132º, n.º1 do CPPT). Como no caso em apreço a requerente não demonstrou ter suportado um valor superior ao retido, carece de legitimidade passiva.
Quid Juris?
Temos de verificar primeiramente se no caso em apreço estamos perante uma situação de substituição tributária, ou não.
Nos termos do art. 20º, n.º1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O legislador ao referir-se ao conceito de “contribuinte” está a aludir àquele em relação a quem se verificaram os pressupostos constantes da norma de incidência do tributo. Citando o Dr. Diogo Feio “ Este instituto consubstancia-se no facto de o contribuinte que pratica o facto tributário não ocupar na relação em causa a posição que normalmente seria a sua”.[1]
A substituição é efectivada através do mecanismo de retenção na fonte (art. 20º, n.º2 da LGT).
No caso em apreço, no termos do art. 2º, n.º1, al. p) do CIS o sujeito passivo é a Requerente. Contudo quem suporta o encargo é o premiado (art. 3º, n.º1 e n.º3, al. t) do CIS).
O mecanismo da substituição fiscal é distinto do mecanismo da repercussão fiscal. “Assim, embora, pelo menos num primeiro momento, substituído e contribuinte de facto sejam entidades que suportam o desfalque patrimonial em que se consubstancia o imposto (…), o substituído é contribuinte de direito, ou seja sujeito passivo de imposto, enquanto que o contribuinte de facto é totalmente alheio à relação jurídica fiscal, não é, (…) sujeito passivo da mesma”[2].
A repercussão ocorre fora do âmbito da obrigação tributária[3], sendo por isso que nos termos do art. 18º, n.º4, al a) da LGT os repercutidos não são sujeitos passivos. A repercussão ocorre quando o sujeito abrangido pelas regras de incidência do imposto transfere para outrem o encargo económico.
No caso em apreço o legislador previu expressamente a requerente como o sujeito passivo e previu que o imposto seria um encargo do titular do interesse económico, ou seja, do premiado. Assim, o premiado é o repercutido não sendo sujeito passivo.
No âmbito do CIS o premiado está fora da relação jurídica do imposto porque não é sujeito passivo, nem responsável pelo seu pagamento. Ao premiado cabe suportar o encargo, sem ter a qualidade de devedor.
O único responsável pelo cumprimento da obrigação é o sujeito passivo (art. 41º, n.º1 e 23º do CIS), estando o premiado desonerado de qualquer responsabilidade, principal ou acessória.
Face ao previsto na lei não estamos perante uma relação de substituição, mas sim, de repercussão.
A propósito da qualificação daquele que suporta o encargo do Imposto de Selo, citando Silvério Mateus e Corvelo Freitas “estas pessoas, não obstante suportarem, por repercussão, o encargo do imposto, não têm a qualidade de sujeitos passivos, não estando, consequentemente, sujeitas a qualquer obrigação de natureza fiscal.”[4]
“O caso do imposto de selo é ainda mais singular, pois a lei define que os sujeitos passivos são aqueles a quem a lei atribui a obrigação de liquidar e pagar o imposto ao Estado (art. 2º do CIS), mas impõe a repercussão legal ao dizer que o encargo é da entidade com interesse económico na realidade tributária (art. 3º), que normalmente, não coincide com o sujeito passivo.”[5]
Sobre a qualificação dos intervenientes no Imposto de Selo, o TCAS, no processo n.º04457/11, por Acórdão de 30/04/2013, tomou a seguinte decisão:
“2. Verifica-se a repercussão fiscal do imposto, dado que o sujeito directamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança.”
Em conclusão, o premiado é o repercutido (suporta o tributo) e a Requerente é o sujeito passivo desta relação jurídica tributária, tendo, esta, por isso legitimidade (art. 9º, n.º1 e n.º4 do CPPT) para intervir nesta demanda.
Em face do que antecede, conclui-se que a Requerida é parte legítima, improcedendo, portanto, a invocada excepção de ilegitimidade passiva.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber como se deve calcular o imposto de selo quando são atribuídos prémios em espécie.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente assume a forma jurídica de uma sociedade anónima de direito português com sede e direcção efectiva neste território.
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No âmbito do desenvolvimento da sua actividade televisiva, a Requerente promove diversos sorteios ou concursos, através dos quais são atribuídos prémios de diversas naturezas, designadamente prémios monetários e prémios em espécie.
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Com referência ao período de Janeiro de 2013, a ora Requerente procedeu à atribuição/entrega de prémios de sorteios ou concursos, no montante líquido total de € 215.100 (duzentos e quinze mil e cem euros).
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Tal valor corresponde a prémios em espécie, conforme cópia do extracto da conta do razão (…).
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Foi pago Imposto do Selo referente aos prémios atribuídos num total de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos).
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Este valor de Imposto do Selo resulta da aplicação da taxa de 45% ao valor ilíquido dos prémios:
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Valor ilíquido dos prémios: € 391.090,91 = € 215.100 /(1 - 45%);
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Total do imposto pago: € 175.990,91 = € 391.090,91 x 45%.
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Tendo pretendido a Requerente corrigir o erro da Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo, deduziu a competente reclamação graciosa.
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A Autoridade Tributária indeferiu a reclamação graciosa deduzida com fundamento na não existência de erro na autoliquidação efectuada pela Requerente.
IV.2. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela requerente (docs. 1 a 5).
V. Aplicação do direito aos factos
A questão a decidir está relacionada com a interpretação da verba 11.2 do CIS, que possui a seguinte redacção:
“11.2 - Os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais previstos na verba n.º 11.3 da presente Tabela - sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando
atribuídos em espécie:
11.2.1 - Do bingo - 25 %;
11.2.2 - Dos restantes - 35 %.“
A requerente defende que a taxa de 35% deverá ser aplicada ao valor ilíquido acrescido de 10% e a AT aplica a taxa de 45% (35% + 10 %) ao valor ilíquido.
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril revogou o art. 9º, n.º2 do CIRS e fez com que os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos passassem a estar sujeitos a IS e não a IRS. Esta alteração foi efectuada na sequência da sugestão feita pelo Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal produzido em 2009[6].
Um primeiro argumento aduzido pela requerente para justificar a sua interpretação resulta de uma suposta interpretação literal do preceito legal atrás citado. Para a Requerente, caso o legislador tivesse utilizado a expressão 10 pontos percentuais em vez de 10% como fez, o acréscimo de 10% seria indubitavelmente aplicado sobre a taxa e não sobre o valor tributável do prémio. A Requerente limita-se a suscitar a dúvida sem, no que diz respeito ao argumento literal, aduzir qualquer justificação da sua interpretação.
Quanto ao argumento literal, admite-se que, tal como é referido pela doutrina, que a utilização imprecisa por parte do legislador de alguns conceitos levanta grandes dúvidas interpretativas[7].
Contudo, no caso em apreço, há outros elementos literais que deverão ser ponderados para coadjuvar a interpretação da norma e que permitem inequivocamente sustentar entendimento diverso.
Na verdade, o elemento literal é coadjuvante da interpretação, que julgamos adequada. O legislador separou, utilizando uma vírgula, a expressão “valor ilíquido” de “acrescendo 10% quando atribuídos em espécie”.
A vírgula é um sinal de pontuação que pode ser utilizado para várias funções. No caso em apreço, a utilização da vírgula foi efectuado para separar elementos com a mesma função sintática. Separam-se por vírgulas todos os elementos de uma oração que não seja ligada por conjunção. Os elementos em causa são o “valor ilíquido” e o “acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”. Estes dois elementos da frase referem-se ambos às verbas 11.2.1 e 11.2.2. até porque depois da expressão estão dois pontos, o que significa que o legislador passou à enumeração referente a estes dois elementos.
Porquanto, as regras de pontuação, como elemento literal de interpretação, apontam para que o acréscimo de 10 % se refira às taxas subsequentes, constantes das verbas 11.2.1 e 11.2.2 e não ao valor tributável do prémio.
Do ponto de vista sistemático, as regras de determinação do valor tributável estão nos artigos 9º a 21º do CIS (Capítulo III). Este é o local adequado, que o legislador escolheu, do ponto de vista sistemático, para indicar regras próprias, nomeadamente o artigo 11º, cuja epígrafe é “valor representado em espécie”.
As taxas estão previstas na tabela (art. 22º, n.º1 do CIS – Capítulo IV). Assim, estando a regra do acréscimo de 10 % prevista na tabela do CIS e não nos artigos 9º a 21º do CIS, podemos concluir que o acréscimo de 10 % se refere às taxas e não ao valor tributável. Caso o legislador quisesse definir regras próprias de apuramento do valor tributável, no caso dos prémios em espécie, tê-lo-ia feito no art. 11º e não na tabela do CIS. Deste modo, os elementos de ordem sistemática que nos auxiliam na interpretação das normas indicam-nos que o acréscimo de 10% não se refere ao valor tributável, mas sim, às taxas a aplicar.
Mais, no caso dos valores em espécie, nos termos do art. 11º, al. e) do CIS, o valor tributável do mesmo, para efeitos de IS, deve corresponder ao seu valor de mercado, não estando aqui prevista qualquer exceção.
A interpretação pugnada pela contribuinte implica uma tributação sobre um valor tributável que não corresponde ao valor de mercado do mesmo e por isso violadora do art. 11º, al. e) do CIS.
Acresce que, no caso das transmissões gratuitas, o IS reveste-se de uma natureza de imposto sobre o património[8]. O Prof. Diogo Leite Campos a propósito da capacidade contributiva nos impostos sobre o património assevera o seguinte “(…) a capacidade contributiva deve estar ajustada ao um valor real, de mercado, e não um valor meramente ideal, avaliado, tendencial.”[9]
No mesmo sentido, o Prof. Sérgio Vasques advoga o seguinte: “Para que o rendimento possa cabalmente servir de índice à capacidade contributiva necessário é também que a lei o conforme de modo certo e determinado. Que o conforme, antes de mais, como rendimento real, pois que a ideia da capacidade contributiva só ganha sentido útil quando dirigida à condição económica efectiva do contribuinte, à sua capacidade contributiva real (IST Leistunggsfhigkeit)”[10].
A interpretação que a impugnante faz conduz a que o valor tributável alcançado não seja o valor real do bem, mas sim, a um valor real adicionado de 10 %.
Essa interpretação seria susceptível de violar o princípio da capacidade contributiva, a que aludem, respectivamente, os artigos 13º da CRP, e 4º, nº 1, da LGT, por não se reportar ao valor real consentâneo com a capacidade contributiva.
Um outro elemento deve ser aduzido para nos auxiliar na interpretação da verba 11.2 do IS. Muito embora, regra geral, não seja possível cumular taxas (art. 22º, n.º2 do CIS), no caso da verba 11.2 a possibilidade de cumulação está expressamente prevista no art. 22º, n.º4 do CIS. Porquanto, sendo possível a cumulação de taxas no caso em apreço, tal facto é indiciador de que a taxa de 35% é cumulável com a taxa de 10% no caso dos prémios pagos em espécie[11].
Acresce referir que também o argumento da violação do princípio da igualdade sustentado pela Requerente não colhe, pois, qualquer que seja a interpretação seguida é indubitável que a tributação dos prémios em espécie é mais onerada. Destarte o argumento de que a forma de tributação realizada é potencialmente violadora do princípio da igualdade falece porque adoptando a interpretação pugnada pela impugnante ou pela AT chegamos sempre à conclusão de que a tributação dos prémios em espécie é potencialmente mais onerada do que a tributação dos prémios em dinheiro, quer seja pelo acréscimo de 10 % ao valor tributável, quer seja pelo acréscimo de 10% à taxa aplicável.
Quanto ao elemento histórico que nos pode auxiliar na interpretação da norma, é de referir que no dia 15 Março de 2010 foi aprovado o Pacto de Estabilidade e Crescimento a vigorar para o período e 2010 a 2013. A norma que estamos a apreciar foi introduzida pelo Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento de Estado de 2010). Este Orçamento de Estado caracterizou-se, como todos os subsequentes, por um forte agravamento fiscal em sede de tributação do rendimento e também sobre o património[12].
Pelo que, nesta perspectiva histórica, o aumento de tributação dos prémios em espécie enquadrou-se num quadro global de aumento de toda a tributação.
Em síntese, pelo exposto, concluímos que, nos prémios em espécie, o acréscimo de 10 % não é sobre o valor tributável, mas sim, sobre as taxas previstas nas verbas 11.2.1 e 11.2.2 do CIS[13], não padecendo por isso a liquidação impugnada dos vícios invocados pela Requerente.
A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.
VI. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se julgar improcedente, a presente impugnação, mantendo-se a liquidação impugnada.
Fixa-se o valor do processo em € 48.585,52 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Abril de 2014
André Festas da Silva
[1] In A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: O Caso Específico dos Impostos sobre o Rendimento, Coimbra Editora, 2001, Páginas 40 e 41
[2] In Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, Pág. 272
[3] Neste sentido Cfr. Diogo Leite Campos e Mônica Horta Neves Leite Campos, Direito Tributário, 2ª Edição, Almedina, 2000, pág. 412
[4] In Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto de Selo, Engifisco, 2005, Pág. 557
[5] In Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, Pág. 269
[6] Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, pág. 231, nota de rodapé 231.
[7] Sobre o assunto Cfr. André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2007, pág. 54
[8] Neste sentido Cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª Edição, Almedina, págs. 64 e 644
[9] Cfr. Diogo Leite Campos e Mônica Horta Neves Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª Edição, Almedina, pág. 136
[10] In Sérgio Vasques, Globalização e Igualdade Tributária, in CCTF n.º188, Lisboa, 2000, pág. 436
[11] Neste sentido Cfr. Decisão Arbitral proferida em 29/10/2013, proc. n.º 30/2013T
[12] Cfr. Luis Belo, PEC, Pacote de Austeridade Fiscal; Desenvolvimentos Fiscais Recentes, In RFPDF, Ano III, n.º2, Junho de 2010, pág. 52
[13] No mesmo sentido Cfr. Decisão Arbitral proferida em 29/10/2013, proc. n.º 30/2013T
O árbitro Dr. André Festas da Silva, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 04 de Dezembro de 2013, decide o seguinte
I - RELATÓRIO
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No dia 01 de Outubro de 2013 a A…, requereu, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a constituição de Tribunal Arbitral com designação do árbitro singular pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do referido diploma.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada por AT ou “Requerida”) no dia 03 de Outubro de 2013.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, alínea b) e artigo 6.º, n.º1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado nos termos legalmente previstos.
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Em 27 de Fevereiro de 2014, teve lugar a primeira reunião do Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º do RJAT, tendo sido lavrada ata da mesma, que igualmente se encontra junta aos autos.
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Nessa reunião, e conforme consta da respetiva ata, foi dada a palavra à Ilustre Mandatária da Requerente para responder à excepção invocada na resposta da Requerida, o que fez oralmente.
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Mais, a Ilustre Mandatária da Requerente e os Ilustres Representantes da Requerida prescindiram das alegações orais.
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Pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral: declare a ilegalidade do acto de autoliquidação de Imposto do Selo do período de Janeiro de 2013 correspondente à declaração de Imposto do Selo n.º ….
I.A. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, nos seguintes termos:
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No âmbito do desenvolvimento da sua actividade televisiva, a Requerente promove diversos sorteios ou concursos, através dos quais são atribuídos prémios de diversas naturezas, designadamente prémios monetários e prémios em espécie.
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Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2010, estes prémios passaram a ser tributados em sede de Imposto do Selo, mediante previsão constante da verba 11.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
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Com referência ao período de Janeiro de 2013, a ora Requerente procedeu à atribuição/entrega de prémios de sorteios ou concursos, no montante líquido total de € 215.100 (duzentos e quinze mil e cem euros).
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Tal valor corresponde a prémios em espécie, conforme cópia do extracto da conta do razão …).
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Foi pago Imposto do Selo num total de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos).
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Este valor de Imposto do Selo resulta da aplicação da taxa de 45% ao valor ilíquido dos prémios:
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Valor ilíquido dos prémios: € 391.090,91 = € 215.100 /(1 - 45%);
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Total do imposto pago: € 175.990,91 = € 391.090,91 x 45%.
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Contudo, entende a Requerente que o método de cálculo adoptado na liquidação do imposto referente aos prémios atribuídos em espécie não foi o correcto, porquanto não deveria ter aplicado a taxa de 45% ao valor ilíquido dos mesmos.
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Com efeito, entende a Requerente que, no caso dos prémios em espécie, deverá ser incrementada, em 10%, a base tributável dos prémios e, subsequentemente, aplicada a taxa de 35% ao valor ilíquido dos mesmos.
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Deste modo, entende a Requerente que procedeu à liquidação de imposto em excesso com referência ao período de Janeiro de 2013 pelo montante de € 48.585,52 (quarenta e oito mil quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).
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Tendo pretendido a Requerente corrigir o erro da Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo, deduziu a competente reclamação graciosa.
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Após análise, a Autoridade Tributária indeferiu a reclamação graciosa deduzida por entender não ter havido qualquer erro na autoliquidação efectuada pela Requerente e confirmando o entendimento de que a taxa de imposto aplicável aos prémios em espécie é, efectivamente, de 45%.
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Entende a Requerente que a letra da lei, ou seja o elemento literal, sustenta desde logo a sua posição.
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Alega a Requerente que a opção do legislador foi a de utilizar a expressão «acrescendo 10%» ao invés de «acrescendo 10 pontos percentuais».
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Caso o legislador tivesse optado pela segunda hipótese, não haveria dúvidas da sua intenção, e neste sentido, o acréscimo de 10% seria indubitavelmente aplicado sobre a taxa e não ao valor tributável do prémio.
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O legislador utilizou a expressão «acrescendo 10%», na regra referente à determinação do valor tributável (i.e. “sobre o valor ilíquido, acrescendo 10% quando atribuídos em espécie”) e não na regra referente à determinação da taxa.
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Como tal, para a Requerente a referida majoração de 10% deverá ocorrer sobre o valor ilíquido dos prémios.
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Com efeito, de acordo com a ordem sistemática da Tabela Geral do Imposto do Selo, apresenta-se a regra de incidência do imposto logo após a numeração, seguindo-se a regra de determinação da matéria colectável, após o que, autonomamente, então se apresenta a taxa aplicável.
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Deste modo, a ordem da Tabela Geral guia-se inteiramente por esta sequência sistemática, não sendo coerente que o legislador viesse a alterá-la somente no que se refere à verba 11.2.
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Com efeito, caso fosse intenção do legislador determinar diferentes taxas consoante estejamos perante prémios monetários ou em espécie, tê-lo-ia feito à semelhança de outras situações (v.g. taxas relativas à utilização de créditos), mediante a inclusão de uma sub-verba e não por referência à regra de determinação da matéria colectável, pois, caso assim se considere, estaríamos perante uma alteração total da sequência sistemática da Tabela Geral.
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Tendo sido este o ideal subjacente alcançar a igualdade na tributação interna destes jogos, entende a Requerente que o ideal subjacente à posterior alteração no regime de tributação dos prémios decorrentes de sorteios ou concursos também terá sido, naturalmente, o de “alcançar a igualdade na tributação interna”, pelo que não faria sentido onerar a tributação dos prémios em espécie, sob pena de ser desvirtuado o objectivo final que visava ser alcançado.
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Ora, como já explicitado pela Requerente, e tendo por referência que terá sido intenção do legislador manter um sistema de tributação em tudo semelhante ao que já existia em sede de IRS, sendo concomitantemente alcançada maior igualdade na tributação interna deste tipo de jogos, não se poderá concluir que, no caso da atribuição de prémios em espécie exista (ou deva existir) um agravamento da taxa aplicável.
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Na interpretação de determinada norma também deverá ser tido em conta não só o fim visado, bem como o ambiente social no qual a mesma foi criada.
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Ora, até à entrada em vigor da Lei n.º 3-B/2010, a tributação dos prémios atribuídos no âmbito de sorteios ou concursos ocorria, na esfera das pessoas singulares, em sede de IRS.
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Deste modo, e à semelhança do que aconteceu com a tributação de outras realidades (v.g. transmissões gratuitas e entradas de capital) o Imposto do Selo foi o repositório da tributação anteriormente efectuada noutra sede, pretendendo-se uma tributação tão próxima quanto possível da que anteriormente vigorava, quer por razões de segurança fiscal, quer de garantia de receita já estabilizada no nosso ordenamento.
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Assim, entende a Requerente que o legislador pretendeu manter, na medida do possível, a mesma tributação, mantendo que o valor tributável seria ilíquido da taxa aplicável, como anteriormente em IRS, e estabelecendo a regra da majoração em 10% do valor dos prémios quando atribuídos em espécie, no sentido de precaver a margem de subjectividade que possa estar associada à determinação do seu valor, funcionando, deste modo, como norma de protecção e garantia de manutenção de receita fiscal.
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Nesta sequência, foi como que introduzido uma norma anti-abuso específica, por forma a evitar as situações de abuso identificadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no que respeita à valoração dos prémios em espécie atribuídos em concursos ou sorteios, na medida em que os mesmos ficavam claramente abaixo do seu justo valor quando a tributação apenas ocorria em sede de IRS.
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Neste sentido, caso se verifique efectivamente que o objectivo subjacente à verba 11.2 é a correcção do valor ilíquido do prémio, através do recurso a uma norma anti-abuso, poder-se-á estar perante uma norma inconstitucional, uma vez que ao estabelecer a consideração de uma norma anti-abuso na determinação de uma norma de incidência, o legislador está a desrespeitar o princípio implícito no artigo 73.º da LGT – princípio da inexistência de presunções inilidíveis.
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Nesta sequência, a Requerente refuta, por completo, o entendimento segundo o qual o legislador terá pretendido onerar os prémios atribuídos em espécie, pelo simples facto de serem atribuídos em espécie, o que se verificaria se o diferencial das taxas fosse de 10% e, certamente, levaria as entidades promotoras dos sorteios ou concursos a deixarem de atribuir prémios em espécie.
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Nestes termos, para a Requerente o cálculo do valor do Imposto do Selo relativo aos prémios em espécie deverá ser apurado mediante a aplicação dos seguintes passos:
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Determinação do valor ilíquido do prémio, o qual deverá corresponder ao quociente do valor líquido por (1-35%), como sucede com os prémios atribuídos em dinheiro;
[numa primeira fase, deverá ser determinado o valor ilíquido do prémio sobre o qual irá recair tributação (à taxa de 35%), o qual resultará do quociente do valor líquido por 0,65: valor líquido/(1 – 0,35)];
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“Agravamento” da base tributável do prémio em 10%;
[tratando-se de um prémio em espécie, dever-se-á proceder ao acréscimo de 10% à base tributável, ou seja, ao valor ilíquido calculado anteriormente: valor ilíquido x 1,1];
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Aplicação da taxa de 35% à base tributável “agravada”, conforme apurada no 2.º passo;
[aplicação da taxa de 35% prevista na Tabela Geral de Imposto do Selo ao valor ilíquido corrigido: valor ilíquido corrigido x 35%].
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Aplicando estas regras ao caso em apreço, teremos então que:
Valor ilíquido dos prémios atribuídos em espécie: € 330.923,08 = € 215.100 /(1-35%)
Valor ilíquido agravado em 10%: € 364.015,38 = € 330.923,08 x (1+10%)
Imposto devido: € 127.405,38 = € 364.015,38 x 35%
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Considerando que, com referência aos prémios atribuídos em espécie, foi pago o montante de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), como referido supra, há um excesso a favor da Requerente no montante de €48.585,52 (quarenta e oito mil quinhentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos).
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Nos termos do art. 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se conclua ter havido erro imputável aos serviços de que resulte pagamento de imposto em excesso.
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Para este efeito, considera-se haver erro imputável ao serviço sempre que o contribuinte siga as instruções da Autoridade Tributária no preenchimento das declarações e no processamento das liquidações.
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Acresce que, de acordo com o disposto no art. 78.º da LGT, considera-se haver sempre erro imputável aos serviços nas situações de autoliquidação de imposto, como a presente.
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Ora, no Portal das Finanças encontram-se publicadas duas informações vinculativas prestadas nos termos do art. 68.º da LGT – proc. n.º ... e proc. n.º …, ambos com despacho concordante, de 31.01.2011, da Subdirectora-Geral da Área dos Impostos sobre o Património – em que foi comunicado aos requerentes que a taxa de imposto aplicável aos prémios em espécie atribuídos em sorteios e concursos é de 45%.
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Face ao exposto, por estarmos perante um erro na autoliquidação sustentado em informações divulgadas pela Autoridade Tributária, a Requerente terá direito a juros indemnizatórios, contados desde o dia de pagamento do excesso de imposto até à data do reembolso integral do valor indevidamente pago.
I.B Na sua Resposta a AT, invocou, o seguinte:
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É de referir previamente que a A... não dispõe de qualquer legitimidade para colocar judicialmente em causa a liquidação do imposto de selo.
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É facto que, nos termos do art. 2º, nº 1, alínea p), do Código do Imposto de Selo, a entidade concedente dos prémios, a A... , é o sujeito passivo do imposto.
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O imposto de selo dos prémios atribuídos em sorteios ou concursos é cobrado, no entanto, mediante o mecanismo de retenção na fonte e não mediante autoliquidação (art. 3º, nº 3, alínea t), do Código do Imposto de Selo).
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Quando o imposto é, por imposição da lei, exigido a pessoa diversa do contribuinte, estão na verdade, preenchidos os requisitos da figura da substituição tributária a que se refere o art. 20º da Lei Geral Tributária (L.G.T.).
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Resulta do que acaba de ser referido que o imposto de selo da verba 11.2. da Tabela Geral é deduzido pela entidade concedente aos prémios que está legalmente obrigada a pagar aos vencedores dos sorteios ou concursos.
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O art. 133º, nº 1, do C.P.P.T. limita a legitimidade para reclamar ou impugnar do substituto tributário, como é a entidade concedente dos prémios, aos casos de entrega de imposto superior ao retido.
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Quando o imposto entregue nos cofres do Estado for igual ou inferior ao retido, a legitimidade é do substituído tributário.
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No caso do imposto de selo sobre prémios de jogo, a legitimidade para reclamar ou impugnar depende, assim, de o imposto em causa ter sido suportado pela entidade concedente e não deduzido por esta aos prémios a pagar aos concorrentes ou apostadores.
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No presente caso, a A... não demonstrou nem sequer invocou que, em lugar dos beneficiários dos prémios, tivesse suportado o encargo do imposto de selo.
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Tão pouco o elemento literal da lei concorre no sentido reivindicado pela A....
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As expressões “10 %” e “10 pontos percentuais” são, na verdade, semanticamente idênticas.
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“10 por cento” e “10 pontos percentuais” querem dizer a mesma coisa.
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A expressão “acrescendo 10 % quando os prémios sejam pagos em espécie” deve ser interpretada conjugadamente com a oração subsequente que vem explicar e complementar essa expressão.
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Na verdade, em toda a verba 11 a expressão “…por cento” refere-se à taxa do imposto de selo a aplicar e não a qualquer incremento do valor tributável que serve de base à liquidação.
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Por outro lado, não procede também eventual argumento da ordem sequencial seguida pela verba 11.2. na determinação da incidência, da matéria colectável e da taxa do imposto de selo a aplicar aos prémios de jogo.
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Na verdade, a norma da verba 11.2. não implica uma segregação artificial e rígida desses elementos, como pretende a A....
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A expressão “acrescendo, segundo essa verba 11.2., 10%, quando os prémios sejam atribuídos em espécie” é seguida de dois pontos, o que quer dizer que a oração subsequente aos referidos dois pontos está coordenada com a oração anterior.
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Esses dois pontos querem dizer, assim, que tais dois pontos se reportam à continuação lógica do sentido dessa frase, ou se se quiser, à oração subsequente que contém as diferentes taxas do imposto de selo a aplicar aos prémios de jogo.
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Não se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade.
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Obviamente, ao agravar o imposto de selo sobre os prémios pagos em espécie, o legislador procurou desencorajar o seu pagamento, por contraposição aos prémios pagos em numerário.
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Esses 10 % pertencem, assim, à família dos agravamentos extra-fiscais e a sua introdução deve-se, sem dúvida, à maior dificuldade ou aleatoriedade do controlo fiscal quando os prémios sejam pagos em espécie.
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A posição exposta, no sentido da falta de legitimidade da A..., resulta, aliás, das decisões arbitrais tomadas em processos com natureza idêntica, os nº 30-2013-T e 274-2013- T.
II. SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
O processo é o próprio.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.
É invocada uma excepção de ilegitimidade passiva que cumpre apreciar previamente.
Alega a requerida que o imposto de selo dos prémios atribuídos em sorteios e concursos é cobrado mediante o mecanismo de retenção na fonte. Está em causa o mecanismo de substituição tributária, onde a requerente é a substituta e o vencedor do sorteio o substituído. Alega a requerida que nestes casos o substituto só pode reclamar ou impugnar caso tenha entregue imposto superior ao retido (art. 132º, n.º1 do CPPT). Como no caso em apreço a requerente não demonstrou ter suportado um valor superior ao retido, carece de legitimidade passiva.
Quid Juris?
Temos de verificar primeiramente se no caso em apreço estamos perante uma situação de substituição tributária, ou não.
Nos termos do art. 20º, n.º1 da LGT a substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. O legislador ao referir-se ao conceito de “contribuinte” está a aludir àquele em relação a quem se verificaram os pressupostos constantes da norma de incidência do tributo. Citando o Dr. Diogo Feio “ Este instituto consubstancia-se no facto de o contribuinte que pratica o facto tributário não ocupar na relação em causa a posição que normalmente seria a sua”.[1]
A substituição é efectivada através do mecanismo de retenção na fonte (art. 20º, n.º2 da LGT).
No caso em apreço, no termos do art. 2º, n.º1, al. p) do CIS o sujeito passivo é a Requerente. Contudo quem suporta o encargo é o premiado (art. 3º, n.º1 e n.º3, al. t) do CIS).
O mecanismo da substituição fiscal é distinto do mecanismo da repercussão fiscal. “Assim, embora, pelo menos num primeiro momento, substituído e contribuinte de facto sejam entidades que suportam o desfalque patrimonial em que se consubstancia o imposto (…), o substituído é contribuinte de direito, ou seja sujeito passivo de imposto, enquanto que o contribuinte de facto é totalmente alheio à relação jurídica fiscal, não é, (…) sujeito passivo da mesma”[2].
A repercussão ocorre fora do âmbito da obrigação tributária[3], sendo por isso que nos termos do art. 18º, n.º4, al a) da LGT os repercutidos não são sujeitos passivos. A repercussão ocorre quando o sujeito abrangido pelas regras de incidência do imposto transfere para outrem o encargo económico.
No caso em apreço o legislador previu expressamente a requerente como o sujeito passivo e previu que o imposto seria um encargo do titular do interesse económico, ou seja, do premiado. Assim, o premiado é o repercutido não sendo sujeito passivo.
No âmbito do CIS o premiado está fora da relação jurídica do imposto porque não é sujeito passivo, nem responsável pelo seu pagamento. Ao premiado cabe suportar o encargo, sem ter a qualidade de devedor.
O único responsável pelo cumprimento da obrigação é o sujeito passivo (art. 41º, n.º1 e 23º do CIS), estando o premiado desonerado de qualquer responsabilidade, principal ou acessória.
Face ao previsto na lei não estamos perante uma relação de substituição, mas sim, de repercussão.
A propósito da qualificação daquele que suporta o encargo do Imposto de Selo, citando Silvério Mateus e Corvelo Freitas “estas pessoas, não obstante suportarem, por repercussão, o encargo do imposto, não têm a qualidade de sujeitos passivos, não estando, consequentemente, sujeitas a qualquer obrigação de natureza fiscal.”[4]
“O caso do imposto de selo é ainda mais singular, pois a lei define que os sujeitos passivos são aqueles a quem a lei atribui a obrigação de liquidar e pagar o imposto ao Estado (art. 2º do CIS), mas impõe a repercussão legal ao dizer que o encargo é da entidade com interesse económico na realidade tributária (art. 3º), que normalmente, não coincide com o sujeito passivo.”[5]
Sobre a qualificação dos intervenientes no Imposto de Selo, o TCAS, no processo n.º04457/11, por Acórdão de 30/04/2013, tomou a seguinte decisão:
“2. Verifica-se a repercussão fiscal do imposto, dado que o sujeito directamente determinado pela lei para pagar o imposto não é verdadeiramente o titular da riqueza a tributar, mas apenas um sujeito sobre quem é mais fácil executar a cobrança.”
Em conclusão, o premiado é o repercutido (suporta o tributo) e a Requerente é o sujeito passivo desta relação jurídica tributária, tendo, esta, por isso legitimidade (art. 9º, n.º1 e n.º4 do CPPT) para intervir nesta demanda.
Em face do que antecede, conclui-se que a Requerida é parte legítima, improcedendo, portanto, a invocada excepção de ilegitimidade passiva.
As partes são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Inexistem outras questões prévias que cumpra apreciar nem vícios que invalidem o processo.
Impõe-se agora, pois, apreciar o mérito do pedido.
III. THEMA DECIDENDUM
A questão de fundo em causa nos presentes autos consiste em saber como se deve calcular o imposto de selo quando são atribuídos prémios em espécie.
IV. – MATÉRIA DE FACTO
IV.1. Factos provados
Antes de entrar na apreciação das questões, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo tributário junto e tendo em conta os factos alegados, se fixa como segue:
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A Requerente assume a forma jurídica de uma sociedade anónima de direito português com sede e direcção efectiva neste território.
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No âmbito do desenvolvimento da sua actividade televisiva, a Requerente promove diversos sorteios ou concursos, através dos quais são atribuídos prémios de diversas naturezas, designadamente prémios monetários e prémios em espécie.
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Com referência ao período de Janeiro de 2013, a ora Requerente procedeu à atribuição/entrega de prémios de sorteios ou concursos, no montante líquido total de € 215.100 (duzentos e quinze mil e cem euros).
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Tal valor corresponde a prémios em espécie, conforme cópia do extracto da conta do razão (…).
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Foi pago Imposto do Selo referente aos prémios atribuídos num total de € 175.990,91 (cento e setenta e cinco mil novecentos e noventa euros e noventa e um cêntimos).
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Este valor de Imposto do Selo resulta da aplicação da taxa de 45% ao valor ilíquido dos prémios:
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Valor ilíquido dos prémios: € 391.090,91 = € 215.100 /(1 - 45%);
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Total do imposto pago: € 175.990,91 = € 391.090,91 x 45%.
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Tendo pretendido a Requerente corrigir o erro da Declaração de Retenções na Fonte IRS/IRC e Imposto do Selo, deduziu a competente reclamação graciosa.
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A Autoridade Tributária indeferiu a reclamação graciosa deduzida com fundamento na não existência de erro na autoliquidação efectuada pela Requerente.
IV.2. Factos dados como não provados
Não existem factos dados como não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
IV.3. Motivação da matéria de facto
Os factos dados como provados integram matéria não contestada e documentalmente demonstrada nos autos.
Os factos que constam dos números 1 a 8 são dados por assentes por acordo das partes, por análise do processo administrativo e pelos documentos juntos pela requerente (docs. 1 a 5).
V. Aplicação do direito aos factos
A questão a decidir está relacionada com a interpretação da verba 11.2 do CIS, que possui a seguinte redacção:
“11.2 - Os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos, com excepção dos prémios dos jogos sociais previstos na verba n.º 11.3 da presente Tabela - sobre o valor ilíquido, acrescendo 10 % quando
atribuídos em espécie:
11.2.1 - Do bingo - 25 %;
11.2.2 - Dos restantes - 35 %.“
A requerente defende que a taxa de 35% deverá ser aplicada ao valor ilíquido acrescido de 10% e a AT aplica a taxa de 45% (35% + 10 %) ao valor ilíquido.
A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril revogou o art. 9º, n.º2 do CIRS e fez com que os prémios do bingo, de rifas e do jogo do loto, bem como de quaisquer sorteios ou concursos passassem a estar sujeitos a IS e não a IRS. Esta alteração foi efectuada na sequência da sugestão feita pelo Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal produzido em 2009[6].
Um primeiro argumento aduzido pela requerente para justificar a sua interpretação resulta de uma suposta interpretação literal do preceito legal atrás citado. Para a Requerente, caso o legislador tivesse utilizado a expressão 10 pontos percentuais em vez de 10% como fez, o acréscimo de 10% seria indubitavelmente aplicado sobre a taxa e não sobre o valor tributável do prémio. A Requerente limita-se a suscitar a dúvida sem, no que diz respeito ao argumento literal, aduzir qualquer justificação da sua interpretação.
Quanto ao argumento literal, admite-se que, tal como é referido pela doutrina, que a utilização imprecisa por parte do legislador de alguns conceitos levanta grandes dúvidas interpretativas[7].
Contudo, no caso em apreço, há outros elementos literais que deverão ser ponderados para coadjuvar a interpretação da norma e que permitem inequivocamente sustentar entendimento diverso.
Na verdade, o elemento literal é coadjuvante da interpretação, que julgamos adequada. O legislador separou, utilizando uma vírgula, a expressão “valor ilíquido” de “acrescendo 10% quando atribuídos em espécie”.
A vírgula é um sinal de pontuação que pode ser utilizado para várias funções. No caso em apreço, a utilização da vírgula foi efectuado para separar elementos com a mesma função sintática. Separam-se por vírgulas todos os elementos de uma oração que não seja ligada por conjunção. Os elementos em causa são o “valor ilíquido” e o “acrescendo 10 % quando atribuídos em espécie”. Estes dois elementos da frase referem-se ambos às verbas 11.2.1 e 11.2.2. até porque depois da expressão estão dois pontos, o que significa que o legislador passou à enumeração referente a estes dois elementos.
Porquanto, as regras de pontuação, como elemento literal de interpretação, apontam para que o acréscimo de 10 % se refira às taxas subsequentes, constantes das verbas 11.2.1 e 11.2.2 e não ao valor tributável do prémio.
Do ponto de vista sistemático, as regras de determinação do valor tributável estão nos artigos 9º a 21º do CIS (Capítulo III). Este é o local adequado, que o legislador escolheu, do ponto de vista sistemático, para indicar regras próprias, nomeadamente o artigo 11º, cuja epígrafe é “valor representado em espécie”.
As taxas estão previstas na tabela (art. 22º, n.º1 do CIS – Capítulo IV). Assim, estando a regra do acréscimo de 10 % prevista na tabela do CIS e não nos artigos 9º a 21º do CIS, podemos concluir que o acréscimo de 10 % se refere às taxas e não ao valor tributável. Caso o legislador quisesse definir regras próprias de apuramento do valor tributável, no caso dos prémios em espécie, tê-lo-ia feito no art. 11º e não na tabela do CIS. Deste modo, os elementos de ordem sistemática que nos auxiliam na interpretação das normas indicam-nos que o acréscimo de 10% não se refere ao valor tributável, mas sim, às taxas a aplicar.
Mais, no caso dos valores em espécie, nos termos do art. 11º, al. e) do CIS, o valor tributável do mesmo, para efeitos de IS, deve corresponder ao seu valor de mercado, não estando aqui prevista qualquer exceção.
A interpretação pugnada pela contribuinte implica uma tributação sobre um valor tributável que não corresponde ao valor de mercado do mesmo e por isso violadora do art. 11º, al. e) do CIS.
Acresce que, no caso das transmissões gratuitas, o IS reveste-se de uma natureza de imposto sobre o património[8]. O Prof. Diogo Leite Campos a propósito da capacidade contributiva nos impostos sobre o património assevera o seguinte “(…) a capacidade contributiva deve estar ajustada ao um valor real, de mercado, e não um valor meramente ideal, avaliado, tendencial.”[9]
No mesmo sentido, o Prof. Sérgio Vasques advoga o seguinte: “Para que o rendimento possa cabalmente servir de índice à capacidade contributiva necessário é também que a lei o conforme de modo certo e determinado. Que o conforme, antes de mais, como rendimento real, pois que a ideia da capacidade contributiva só ganha sentido útil quando dirigida à condição económica efectiva do contribuinte, à sua capacidade contributiva real (IST Leistunggsfhigkeit)”[10].
A interpretação que a impugnante faz conduz a que o valor tributável alcançado não seja o valor real do bem, mas sim, a um valor real adicionado de 10 %.
Essa interpretação seria susceptível de violar o princípio da capacidade contributiva, a que aludem, respectivamente, os artigos 13º da CRP, e 4º, nº 1, da LGT, por não se reportar ao valor real consentâneo com a capacidade contributiva.
Um outro elemento deve ser aduzido para nos auxiliar na interpretação da verba 11.2 do IS. Muito embora, regra geral, não seja possível cumular taxas (art. 22º, n.º2 do CIS), no caso da verba 11.2 a possibilidade de cumulação está expressamente prevista no art. 22º, n.º4 do CIS. Porquanto, sendo possível a cumulação de taxas no caso em apreço, tal facto é indiciador de que a taxa de 35% é cumulável com a taxa de 10% no caso dos prémios pagos em espécie[11].
Acresce referir que também o argumento da violação do princípio da igualdade sustentado pela Requerente não colhe, pois, qualquer que seja a interpretação seguida é indubitável que a tributação dos prémios em espécie é mais onerada. Destarte o argumento de que a forma de tributação realizada é potencialmente violadora do princípio da igualdade falece porque adoptando a interpretação pugnada pela impugnante ou pela AT chegamos sempre à conclusão de que a tributação dos prémios em espécie é potencialmente mais onerada do que a tributação dos prémios em dinheiro, quer seja pelo acréscimo de 10 % ao valor tributável, quer seja pelo acréscimo de 10% à taxa aplicável.
Quanto ao elemento histórico que nos pode auxiliar na interpretação da norma, é de referir que no dia 15 Março de 2010 foi aprovado o Pacto de Estabilidade e Crescimento a vigorar para o período e 2010 a 2013. A norma que estamos a apreciar foi introduzida pelo Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Orçamento de Estado de 2010). Este Orçamento de Estado caracterizou-se, como todos os subsequentes, por um forte agravamento fiscal em sede de tributação do rendimento e também sobre o património[12].
Pelo que, nesta perspectiva histórica, o aumento de tributação dos prémios em espécie enquadrou-se num quadro global de aumento de toda a tributação.
Em síntese, pelo exposto, concluímos que, nos prémios em espécie, o acréscimo de 10 % não é sobre o valor tributável, mas sim, sobre as taxas previstas nas verbas 11.2.1 e 11.2.2 do CIS[13], não padecendo por isso a liquidação impugnada dos vícios invocados pela Requerente.
A apreciação da condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios fica prejudicada pela solução atrás alcançada.
VI. DECISÃO
Em face de tudo quanto se deixa consignado, decide-se julgar improcedente, a presente impugnação, mantendo-se a liquidação impugnada.
Fixa-se o valor do processo em € 48.585,52 nos termos do artigo 97º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força do das alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €2.142,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar integralmente pela Requerente, uma vez que o pedido foi integralmente indeferido, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Abril de 2014
André Festas da Silva
[1] In A Substituição Fiscal e a Retenção na Fonte: O Caso Específico dos Impostos sobre o Rendimento, Coimbra Editora, 2001, Páginas 40 e 41
[2] In Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, Pág. 272
[3] Neste sentido Cfr. Diogo Leite Campos e Mônica Horta Neves Leite Campos, Direito Tributário, 2ª Edição, Almedina, 2000, pág. 412
[4] In Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto de Selo, Engifisco, 2005, Pág. 557
[5] In Manuel Henrique de Freitas Pereira, Fiscalidade, 3ª Ed., Almedina, 2009, Pág. 269
[6] Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, pág. 231, nota de rodapé 231.
[7] Sobre o assunto Cfr. André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2007, pág. 54
[8] Neste sentido Cfr. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 5ª Edição, Almedina, págs. 64 e 644
[9] Cfr. Diogo Leite Campos e Mônica Horta Neves Leite de Campos, Direito Tributário, 2ª Edição, Almedina, pág. 136
[10] In Sérgio Vasques, Globalização e Igualdade Tributária, in CCTF n.º188, Lisboa, 2000, pág. 436
[11] Neste sentido Cfr. Decisão Arbitral proferida em 29/10/2013, proc. n.º 30/2013T
[12] Cfr. Luis Belo, PEC, Pacote de Austeridade Fiscal; Desenvolvimentos Fiscais Recentes, In RFPDF, Ano III, n.º2, Junho de 2010, pág. 52
[13] No mesmo sentido Cfr. Decisão Arbitral proferida em 29/10/2013, proc. n.º 30/2013T
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