Decisão Arbitral
O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 19 de Abril de 2017, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, com o número de pessoa colectiva…, com sede na Rua…, n.º…, no Estoril, doravante designado por “Requerente”, requereu, no dia 19 de Janeiro de 2017, a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 31 de Janeiro de 2017.
1.3. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) – Retenções na Fonte - n.º 2016…, no valor de € 36.174,57, referente ao ano fiscal de 2012, e, bem assim, na liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, no valor de € 4.225,99, igualmente respeitante ao mesmo ano, perfazendo um valor global de € 40.400,56, e, bem assim, pela declaração da ilegalidade do acto de indeferimento de Reclamação Graciosa que a Requerente apresentou com vista à declaração de ilegalidade e anulação das referidas liquidações adicionais, em face do disposto no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, nem foi invocada matéria de excepção.
1.4. A fundamentar o seu pedido imputa a Requerente, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Que a referida liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios enferma do vício de falta de fundamentação de facto e de direito.
(ii) Porquanto não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a retenções na fonte do mês de Dezembro de 2012 relativas a capitais — outros rendimentos.
(iii) E que impende sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira o dever legal de fazer referência expressa às razões de facto e disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente e tem por consequência a anulabilidade do acto.
(iv) E que a liquidação de imposto e de juros compensatórios que lhe foi notificada é omissa quanto à necessária fundamentação, de facto e de direito, pelo que está inquinada de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulada em conformidade (cf. artigo 135.° do Código de Procedimento Administrativo) não sendo possível, diz, determinar a origem do acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios que constitui o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral.
(v) Que, não obstante o acima referido, e procurando descortinar a origem de tal liquidação, suspeita que as mesmas possam ter ficado a dever-se ao procedimento de inspecção tributária externa por referência aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 de que foi alvo e em que a Autoridade Tributária e Aduaneira lhe imputado a omissão de declaração de rendimentos tributáveis em IRC e IVA, e, bem assim, que determinados valores depositados em contas bancárias cujos titulares são os sócios da Requerente constituem um rendimento sujeito a IRS e tributados através da aplicação de taxa liberatória.
(vi) E que a este respeito entende a Requerente que ao longo do Relatório de Inspecção, e no pressuposto que apenas se concebe por mera cautela de que este tenha qualquer relação com o acto de liquidação de IRS e de Juros Compensatórios em causa nestes autos arbitrais, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa limitam-se a afirmar que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais.
(vii) E que a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a ficcionar e elencar factos e pressupostos que considera permitir a liquidação adicional de imposto, concluindo a partir delas não explicando em momento algum como chegou a essas mesmas conclusões, pelo que não lhe foi possível apreender o iter cognoscitívo dos Serviços de Inspecção Tributária em resultado do qual foram apuradas as correcções em sede de IRS, uma vez que os serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira apenas baseiam as conclusões do Relatório de Inspecção em meras extrapolações e juízos conclusivos.
(viii) Que, in casu, existe manifesta a incongruência e contradição da alegada fundamentação, pelo que, diz, deve concluir-se que os Serviços de Inspecção Tributária não sustentaram, no Relatório de Inspecção, os factos em que se baseiam para concluírem que omitiu rendimentos e que distribuiu lucros aos seus sócios, pelo que se deverá anular o acto de liquidação praticado, sustenta.
(ix) Adicionalmente, imputa às liquidações em causa um erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto alega que a Autoridade Tributária e Aduaneira parece pretender, se relação existir entre o acto de liquidação e o relatório de inspecção tributária, que os rendimentos em causa sejam enquadráveis na alínea h, do n.° 2 do artigo 5.°. do Código do IRS, mas que não é verdade que assim seja.
(x) E que mesmo que a Autoridade Tributária e Aduaneira tivesse razão no que invoca, dos elementos utilizados resulta que no ano fiscal de 2012, os "rendimentos" (sempre sem conceder), ascenderiam a € 115.609,90 e não a € 136.508,20, sendo o acto de liquidação ilegal também por este motivo (segundo documentos que protestou juntar).
(xi) Pelo que, diz, ser evidente o erro de facto e de direito em que a Autoridade Tributária incorreu, tendo, entre o mais violado o disposto no artigo 5.0, n.° 2, alínea h), do Código do IRS, e, bem assim, negando que o rendimento que lhe foi imputado se tenha verificado todo no mês de Dezembro, o que não corresponde à verdade (nem sequer à verdade ficcionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira) alega.
(xii) Inexistindo no mês de Dezembro de 2012 o acréscimo patrimonial inerente à prática do acto de liquidação contestado, inexiste rendimento sujeito a tributação, com as necessárias consequências legais.
(xiii) Vem, igualmente, assumir-se como um substituto tributário, pelo que a sua putativa responsabilidade circunscreve-se, diz, aos valores retidos e não entregues, Ou seja, inexiste uma situação de imposto retido e não entregue mas tão somente a assunção por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira de que determinadas realidades assumem a natureza de rendimento (de aplicação de capitais) tributável em sede de IRS, a taxa liberatória.
(xiv) Pelo que inexistindo imposto retido e não entregue não lhe pode ser imputada responsabilidade pelo pagamento do tributo ao abrigo do artigo 28.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária, disposição legal esta também violada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
(xv) Imputa, adicionalmente, violação do princípio do inquisitório e da verdade material, pois ao longo das Conclusões do Relatório da Inspecção Tributária, e sempre no pressuposto de que a acção de inspecção de que a Autora foi objecto tem alguma relação com o acto de liquidação de IRS sub judice, sempre se dirá que os Serviços de Inspecção Tributária, não logram demonstrar o que alegam,
(xvi) E que a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, com a consequente violação do princípio do inquisitório, inquina de ilegalidade o acto tributário emitido nessa sequência, pelo que, sustenta, os Serviços de Inspecção violaram o disposto no artigo 58,°, da Lei Geral Tributária e no artigo 6,° do Regime Complementar de Inspecção Tributária, violação essa que, dado o seu contributo nas correcções operadas que subjazem à emissão dos actos tributários em crise, não pode deixar de inquiná-los e conduzir à respectiva anulação.
(xviii) Vem pugnar pela anulação da liquidação de juros compensatórios porquanto, diz, não consta qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros foram liquidados, e, bem assim, que a liquidação de Juros Compensatórios em análise é também ilegal, não apenas por força da respectiva falta de fundamentação e violação de lei, mas ainda por alegada falta de audição prévia sobre a mesma.
(xiv) Termina a sua petição pugnando, de igual modo, pela ilegalidade da decisão da Reclamação Graciosa apresentada, pois, diz, a Senhora Chefe de Divisão não se pronuncia sobre todas as questões por si suscitadas, violando o disposto no artigo 56,0, da Lei Geral Tributária, devendo o referido Despacho da Senhora Chefe de Divisão ser anulado porquanto praticado com ofensa das normas e princípios jurídicos aplicáveis (cfr. artigo 135,0 do CPA).
1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
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Vem defender-se por impugnação.
(ii) Sobre a falta de fundamentação, vem dizer que importa distinguir a fundamentação dos actos, que consiste nas razões de facto e de direito que os sustentam, do acto de notificação dessa fundamentação ao contribuinte, sendo que essa notificação pode ocorrer com o acto de liquidação ou, como vem a ser o caso dos autos, ocorrer em momento anterior ao acto de liquidação porque efectuada com a notificação do relatório final da inspecção tributária.
(iii) E que a fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspecção tributária, facto que o Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa.
(iv) Alega que não se está perante uma fundamentação posterior ao acto de liquidação nem a Requerente podia desconhecer que as correcções promovidas pela inspecção tributária dariam origem àquelas liquidações, com os fundamentos de facto e de direito explicitados no relatório final de inspecção, e que até exerceu o direito de audição prévia sobre o relatório de inspecção tributária.
(v) E que tendo a Requerente sido notificada do relatório de inspeção tributária, tal facto permitiu-lhe ter conhecimento efetiva e exaustivamente dos fundamentos da liquidação, o que se depreende pelos argumentos alegados em sede da reclamação graciosa apresentada.
(vi) Conclui que ser do conhecimento da Requerente o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido para a determinação dos actos tributários objecto controvertidos.
(vii) Refira-se ainda que, não obstante o aludido pela Requerente, a notificação é condição de eficácia da liquidação e não condição de validade, nos termos do nº 6 do artigo 77º da LGT, uma vez que a notificação de actos tributários é um acto distinto e posterior ao ato notificado, não podendo, por isso, os vícios da notificação afectar a validade do ato, mas apenas a sua eficácia, nos termos do nº 1 do artigo 36º do CPPT.
(viii) Pelo que vem pugnar pela improcedência do vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRS e de juros compensatórios impugnados.
(ix) Sobre a falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da acção de inspecção, vem dizer que que não se vislumbra, contudo, em que possa ter violado o disposto no art. 77º do CPPT, resultando clara, coerente e suficiente a fundamentação de facto e de direito das correcções controvertidas, pois, diz, uma leitura atenta do relatório final permite conhecer os factos concretos e as razões de direito que levaram a concluir pela necessidade das correcções controvertidas, pelo que pugna pela improcedência do vício de falta de fundamentação da liquidação.
(x) Relativamente aos alegados erros sobre os pressupostos de facto e de direito, cumpre esclarecer, diz, que contrariamente ao alegado pela Requerente, se baseou nos elementos de que dispôs, para a partir de uma lógica facilmente perceptível concluir pelas correcções propostas.
(xii) Que a partir de aproximadamente Julho de 2011, a conta de B… (filho), passou a ser movimentada como se da conta da Sociedade se tratasse, e que, assim passou a ser porque então C… (Pai) e esposa, tinham receio de que as suas contas pessoais pudessem ser penhoradas, o que permite também concluir, diz, que até então eram estas as contas que eram utilizadas como se de contas da sociedade se tratasse.
(xiii) Isto de acordo com as declarações prestadas e que não foram postas em causa pela Requerente, diz.
(xiv) E que no âmbito da acção de inspecção, houve omissão de proveitos, dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados, bem como o sucessivo apuramento de prejuízos fiscais.
(xv) Pelo que, diz, a família obteve rendimentos provenientes da sociedade superiores aos declarados em sede de IRS, e que os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias e que permaneceram na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos sócios-gerentes, constituindo rendimentos de capitais investidos na sociedade, por adiantamento de lucros, nos termos da al. h) do nº 2 do artº 5º do CIRS.
(xvi) Tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte, nos termos dos art.º 98º e 101º do CIRS, à taxa liberatória prevista na al. c) do nº 3 do art.º 71º do CIRS.
(xvii) No que se refere à Ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material, vem dizer que apesar do que a Requerente veio dizer ao longo do procedimento tributário, esta não logrou invocar um argumento, um facto ou facultado ou indicando qualquer elemento probatório que pudesse mudar a sua posição.
(xviii) Resultou do exercício do direito de audição, como resulta dos presentes autos, que a Requerente não traz à colação qualquer meio probatório que possa sustentar a sua argumentação, não indica quais os meios probatórios que a AT poderia lançar mão para demonstrar as suas alegações, as quais são incompatíveis com a prova efectuada, a qual resulta também de informação obtida do auto de inquérito criminal que determinou a realização do procedimento inspectivo.
(xix) Não lhe podendo assim, ser assacado ao acto o vício de ilegalidade por violação do princípio do inquisitório.
(xx) Quanto à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, decorre das correcções efectuadas que a Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do nº 1 do art. 35º da LGT.
(xxi) Pelo que pugna pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
1.6. Entendeu o Tribunal, correspondendo ao pedido da Requerente e Resposta da Requerida, notificá-las para virem aos autos informar os factos sobre os quais pretendiam a realização da prova testemunhal, ao que ambas nada disseram, posto o que entendeu o Tribunal dispensar a realização desta prova, tendo notificado as partes igualmente da sua decisão de dispensa da realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT, e notificando-as para, querendo, apresentar alegações, não tendo estas sido apresentadas.
Mais foi a Requerente notificada para o pagamento da taxa arbitral subsequente e sua comunicação ao CAAD.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao dia 15 de Outubro de 2017.
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1.7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
Na sua petição arbitral a Requerente formula as seguintes questões essenciais para as quais requer a apreciação do Tribunal:
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Suscita o vício da falta de fundamentação dos actos de liquidação.
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Suscita a falta, incongruência e insuficiência de fundamentação do relatório da inspecção tributária.
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Suscita o erro nos pressupostos de facto e de direito.
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Suscita a questão da ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material.
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Suscita, por fim, a ilegalidade da liquidação de juros compensatórios e, bem assim, da própria decisão proferida sobre a Reclamação Graciosa apresentada.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
A) Foi aberta a Ordem de serviço 0I2013…, para o exercício de 2011, por proposta de inspecção n.º PIP2012… de 10 de Agosto de 2012, na sequência da informação de Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, que se refere à prática de operações bancárias suspeitas, nomeadamente operações realizadas em conta bancária à ordem aberta na dependência de D… no … em 01-07-2011, titulada pelo Senhor B… de 19 anos de idade, e relacionadas com a actividade comercial desenvolvida pela sociedade “A…, Lda”, - ora Requerente - pertencente aos pais deste. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
B) As Ordens de Serviço OI2014…/… para os anos de 2012 e 2013, foram abertas na sequência da proposta de inspecção nº PIP2014… de 13 de Fevereiro de 2014, na qual se propôs a extensão do procedimento inspectivo aos exercícios de 2012 e 2013 por se constatar a continuação da prática de operações bancárias suspeitas (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
C) A Requerente iniciou a actividade em 08 de maio de 2000, encontrando-se registada no Serviço de Finanças Cascais-… (…) para o exercício de “outras actividades educativas, N.E.” a que corresponde o CAE 85593. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
D) A actividade desenvolvida pela “A…, Lda.” - Requerente nos autos- consiste essencialmente no acompanhamento escolar e preparação (explicações) para os exames do ensino secundário e ingresso ao ensino superior e cursos de línguas, mas sem reconhecimento do ministério competente (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
E) A Requerente é uma sociedade por quotas e o seu capital, no valor de € 100.000, encontra-se dividido em partes iguais pelos seus sócios, Senhor C…, NIF … e Senhora E…, NIF … (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
F) O Senhor C… exercia à data dos factos (2011, 2012 e 2013) e no ano do procedimento de inspecção, as funções de gerente da Requerente, prestando serviços a esta que, de acordo com os recibos por si emitidos, consistiam em lições ministradas a título pessoal e sobre matérias do ensino secundário e superior (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
G) O Senhor B…, filho dos sócios gerentes da Requerente identificados em F) é titular da conta bancária à ordem no D… com o n.º …/… (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
H) Em 25 de Maio de 2015, no âmbito do processo de inquérito …/2013 …TDLSB, a Divisão de Processos Criminais Fiscais ouviu em Auto de Interrogatório de Arguido, o Senhor C…, a Senhora E… e o Senhor B…, filho destes, tendo posteriormente solicitado junto do Ministério Público autorização para extração de certidão dos autos de interrogatório destes arguidos (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
I) Nesses Autos, o Senhor C… prestou depoimento, tendo afirmado e citamos “… aproximadamente em Julho de 2011, quando o franchising da A… correu mal, o F… penhorou a casa de família, uma propriedade no Alentejo e os reembolsos de IRS, acharam que as suas contas iam ser penhoradas e abriram uma conta em nome do seu filho, B…, para onde todos os clientes começaram a fazer pagamentos dos serviços prestados pela A…”. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
J) De acordo com as declarações prestadas pelo Senhor C…, a conta bancária com o n.º …/… titulada pelo seu filho, B…, foi por si movimentada como se da conta da sociedade se tratasse, apresentando a crédito no exercício de 2012 o somatório dos proveitos da sociedade e dos rendimentos da categoria B obtidos pelo Senhor C… no exercício da sua actividade profissional como explicador, no montante de € 300.454,92 (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
K) Da análise efectuada pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, esta apurou ainda da análise efectuada aos movimentos a crédito:
· que os cheques depositados foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem do Senhor C…;
· que as transferências foram ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como “inscrição”, “pagamento”, “A…”, “mensalidade”, “explicações”, etc..
(cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
L) A Divisão de Processos Criminais Fiscais solicitou junto do Ministério Público, que diligenciasse junto do Banco de Portugal, a obtenção da informação sobre quais as contas bancárias tituladas e autorizadas a movimentar pelo Senhor C…, e pela Senhora E… e pelo Senhor B… (filho de ambos), bem como o envio dos movimentos constantes nas referidas contas (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
M) Em Fevereiro de 2015, a informação solicitada foi disponibilizada aos Serviços de Inspecção Tributária para efeitos de análise e apuramento da situação tributária da A…, Lda. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
N) Esta informação teve por base a investigação da Polícia Judiciária aos movimentos bancários registados na conta titulada pelo Senhor B…, os quais se revelaram incompatíveis com a sua profissão de estudante, sendo que o Senhor B… consta da declaração periódica de rendimentos dos pais (Mod.3 de IRS) - sócios gerentes da Requerente, como dependente sem rendimentos, reflectindo antes os resultados das actividades da sociedade “A…, Lda” e do sócio gerente, Senhor C…, enquanto explicador. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
O) Foram identificados diversos movimentos a crédito e a débito, constantes do Relatório de Inspecção Tributária, que revelam pagamentos à Requerente em virtude do descritivo das transacções, e, igualmente, pagamentos a favor de indivíduos que prestaram serviços à mesma, sendo ainda de destacar o facto de a maior parte dos fundos creditados terem sido transferidos a favor de contas particulares dos dois sócios da Requerente. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
P) Ao abrigo das ordens de serviço identificadas em B) supra, apurou-se que o Senhor C… e a esposa, Senhora E…, apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod.3 de IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A – rendimentos de trabalho dependente pagos pela sociedade “A…, Lda.” nos montantes totais de 18.000,00 Euros 18.317,52 Euros e 17.748,24 Euros, respectivamente. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
Q) Analisadas as declarações de rendimentos (Modelo 22), a Requerente apresentou em sede de IRC, nos exercícios fiscais de 2011, 2012 e 2012, os seguintes valores:
Rubricas 2011 2012 2013
Prestações de Serviços 102 596, 78 74 920, 78 93 348,68
RLE: - 32 317,86 - 40 691,26 - 3 866,55
(cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
R) No período compreendido entre 2007 a 2014, a Requerente apresentou os seguintes resultados fiscais:
Ano Lucro Tributável Prejuízo Fiscal
2007 ____________________________ -86 532,07
2008 ____________________________ -23 527,64
2009 ____________________________ -67 349,04
2010 ____________________________ -63 870,08
2011 ____________________________ -26 219,13
2012 ____________________________ -40 691,16
2013 ____________________________ -3 866,55
2014 13.114,70 ______________________
Total 13.114,70 -312 054,77
(cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
S) O sócio-gerente da Requerente, Senhor C…, durante o procedimento inspectivo informou que os valores transferidos para a conta da esposa, Senhora E…, eram usados para efectuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações da Requerente. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
T) Da análise dos registos contabilísticos efectuados pela Requerida, tendo em conta o facto de terem sido lançados todos os pagamentos por contrapartida de uma conta 11- caixa, os lançamentos efectuados a crédito nessa conta correspondem aos pagamentos efectuados pela Requerente para fazer face às suas obrigações. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
U) As contas bancárias identificadas serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efectuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio da Requerente. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
V) No exercício de 2012, a conta bancária n.º… do Senhor B… registou entradas no montante de 300.454,92 Euros (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
W) A Requerente declarou proveitos de actividade, no montante de 92.152,62 Euros (com IVA incluído) e o Senhor C… declarou rendimentos da categoria B no montante de 32.156,38 Euros (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
X) Entre a Requerente e o seu sócio gerente, Senhor C…, inexistia separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
Y) Uma parte dos valores depositados nas contas bancárias analisadas pela Requerida em contexto de acção inspectiva, não encontrou justificação da sua utilização na esfera jurídica da Requerente, uma vez que não foram utilizados nos pagamentos desta (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
Z) Os montantes apurados permaneceram nas contas bancárias dos sócios gerentes da Requerente ou do filho destes e foram utilizados por estes em fins alheios à actividade da sociedade (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AA) Excluindo destes montantes o valor declarado pelo sócio-gerente, Senhor C…, como rendimentos da sua actividade profissional, a qual declarou exercer por conta própria e que incluiu no anexo B (rendimentos profissionais) da declaração modelo 3 de IRS, foram apurados pela Requerida os seguintes valores com referência ao ano fiscal de 2012:
Valores apurados (em Euros):
2012: 168.664,58
Valores declarados- 32.156,38
Categoria B
Valores omitidos 136.508,20
(cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AB) Da análise efectuada pela Requerida às contas bancárias e às declarações prestadas pelo sócio gerente da Requerente, Senhor C…, resulta que a conta do filho deste era utilizada como conta de passagem, sendo que uma parte dos valores eram transferidos para as contas dos pais (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AC) No âmbito do Processo de Inquérito …/2013 …TDLSB, e inquirido o aí arguido, Senhor C…, sobre “Quem tinha autorização para movimentar as contas do seu filho, B…? Respondeu que era o próprio que tinha os códigos para movimentar estas contas, o seu filho não tinha acesso, nem nunca teve a estas contas.” “Quem fazia estas transferências da conta do seu filho B…, para a sua conta e da sua esposa, a Sra. E…? Respondeu que era o próprio, faziam transferências para as suas contas pessoais, para fazer face a compromissos e despesas. Acrescentou que sempre fez os possíveis para pagar as suas dívidas às finanças e à segurança social.” Inquirido o arguido, B…, “Tinha conhecimento que os seus pais usavam contas em seu nome para depositar dinheiro proveniente de serviços prestados através da sociedade “A…, Lda.? Respondeu que não sabe.” .
(cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AD) Foi apurado imposto em falta – retenção na fonte - IRS - no valor de € 36.174,67. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AE) A Requerida, em face da elevada dificuldade em precisar a distribuição exacta dos valores apurados pelos diversos meses, considerou que a omissão ocorreu no último período de imposto do ano de 2012, considerando a inexistência de prejuízo deste procedimento para a Requerente e sujeito passivo. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AF) A Requerente foi notificada para exercer o direito de audição, tendo exercido este direito (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos).
AG) Não concordando com os actos de liquidação adicional de IRS, em causa nos presentes autos, de que se viu alvo, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida. (cfr. Processo Administrativo junto pela Requerida, designadamente o Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos e Documento n.º 3 junto pela Requerente).
AH) A Requerente não colocou em causa a veracidade dos factos descritos no Relatório de Inspecção Tributária e na Resposta da Requerida que lhe são imputados.
AI) No dia 19-01-2017 a Requerente apresentou requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Apesar de protestar juntar prova documental que se destinaria a provar que os rendimentos omitidos ascenderiam a € 115.609,90 por oposição ao valor apurado pela Requerida de € 136.508,20, a Requerente não o fez, pelo que este facto por si suscitado se dá como não provado.
Não existem outros factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
6. DO DIREITO
De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.
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Da alegada falta de fundamentação dos actos tributários:
Alega a Requerente que as liquidações não se encontram devidamente fundamentadas, pois, no seu juízo, as mesmas são obscuras e insuficientes, porquanto o seu conteúdo não é bastante para explicar as verdadeiras razões porque foram praticados os actos postos em crise nos autos, padecendo os mesmos da falta da adequada motivação de facto e de direito.
No que foi prontamente contrariado pela Requerida.
Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual”.
Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório e valorativo da AT.
No caso sub judice, é possível vislumbrar ao longo do relatório inspectivo um conjunto bastante descritivo e exaustivo de factos (em momento algum negados pela Requerente com recurso a prova) e, bem assim, de normas jurídicas que enquadram as correcções que foram efectuadas.
Razão pela qual entende o tribunal que o acto se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para fundamentar a prática dos actos tributários em causa nos autos.
Até porque a falta de fundamentação imputada ao mesmo, não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente sustentar e pugnar pela sua ilegalidade e consequente anulação, quer em sede de procedimento tributário, quer no presente articulado, em que imputa às liquidações um conjunto diversificado de vícios, revelando perfeito conhecimento do quadro fáctico e legal em que se estribou a AT.
Em suma, entende o tribunal que os actos tributários em causa nos autos não padecem do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhes imputa, pelo que neste ponto improcede o seu pedido.
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Da alegada falta, incongruência e insuficiência de fundamentação do relatório de inspecção tributária.
A Requerente vem alegar que a fundamentação do relatório final da inspecção tributária “não é, congruente, nem, tão-pouco clara”.
E que no caso em apreço, “a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacifica e unanimemente é dito na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida.”.
Vejamos.
A fundamentação do acto tributário, como de qualquer acto administrativo, deve ser clara (as razões de facto e de direito não podem ser confusas ou ambíguas, sob pena de não se dar a conhecer o que determinou o agente a praticar o acto ou a escolher o seu conteúdo), congruente (o conteúdo do acto tem de ter uma relação lógica com os fundamentos invocados) suficiente (por forma a tornar claros os pressupostos tidos em conta pelo autor do acto) e tem que ser expressa (neste sentido, vide o Acórdão do TCA Sul n.º 07442/14, 2.ª Secção – 2.º Juízo, datado de 05/02/2015).
Ocorre vício de falta de fundamentação do relatório da inspecção, que inquina do acto de liquidação subsequente, se aquele não permite descortinar a razão pela qual a Administração Tributária efectuou todas as correcções em causa nos presentes autos arbitrais.
Ora, in casu, todo o comportamento da Requerente ao longo do procedimento tributário, quer em sede de direito de audição, quer em sede de apresentação de Reclamação Graciosa, quer nos presentes autos arbitrais, revela que esta apreendeu perfeitamente o que lhe estava a ser imputado.
Mais;
É perfeitamente possível seguir o itinerário cognoscitivo e valorativo levado a cabo pela Requerida ao longo do relatório de inspeção tributária.
Pode-se não concordar com o mesmo, quer com os factos imputados, quer com a qualificação jurídica efectuada, mas então haverá que provar o contrário, porquanto a Requerida fez prova de que existiam indícios sérios e credíveis de que houve uma situação de omissão de rendimentos, e tendo, como fez, logrado provar isso mesmo, passa a recair sobre o sujeito passivo, ora Requerente, o ónus da materialidade daquilo que invoca nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT.
Sobre a imputação do rendimento ao último trimestre do ano, tratou-se, como explicou a Requerida, da adopção de uma medida simplificadora que em nada prejudicou a Requerente, porquanto tratou-se de tributar o imposto devido com referência ao ano a que o mesmo comprovadamente respeita, sem onerar o contribuinte com juros compensatórios devidos por atraso na liquidação considerando que se desconhece em concreto o período exacto de imposto ao qual devem ser imputados, explicação que o Tribunal considera plausível em face da prova produzida e dos circunstancialismos do caso sub judice.
Está suficientemente fundamentado o ato de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Tributária a liquidar o imposto em causa e tal sucedeu nos presentes autos.
Em suma, entende o tribunal que o relatório de inspecção tributária em causa nos autos não padece dos vícios que lhe são imputados pela Requerente, pelo que também neste ponto improcede o seu pedido.
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Do alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito
Invoca a Requerente que os valores apurados pela Requerida estão calculados em erro.
E que os rendimentos em causa ascenderiam a € 115.609,90 e não a € 136.508,20, porém, apesar de protestar juntar prova do alegado, não o fez.
A Requerida ao longo do procedimento de inspecção tributária baseou-se nos elementos contabilísticos e fiscais de que dispôs, para além das contas bancárias a que teve acesso, para, a partir de uma determinada lógica, concluir pelas correcções propostas.
Dos factos dados como provados resulta que a conta bancária do Senhor B… passou a ser movimentada como se tratasse de uma conta bancária da Requerente, e que tal passou a ser assim porque os sócios-gerentes da Requerente tinham receio de que as suas contas pessoais pudessem ser penhoradas.
Isso mesmo resulta dos factos dados como provados, em momento algum contrariados ou negados pela Requerente.
A Requerida efectuou um determinado cálculo, no qual se deduziu aos depósitos nas contas efectuados, os rendimentos declarados, quer pela Requerente, quer pelo Senhor C…, tal como por este declarado na sua declaração de impostos, para concluir, visto outros rendimentos não existirem no agregado familiar em causa, que ocorreu uma efectiva omissão de rendimentos, dada a divergência entre os montantes depositados nas contas bancárias e os rendimentos declarados.
Aqui chegados importa dizer que não deixa de causar certa impressão o facto de a Requerente em momento algum da petição arbitral lograr fornecer uma única explicação para a divergência de valores detectada pela Requerida na referida conta bancária, limitando-se a dizer que é abusivo o enquadramento efectuado pela Requerida, mas sem oferecer qualquer, repita-se, qualquer, prova ou sugerindo diverso enquadramento tributário.
A Requerente, em sede de exercício de audição prévia, já tinha vindo a dizer que parte dos montantes depositados na conta bancária dizem respeito ao pagamento efectuado ao Senhor C… pelo facto de este ter ministrado aulas de explicação de matemática a vários alunos do ensino pré universitário e universitário, mas sem concretizar que montantes, que alunos, quando teriam sido ministradas essas aulas, etc…
Aliás, é até curioso, porquanto, percorrendo o direito de audição prévia, o Senhor C… até admite ser devedor de algum montante monetário à Requerida em sede do seu IRS, mas não adiantando quanto e em que categoria de rendimento.
Assim, face à prova produzida, a Requerida considerou, na sua proposta de enquadramento tributário, que os rendimentos em falta terão de qualificar como rendimentos de capitais, por adiantamento de lucros aos sócios gerentes da Requerente, nos termos da al. h) do nº 2 do art.º 5º do CIRS, sujeitos a retenção na fonte, nos termos dos art.º 98º e 101º do CIRS, à taxa liberatória de 26,5% prevista na al. c) do nº 3 do então art.º 71º do CIRS, no que, uma vez mais, não foi contrariada com prova produzida pela Requerente, sugerindo diverso enquadramento tributário.
Sobre a imputação do rendimento ao último trimestre do ano, tratou-se, como explicou a Requerida, de uma medida simplificadora que em nada prejudicou a Requerente, porquanto tratou-se de tributar o imposto devido com referência ao ano a que o mesmo comprovadamente respeita, sem onerar o contribuinte com juros compensatórios devidos por atraso na liquidação quando se desconhece em concreto o período de imposto ao qual devem ser imputados, explicação que o Tribunal considera plausível em face da prova produzida e dos circunstancialismos do caso sub judice.
Por fim, e no que se refere à alegada responsabilidade da Requerente por valores retidos e não entregues, nos termos do disposto no artigo 28.º da LGT, trata-se, obviamente, em face dos factos dados como provados, de uma falsa questão. Nos termos do disposto no artigo 101.º do CIRS, as entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras, ou seja, considerando a prova dada como provada nos autos, e, bem assim, o enquadramento fiscal efectuado pela Requerida, não posto em causa com prova produzida pela Requerente nos presentes autos arbitrais, dúvidas não há de que é esta a devedora do imposto, porquanto foi esta que pagou os rendimentos em causa, que se qualificam como de capitais.
Decorre de todo o exposto supra que, in casu, inexiste qualquer erro sobre os pressupostos de facto e de direito improcedendo nesta parte o pedido da Requerente.
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Da alegada ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material.
Nesta sede diga-se desde já ser algo incompreensível o argumento aduzido pela Requerente.
A Requerida, ao longo do procedimento inspectivo que antecedeu a liquidação adicional ora impugnada, realizou todas as diligências que considerou necessárias para o apuramento dia situação fiscal da Requerente, nomeadamente, através do cruzamento de informações e da cooperação de entidades terceiras.
O que resulta provado dos presentes autos arbitrais é a falta (confrangedora, diga-se) de prova produzida pela Requerente, que até acabou por nem sequer responder à notificação do Tribunal para vir aos autos indicar os factos sobre os quais pretendia a produção de prova testemunhal por si inicialmente requerida.
Resultou do exercício do direito de audição e da Reclamação Graciosa apresentada, como resulta dos presentes autos, que a Requerente não trouxe à colação qualquer meio probatório que possa sustentar a sua argumentação, nem indica quais os meios probatórios que a Requerida poderia recorrer para demonstrar as suas alegações.
Ora aqui adere-se à posição da Requerida, quando diz que o Princípio do Inquisitório não pode ter um alcance tão alargado que substitua completamente as obrigações que recaem sobre os contribuintes, nomeadamente, a de apresentarem os documentos necessários a demonstrar a sua pretensão, nos termos do art.º 74º da LGT, pois não seria proporcional obrigar a AT a realizar diligências que face ao alegado, sempre estariam na disponibilidade da Requerente, tanto mais que só esta saberia efectivamente o que meios poderiam indiciar as suas alegações, que manifestamente não encontram qualquer suporte.
Não podendo assim, ser assacado ao acto tributário o vício de ilegalidade por violação do princípio do inquisitório e da prossecução da verdade material, improcedendo, também aqui, o pedido da Requerente.
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Da alegada ilegalidade da liquidação de juros compensatórios e, bem assim, da própria decisão proferida sobre a Reclamação Graciosa apresentada.
Quanto à liquidação de juros compensatórios, considera a Requerente que como não consta da mesma qualquer menção aos motivos essenciais pelos quais tais juros foram liquidados, e considerando, igualmente, que inexistiu notificação para o exercício do direito de audição prévia, deverá a referida liquidação ser anulada por preterição de formalidade essencial e, bem, assim, por falta de fundamentação.
E também aqui falece de razão.
Quanto à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, esta decorre das correcções efectuadas pela Requerida, em que a Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo-lhe imputável o retardamento na entrega do imposto, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 35º da LGT.
Quanto à alegada falta de notificação para o direito da audição prévia, o mesmo não tinha de existir, porquanto já tinha existido em sede de relatório de inspecção tributário, tendo a Requerente, aliás, exercido este direito.
Ora, tendo a AT ouvido a Requerente relativamente ao imposto donde provém a liquidação de juros compensatórios, já não é legalmente exigível que proceda a nova audição de forma autónoma e distinta.
Pelo que se concluí pela improcedência do pedido.
Por fim, quanto à suposta ilegalidade da própria decisão proferida sobre a Reclamação Graciosa apresentada, não colhe o argumento da Requerente, porquanto uma simples análise à decisão sobre a Reclamação Graciosa apresentada permite concluir precisamente o contrário do invocado pela Requerente.
Pelo que também aqui improcede o pedido.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado.
* * *
Fixa-se o valor do processo em Euro 40.400,56, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 297.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euro 2.142,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerente, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 17 de Outubro de 2017.
O Árbitro,
Dr. Henrique Nogueira Nunes
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.