Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 763/2016-T
Data da decisão: 2017-09-27  IRC  
Valor do pedido: € 643.805,04
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos - Justo valor - Gastos capitalizáveis
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Decisão Arbitral

 

            Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Filipa Correia Pinto e Dr. Henrique Fiúza (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 01-03-2017, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

           

            A…, S.A., NIPC…, com sede na …–…, …, … - ……, doravante designada por “Requerente”, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”) e do artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de tribunal arbitral para pronúncia arbitral sobre a ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos tributários:

a) Liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2015…, de 09-11-2015, e consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.ºs 2015…, de 11-11-2015 e n.º 2015…, de 11-11-2015, e de acerto de contas n.º 2015…, de 11-11-2015, todos relativos ao exercício de 2011;

b) Liquidação adicional de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, e consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, de 12-11-2015, e de acerto de contas n.º 2015…, de 12-11-2015, todos referentes ao exercício de 2012;

c) Liquidação adicional de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, e consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, de 13-11-2015, e de acerto de contas n.º 2015…, de 13-11-2015, todos respeitantes ao exercício de 2013;

d) Liquidação adicional de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, e consequentes actos de liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, de 16-11-2015, e de acerto de contas n.º 2015…, de 16-11-2015, todos relativos ao exercício de 2014;

e) Anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que os manteve.

 

            É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 02-01-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 14-02-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 01-03-2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Em 29-05-2017 e 09-06-2017 realizaram-se reuniões em que foram inquiridas testemunhas e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. A Requerente, A… SA foi fundada em 1978, e é detida em 79,97% pela empresa B… SA, com sede em Espanha, inserindo-se no grupo multinacional C… fundando na Alemanha em 1924 e cujo centro de decisões se encontrava, nos períodos de 2011 a 2014, na Holanda através da sociedade D… (NIF NL…)
  2. A participação de capital nacional é assegurada pela sociedade E… SGPS SA, que pertence à família do empresário F…, detendo este uma participação de 50% no capital daquela SGPS e os dois filhos possuíam uma participação equitativa de 25% até finais 2012;
  3. A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspetiva externa de âmbito geral aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, e de âmbito parcial (IRC) ao exercício de 2014, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) da Direção de Finanças de…, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI2014… e OI2015…, por a Requerente ter efectuado (i) comunicação mensal regular de abates de inventários e (ii) variações patrimoniais negativas na modelo 22 de IRC de montantes elevados;
  4. Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária cuja cópia consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que foram efectuadas, em sede de IRC, as correcções que se resumem no quadro seguinte:

 

  1. No Relatório da Inspecção Tributária refere-se, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

(...)

III.2. EM SEDE DE IRC - MATÉRIA COLECTÁVEL

III.2.1. Ajustamentos de transição POC/SNC sem relevância fiscal

A aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), através do DL n.º 158/2009, de 13 de julho, introduziu um novo normativo contabilístico nacional e revogou o Plano Oficial de Contabilidade (POC). A transição POC/SNC contemplou um conjunto de ajustamentos de transição, relacionados com o reconhecimento, desreconhecimento, alteração de mensuração e reclassificação de elementos do balanço, suscetíveis de gerarem impacto no capital próprio (em regra, em resultados transitados).

Estes ajustamentos de transição decorrem das divergências de critérios de mensuração e de políticas de reconhecimento do SNC face ao regime anterior. As diferenças introduzidas no normativo contabilístico com a aprovação do SNC obrigaram ao apuramento de ajustamentos sobre a contabilidade efetuada em POC, para que em 1 de janeiro de 2010 se obtivesse um balanço (saldos iniciais) de acordo com o novo normativo, conforme Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 3 - Adoção pela primeira vez das NCRF.

Ora, alguns desses ajustamentos podem ser classificados como "fiscalmente relevantes". Se o forem, esse impacto, ocorrido em termos contabilísticos no período de transição (2010), é abrangido por um regime transitório, que diluirá o seu efeito, em termos fiscais, por cinco períodos de tributação (2010 a 2014), conforme decorre dos n.º 1 e 5 do artigo 5º do DL n.º 159/2009. Relativamente à interpretação do artigo 5" do DL n.º 159/2009, foi sancionado entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira mediante a emissão da Circular n.º 7/2011, esclarecendo, entre outras coisas, o que se entendia por "ajustamentos fiscalmente relevantes". Segundo a Circular n.º 7/2011:

"as variações nos capitais próprios que resultarem, nomeadamente, do reconhecimento, ou não, de ativos ou passivos, bem como das alterações da sua mensuração, só devem ser relevantes para efeitos fiscais na medida em que os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente".

Os ajustamentos de transição POC/SNC de natureza Contabilística apenas têm enquadramento no regime transitório do artigo 5º do DL n.º 159/2009, tendo por isso implicações fiscais, se decorrerem do reconhecimento, desreconhecimento ou alteração de mensuração de itens cuja natureza tenha aceitação fiscal no âmbito do novo CIRC. Contudo, ocorreram casos mais complexos que não são de interpretação tão direta como a referida.

Ora, o sujeito passivo A…, aquando dos procedimentos de transição POC/SNC, apurou três situações que geraram ajustamentos contabilísticos com impacto nos capitais próprios, nomeadamente:

Desta forma, pelo reconhecimento de um novo passivo (provisão) e pelo desreconhecimento dos dois ativos (incorpóreo e custo diferido) foi gerado um impacto negativo em conta de capital próprio ("SNC 562 Resultados Transitados - Conversão SNC") no montante global de 1.998.952,03 euros.

Em termos de quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, nos períodos de 2010 a 2014, o sujeito passivo inscreveu, no campo 705 "Variações patrimoniais negativas - regime transitório", o montante de 432.374,44 euros que decorre da diluição por cinco períodos do impacto negativo nos capitais próprios acima referido (-1.998.952,03 euros) e ainda da inclusão, no âmbito do regime transitório, da "provisão para aplicações de tesouraria" existente a 31 de dezembro de 2009 com saldo de 162.920,16 euros, conforme quadro seguinte:

 

Importa agora aferir a aceitação fiscal, ou não, do enquadramento de tais operações no âmbito do regime transitório do artigo 5.º do DL n.º 159/2009.

a) Desreconhecimento de imobilizado incorpóreo

O sujeito passivo procedeu ao desreconhecimento de ativos classificados em POC como imobilizado incorpóreo (despesas de desenvolvimento), com um valor líquido contabilístico a 31 de dezembro de 2009 de 12.037,07 euros. Este procedimento de transição tem subjacente o facto do normativo contabilístico vigente em SNC (NCRF 6 - Ativos intangíveis) não qualificar tais elementos como capitalizáveis, sendo considerados como gastos do período em que são incorridos.

Este ajustamento de transição gerou um impacto negativo em capitais próprios. Tal ajustamento é considerado como relevante fiscalmente, influenciando o apuramento do lucro tributável do período de 2010 e dos quatro períodos seguintes, uma vez que, em termos fiscais, o CIRC não dispõe de forma diferente face ao estipulado no normativo contabilístico SNC.

b) Reconhecimento de provisão para garantias a clientes

A A… dedica-se à venda de eletrodomésticos sujeitos à prestação de garantias durante dois anos, nos termos da legislação em vigor, incorrendo em gastos com as reparações/substituições efetuadas.

A 31 de dezembro de 2009, o sujeito passivo não tinha registado qualquer dotação de provisão para fazer face a tais encargos em períodos futuros. Aquando da transição POC/SNC, o sujeito passivo procedeu à constituição de provisão para garantias a clientes no valor de 732.357,41 euros, gerando um consequente impacto negativo em capitais próprios.

Ora, nos termos da NCRF 21 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, uma provisão é um passivo de tempestividade e quantia incerta, pelo que corresponderá a uma obrigação presente, que teria de existir a 31 de dezembro de 2009 (ou a 1 de janeiro de 2010), proveniente de acontecimentos passados (as vendas de produtos com garantia efetuadas até 31 de dezembro de 2009), cuja liquidação da obrigação (reposição das condições dos artigos) implica um exfluxo de recursos (gastos incorridos com a reparação dos artigos). Á quantia da obrigação teve de ser estimada, devido à incerteza associada a este passivo, tendo a A… recorrido ao critério fiscal previsto no n.º 5 do artigo 39.º do CIRC. Segundo tal regra fiscal:

"o montante anual da provisão para garantias a clientes a que refere a alínea b) do n.º 1 é determinado pela aplicação às vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas no período de tributação de uma percentagem que não pode ser superior à que resulta da proporção entre a soma dos encargos derivados de garantias a clientes efetivamente suportados nos últimos três períodos de tributação e a soma das vendas e prestações de serviços sujeitas a garantia efetuadas nos mesmos períodos".

Nesse sentido, o sujeito passivo apurou a referida percentagem nos seguintes termos:

Os custos com garantias correspondem aos encargos suportados pela A… com a subcontratação de empresas especializadas na prestação de serviços de reparação de eletrodomésticos, sendo que os valores considerados para efeitos de apuramento dos limites anuais previstos na legislação fiscal são obtidos dos registos na conta "SNC 621 Subcontratos" associados ao centro de custo SAT (Serviço de Assistência Técnica).

Para efeitos de mensuração da dotação da provisão para garantias a clientes a 31 de dezembro de 2009, foi então utilizada a percentagem de 2,06% sobre as vendas do período de 2009 sujeitas a garantia, ou seja, 35.523.163,72 euros x 2,06% = 732.357,41 euros.

O sujeito passivo considerou o ajustamento de transição associado à constituição da referida provisão, o qual gerou um impacto negativo nos capitais próprios, como fiscalmente relevante, na medida em que o qualificou para efeitos de diluição pelos cinco períodos do regime transitório (2010 a 2014) no campo das "variações patrimoniais negativas - regime transitório" (campo 705).

Contudo, a aceitação da inclusão de tal ajustamento de transição no âmbito do regime transitório do artigo 5.º do DL n.º 159/2009 implicaria, em termos fiscais, que se estivesse agora a aceitar nos períodos de 2010 a 2014 um gasto, para efeitos de determinação do lucro tributável, relativo a períodos de tributação anteriores a 2010. Ora, uma vez que a aceitação fiscal de provisões para garantias a clientes apenas passou a estar prevista com a entrada em vigor do DL n.º 159/2009, o qual alterou o CIRC face à introdução do SNC, não será de considerar como fiscalmente relevante tal ajustamento de transição.

Neste sentido de interpretação, veja-se o referido na Circular n.º 8/2010, que apesar de respeitar aos "contratos de construção" também inclui a temática das "provisões para garantias a clientes", na qual se estipula que:

"(...) caso os sujeitos passivos, à data da transição para os novos normativos contabilísticos, tenham contabilizado a provisão para garantias a clientes, assumindo que se tratava de uma alteração de política contabilística (aplicando-a retrospetivamente), a quantia acumulada - registada a débito de resultados transitados constitui uma variação patrimonial negativa que não pode concorrer negativamente para a formação do lucro tributável. Isto porque nos períodos de tributação anteriores a 2010 tal provisão não estava prevista no CIRC".

Por outro lado, o regime transitório previsto nos n.º 1 e 5 do artigo 5.º do DL n.º 159/2009 é circunscrito apenas aos "efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção, pela primeira vez" do novo normativo contabilístico, ou seja, têm de respeitar a alterações decorrentes de políticas contabilísticas em SNC diferentes daquelas que vigoravam em POC. Ora, a norma internacional de contabilidade IAS 37 - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, de aplicação supletiva no âmbito do POC por via da Diretriz Contabilista n.º 18, já previa o reconhecimento de tal tipo de provisão, de igual forma prevista na atual NCRF 21. Assim, a inexistência de provisão constituída em POC a 31 dezembro de 2009 revela apenas a constatação de um erro praticado na contabilidade em POC, sendo que o ajustamento de transição tendente a corrigir tal erro nunca poderia ser considerado, por isso mesmo, como uma alteração de política, logo tal ajuste não é enquadrável no âmbito do regime transitório do artigo 5.º do DL n.º 159/2009.

Desta forma, não se poderá aceitar que o montante anual de 146.471,48 euros, correspondente à diluição do impacto negativo de 732.357,41 euros pelos cinco períodos do regime transitório, influencie a determinação do lucro tributável dos períodos incluídos no presente procedimento inspetivo (2011, 2012, 2013 e 2014).

c) Desreconhecimento de custos diferidos associados a indemnização a distribuidores

Em 23 de setembro de 2004, o sujeito passivo celebrou dois acordos de revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade, que vigoravam com as entidades G… e H… . A G… detinha o exclusivo da distribuição no distrito de … e alguns concelhos limítrofes e a H… atuava com exclusividade na área da Grande Lisboa, conforme contratos de rescisão em Anexo 6.

Para poder quebrar tais contratos de exclusividade, a A… teve de suportar um conjunto de encargos, a título de indemnização, os quais foram considerados como imputáveis "aos custos sistematicamente por um período de 10 anos", conforme explica na nota 4 do Anexo às demonstrações financeiras de 2010. Ora, o sujeito passivo procedeu ao reconhecimento de "custos diferidos", sendo que em 31 de dezembro de 2009 o saldo devedor de tal conta do ativo ("POC 272") ascendia ainda a 1.254.557,55 euros, correspondentes ao montante que ainda faltaria diluir pelo período remanescente face ao tempo de 10 anos previamente estipulado.

No decurso do procedimento inspetivo, tentou-se obter justificativos para o valor das indemnizações atribuídas e para o período de tempo estipulado para diluir tais encargos. Foi apresentado o contrato em Anexo 6 para sustentar os valores em causa, ainda que não se consiga deduzir dos mesmos qualquer suporte ao cálculo dos montantes. Ou seja, não existe qualquer evidência que demonstre que os valores das indemnizações pagas estejam correlacionados com a mensuração de quaisquer influxos ou exfluxos financeiros referentes a um determinado período de tempo.

Por outro lado, relativamente ao período de 10 anos definido para diferir tais encargos, foi adiantado numa fase inicial que tal decorreria do considerado adequado pelo órgão de gestão assessorado por opiniões de consultores e/ou revisor oficial de contas à data. Posteriormente, foi apresentado um aditamento ao acordo de revogação (ver Anexo 7), não datado, celebrado entre as 3 empresas envolvidas (A…, G… e H…) mas, estranhamente, apenas assinado pelos representantes da A… e da G… . Nesse aditamento foi estipulado o seguinte:

"Considerando que, a revogação do contrato de distribuição produzirá, de acordo com as estimativas efetuadas pelas partes, um impacto a título de lucros cessantes na H… e G… e de efeito contrário na A…, por um período não inferior a dez anos, acordam as partes refletir esse impacto nas respetivas contabilidades, procedendo a H… e G… à sua contabilização como um Proveito Antecipado e a A… como um Custo Diferido, sendo para o efeito considerado o prazo entre 1 de novembro de 2004 e o final de 31 de outubro de 2014, efetuando-se uma afetação anual de valor constante, sendo o valor a imputar aos anos de 2004 e 2014, proporcional ao número de meses abrangidos".

Importa referir que o prazo de dez anos utilizado pela A… não se encontra sustentado em qualquer cláusula dos contratos de distribuição que remontarão a 1984. Os contratos celebrados entre a A… e a G… e H… não foram sequer apresentados pelo sujeito passivo, pelo que se desconhecia a existência de prévia definição da duração do referido contrato.

No decurso da ação inspetiva, os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) efetuaram diligências junto da G… e da H… . No que concerne à G…, foram recolhidos elementos contabilísticos que comprovam que este sujeito passivo procedeu ao reconhecimento faseado de tal rendimento (proveito) apenas ao longo de 5 períodos, de 2004 a 2009, conforme se deduz do extraio de movimentos da conta "POC 2749" (proveitos diferidos) da contabilidade da G… em Anexo 8, contrariando e denunciando incongruências com o referido aditamento ao acordo de revogação apresentado pela A… (em Anexo 7).

Por sua vez, a H… também procedeu à imputação de tal rendimento (proveito) ao longo de 5 períodos, de 2004 a 2009, conforme se deduz dos documentos remetidos pela empresa (ver Anexo I).

Assim, o tratamento contabilístico efetuado pela G… e pela H… põe em crise a veracidade do aditamento ao acordo de revogação (ver Anexo 7) apresentado pela A… para sustentar a diluição de tal gasto pelos 10 anos invocados. Recorde-se que tal acordo de revogação, que não se encontra datado, teria sido celebrado entre as 3 empresas envolvidas (A…, G… e H…) mas apenas assinado pelos representantes da A… e da G… .

Por outro lado, segundo a legislação em vigor em sede de IRC anterior ao DL n.º 159/2009, as Indemnizações por lucros cessantes consideram-se proveitos do exercício em que são recebidas, nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC, à data, que estipulava:

"Consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza, em consequência de uma ação normal ou ocasional, básica ou meramente acessória, designadamente os resultantes de: g) indemnizações auferidas, seja a que título for".

Ou seja, é o momento em que a indemnização é auferida (recebida) que determina a sua tributação, seguindo o princípio da realização.

Desta forma, uma vez que os valores atribuídos pela A… à G… e à H… foram pagos em 2004 e 2005, conforme se atestou pelos comprovativos dos meios de pagamento recolhidos durante a ação inspetiva (ver Anexo 10) tais proveitos deveriam ter sido tributados, na esfera da G… e da H…, nos períodos de tributação de 2004 e 2005 e não diluídos pelos períodos de 2004 a 2009, conforme fizeram a G… e a H… . Por sua vez, a A… diluiu tal gasto com as indemnizações por um período de 10 anos.

Ora, ainda em POC tal dispêndio nunca deveria ter sido capitalizado como um ativo (custo diferido), por não cumprir com a definição de ativo em vigor nos normativos contabilísticos internacionais emanados pelo Internation Accounting Standards Board (IASB), por aplicação supletiva prevista na Diretriz Contabilística n.º 18. Segundo a estrutura concetual do IASB um ativo é "um recurso controlado pela empresa como resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam para a empresa benefícios económicos futuros" (sublinhado nosso).

Na verdade, a A… não possuía qualquer controlo sobre os benefícios que poderiam advir para a entidade. O controlo existe quando uma entidade tem o poder de obter benefícios económicos futuros de um recurso relacionado e de restringir o acesso de outros a esses benefícios. Ora, a A… não poderia assegurar que a atribuição de uma área geográfica lhe permitia garantir, por si só, o influxo de benefícios económicos futuros e impedir o acesso a esses benefícios a outros concorrentes (fabricantes e distribuidores de eletrodomésticos das mais variadas marcas).

A própria contabilização, efetuada pelo sujeito passivo, na conta "POC 272 Custos Diferidos" não cumpre com as notas explicativas previstas no ponto 12 do Plano Oficial de Contas em vigor até 31 de dezembro de 2009, no qual se estipula que tal conta "compreende os custos que devam ser reconhecidos nos exercícios seguintes", acrescentando que "a quota-parte dos diferimentos incluídos nesta conta que for atribuída a cada exercício irá afetar diretamente a respetiva conta de custos". Na verdade, o sujeito passivo não tinha qualquer forma de determinar com fiabilidade e rigor o número de exercícios pelos quais diluiria tal custo diferido. E assim é que existiu um tratamento contabilístico diferenciado, em termos de período temporal, entre a A… (10 anos) e os beneficiários G… e H… (5 anos).

Por outro lado, a eventual qualificação como imobilizado incorpóreo (conta "POC 433 Propriedade industrial e outros direitos") também não cumpriria a definição de ativo intangível prevista no §10 da norma internacional de contabilidade IAS 38 - Intangíveis, de aplicação supletiva no âmbito do POC por via da Diretriz Contabilística n.º 18, e de igual forma previsto na atual NCRF 6 - Ativos Intangíveis. Tais normativos dispõem que a definição de um ativo intangível exige "identificabilidade, controlo sobre um recurso e a existência de benefícios económicos futuros" (sublinhado nosso).

Os pagamentos à G… e à H…, a título de aquisição de direitos sobre a distribuição exclusiva nas áreas geográficas em questão, poderiam equiparar-se à aquisição de urna carteira de clientes. Mas segundo o §16 da IAS 38, de aplicação supletiva na vigência do POC, "na ausência de direitos legais para proteger, ou de outras formas controlar, o relacionamento com clientes ou a sua fidelidade para com a entidade, a entidade geralmente não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos esperados derivados do relacionamento e fidelização dos clientes para que tais itens (por exemplo, carteira de clientes, quotas de mercado, relacionamento com clientes e fidelidade dos clientes) satisfaçam a definição de ativos intangíveis" (de igual forma nos termos do §16 da NCRF 6). Deste modo, tais dispêndios nunca poderiam ser capitalizados.

Por outro lado, segundo o §89 da IAS 38, e de igual forma previsto na atual NCRF 6, "a contabilização de um ativo intangível baseia-se na sua vida útil. Um ativo intangível com uma vida útil finita é amortizado, e um ativo intangível com uma vida útil indefinida não o é", acrescentando-se no §107 da IAS 38 e da NCRF 6 que "um ativo intangível com uma vida útil indefinida não deve ser amortizado".

De igual modo, em termos fiscais, tal tipo de ativos não eram depreciáveis (e continuaram a não ser com a publicação do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho e do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro), uma vez que a utilização exclusiva não estava reconhecida por um período limitado de tempo, conforme obrigava o n.º 1 e a alínea c) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de janeiro (de forma idêntica no artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro):

"1. Os elementos do ativo imobilizado incorpóreo são amortizáveis quando sujeitos a deperecimento, designadamente por terem uma vigência temporal limitada.

2. São amortizáveis os seguintes elementos do ativo imobilizado incorpóreo: (...) c) Elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de fabrico, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo" (sublinhado nosso).

ou pela proibição taxativa prevista na alínea b) do n.º 3 do mesmo artigo (de forma idêntica no artigo 16.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro):

"Exceto em caso de deperecimento efetivo devidamente comprovado, reconhecido pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, não são amortizáveis os seguintes elementos do ativo imobilizado incorpóreo: b) Elementos mencionados na alínea c) do número anterior quando não se verifiquem as condições aí referidas".

Acresce o facto de persistir, à data do presente relatório, um acordo de exclusividade com a firma I…, para a zona norte, equivalente ao que foi celebrado com a G… e H…, o que denota bem o poder e interesse deste na manutenção de tal regime exclusivo naquela área de distribuição. Ora, após pedido de esclarecimentos da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à empresa I…, esta afirmou que "não existe contrato formalizado", embora o acordo de distribuição exclusiva exista "a partir de 1984 (...) não tendo prazo de validade" (ver documentos em Anexo 11).

Assim, é possível afirmar que não existiu qualquer definição de prazo nos contratos iniciais celebrados em 1984, com a G…, H… e I… (ver Anexo 121) o que tornava o direito à exclusividade eterno e poderia qualificar a operação como aquisição de direito/licença, mas sem qualquer quantia depreciável por inexistência de vida útil definida.

Desta forma, o desreconhecimento efetuado pela A… não poderá ser qualificado como relevante fiscalmente, para efeitos do regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009, porque, ou:

• as indemnizações deveriam ter sido contabilizadas como gasto integral dos períodos em que foram pagas (2004 e 2005), por não respeitarem os critérios de reconhecimento de ativos, e assim não subsistiria qualquer ativo em POC a 31 de dezembro de 2009. Deste modo, não existiria qualquer impacto ao nível dos resultados transitados e o montante de 1.254.557,55 euros nunca influenciaria o lucro tributável dos períodos de 2010 a 2014;

• ou, ainda que fosse classificado como um ativo (custo diferido ou imobilizado incorpóreo) nunca se qualificaria sequer como um ativo depreciável gerador de gastos, quer em termos contabilísticos, quer fiscais, fosse antes ou depois da introdução do SNC e da consequente alteração da legislação tributária. E deste modo, afastar-se-ia a relevância fiscal do procedimento de transição, pelo que também o montante de 1.254.557,55 euros nunca seria diluído pelos períodos de 2010 a 2014.

Acresce, ainda, que o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009 apenas contempla os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção pela primeira vez do novo normativo contabilístico, pelo que têm obrigatoriamente de decorrer de uma alteração de política contabilista entre POC e SNC, afastando por completo, desta forma, qualquer reconhecimento, desreconhecimento ou alteração de mensuração decorrente de erros praticados na vigência do anterior regime normativo, conforme estipula também o §16 da NCRF 3 - Adoção pela primeira vez das NCRF ("Caso uma entidade dê conta de erros cometidos segundo os PCGA anteriores, as reconciliações exigidas nos parágrafos 14 (a) a 14 (b) devem distinguir entre correção desses erros e alterações às políticas contabilísticas").

Ora, na verdade, não existiu qualquer mudança de política contabilística entre o POC e o SNC, relativamente à contabilização de tal tipo de operação, não existindo diferenças de tratamento entre os dois normativos, pelo que a existirem ajustamentos na transição os mesmos teriam, obrigatoriamente, de decorrer de erros contabilísticos praticados na vigência do POC com reflexo nos saldos do balanço a 31 de dezembro de 2009.

Acresce, por fim, que o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto ao que considera "ajustamentos fiscalmente relevantes" é perentório na Circular n.º 7/2011:

"as variações nos capitais próprios que resultarem, nomeadamente, do reconhecimento, ou não, de ativos ou passivos, bem com das alterações da sua mensuração, só devem ser relevantes para efeitos fiscais na medida em que os gastos, os rendimentos e as variações patrimoniais que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente" (sublinhado nosso).

Assim, uma vez que, ainda que subsistisse um ativo a 31 de dezembro de 2009, o mesmo não seria depreciável, nem o era anteriormente, não se cumpre a exigência "que os gastos (...) que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente" (sublinhado nosso).

d) Enquadramento de provisão para aplicações de tesouraria no regime transitório

O sujeito passivo A… procedeu à inclusão, no âmbito do regime transitório, da "provisão para aplicações de tesouraria" existente a 31 de dezembro de 2009 com saldo de 162,920,16 euros, conforme quadro seguinte:

A provisão (designação em POC) em causa respeita à desvalorização do valor de ações cotadas em bolsa referentes às entidades RR…, QQ… e PP… .

 

A referida provisão estava constituída em POC, a 31 de dezembro de 2009, na conta "POC 19 Provisões para Aplicações de Tesouraria", pelo montante de 162.920,16 euros. O montante da provisão corresponde à diferença entre o custo de aquisição das ações e o preço de mercado das mesmas, sendo que este era inferior naquela data.

Ou seja, em termos de procedimentos de transição, o sujeito passivo limitou-se a efetuar uma reclassificação de itens contabilísticos, não existindo qualquer ajustamento de transição que implicasse impacto em capitais próprios, uma vez que a política contabilística seguida pela empresa na vigência do POC é a mesma que a imposta pelo normativo SNC, ou seja, o ativo em questão (ações cotadas em bolsa) tem de estar mensurado ao seu justo valor (valor de mercado), nos termos da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros.

Ou seja, em POC, a 31 de dezembro de 2009, o ativo líquido ascendia a 23.996,87 euros, conforme quadro seguinte:

A 01 de janeiro de 2010, o mesmo ativo evidenciava uma quantia escriturada de 23.996,87 euros, conforme quadro seguinte:

Ou seja, na transição POC/SNC apenas ocorreram reclassificações perante a alteração da estrutura do plano de contas. Deste modo, não foram efetuados quaisquer ajustamentos de transição com impacto em capitais próprios.

Ora, segundo os n.º 1 e 5 do artigo 5.º do DL n.º 159/2009, os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção pela primeira vez do SNC, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC e respetiva legislação complementar, resultantes:

o do reconhecimento,

• do não reconhecimento de ativos ou passivos (desreconhecimento),

• de alterações na respetiva mensuração,

concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

Assim, face à redação do artigo 5.º do DL n.º 159/2009, apenas os ajustamentos de transição com efeitos nos capitais próprios poderiam concorrer para o regime transitório, não contemplando os decorrentes de meras reclassificações de contas.

Contudo, atendendo à doutrina emanada em várias instruções e informações dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), foi entendido aceitar 50% do montante inerente às reduções de justo valor, estivessem já contabilizadas em POC (conta 19 Provisões para Aplicação de Tesouraria — conforme ocorreu na A…) ou fossem apenas registadas na transição com impacto nos capitais próprios.

Esta posição tem sido defendida com base no facto do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC estabelecer que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social (redação anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

E por outro lado, pelo preconizado no n.º 3 do artigo 45.º do CIRC (redação anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), que no caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, estabelece que "(...) outras perdas ... relativas a partes de capital, (...) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor". A expressão "bem como outras perdas (...) relativas a partes de capital" usada pelo legislador na segunda parte do n.º 3 do art.º 45.º do CIRC não se aplica apenas às perdas resultantes de transmissão onerosa, abarcando também as perdas resultantes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros enquadráveis na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

Assim, sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido n.º 3 do artigo 45.º do CIRC em apenas 50% do seu valor.

Desta forma, não se poderá aceitar que o montante anual de 32.584,03 euros, correspondente à diluição do saldo credor da provisão de 162.920,16 euros pelos cinco períodos do regime transitório, influencie a determinação do lucro tributável dos períodos incluídos no presente procedimento inspetivo (2011, 2012, 2013 e 2014), sendo que apenas 50% daquele montante poderá relevar em sede de IRC.

e) Resumo das correções associadas ao regime transitório aplicável aos ajustamentos de transição POC/SNC

Face ao exposto ao longo do ponto 111.2.1, a fls. 19, importa agora resumir a correção proposta ao campo 705 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014:

 

•Relativamente à provisão para aplicações financeiras, apenas será considerado relevante fiscalmente 50% (81.460,08 euros) de tais perdas, em vez dos 100% (162.920,16 euros) relevados pela A… .

•A provisão para garantias a clientes (732.357,41 euros) reconhecida na transição não é considerada como relevante fiscalmente.

• O desreconhecimento do ativo intangível (12.037,07 euros) é aceite como relevante fiscalmente.

•O desreconhecimento do custo diferido associado às indemnizações pagas a distribuidores (1.254.557,55 euros) não é considerada como relevante fiscalmente.

Assim, nos termos do artigo 5.º do DL n.º 159/2009, importa que o sujeito passivo proceda à redução em 413.675,01 euros ao valor inscrito no campo 705 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014, passando a inscrever apenas o montante de 18.699,43 euros a título de variação patrimonial negativa em cada um daqueles períodos.

III.2.2. Ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros

Segundo a NCRF 27 - Instrumentos Financeiros, os investimentos em instrumentos de capital próprio com cotações divulgadas publicamente devem ser mensurados ao justo valor através de resultados.

No decurso dos períodos de 2011 e 2012, o sujeito passivo procedeu à contabilização de perdas por redução de justo valor em instrumentos financeiros detidos para negociação registados na conta "SNC 14", conforme quadros seguintes:

Em 2011 e 2012, foram registados perdas na conta "SNC 66 Perdas por Redução de Justo Valor" nos montantes de 8.822,80 euros e 1.600,80 euros, respetivamente. Já no período de 2013, foi registado um ganho por aumento de justo valor na conta "SNC 77", no montante de 3.054,61 euros.

Ora, conforme vimos no ponto 111.2.1, a fls. 19, na vertente dos ajustamentos de transição associados a instrumentos financeiros, estas perdas por redução de justo valor apenas poderão ser aceites fiscalmente em 50% do seu montante.

Conforme referido, o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC estabelece que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social (redação anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro).

Por sua vez, o n.º 3 do artigo 45.º, em vigor nos períodos em análise, limita a aceitação fiscal de tais perdas por redução de justo valor a 50%, uma vez que estabelece que "(...) outras perdas (...) relativas a partes de capital, (...) concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor". A expressão "bem como outras perdas (...) relativas a partes de capital" usada pelo legislador na segunda parte do n.º 3 do art.º 45.º do CIRC não se aplica apenas às perdas resultantes de transmissão onerosa, abarcando também as perdas resultantes da aplicação do justo valor aos instrumentos financeiros enquadráveis na alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º do CIRC.

Assim, sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, em apenas 50% do seu valor, conforme quadro seguinte:

Ora, o sujeito passivo não procedeu a qualquer correção, relativamente a esta temática, no quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, aquando do apuramento do lucro tributável dos períodos de 2011 e 2012. Deste modo, nos termos dos artigos 18.º e 45.º do CIRC, em vigor à data dos factos, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo dos montantes de 4.411,40 euros e 800,40 euros ao campo 737 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de 2011 e 2012, respetivamente.

III.2.3. Gastos não aceites fiscalmente - gastos capitalizáveis

Nos termos do n.º 3 do artigo 17." do CIRC, "de modo a permitir o apuramento referido no n.º 1 (lucro tributável), a contabilidade deve: a) estar organizada de acordo com a normalização contabilística (...)". Ora, nos períodos de 2011 a 2013, o sujeito passivo incorreu em gastos diversos, conforme documentos em Anexo A em suporte CD, relativos a faturas de aquisição de bens e serviços que integram claramente a definição de ativo fixo tangível e que, como tal, deveriam ter sido capitalizados e incluídos nos códigos constantes do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro.

Os referidos gastos foram contabilizados em subcontas da conta "SNC 62 Fornecimentos e Serviços Externos", quando as aquisições de bens e serviços determinariam a capitalização de tais gastos como parte do ativo fixo tangível, nos termos da NCRF 7 - Ativos Fixos Tangíveis, pela natureza dos itens em causa e também devido aos montantes associados. Nos termos do §6 da NCRF 7, "ativos fixos tangíveis: são itens tangíveis que: a) sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e b) se espera que sejam usados durante mais do que um período".

Por outro lado, o § 8 da NCRF 7 estipula que "os sobressalentes principais e equipamento de reserva classificam-se como ativos fixos tangíveis quando uma entidade espera usá-los durante mais do que um período. Da mesma forma, se os sobressalentes e os equipamentos de serviço puderem ser utilizados em ligação com um item do ativo fixo tangível, eles são contabilizados como ativo fixo tangível".

Acresce que, conforme §11 da NCRF 7 "podem ser considerados no ativo por uma só quantidade e quantia fixa, os itens imobilizados que, no seu conjunto, satisfaçam simultaneamente as seguintes condições: a) sejam renovados frequentemente; b) representem, bem a bem, uma quantia imaterial para a entidade; c) tenham uma vida útil não superior a três anos".

Assim, o sujeito passivo deveria ter capitalizado e não considerado como gasto do período os seguintes itens:

• Os gastos com ferramentas e utensílios (extrusão, cnc, sistemas de injeção, engrenagens, módulos conversores e módulos de potência, ...) adquiridos a vários fornecedores são enquadráveis no código "1070 Ferramentas e utensílios de uso específico" da tabela l do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto para o grupo 11 onde se inserem "outras indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material elétrico".

• Os gastos com moldes são enquadráveis no código "1065 Moldes" da tabela l do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto para o grupo 11 onde se inserem "outras indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material elétrico".

• Os gastos com a remodelação do showroom são enquadráveis no código "2186 Espaços expositivos" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

• Os gastos com material informático são enquadráveis no código "2240 Computadores" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 3 relativo a "máquinas, aparelhos e ferramentas".

• Os gastos com material elétrico serão considerados como componente das instalações elétricas e logo enquadráveis no código "2095 Instalações de eletricidade" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

•Os gastos com execução de portão, respetivos serviços acessórios, bem como os serviços de construção civil e pintura, serão considerados como uma instalação componente do edifício e logo enquadráveis no código "2195 Instalações não especificadas" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

• Os gastos com material sanitário são enquadráveis no código "2195 Instalações não especificadas" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

• Os gastos de serviços de construção civil serão considerados como um componente do edifício e logo enquadráveis no código "2020 Edifícios Industriais" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 1 relativo a "instalações".

Nos mapas seguintes resumem-se as correções que se impõem nos períodos de 2011, 2012 e 2013:

 

Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 17º, do artigo 23.º e do artigo 29.º, todos do CIRC, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo dos valores de 68.673,54 euros, 58.114,00 euros e 68.091,83 euros ao campo 752 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013, respetivamente, por se considerar que tais gastos não são de aceitar num único período, devendo ser capitalizados e depreciados durante o período de vida útil correspondente.

III.2.4. Gastos não contabilizados aceites fiscalmente - depreciações

Face ao exposto no ponto III.2.3, a fls. 29, nos períodos de 2011, 2012 e 2013 foram considerados ser de capitalizar despesas suportadas pelo sujeito passivo e contabilizadas por este como gastos do período. Na sequência da correção proposta, relativa à capitalização de tais gastos, importa proceder, agora, à aceitação fiscal das depreciações que teriam sido praticadas, caso tal capitalização tivesse ocorrido na contabilidade.

Atendendo às taxas previstas nas tabelas l e II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, aplicável aos respetivos códigos referidos no ponto anterior (IIl.2.3, a fls. 29), e nos termos dos artigos 29.º e 30.º, ambos do CIRC em vigor à data, importa que o sujeito passivo proceda à dedução do valor de 20.453,39 euros, 35.753,81 euros, 55.542,11 euros e 38.671,29 euros no campo 775 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente, por se considerar que tais gastos não são de aceitar num único período, devendo ser capitalizados e depreciados durante o período de vida útil correspondente.

III.2.5. Gastos de períodos anteriores

Em 31 de dezembro de 2013, o sujeito passivo procedeu ao registo contabilístico de uma nota de crédito emitida ao cliente J… (Itália), no montante de 111.503,00 euros, cujo descritivo respeita a "bónus discount related to the overall safes of 2013", conforme Anexo 13.

Tal documento gerou uma redução do valor líquido das vendas do período de 2013, por via da contabilização de um desconto e abatimento em vendas na conta "SNC 718322 - Rapei - N. Crédito- P.Acab.Int.-Transmissões intracomunitárias", conforme lançamento n.º CR T3/… .

Contudo, segundo documento em Anexo 13, é possível verificar que, afinal, tal crédito ao cliente não respeita ao período de 2013, pelo que se trataria de um gasto relativo a períodos anteriores, que deveria ter sido contabilizado na conta "SNC 6881 Correções relativas a períodos anteriores", por corresponder a acerto de faturação de períodos anteriores a 2013.

Ora, segundo o n.º 2 do artigo 18.º do CIRC, "as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas". Ora, a imprevisibilidade ou desconhecimento de tais gastos não poderão ser invocadas para a operação descrita, na medida em que os acontecimentos decorrem das transações comerciais normais e contratualizadas entre a A… e o seu cliente J… .

Deste modo, nos termos do artigo 18.º, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo do montante de 111.503,00 euros ao campo 710 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2013.

III.2.6. Gastos não aceites fiscalmente – K…

Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em vigor à data dos factos, "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Nos períodos de 2011 e 2012, o sujeito passivo A… registou a contabilização de faturas relativas a supostos serviços prestados pela entidade K…, NIF…, com domicílio fiscal em … (Hungria), conforme quadro seguinte e documentos em Anexo 14:

                   

 

O sujeito passivo foi solicitado a apresentar elementos que comprovassem a natureza de tais serviços e a realização efetiva dos mesmos, conforme Anexo 15. Em resposta foi referido não se conseguir "obter nenhum documento que possa evidenciar os serviços prestados", explicando-se que se tratariam de "serviços de consultadoria prestados à antiga administração" (ver Anexo IV referindo-se ao administrador-delegado L…, conforme foi verbalmente transmitido pelo Diretor Financeiro e TOC da A… aos técnicos da Inspeção Tributária.

Ora, à data da emissão das faturas era efetivamente administrador-delegado L …, de nacionalidade espanhola e domicílio fiscal na Suíça, o qual exerceu tal cargo de administrador delegado desde 08 de julho de 2010 até 08 de novembro de 2011 conforme certidão permanente.

De realçar que as faturas emitidas pela K…corresponde em aos períodos de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2011 e de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2012, conforme descritivo inscrito nas mesmas (ver Anexo 14). Assim, uma vez que a antiga administração, nomeadamente o seu administrador delegado L…, iniciou o cargo em 08 de julho de 2011 e cessou tais funções em 08 de novembro de 2012, ficaria por explicar a razão da suposta consultadoria durante os primeiros 6 meses de 2011 e os dois últimos de 2012, ou porque não continuou a K… a prestar tal tipo de serviços à administração seguinte, se fossem deveras imprescindíveis para a atividade da A… .

Uma vez que a empresa não dispunha de quaisquer documentos que sustentassem o suporte de tais gastos, foram efetuadas pesquisas sobre o suposto prestador de serviços, tendo-se apurado em consulta de sites húngaros da internet que a empresa K… tinha sido cessada oficiosamente, o que suscitava desde logo sérias dúvidas sobre a credibilidade dos documentos emitidos por aquela sociedade.

Assim, foi enviado pedido de troca de informações às autoridades tributárias húngaras, no âmbito da cooperação administrativa prevista na Diretiva do Conselho 2011/16/EU, de 15 de fevereiro, solicitando informação sobre a natureza dos serviços prestados, para além de provas da efetiva realização dos serviços debitados à A… .

Em resposta (ver Anexo 16), a administração tributária da Hungria (Nemzeti Adó-és Vámhivatal -NAV) confirmou que a empresa K… tinha sido cessada oficiosamente ("under forced cancellation"), que já não se encontra na morada registada e que não conseguiram aceder a quaisquer documentos daquela sociedade. A NAV informou, ainda, que a empresa não possuía quaisquer empregados.

Adicionalmente, é referido que L… era membro do conselho de administração e representante da M… (M…, NIF…), durante o período de 18 de maio e 2010 a 22 de maio de 2012. Paralelamente, L… era também representante e sócio da empesa N… (NIF…), a qual também foi cessada oficiosamente. De realçar que todas as 3 empresas húngaras referidas (M…, K… e N…) têm domicilio fiscal na mesma morada (… …). Por fim é referido que nenhuma empresa húngara declarou pagamentos a L… e que este não foi submetido a qualquer tributação naquele país.

Face ao exposto, são vários os indícios que desencadeiam suspeitas sobre a prestação de serviços pela K… à A…, uma vez que:

• a empresa húngara foi cessada oficiosamente, o que denuncia irregularidades no exercício da sua atividade, porventura fictícia;

• as entidades húngaras não conseguiram aceder a documentos da sociedade, apesar do domicilio fiscal coincidir com o da empresa M…;

• a empresa húngara não possuía quaisquer empregados, o que suscita fundadas dúvidas sobre a forma como realizaria os supostos "serviços de consultadoria prestados à antiga administração" da A…;

• as empresas húngaras K… e N…, ambas com domicilio fiscal coincidente com o da M…, estão direta ou indiretamente ligadas ao anterior administrador-delegado L…, e ambas as sociedades foram cessadas oficiosamente;

• ainda que tais serviços debitados à A… estivessem associados a uma forma de pagamento, indireta, de uma remuneração adicional do administrador-delegado L…, verifica-se que as autoridades húngaras atestam que nenhuma empresa húngara declarou pagamentos a L… e que este não foi submetido a qualquer tributação naquele país.

Ora, apesar do ónus provatório sobre a indispensabilidade dos gastos não recair, em primeira instância, sobre o sujeito passivo, o mesmo é-lhe imputável se a administração tributária aluando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoletar a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, conforme defende o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 05312, de 27 de março de 2012.

Assim, competirá ao sujeito passivo "necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito (...), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados (...)" (in Acórdão TCAS, processo n.º 05312, de 27 de março de 2012).

Face ao referido, apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela K…, a indispensabilidade dos mesmos não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… .

Deste modo, perante o exposto e nos termos do artigo 23.º do CIRC, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo dos montantes de 50.004,00 euros e 150.000,00 euros ao campo 752 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de 2011 e 2012, respetivamente.

III.2.7. Gastos não aceites fiscalmente -  E… SGPS

Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em vigor à data dos factos, "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Nos períodos de 2011 e 2012, o sujeito passivo A… registou a contabilização de faturas relativas a supostos serviços prestados pela empresa participante E… SGPS, conforme quadro seguinte e documentos em Anexo 17:

 

Os descritivos das faturas respeitam a supostos serviços de prospeção de mercados, tais como Brasil, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Inglaterra. Nas referidas faturas são mencionadas peças contratuais, tais como "acordo de distribuição H/W", relativo a Moçambique, "MoU (memorandum of understanding) parceria multianual com WW…", para o mercado de Cabo Verde, sendo que para todos os serviços supostamente efetuados deveriam existir relatórios que sustentassem as diligências efetuadas pelo prestador de serviços, de forma a reportar ao contratante as atividades realizadas e os resultados alcançados. Tais relatórios, acordos e memorandos de entendimento deveriam estar, obrigatoriamente, na posse da A… .

Por outro lado, o grupo C… é uma multinacional fortemente globalizada, com presença em 33 países através das suas delegações e possui 27 fábricas repartidas pela Europa, Ásia e América, o que lhe permite comercializar os seus produtos em mais de 110 países, sendo obviamente estranho que tenha de recorrer a uma empresa nacional (E… SGPS), cujo objeto social é a mera gestão de participações sociais, para desenvolver contatos comerciais nos países em causa.

Em março de 2014, foi solicitado ao sujeito passivo a apresentação de elementos que comprovassem a natureza de tais serviços e a realização efetiva dos mesmos, conforme Anexo 18.

Em resposta foram remetidos, apenas em junho e julho de 2015, três relatórios elaborados por O…, administrador da E… SGPS, relativos a negociações introdutórias com a P… (UK), de novembro de 2012, e com distribuidores do mercado brasileiro, de março e agosto de 2012, conforme Anexo 19 e Anexo B em suporte CD, cujos conteúdos não revelam quaisquer resultados profícuos para a A…, o que desde logo suscita dúvidas sobre o mérito da remuneração associada aos valores faturados.

Por outro lado, o primeiro relatório foi enviado pela A… por mail do dia 2 de junho de 2015 (ver Anexo 18), contendo em suporte informático o ficheiro.docx designado "… _UK_Nov12.docx", referente ao reporte efetuado em 2 de novembro de 2012, por O…, relativo ao projeto P… . Contudo, a análise das propriedades do referido ficheiro, indicam que o mesmo foi criado em 21 de maio de 2015, pelas 21 horas, conforme print screen seguinte:

 

Acresce que, este relatório da P…, de 02 de novembro de 2012, identifica como destinatário ("addressees") R…, conforme Anexo 19, quando este em tal data já não se encontrava em funções na A…, tendo, inclusivamente, cessado o exercício do cargo de administrador delegado por "impedimento definitivo" em 07 de julho de 2010, conforme certidão permanente em Anexo 1.

Por sua vez, os dois relatórios relativos ao mercado do Brasil, enviados em suporte informático.pdf, por mail do dia 07 de julho de 2015, designados "… _Fev12.pdf" e "… _Ago12.pdf, respeitam aos reportes efetuados por O… em 10 de março de 2012 e 28 de agosto de 2012, conforme Anexo 19. Contudo, a análise das propriedades dos referidos ficheiros, indicam que os mesmos foram criados no próprio dia 07 de julho de 2015, um pelas 06 horas e 05 minutos e o outro passado cerca de 21 minutos, conforme print screen seguintes:



Acresce que, ambos os relatórios do Brasil, de 10 de março de 2012 e 28 de agosto de 2012, identificam como destinatários ("addressees") Q… e R…, conforme Anexo 19. Ora, relativamente a R… já se comprovou que este já não se encontrava em funções na A…, tendo, inclusivamente, cessado o exercício do cargo de administrador delegado por "impedimento definitivo" em 07 de julho de 2010, conforme certidão permanente em Anexo 1. Quanto a Q…, o mesmo apenas iniciou funções no Conselho de Administração da A… a partir de 08 de novembro de 2012, após a destituição na mesma data de L…, conforme certidão permanente em Anexo 1.

Desta forma, todos os três relatórios apresentados como elaborados por O…, durante o período de 2012, apresentam incongruências, quer quanto à data de criação dos ficheiros, quer quanto aos destinatários dos reportes, que suscitam, obviamente, sérias dúvidas quanto à autenticidade dos mesmos.

Adicionalmente, a A… enviou ficheiros com a digitalização do passaporte dos administradores da E… SGPS (ver Anexo 18 e Anexo C em suporte CD), contendo deslocações a muitos países de África, América e Ásia, onde se incluem também os países mencionados nas faturas em análise, mas que nada comprovam quanto à natureza das viagens, na medida em que podem, e algumas serão certamente, de carácter turístico.

Acresce que, segundo o n.º 1 do artigo 1.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, que institui o regime jurídico das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), estas "têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de uma atividade económica" (sublinhado nosso), acrescentando o n.º 2 do artigo 2.º do mesmo diploma que "os contratos petos quais se constituem as SGPS devem mencionar expressamente como objeto único da sociedade a gestão de participações sociais ou outras sociedades" (sublinhado nosso).

No entanto, segundo o n.º 1 do artigo 4.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, com a alteração introduzida pelo DL n.º 318/94, de 24 de dezembro, "é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações (...) ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação". Contudo, segundo o n.º 2 do artigo 4.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, com a alteração introduzida pelo DL n.º 378/98, de 27 de novembro, "a prestação de serviços deve ser objeto de contrato escrito, no qual deve ser identificada a correspondente remuneração".

Assim, o objeto social único de qualquer SGPS é necessariamente a "gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indireta do exercício da atividade económica." E ainda que lhes seja consentida a prestação de serviços técnicos às suas participadas, estes estão delimitados apenas à área de administração e gestão. Acresce que, a existir a prestação dos tais serviços permitidos, impõe-se a existência de um contrato escrito prevendo a respetiva remuneração.

Ora, os serviços supostamente prestados pela E… SGPS à A… estão completamente excluídos dos autorizados pelo regime jurídico das SGPS e não existe qualquer contrato escrito contemplando o objeto e remuneração dos mesmos.

Por outro lado, todas as despesas de deslocações e estadas apresentadas pelo administrador da E… SGPS (ver Anexo C) terão sido integralmente suportadas por si, a título particular, não existindo qualquer documento emitido em nome daquela sociedade. Aliás, no decurso da ação de fiscalização à A…, decorreu em paralelo um procedimento inspetivo à E… SGPS, também desenvolvido pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de …, não tendo sido verificada a contabilização de qualquer tipo de despesa associada a tais deslocações e estadas nos países em causa. Desta forma, não se poderá deixar de estranhar, uma vez mais, que seja a SGPS a emitir faturas de prestação de serviços de prospeção, quando na realidade não foi esta sociedade que realizou tais supostos contatos comerciais.

A tudo isto acrescem os recorrentes resultados negativos ou lucros exíguos apresentados pela SGPS, que não a inibem de poder emitir faturas relativas a serviços, que a terem existido, não foram de certeza prestados pela sociedade, mas sim, eventualmente, pelos seus administradores, a título de exercício de uma atividade em nome individual.

Face ao exposto, são vários os indícios que desencadeiam suspeitas sobre a prestação de serviços pela E… SGPS à A…, uma vez que:

• A E… SGPS é uma empresa com relações especiais com o sujeito passivo, uma vez que participa em 19,99% do capital social da A…;

• A emitente das faturas em análise, por ser uma sociedade gestora de participações sociais, está impedida, pelo seu regime jurídico, de efetuar prestações de serviços de natureza comercial associados à prospeção de mercados, conforme dispõe o artigo 1.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro;

• A prestação de serviços, apesar de não consentida, tinha de estar suportada em contrato escrito, conforme obriga o disposto no artigo 4.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, o que não se verificou pois nenhuma peça contratual foi apresentada pelas empresas intervenientes;

•O grupo C… possui uma estrutura internacional que lhe permitirá, certamente, desenvolver contatos comerciais para prospeção de mercados, sendo caricato que tenha supostamente de recorrer a uma sociedade nacional sem objeto social, nem especialização, para a prestação de tais serviços;

•Ainda que tais serviços tenham sido efetivamente prestados, questiona-se a sua imprescindibilidade para a atividade da A…, perante a sua dependência da estratégia comercial global da empresa controladora do grupo multinacional (D…BV), e na medida em que apenas se registou o débito de faturas pela E… SGPS em dezembro de 2011 e em setembro e novembro de 2012, impondo-se a dúvida do porquê não terem continuado a ser prestados tais serviços em finais de 2012 e 2013, caso se revelassem efetivamente imprescindíveis para a atividade da A…;

•Todas as despesas de deslocações e estadas foram suportadas pelos administradores da SGPS e não pela sociedade, não existindo a contabilização de qualquer gasto na E… SGPS inerente aos valores faturados à A…, conforme apurado durante procedimento à SGPS;

•O descritivo das faturas faz menção a acordos e memorandos, os quais terão sido subscritos pelas partes envolvidas nos contatos de prospeção. Contudo, quer a A…, quer a E… SGPS, não foram capazes de apresentar qualquer documento que comprovasse a existência dos mesmos;

• Os três relatórios apresentados pela A…, como elaborados pelo administrador da  E… SGPS, denunciam de forma acrescida a necessidade do sujeito passivo entregar provas inequívocas que contrariem os indícios de falta de autenticidade das faturas, perante as incoerências acima demonstradas.

Assim, apesar do ónus provatório sobre a indispensabilidade dos gastos não recair, em primeira instância, sobre o sujeito passivo, o mesmo é-lhe imputável se a administração tributária aluando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoletar a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, conforme defende o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 05312, de 27 de março de 2012.

Assim, competirá ao sujeito passivo "necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito (...), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados (...)" (in Acórdão TCAS, processo n.º 05312, de 27 de março de 2012).

Face ao referido, apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela E… SGPS, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela E… SGPS e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… .

Deste modo, perante o exposto e nos termos do artigo 23.º do CIRC, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo dos montantes de 53.500,00 euros e 119.250,00 euros ao campo 752 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2011 e 2012, respetivamente.

III.2.8. Gastos não aceites fiscalmente —S…

Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em vigor à data dos factos, "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

Nos períodos de 2011 e 2012, o sujeito passivo A… registou a contabilização de faturas relativas a supostos serviços prestados pela empresa relacionada" S…  LDA, NIF …, conforme extratos de movimentos seguintes:

 

Conforme alguns exemplos de documentos em Anexo 20, a maioria das faturas respeita a serviços de manutenção informática à infra-estrutura da rede ethernet:

 

 

Ora, a periodicidade mensal das faturas emitidas em 2011, pelo montante de 6.000,00 euros + IVA (7.380,00 euros), conforme extrato de movimentos acima, evidencia que se trata de uma avença mensal contratada entre a A… e a S…, cujo descritivo das faturas aponta para os serviços de manutenção informática atrás descritos.

A análise do conteúdo do descritivo das referidas faturas suscitou um pedido de esclarecimentos à A…, no sentido de ser apresentado o contrato de prestação de serviços celebrado com a S…, que sustentassem os débitos efetuados por esta empresa relacionada, conforme Anexo 21.

Em resposta (ver Anexo, 21), foi referido que "não existe nenhum contrato escrito relativo aos serviços que nos foram prestados pela S…" (sublinhado nosso).

Ora, perante a aparente ausência de contrato, impunha-se que o sujeito passivo comprovasse os serviços prestados por aquela entidade relacionada, nomeadamente quanto à fatura n.º 1203590, de 28-09-2012 (FS-…-…), face à existência de outras 2 faturas associadas aos documentos FS-…-… e FS-…-…, pelo que se reiterou novo pedido, conforme Anexo 21.

Na verdade, suscitam-se dúvidas sobre a razão da emissão da fatura n.º 1203590, em setembro de 2012 (FS-…-…), cujo descritivo refere "Serviço-Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura. Ethernet", quando existem outras 2 faturas (FS-…-… e FS-…-…) com o mesmo descritivo e que cobrem os meses de janeiro a dezembro de 2012.

Contudo, foi exposto o seguinte pelo Diretor Financeiro e Técnico Oficial de Contas:

"não tenho forma tangível de comprovar a realização deste serviço. Posso apenas transmitir que, em novembro de 2012 a A… efetuou a aquisição e instalação de um novo "datacenter". Esses equipamentos foram adjudicados ao fornecedor na mesma altura em que a S… nos emitiu a fatura 1203590. Essa fatura respeita ao apoio da S… na identificação de necessidades, definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema".

Ora, a "identificação de necessidades", a "definição da solução a adotar" e a "análise de propostas" devem estar sustentadas em relatórios emitidos pelo prestador de serviços, de forma a alicerçar as tais "necessidades" e os critérios e fundamentos das propostas, para além de evidenciar as análises e trabalhos efetuados. Na verdade, não é credível que, a existirem tais serviços, os mesmos não estejam refletidos em reports ao contratante e que, afinal, tudo tenha sido relatado verbalmente.

Acresce que, a eventual prestação de "suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema" deveria ser de fácil comprovação mediante os registos de presença dos funcionários da S… nas instalações da A… e em "folhas de obra" onde o prestador evidenciaria a realização efetiva de tais serviços.

Contudo, nem relatórios de análise, nem registos do serviço prestado pelos funcionários da S… . A A… afirma não ter "forma tangível de comprovar a realização" de tais prestações de serviços, pelo que se conclui pela inexistência de qualquer suporte documental que possa atestar a autenticidade de tais gastos suportados.

No entanto, é referido que tais serviços de suposta "assessoria informática" estão relacionados com a prospeção para "a aquisição e instalação de um novo datacenter", cuja compra se concretizou em novembro de 2012. Na verdade, neste mês, a A… adquiriu equipamento informático à empresa T… LDA, conforme lançamento lM-…-… . A ser verdade, não poderá deixar de se estranhar que a aquisição de tal equipamento tenha ascendido a 78.529,13 euros + IVA, conforme fatura do fornecedor, e os tais serviços de prospeção, ainda que acrescidos de eventual "suporte técnico", atinjam os 58.466,00 euros, fazendo sobressair uma desproporção injustificada entre tais verbas.

Por outro lado, estranha-se que entre empresas da dimensão da A… e da S… não sejam celebrados contratos escritos, estabelecendo todas as condições para a prestação dos supostos serviços.

Aliás, é ainda mais surpreendente que se invoque a inexistência de contratos, mas que numa das faturas (FS-…-…) se faça referência a um desconto de 12.750,00 euros "relativo a falha de SLA conforme acordado" (ver fatura em Anexo 20). Ora, "SLA" corresponde a "service level agreement, ou seja, ao nível de serviço acordado. E para que tenham sido acordados uns determinados níveis de serviço é porque, supostamente, teriam sido estabelecidos por escrito em contrato de prestação de serviços. Contudo, a A… atestou (ver Anexo 21) que "não existe nenhum contrato escrito relativo aos serviços que nos foram prestados pela S…" (sublinhado nosso).

Desta forma, todas as incongruências e inconsistências atrás referidas conduzem à perceção de que a fatura n.º 1203590, de 28 de setembro de 2012 (FS-…-…), emitida pela S… não corresponde a operações efetivas, porque:

A S… é uma sociedade controlada pela E… SGPS e pela família de F…, tratando-se de uma empresa com relações especiais com a A…;

• À semelhança da S…, a própria sociedade E… SGPS também emitiu faturas à A… por operações inexistentes, conforme referido no ponto III.4.1, a fls. 44;

• A descrição dos serviços de assessoria supostamente realizados implicaria, obrigatoriamente, o report da S… à contratante do serviço (relatórios dê prospeção, relatórios de análise de propostas, relatórios de proposta de adjudicação, entre outros);

• A efetiva realização dos serviços de suporte técnico tinham de estar suportados em registos em "folhas de obra" (n.º funcionários, n.º de horas, validação por supervisores da contratante, entre outros);

• Contudo, a A… admitiu não ser capaz de apresentar qualquer prova documental (contratos, relatórios, registos de serviços prestados, entre outros) que atestasse a realização de tais serviços;

A justificação apresentada pela A… de associação dos serviços de assessoria e suporte técnico, no montante de 58.466,00 euros, à aquisição do "datacenter" é reveladora de uma desproporção face ao valor do equipamento 78.529,13 euros, sendo que tal desarmonia indicia falta de autenticidade;

• A afirmação de que "não existe nenhum contrato escrito relativo aos serviços que nos foram prestados pela  S…" é incongruente com a alusão a "falha de SLA", que sustenta uma redução do preço debitado pela S… numa fatura emitida à A… .

Assim, apesar do ónus provatório sobre a indispensabilidade dos gastos não recair, em primeira instância, sobre o sujeito passivo, o mesmo é-lhe imputável se a administração tributária atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoletar a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, conforme defende o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 05312, de 27 de março de 2012.

Assim, competirá ao sujeito passivo "necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito (...), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados (...)" (in Acórdão TCAS, processo n.º 05312, de 27 de março de 2012).

Face ao referido, apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela S…, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela S… e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… .

Deste modo, perante o exposto e nos termos do artigo 23.º do CIRC, importa que o sujeito passivo proceda ao acréscimo do montante de 58.466,00 euros ao campo 752 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2012.

III.2.9. Resumo das correções ao lucro tributável

Perante as correções propostas, descritas nos pontos III.2.1 a III.2.8, a fls. 19 a 39, o lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, nos períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014, será revisto para 1.988.184,01 euros, 4.898.558,62 euros, 6.547.901,89 euros e 3.820.557,83 euros, respetivamente, conforme quadro seguinte:

 

 

(...)

 

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO

(...)

IX.2. ABORDAGEM À RESPOSTA DO SUJEITO PASSIVO

No dia 26 de outubro de 2015, deu entrada nos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de … o exercício do direito de audição pelo sujeito passivo A… SA, conforme documento em Anexo 23.

Depois de uma parte introdutória (pontos 1 a 6 do Anexo 23], o sujeito passivo defende que "não há no processo qualquer indício de dolo da Exponente, condição essencial para que haja crime" (ver ponto 7 do Anexo 23), aludindo, ainda, ao princípio da verdade declarativa do sujeito passivo, nos termos do artigo 75.º da LGT (ver ponto 8 do Anexo 23), e ao facto das demonstrações financeiras terem sido auditadas sem quaisquer ênfases ou reservas (ver ponto 9 do Anexo 23).

Ora, quanto ao dolo é obviamente tácito pela utilização/contabilização de faturas por operações inexistentes, tendo como objetivos possíveis a diminuição da tributação dos lucros, a dedução indevida de imposto em sede de IVA e/ou a tentativa de justificar retiradas de meios monetários da empresa. Por outro lado, a presunção do n.º 1 do artigo 75.º da LGT é, obviamente, ilidível, conforme prevê aliás o n.º 2 do mesmo artigo, e o facto da certificação legal de contas não conter ênfases ou reservas não atesta a licitude de todas as operações registadas na contabilidade do sujeito passivo, por razão da análise por amostragem efetuada por tais auditores.

Neste sentido, e face à ausência de quaisquer novos elementos carreados pelo sujeito passivo no âmbito deste contraditório, manter-se-á a posição de levantar auto de notícia de crime fiscal, conforme descrito nos pontos Vll.2.2, a fls. 46, e Vll.3.2, a fls. 48.

No ponto 14 do Anexo 23, o sujeito passivo contesta as correções em sede de IRC referentes à desconsideração para efeitos do regime transitório dos ajustamentos de transição POC/SNC, nomeadamente os relativos ao reconhecimento de provisão para garantias a clientes e ao desreconhecimento de custos diferidos associados a indemnização a distribuidores, descritos no ponto III.2.1, a fls. 19. Contudo, a argumentação queda-se por afirmar que "discorda das correções propostas pela AT em virtude de as mesmas não terem suporte legal, sendo, por isso, indevidas".

Ora, a fundamentação legal das correções foi devidamente exposta no ponto III.2.1, a fls. 19, nomeadamente pelo artigo 5.º do DL n.º 159/2009, de 13 de julho, pela necessidade de cumprimento dos normativos contabilísticos, conforme impõe o artigo 17.º do Código do IRC, pelas Circulares da AT devidamente explicitadas, bem como por outros diplomas fiscais, tais como o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro. Desta forma, não se condescende tal falta de "suporte legar, pelo que se mantêm a posição assumia no ponto III.2.1, a fls. 19.

Nos pontos 15 a 38 do Anexo 23, o sujeito passivo contesta, de forma agregada, as correções em sede de IRC referentes à desconsideração para efeitos do regime transitório do enquadramento da provisão para aplicação de tesouraria, conforme descrito no ponto III.2.1, a fls. 19, bem como as relativas aos ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros, explanadas no ponto III.2.2, a fls. 28, devido à sua natureza idêntica.

O sujeito passivo contesta a consideração pela AT, em apenas 50%, da provisão para aplicações de tesouraria no âmbito do regime transitório e das perdas por ajustamento de justo valor em títulos detidos para negociação, aludindo a uma decisão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na qual é contrariada a "orientação sufragada no projeto de relatório" (ver ponto 30 do Anexo 23). Nos pontos 31 a 35 do Anexo A3 são transcritas partes de tal decisão arbitral, concluindo o sujeito passivo que "as reduções do justo valor dos instrumentos financeiros devem concorrer integralmente para a formação do lucro tributável (ver ponto 36 do Anexo 23).

Ora, os Serviços de Inspeção Tributária estão submetidos ao cumprimento da lei e às interpretações da mesma efetuadas através de instruções administrativas ou informações vinculativas emanadas pela AT, as quais têm sido no sentido de considerar em apenas 50% tais reduções de justo valor, conforme se explicou nos pontos III.2.1, a fls, 19, e III.2.2, a fls. 28. Deste modo, não se condescende perante o defendido pelo sujeito passivo, mantendo-se a posição assumida nos pontos III.2.1, a fls. 19, e III.2.2, a fls. 28.

Nos pontos 39 a 65 do Anexo 23, o sujeito passivo contesta a correção relativa aos gastos que deveriam ter sido capitalizados, conforme descrito no ponto III.2.3, a fls. 29. Porém, "compreende que possam ter surgido dúvidas relativamente à natureza dos gastos", devido ao facto de que "os fornecedores não preenchem o descritivo da forma mais clara e evidente", conforme ponto 40 do Anexo 23.

No entanto, relativamente a uma fatura do fornecedor U… (4.520,00 euros, de outubro de 2011) e outra da B… (3.307,79 euros, de dezembro de 2012), "concede que tais gastos, por mero lapso, foram classificados de forma incorreta na contabilidade", conforme ponto 47 do Anexo 23, pelo que seriam efetivamente de capitalizar, conforme proposto no ponto III.2.3 a fls. 29.

Contudo, relativamente a todos as outras faturas de 2011, 2012 e 2013, o sujeito passivo apresenta as suas justificações para o facto de ter considerado tais despesas como gastos num único período, seja de uma forma descritiva (ver pontos 51 a 62 do Anexo 23), seja através de um quadro resumo (ver ponto 64 do Anexo 23).

O sujeito passivo considera que muitos dos itens que foram classificados pela AT como "ferramentas" ou "moldes", cujos gastos deveriam ter sido capitalizados, são "custos debitados pelos fornecedores pelo investimento realizado por estes para a adaptação de dispositivos do produto em apreço para que tenham correspondência às especificidades da A…" (ver ponto 51 do Anexo 23), acrescentando que "os fornecedores cobram um valor adicional relacionado com o investimento suportado para que seja adaptada às exigências e especificidades da A…" (ver ponto 52 do Anexo 23).

Nesse sentido, considerou uma grande maioria dos gastos associados aos documentos em Anexo A em suporte CD como "custos de adaptação", conforme quadro resumo apresentado pelo sujeito passivo no ponto 64 do Anexo 23.

Ora, tais faturas emitidas por diferentes fornecedores, ainda que digam respeito a "custos debitados pelos fornecedores pelo investimento realizado por estes para a adaptação de dispositivos do produto (...) às especificidades da A…", apesar de nem todas serem qualificáveis como respeitando a um ativo fixo tangível (como molde/ferramenta ou como parte integrante do custo do molde/ferramenta), serão, em alternância, consideradas como "despesas de desenvolvimento" e logo um ativo intangível (NCRF 6), na medida em que estão associadas a dispêndios incorridos pelo fornecedor, mas debitados ao cliente, no desenvolvimento de adaptações para fazer face às especificidades da A… enquanto entidade compradora.

Existe mesmo um caso específico, de uma fatura da V… (3.736,00 euros, de 12-2012), em que o sujeito passivo refere tratar-se de "trabalho de desenvolvimento de um circuito eletrónico", conforme quadro do ponto 64 do Anexo 23.

Uma vez que a taxa de depreciação das despesas de desenvolvimento (código 2470), prevista no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, é também de 33,33%, tal como a proposta em sede de projeto de relatório para tais itens classificados pela AT como moldes e ferramentas, não haverá consequências ao nível das correções perante a tal possível reclassificação, nalguns casos. Assim, sejam classificados como intangíveis ou como moldes/ferramentas, seriam capitalizáveis e amortizáveis/depreciáveis à taxa de 33,33%.

Contudo, outras situações existem em que a A… identifica, no quadro do ponto 64 do Anexo 23, como sendo "custos de adaptação", quando na realidade são verdadeiramente ativos fixos tangíveis (moldes/ferramentas) ou custos a ter em consideração na mensuração dos mesmos, conforme exemplos seguintes:

• W… (3.200,00 euros, de 02-2011) - a fatura contém um apontamento manuscrito que refere "Molde. Não vem para Portugal' (ver Anexo A em suporte CD);

• X… SA (6720,00 euros, de 03-2011) - o descritivo da fatura é explícito ao mencionar várias unidades de "ferramentas";

• Y… (10.974,51 euros, de 06-2011) - a fatura contém um apontamento manuscrito que refere "Moldes ficam no fornecedor" (ver Anexo A em suporte CD);

• Z… SA (7.820,00 euros, de 03-2012; 5.865,00 euros, de 06-2012; 5.865,00 euros, de 06-2012) - as 3 faturas respeitam a gastos com moldes faturados faseadamente em 40%, 30% e 30%, (ver Anexo A em suporte CD);

• Y… (1.029,28 euros, de 04-2012} - a fatura contém um apontamento manuscrito que refere "Moldes, é nosso mas fica no exterior" (ver Anexo A em suporte CD);

• AA… (1.750,00 euros, de 05-2012) - a fatura contém no descritivo ("mold that will be of A… PORTUGAL property" (ver Anexo A em suporte CD);

Por outro lado, relativamente a despesas com o showroom, o sujeito passivo alega que este "é uma área integrante das instalações da A…, com um propósito meramente comercial e de negócio, onde são expostos os produtos fabricados, e que se vai adaptando face às tendências, as quais cada vez menos têm um caráter permanente, e consoante haja novos produtos", conforme ponto 58 do Anexo 23.

O sujeito passivo acrescenta, ainda, que "o showroom da Exponente reveste uma natureza fixa e permanente, já que se encontra localizado nos espaços da Exponente, não podendo ser deles destacado" (ver ponto 60 do Anexo 23), para contrariar a opção da AT pelo código "2186 -Espaços expositivos de carácter itinerante" da tabela II do Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro. Conclui que "tais obras correspondem a meras adaptações do espaço para colocação em exposição de novos produtos".

Ora, durante o período 2011-2013, apenas se verificaram os seguintes gastos relativos ao fornecedor BB… LDA, relativos às obras do showroom, entre março de 2011 e julho de 2012:

 

Os descritivos das faturas em Anexo A em suporte CD evidenciam que as obras foram adjudicadas em março de 2011 e que foram concluídas em julho de 2012, com licenciamentos de utilização, vistorias pelos Bombeiros e EPAL, conforme fatura n.º 1296/2012 (documento FS-…-…), totalizando 17.306,51 euros + ÍVA, E ainda que tais obras incluam, nalguns casos, alterações em módulos expositores já existentes, não deixam de ser trabalhos que não se irão repetir a médio prazo, pois as linhas de produtos da A… também não sofrem renovações anuais. Tais obras, apesar de poderem não aumentar a duração provável dos elementos, aumentam com certeza o valor de tal ativo e por isso devem ser capitalizadas. Acresce que, nos termos da NCRF 7, se qualificam como ativos fixos tangíveis aqueles que "se espera que sejam usados durante mais do que um período" (§6 da NCRF 7).

Assim, a classificação de tais gastos como despesas com um ativo fixo tangível e sua qualificação como um espaço expositivo enquadrável no código 2186 ("carácter itinerante"), apesar de ter natureza permanente e fixa como admite o sujeito passivo, pretendeu atender à renovação mais acelerada que ocorrerá no showroom da empresa. Se o próprio Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, prevê a capitalização de gastos com espaços expositivos de caráter itinerante, muito mais se justifica a capitalização de obras num showroom de caráter permanente, sendo que a alternativa ao seu enquadramento em termos de código da tabela II seria o 2195 "instalações não especificadas", cuja taxa de depreciação seria de 10%, ao invés dos 25% considerados.

No ponto 64 do Anexo 23, o sujeito passivo elaborou um quadro resumo com todas as faturas que considera ser de manter como gasto de um único período. Para além daquelas que já foram referidas nos parágrafos anteriores, importa abordar especificamente as seguintes:

• CC… (5.320,00 euros, de 03-2011) - sujeito passivo considera ser gasto por respeitar a material da máquina de soldar e as peças têm de ser substituídas 2 a 3 vezes por ano. A fatura faz referência a tarefas de soldar componentes de ferramentas específicas. Face ao exposto, considerar-se-á que representam gastos com conservação e manutenção de ferramentas e logo gasto de um único período.

• DD… (2.317,42 euros, de 04-2011) - fatura respeita a uma placa de memória (memory board), que o sujeito passivo considera tratar-se de um "custo para aumentar a memória de um robot de colagem, mas que não aumenta a vida útil do equipamento". Na medida em que se trata de um componente do robot de colagem que introduz capacidade adicional a tal ativo fixo tangível (robot) e logo maior valor, tratar-se-á de um custo adicional na mensuração de tal ativo. Nos termos do n.º 5 do artigo 5,º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, as depreciações devem incidir sobre reparações ou beneficiações que "aumentem o valor ou a duração provável dos elementos a que respeitam".

• EE… - o sujeito passivo registou várias faturas deste fornecedor, entre junho de 2011 e dezembro de 2012, num total de 13.743,44 euros.

Apesar de se tratar de lâmpadas, que o sujeito passivo considera serem "material de consumo", a quantidade e materialidade dos valores em causa configura-se como um investimento avaliado, decorrente de urna política interna de sustentabilidade energética, que tem de ser encarado como gerador de poupanças significativas em termos de consumos energéticos por vários anos e logo associado a benefícios económicos futuros. Não estamos perante uma mera substituição isolada de alguma lâmpadas avariadas, mas sim de urna quantidade substancial para troca generalizada de tais dispositivos.

•FF… SA - o sujeito passivo registou várias faturas deste fornecedor, entre outubro de 2011 e agosto de 2013. Em 2011, o sujeito passivo suportou 11.114,00 euros. Em 2013, suportou 34.944,30 euros.

 

O sujeito passivo referiu que todas as faturas em causa respeitam a "reparações de máquina corte laser". Ora, os valores das reparações são demasiados avultados, em ambos os períodos, para se tratar de meros custos de conservação e reparação, as quais, para além de aumentarem, certamente, a duração provável dos elementos, aumentam também com certeza o valor de tal ativo e por isso devem ser capitalizadas.

•GG… - o sujeito passivo registou várias faturas deste fornecedor, entre novembro de 2012 e outubro de 2013. As faturas em questão respeitam a serviços de construção civil, mas com maior predominância de serviços de pintura do edifício.

Face à materialidade dos montantes em causa face ao valor do edifício, considera-se razoável configurar tais despesas como conservação e manutenção, sem acréscimo de valor ou duração do ativo subjacente, e logo gasto de um único período.

•HH… (5.605,00 euros, de 12-2012) - a fatura respeita a uma peça de bronze, sendo que o sujeito passivo alega tratar-se da "reparação de uma ferramenta que partiu, mas não aumenta a vida útil". Perante a justificação apresentada pelo sujeito passivo, será de rever a sua consideração como gasto de um único período.

•II… (2.177,00 euros, de 12-2012) - a fatura respeita ao fornecimento de um "motor drive", que o sujeito passivo alega tratar-se de uma "substituição de motor do sistema de cola de um robot de colagem, mas que não aumenta a vida útil do equipamento". Perante a justificação apresentada pelo sujeito passivo, será de rever a sua consideração como gasto de um único período.

•JJ… (6.600,00 euros, de 07-2013) - a fatura respeita ao fornecimento de um "módulo de potência", que o sujeito passivo alega tratar-se de uma "substituição de peça avariada que não cria aumento de vida útil. Perante a justificação apresentada pelo sujeito passivo, será de rever a sua consideração como gasto de um único período.

• KK…(1.954,54 euros, de 09-2013) - a fatura respeita ao fornecimento de material de casa de banho (lavatórios, sanitas, entre outros), tratando-se, obviamente, de equipamentos para as instalações sanitárias da empresa, que têm, consequentemente, de ser tratados como um ativo homogéneo e logo capitalizáveis. O sujeito passivo alega que se trata de "trabalhos de construção civil de reparação/manutenção que não cria aumento de vida útil das edificações", com o que não se pode concordar pelas razões acima expostas.

•T… (2.881,00 euros, de 12-2013) - fatura respeita a discos HDD para servidores, que o sujeito passivo considerar tratar-se de um "custo para aumento de capacidade dos data center, não acrescentado vida útil ao data-center". Na medida em que se trata de um componente para os servidores que introduz capacidade adicional a tal ativo fixo tangível (data center) e logo maior valor, tratar-se-á de um custo adicional na mensuração de tal ativo.

• LL… (6.200,00 euros, de 12-2013) - a fatura respeita ao fornecimento de um "sistema de injeção" para um molde, que o sujeito passivo alega tratar-se de um "custo relativo à reparação do sistema de injeção do molde. Não há aumento de vida útil". Perante a justificação apresentada pelo sujeito passivo, será de rever a sua consideração como gasto de um único período.

Face ao exposto, relativo à correção proposta no ponto III.2,3, a fls. 29, importa rever os quadros dos gastos não aceites, bem como das depreciações não contabilizadas referidas no ponto IIl.2.4, a fls. 32, conforme abaixo:

 

Assim, importa rever as correções propostas no ponto no ponto III.2,3, a fls, 29. Desse modo, nos termos do n.º 3 do artigo 17,º, do artigo 23.º e do artigo 29.D, todos do CIRC, impõe-se o acréscimo doa valores de 63.353,54 euros, 46.882,00 euros e 44.779,84 euros ao campo 752 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013, respetivamente, por se considerar que tais gastos não são de aceitar num único período, devendo ser capitalizados e depreciados durante o período de vida útil correspondente.

Consequentemente, importa também rever as correções favoráveis ao sujeito passivo, propostas no ponto III.2.4, a fls. 32. Assim, nos termos dos artigos 29.º e 30.º, ambos do CIRC em vigor à data, impõe-se a dedução do valor de 18.680,06 euros, 31.041,43 euros, 45.511,92 euros e 30.414,43 euros no campo 775 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC dos períodos de tributação de 2011, 2012, 2013 e 2014, respetivamente.

Relativamente à correção proposta em sede do ponto III.2.5, a fls. 32, considerada como gastos relativos a períodos anteriores, por emissão de nota de crédito ao cliente J… SPA, importa esclarecer que o descritivo de tal documento refere "bónus discount related to the overall sales of 2013" (ver Anexo 13), o que induz tratar-se de um bónus de desconto relativo ao volume de vendas de 2013, ou seja, o que vulgarmente se designa por "rappel".

Por tal facto se concluiu no projeto de relatório que "a imprevisibilidade ou desconhecimento de tais gastos não poderão ser invocadas para a operação descrita, na medida em que os acontecimentos decorrem das transações comerciais normais e contratualizadas entre a A… PORTUGAL e o seu cliente J… SPA" (ponto III.2.5, a fls. 32). Ou seja, a ser um rappel, deveria estar devidamente contratualizado e poderia ter sido imputado a cada período específico (2009-2012), cumprindo o princípio da periodização, e logo seria previsível e conhecido.

Agora, em sede de direito de audição (ver pontos 66 a 98 do Anexo 23). o sujeito passivo vem alegar que, afinal, se traía de uma indemnização ao cliente por avarias recorrentes num eletrodoméstico específico, juntando vária documentação que sustenta tal facto (ver Anexo 23).

Ora, isto só demonstra que foi emitido um documento contabilístico pela A… PORTUGAL, nomeadamente uma nota de crédito (ver Anexo 13), com um descritivo que não corresponde à realidade das operações, pelo que o erro da AT foi induzido pela falsidade da descrição contida em tal documento.

Por outro lado, a A… PORTUGAL insinua que houve pretensão da AT em duplicar a tributação, ao não ter previsto uma repartição de tais gastos pelos períodos de 2011 e 2012, por serem alvo da ação inspetiva. Ora, acontece que os documentos em Anexo 13 evidenciavam que se trataria de um gasto referente a 2009, 2010, 2011 e 2012, mas não estipulava qual o montante imputável a cada período.

Ainda assim, aceita-se que, tratando-se afinal de uma indemnização, está-se perante um acontecimento imprevisível e desconhecido, que nos termos do n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC, são imputáveis ao período de tributação de 2013. Desta forma, será de condescender à pretensão do sujeito passivo de não acrescer o montante de 111.503,00 euros ao campo 710 do quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2013.

Nos pontos 99 e 100 do Anexo 23, relativos à não aceitação fiscal das faturas emitidas pela E… SGPS e S…, e por eventual lapso de referência, também às da K…, cujas correções constam dos pontos III.2.6 a III.2.8, a fls. 33 a 39, o sujeito passivo limita-se a afirmar que, tais operações, "tiveram lugar, correspondem a operações efetivamente realizadas no âmbito da atividade da Exponente e assumem um valor adequado em face da sua natureza", acrescentando que "não deverão ser consideradas as inerentes correções em sede de IRC e IVA".

Ora, face ao vasto conteúdo da fundamentação contida nos pontos III.2.6 a III.2.8, a fls. 33 a 39, e perante a argumentação vazia do contraditório apresentado pelo sujeito passivo, mantêm-se as correções propostas em sede de projeto de relatório.

Perante o exposto, importa rever agora as correções ao lucro tributável dos períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014, os quais serão retificados conforme quadro seguinte:

 

Deste modo, perante as correções propostas em sede de projeto de relatório e o exposto na abordagem ao direito de audição, o lucro tributável declarado pelo sujeito passivo, nos períodos de 2011, 2012, 2013 e 2014, será revisto para 1.984.637,35 euros, 4.892.038,95 euros, 6.423.117,09 euros e 3.828.814,69 euros, respetivamente, conforme quadro anterior.

Por fim, os pontos 101 a 111 do Anexo 23 contraditam a posição assumida pela AT, ao propor a correção da dedução à coleta efetuado nos termos do Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI), no que concerne aos gastos com "mobiliário para Museu A…", conforme ponto III.3.1, a fls. 43. O sujeito passivo alega que o valor de 4.880,00 euros corresponde ao "investimento efetuado no balcão que contém placa e forno para manuseamento dos produtos da A…" (ver ponto 108 do Anexo 23), o qual está associado a "laboratório para experiências aquando da conceção de novos produtos" (ver ponto 105 do Anexo 23), apesar de coexistir no mesmo espaço do "denominado Museu A… e de possuir um espaço de exposição" (ver ponto 105 do Anexo 23).

Assim, perante a justificação do sujeito passivo, condescende-se no sentido de apenas não aceitar como elegível para efeitos do CFEI o mobiliário de bar (ver ponto III.3.1, a fls. 43), pelo que, nos termos da Lei n.º 49/2013, impõe-se a redução do montante de 108,80 euros (544,00 euros x 20%) ao campo 355 do quadro 10 da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC do período de 2013.

Face ao exposto ao longo do presente ponto IX.2, foi revisto o resumo das correções no ponto l, a fls. 4, mantendo-se inalteradas todas as infrações descritas no ponto VII, a fls. 46.

 

  1. Com base nas correções finais decorrentes da ação inspectiva realizada, foram efetuadas pela AT:

1. Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, relativa ao exercício de 2011, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 11-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de 170.059,25 €, o qual integrava 150.059,93 € de IRC e 19.999,32 € de juros compensatórios (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), tendo o respectivo montante sido pago pela Requerente em 07-01-2016 (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

2. Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, relativa ao exercício de 2012, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 12-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de 245.209,38 €, o qual integrava 223.619,39 € de IRC e 21.589,99 € de juros compensatórios (Documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), tendo o respectivo montante sido pago pela Requerente em 08-01-2016 (Documento n.º 6, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

3. Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, relativa ao exercício de 2013, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 13-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de 121.926,97 €, o qual integrava 121.917,81 € de IRC e 9,16 € de juros compensatórios (Documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), tendo o respectivo montante sido pago pela Requerente em 08-01-2016 (Documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. 4. Demonstração de Liquidação de IRC n.º 2015…, de 09-11-2015, relativa ao exercício de 2014, a qual deu origem à Demonstração de Acerto de Contas n.º 2015…, de 16-11-2015 (n.º de compensação 2015…), do qual resultou um montante a pagar de 106.609,44 €, o qual integrava 105.396,66 € de IRC e 1.212,78 € de juros compensatórios (Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), tendo o respectivo montante sido pago pela Requerente em 12-01-2016 (Documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 06 de Maio de 2016, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra cada uma das liquidações referidas (Documentos n.ºs 11 a 14, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3.  As reclamações graciosas foram totalmente indeferidas pela AT, por despacho de 28 de Setembro de 2016, que foi comunicado à Requerente por Via CTT em 03 de Outubro de 2016 (Documento n.º 15, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. Até finais de 2012, a sociedade E… SGPS, SA, era detida em 50% por F… e pelos seus dois filhos (O… e MM…), cuja participação equitativa no capital era de 25%;
  5. A Requerente tinha uma gestão informal, não sendo frequentemente emitidos documentos relativos às relações internas nem apresentados comprovativos de despesas efectuadas;
  6. Nas deslocações que efectuou a Moçambique, Angola e Brasil tendo em vista prospeção de mercados, o administrador da E… SGPS, SA, O… fazia prospeção tendo em vista os interesses de outras empresas, não fazendo imputação dos seus serviços e despesas suportadas que a cada uma das empresas destinatárias dos serviços;
  7. Foram elaborados três relatórios elaborados por O…, administrador da E… SGPS, relativos a negociações introdutórias com a P… (UK), de Novembro de 2012, e com distribuidores do mercado brasileiro, de Março e Agosto de 2012;
  8. Em 10-02-2012 e 18-04-2012 realizaram-se reuniões entre representantes da Requerente e da S… tendo por objecto a apresentação e soluções para um Datacenter que substituísse a infra-estrutura existente (documentos n.ºs 43 e 44 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  9. Em 07-01-2016, a Requerente efectuou o pagamento da quantia da liquidação relativa ao execução de 2011 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  10. Em 08-01-2016, a Requerente efectuou o pagamento da quantia da liquidação relativa ao execução de 2012 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  11. Em 08-01-2016, a Requerente efectuou o pagamento da quantia da liquidação relativa ao execução de 2013 (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  12. Em 12-01-2016, a Requerente efectuou o pagamento da quantia da liquidação relativa ao execução de 2014 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  13. Em 29-12-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que a K… tivesse prestado serviços à Requerente, designadamente nos anos de 2011 e 2012.

Não se provou que a E… SGPS tivesse prestado serviços à Requerente os serviços referidos no Relatório da Inspecção Tributária.

Não se provou que a S… tenha prestado os serviços à Requerente os serviços referidos no Relatório da Inspecção Tributária.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.

Quanto aos factos não provados, o juízo do Tribunal Arbitral baseia-se na falta de prova documental em situações em que o tipo de despesas justificaria que ela fosse produzida.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão da provisão para garantias de clientes

 

            A Requerente dedica-se à venda de electrodomésticos sujeitos à prestação de garantias durante dois anos, o que constitui obrigação legal, incorrendo em gastos com as reparações/substituições efetuadas.

            A 31-12-2009, a Requerente não tinha registado qualquer dotação de provisão para fazer face a tais encargos em períodos futuros.

            Aquando da transição POC/SNC, a Requerente procedeu à constituição de provisão para garantias a clientes no valor de € 732.357,41, gerando um consequente impacto negativo em capitais próprios.

            Posteriormente, para apuramento da Matéria Colectável de 2010, 2011,2012,2013 e 2014, deduziu aos resultados dos respectivos períodos o valor de €146.471,48 em cada um deles, fazendo aplicação do regime transitório previsto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que estabelece o seguinte:

1 - Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.

 

            A AT entendeu, em suma, que a aceitação da inclusão de tal ajustamento de transição no âmbito do regime transitório do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 159/2009 implicaria, em termos fiscais, que se estivesse a aceitar nos períodos de 2010 a 2014 um gasto, para efeitos de determinação do lucro tributável, relativo a períodos de tributação anteriores a 2010 e que, uma vez que a aceitação fiscal de provisões para garantias a clientes apenas passou a estar prevista com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 159/2009, o qual alterou o CIRC face à introdução do SNC, não será de considerar como fiscalmente relevante tal ajustamento de transição.

            Com base neste entendimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma correcção ao lucro tributável da Requerente no valor de €146.471,48 em cada um dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, perfazendo € 585.885,93 o valor total das correcções.

            Com as alterações introduzidas no CIRC pelo Decreto-lei nº 159/2009 de 13 de Julho, passou a ser considerada como gasto do período a “Provisão para garantias a clientes”, gasto que até 31 de Dezembro de 2009, o CIRC não previa.

            Com a alteração legislativa – e com efeitos a partir de 2010 - passou a ser aceite fiscalmente como custo do exercício (hoje, gasto do período) a provisão para garantias a clientes.

            A “Provisão para garantias a clientes” já existia no POC (até 31-12-2009) e por isso a Requerente podia ter contabilizado a respectiva provisão como custo do exercício, ainda que ela não fosse aceite como custo para efeitos fiscais.

            Mas a verdade é que a alteração legislativa no plano contabilístico e no plano fiscal veio trazer à Requerente a oportunidade de alterar a sua política contabilística no respeitante a provisão para garantias a clientes.

            Aproveitando a nova lei contabilística e o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL 159/2009, a Requerente alterou a sua política contabilística e reconheceu na sua contabilidade o passivo relativo às garantias a clientes, apurado de acordo com as regras definidas na lei.

            A este respeito, determina a Norma Contabilística e de Relato Financeiro 3 (NCRF 3) sob o título “Adopção pela primeira vez das normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF)”, no seu parágrafo 8, o seguinte:

8 — As políticas contabilísticas que uma entidade usa no seu balanço de abertura de acordo com as NCRF podem diferir daquelas que usou para a mesma data utilizando os PCGA anteriores. Os ajustamentos resultantes derivam de acontecimentos e transacções anteriores à data da transição para as NCRF. Por conseguinte, uma entidade deverá reconhecer esses ajustamentos directamente nos resultados transitados (ou, se apropriado, noutro item do capital próprio) à data da transição para as NCRF.”

 

            Aliás, no parágrafo 2 do Apêndice à mesma NCRF 3 refere-se que «é expectável que, de acordo com as NCRF, muitas entidades reconheçam ativos e passivos que não eram reconhecidos como tal segundo os PCGA anteriores», referindo-se expressamente na alínea e) as «Provisões para garantias a clientes».

À face desta regra contabilística, torna-se claro que a Requerente podia, com a transição para o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), alterar a sua política contabilística relativamente às provisões para garantias de clientes, pelo que o procedimento que adoptou tem suporte legal.

            Consequentemente, no caso, verifica-se justamente a hipótese prevista no n.º 1 do art. 5º daquele Decreto-Lei n.º 159/2009 uma situação em que os efeitos negativos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade, no valor de 732.357,41 quanto à provisão para garantias a clientes, devem relevar para formação do lucro tributável, em partes iguais no período de 2010 (exercício em que tal adopção ocorreu), e nos quatro subsequentes períodos.

            Assim, as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao lucro tributável dos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, no valor de €146.471,48 em cada um dos exercícios, perfazendo € 585.885,93, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a anulação das liquidações relativas a cada um daqueles exercícios, nas partes correspondentes (artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

            Neste contexto, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente quanto a esta correcção.

           

3.2. Questão dos custos diferidos com as indemnizações decorrentes da revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade

 

Em 23-09-2004, a Requerente celebrou dois acordos de revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade, que vigoravam com as entidades G… e H… SA.

Para poder quebrar tais contratos de exclusividade, a Requerente teve de suportar um conjunto de encargos, a título de indemnização, os quais foram considerados como imputáveis "aos custos sistematicamente por um período de 10 anos".

Em 31-12-2009, o saldo devedor de tal conta do activo ("POC 272") em que foram reconhecidos tais custos ascendia ainda a € 1.254.557,55, correspondentes ao montante que ainda faltaria diluir pelo período remanescente face ao tempo de 10 anos previamente estipulado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não coloca em causa nem a indispensabilidade nem a efectividade do encargo suportado com a resolução dos contratos, pelo que não está em causa a sua dedutibilidade fiscal. Ao invés, o que se discute é a questão de saber se a diluição de tal encargo era ou não admissível e, consequentemente, se ao desconhecimento daquele saldo remanescente operado na transição para o SNC podia ou não cobrar relevo fiscal ao abrigo do regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009. Entendeu que a Autoridade Tributária e Aduaneira que não, porque:

• ou as indemnizações deveriam ter sido contabilizadas como gasto integral dos períodos em que foram pagas (2004 e 2005), por não respeitarem os critérios de reconhecimento de activos, e assim não subsistiria qualquer activo em POC a 31 de dezembro de 2009. Deste modo, não existiria qualquer impacto ao nível dos resultados transitados e o montante de 1.254.557,55 euros nunca influenciaria o lucro tributável dos períodos de 2010 a 2014;

• ou, ainda que fosse classificado como um activo (custo diferido ou imobilizado incorpóreo) nunca se qualificaria sequer como um activo depreciável gerador de gastos, quer em termos contabilísticos, quer fiscais, fosse antes ou depois da introdução do SNC e da consequente alteração da legislação tributária. E deste modo, afastar-se-ia a relevância fiscal do procedimento de transição, pelo que também o montante de 1.254.557,55 euros nunca seria diluído pelos períodos de 2010 a 2014;

• o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009 apenas contempla os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção pela primeira vez do novo normativo contabilístico, pelo que têm obrigatoriamente de decorrer de uma alteração de política contabilística entre POC e SNC;

• ainda que subsistisse um activo a 31 de dezembro de 2009, o mesmo não seria depreciável, nem o era anteriormente, porque não se cumpre o requisito exigido pela Circular n.º 7/2011 de "que os gastos (...) que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente".

 

A Requerente, por seu lado, defende que os efeitos da revogação do contrato de exclusividade em favor da H… e da G…, traduzidos na obrigação de indemnizar estas últimas, se revelou como uma acertada decisão de gestão com efeitos no aumento bruto das margem inerentes, que se projectaram ao longo dos dez anos seguintes. Não lhe assiste, porém, razão. Senão vejamos:

Em abstracto, os valores contratados entre um produtor e os seus distribuidores, pago em determinado exercício a título de contrapartida/indemnização pela revogação dos contratos de distribuição em regime de exclusividade, podem ser tratados contabilisticamente por uma de três formas: i) como custo do exercício (gasto do período), por ser um custo suportado com a reorganização da empresa no que respeita aos seus canais de distribuição. Nos termos da Normalização Contabilística, um gasto suportado com a reorganização de um sector de uma empresa, não é um activo mas um gasto a ser integrado nos resultados do exercício em que foi incorrido; ii) como custo do exercício (gasto do período) em que foi incorrido, por ser um custo suportado com a indemnização aos seus clientes pela revogação do estatuto de distribuidores em exclusividade., uma vez que o princípio da especialização dos exercícios a isso obriga sempre que é conhecido o valor do respectivo encargo (e, concomitantemente, obriga à consideração integral, no mesmo período, do proveito obtido pelo beneficiário; iii) como custo diferido, na terminologia do POC vigente á data dos facto se, à luz da regra da especialização, o custo não poder ser presente ou se se tratar de uma despesa antecipada ou, na terminologia do actual SNC, como activo intangível, que manterá o seu valor para além do exercício em que foi efectivamente suportado, por dele se esperar que fluam benefícios económicos futuros, única circunstância em que o efeito fiscal de tal encargo poderia ser repartido no tempo, verificadas determinadas condições. Ora, como é evidente, no caso em análise, as indemnizações pagas pela A… em contrapartida da resolução daqueles contratos de distribuição (por mais vantajosa que esta se tenha mostrado) não tinham, nem no momento em que foram estabelecidas nem posteriormente, nenhum dos atributos que permitiria o seu diferimento ou a sua classificação como activo intangível amortizável: nem se tratou da antecipação de uma despesa, nem, a ser considerado um activo intangível, isto é, um activo identificável, controlável e com capacidade de gerar benefícios económicos futuros, a Requerente teria forma de determinar o número de anos da sua vida útil.

Isto posto, há que concluir que, quer na vigência do POC quer no domínio das regras de especialização do exercício vertidas no Código do IRC em 2004, a A… se encontrava impedida de diferir o custo incorrido com o pagamento daquelas indemnizações, por determinação expressa do art. 18º daquele código. No caso de considerar um activo intangível, este não seria amortizável e, a sê-lo, essa amortização não seria fiscalmente reconhecida. Por ser assim, o desreconhecimento do saldo existente a 31/12/09 na conta 272 do POC no âmbito do regime transitório que acompanhou a entrada em vigor das regras do SNC nenhum efeito fiscal poderia produzir – quer porque nem nessa data se encontravam reunidos os pressupostos de que dependeria o reconhecimento de um activo fixo intangível, quer porque o efeito de tal desreconhecimento só poderia ser fiscalmente relevante se fosse - e não era - fiscalmente relevante a existência do saldo desconhecido.

Atentemos no que dispõe o referido art. 18º do CIRC:

Artigo 18.º - Periodização do lucro tributável

 1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

Ao contrário do que sugere a Requerente, o legislador adoptou um critério fiável e de fácil controlo, que visa fundamentalmente garantir a igualdade entre os operadores no tratamento fiscal dos factos económicos relevantes, de forma alheia aos seus concretos fluxos de caixa, aliás terreno fértil para a manipulação de resultados fiscais. A escolha de tal critério, por outro lado, garante às contas das entidades obrigadas à sua apresentação um crivo de fiabilidade e comparabilidade que serve interesses que em muito extravasam o do credor tributário. A regra da especialização económica tem, portanto, subjacentes muitas outras questões de ordem não fiscal, o que dificulta sobremaneira – se é que não impossibilita – a sua relativização ou flexibilização.

Alega, porém, a Requerente, em segunda linha, que a repartição fiscal de tal custo pelo período de 10 anos (ainda que nãos e tenha esclarecido o motivo pelo qual foi adoptado esse concreto período) lhe deveria, em qualquer caso, ser admitida, por já não ser possível a sua consideração integral no momento em que foi efetivamente suportado. Convocando o princípio da justiça e o principio da tributação pelo lucro real – e invocando jurisprudência deste CAAD (a qual não pode acompanhar-se, desde logo, pela diversidade de matérias em causa no processo n.º 262/2015T, que respeita à aplicação do princípio da especialização dos exercícios a diferenças cambiais positivas e negativas de juros capitalizados) – entende a Requerente que a não consideração do custo ainda não deduzido consubstanciaria uma dupla tributação e uma inaceitável violação da sua real capacidade contributiva.

Não podemos, também aqui, acompanhar a argumentação da Requerente. É sabido que a periodização do IRC se impõe por razões de eficiência, quer no apuramento do imposto quer na sua cobrança e que, por outro lado, o limite ao direito das autoridades fiscais de liquidar tributos constitui, em primeira linha, uma garantia dos contribuintes decorrente da existência de um Estado de Direito que preserva e acautela a segurança jurídica e a confiança dos particulares na conduta das entidades públicas. É, portanto, justo e adequado que, por força dos mesmos princípios, também aos contribuintes seja vedada, em idêntico limite temporal, a alteração da suas declarações fiscais e a perturbação dos efeitos fiscais de factos económicos já estabilizados na ordem jurídica.

De resto, neste particular, o princípio da especialização dos exercícios, enquanto principio estruturante do sistema contabilístico adotado e, simultaneamente, enquanto regra imperativa e essencial do Código do IRC, convoca, na sua aplicação, especiais exigências de segurança e previsibilidade., que não se coadunam com uma desaplicação casuística decidida pelo julgador, muito menos quando ela só teria por fundamento – como no caso concreto – a circunstância de, impunemente, o contribuinte se encontrar a violar reiteradamente a lei. É que – há que salientá-lo – a consideração fiscal do valor pago a título de indemnização, entre 2005 e 2009, pela Requerente, violou lei expressa sem que daí tivesse advindo qualquer consequência. Mais: até 31 de Dezembro de 2008, a Requerente estava em condições legais de corrigir as suas declarações e de dar integral relevo ao custo que suportou. Teve 4 anos para corrigir a ilegalidade (flagrante, acrescente-se) em que se encontrava, o que optou por não fazer. Podendo e não o tendo feito, apesar de essa decisão até se apresentar, pelo menos á primeira vista, a mais vantajosa no seu efeito fiscal, a Requerente  não é titular de nenhum direito, interesse ou expectativa legitimamente atendível que permita a derrogação do disposto no art. 18º do CIRC,  no mesmo pé em que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode efectuar qualquer correcção aos exercícios abrangidos , seja por convocação do princípio da justiça seja por qualquer outro.

Julga-se pois totalmente improcedente, nesta parte, o pedido da Requerente.

 

3.3. Questões do enquadramento da provisão para aplicações de tesouraria no regime transitório e dos ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros

 

            A Requerente aborda esta duas questões em conjunto, o que se justifica por em ambos os casos estar em causa saber se o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2010.

            A Requerente procedeu à inclusão, no âmbito do regime transitório, da "provisão para aplicações de tesouraria" existente a 31 de dezembro de 2009 com saldo de € 162.920,16, respeitante à desvalorização do valor de acções cotadas em bolsa referentes às entidades RR…, QQ… e PP… . A referida provisão estava constituída em POC, a 31-12-2009, na conta "POC 19 Provisões para Aplicações de Tesouraria", pelo montante de € 162.920,16. O montante da provisão corresponde à diferença entre o custo de aquisição das acções e o preço de mercado das mesmas, sendo que este era inferior naquela data. A 01-01-2010, o mesmo activo evidenciava uma quantia escriturada de 23.996,87 euro.

Posteriormente, em 2011 e 2012, foram registados perdas na conta “SNC 66 Perdas por Redução de Justo Valor” nos montantes de € 8.822,80 e € 1.600,80, respetivamente, e no período de 2013, foi registado um ganho por aumento de justo valor na conta “SNC 77”, no montante de 3.054,61 euros.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que

– a Requerente «limitou-se a efetuar uma reclassificação de itens contabilísticos, não existindo qualquer ajustamento de transição que implicasse impacto em capitais próprios, uma vez que a política contabilística seguida pela empresa na vigência do POC é a mesma que a imposta pelo normativo SNC, ou seja, o ativo em questão (ações cotadas em bolsa) tem de estar mensurado ao seu justo valor (valor de mercado), nos termos da NCRF 27 - Instrumentos Financeiros»;

– «atendendo à doutrina emanada em várias instruções e informações dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), foi entendido aceitar 50% do montante inerente às reduções de justo valor, estivessem já contabilizadas em POC (conta 19 Provisões para Aplicação de Tesouraria — conforme ocorreu na A…) ou fossem apenas registadas na transição com impacto nos capitais próprios», posição e entende decorrer dos artigos 18.º, n.º 9, e 45.º, n.º 3, do CIRC nas redacções vigentes em 2010;

– nesta linha entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira que «sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido n.º 3 do artigo 45.º do CIRC em apenas 50% do seu valor» e que «não se poderá aceitar que o montante anual de 32.584,03 euros, correspondente à diluição do saldo credor da provisão de 162.920,16 euros pelos cinco períodos do regime transitório, influencie a determinação do lucro tributável dos períodos incluídos no presente procedimento inspetivo (2011, 2012, 2013 e 2014), sendo que apenas 50% daquele montante poderá relevar em sede de IRC»;

– nos termos do mesmo n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, relativamente às reduções de justo valor das partes de capital registadas em 2011 e 2012, apenas deverão ser consideradas em 50% do seu valor, isto é, deverá será ser efectuada uma correcção no montante de € 4.411,40 quanto ao exercício de 2011 e de € 800,40 relativamente ao exercício de 2012.

 

À data dos factos, a “Provisão para depreciação de aplicações de tesouraria”, era uma provisão não dedutível para efeitos fiscais, nos termos do artigo 39.º do CIRC. Tal não aceitação da provisão como gasto para efeitos fiscais mantém-se nos dias de hoje, uma vez que não consta da lista de provisões fiscalmente dedutíveis. Nesta perspectiva a provisão não é considerada como gasto para efeitos fiscais (nem no todo nem em parte), nem os ajustamentos de transição devem originar qualquer correcção para menos à matéria colectável.

Contudo, o Decreto-Lei n.º 159/2009 veio introduzir no artigo 20º (Rendimentos) do CIRC a alínea f) do nº 1, passando a considerar como sujeitos a tributação os “Rendimentos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”.

De igual modo introduziu no artigo 23º (Gastos) do CIRC a alínea i) do n.º 1, passando a considerar como dedutíveis para efeitos fiscais os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”.

O mesmo diploma estabeleceu no n.º 9 do artigo 18.º do CIRC este regime da relevância dos ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor para a formação do lucro tributável:

9 – Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados, excepto quando:

a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social; ou

b) Tal se encontre expressamente previsto neste Código.

Por outro lado, na mesma data, o legislador retirou do conceito plasmado no art. 46º de mais-valias e de menos-valias as perdas ou ganhos decorrentes da transmissão de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor.

Por sua vez, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, em que a Autoridade Tributária e Aduaneira baseou as correcções aqui em causa, estabelece o seguinte:

3 – A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira não questiona que as reduções de justo valor subjacentes à “Provisão para depreciação de aplicações de tesouraria”, constituída em 31-12-2009, quer as reduções de justo valor de acções registadas em 2011 e 2012 reúnem os requisitos que o n.º 9 do artigo 18.º exige para a sua relevância para a formação do lucro tributável, a primeira com aplicação do regime de transição para o SNC previsto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 159/2009, e as restantes nos respectivos exercícios.

Assim, apenas está em causa saber se as reduções de valor referidas devem concorrer para a formação do lucro tributável na totalidade ou apenas em metade do seu valor, com aplicação do regime do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC.

 Esta questão da aplicabilidade ou do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC a ajustamentos decorrentes do justo valor tem sido decidida no sentido da não aplicabilidade em várias decisões arbitrais, na sequência do acórdão de 25-11-2013, proferido no processo n.º 108/2013-T, com argumentação com que o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 17-02-2016, proferido no processo n.º 01401/14, veio a manifestar concordância, com inclusão de extensa citação.[1]

É esta jurisprudência que aqui se reafirma, seguindo a fundamentação daquele acórdão arbitral.

O referido artigo 45.º, n.º 3, do CIRC decorre da renumeração do anterior artigo 42.º, n.º 3, efectuada pelo Decreto-Lei DL 159/2009.

            Este n.º 3 do artigo 42.º em causa, por sua vez, foi introduzido pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, com a seguinte redacção:

 

       “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remissão e amortização com redução de capital, concorre para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.º.

           

De acordo com o Relatório do Ministério das Finanças para o Orçamento de Estado de 2003 (p. 33), a intervenção legislativa na área em causa (IRC) guiou-se por “duas prioridades, a saber, o combate à fraude e evasão fiscais e o alargamento da base tributável”, enquadrando-se a alteração que aqui interessa no âmbito do “Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade” (p. 51).

            A redacção actual da norma em análise, resultou já da alteração implementada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo que nos termos do correspondente Relatório do Ministério das Finanças (p.31), a medida em causa se enquadrou no âmbito do “COMBATE À EVASÃO E FRAUDE FISCAIS E OUTRAS MEDIDAS DIRECCIONADAS À CONSOLIDAÇÃO ORÇAMENTAL”.

            Já o n.º 9 do artigo 18.º do CIRC aplicável, obtém directamente a sua justificação no preâmbulo do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho, que o introduziu no referido Código, onde se pode ler:

“Ainda no domínio da aproximação entre contabilidade e fiscalidade, é aceite a aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, mas apenas nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada. Assim, excluem-se os instrumentos de capital próprio que não tenham um preço formado num mercado regulamentado. Além disso, manteve-se a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados. (...)

No mesmo sentido, identificam-se como activos abrangidos pelo regime das mais-valias e menos-valias fiscais os activos fixos tangíveis, os activos intangíveis, as propriedades de investimento, os instrumentos financeiros, com excepção daqueles em que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável no período de tributação.º.

           

Estas intenções expressas têm correspondência naquela norma do n.º 9 do artigo 18.º, bem como na introdução, pelo mesmo diploma legal, das alíneas f) e i) do número 1 dos artigos 20.º e 24.º do CIRC, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 46.º.

            Dentro do conjunto de alterações introduzidas pelo referido Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, cumpre ainda salientar que onde até aí se falava de proveitos e ganhos (artigo 20.º), passou-se a falar de rendimentos, e onde antes se falava de custos ou perdas (artigo 23.º), passou-se a falar de gastos.

            Previamente à adopção do justo valor para acções com as características do caso sub judice, por efeito do início de vigência do SNC, as variações patrimoniais relativas aos instrumentos financeiros eram irrelevantes do ponto de vista da formação do lucro tributável de cada período, por efeito da norma do artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIRC, que estabelecia que não concorriam para a formação do lucro tributável «as mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reabilitação legalmente autorizadas». Apenas no momento da realização da mais ou menos-valia é que assumia relevância fiscal a variação patrimonial verificada.

            Este enquadramento fiscal, que se reconduzia uma tributação única (que ocorria uma só vez ao longo de todo o período de detenção dos instrumentos financeiros), dependente de uma actuação voluntária do sujeito passivo (na medida em que a transacção dos instrumentos geradores da variação patrimonial, condição da relevância tributária daquela, apenas se daria se e quando o sujeito passivo alienasse os activos) e em que a valorimetria da variação patrimonial era fixada em função da concreta transacção que desencadeava a sua relevância tributária propiciavam um terreno fértil para manipulações contabilísticas e fiscais, já que o sujeito passivo podia procurar desencadear a relevância tributária no momento e termos em que lhe tal lhe fosse fiscalmente mais proveitoso.

Por outro lado, e atenta a relevância da vontade do sujeito passivo no mecanismo de relevância tributária da variação patrimonial, o sistema estabelecido adequava-se à adopção de mecanismos de condicionamento daquela vontade, no sentido de a conformar a comportamentos economicamente mais desejáveis, que, no caso, passam pela preferência de realização de mais-valias, em detrimento da realização de menos-valias.

É neste quadro que se explica o surgimento da norma do anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, que precede o actual artigo 45.º, n.º 3, do mesmo.

Tal norma, quer na sua redacção primitiva, resultante da Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro, quer na que lhe foi dada pela Lei 60-A/2005 de 30 de Dezembro, explica-se objectiva e subjectivamente (ou seja, face à motivação expressa pelo legislador) por necessidades ligadas ao combate à fraude e evasão fiscais e ao alargamento da base tributável, dirigidas à almejada consolidação orçamental das contas públicas.

A aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, operada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, na parte abrangida, um modelo radicalmente diferente, quer de valorização quer de relevância tributária das variações patrimoniais relativas à detenção daqueles instrumentos.

Com efeito, a intenção do legislador aquando do acolhimento do modelo do justo valor, devidamente evidenciada, foi, assumida e expressamente, a de manter “a aplicação do princípio da realização relativamente aos instrumentos financeiros mensurados ao justo valor cuja contrapartida seja reconhecida em capitais próprios, bem como as partes de capital que correspondam a mais de 5 % do capital social, ainda que reconhecidas pelo justo valor através de resultados”.

Já relativamente a “instrumentos financeiros” que correspondam a menos “de 5 % do capital social”, “cuja contrapartida seja reconhecida através de resultados, (...) nos casos em que a fiabilidade da determinação do justo valor esteja em princípio assegurada”, a intenção legislativa foi a de aceitar “a aplicação do modelo do justo valor”, excluindo o princípio da realização.

Em consonância com esta intenção legislativa, o artigo 18.º, n.º 9, do CIRC veio dispor que, por regra, “Os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor não concorrem para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, o que consubstancia um afloramento evidente e deliberado do assumido princípio da realização.

Contudo, a mesma norma, na sua alínea a), estabelece a excepção a este regime, «quando: a) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, tratando-se de instrumentos do capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social;”.

Ou seja, quando os “rendimentos ou gastos (...) Respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “concorrem para a formação do lucro tributável” “desde que”:

  1. Sejam reconhecidos “através de resultados”;
  2. Se tratem “de instrumentos do capital próprio”;
  3. tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e
  4. o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”.

Cumpridas estas condições:

  1. consideram-se rendimentos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 20.º, n.º 1, alínea f), do CIRC]; e
  2. consideram-se gastos os resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros [artigo 23.º, n.º 1, alínea i) do CIRC].

 

Deste modo, onde antes tínhamos uma relevância tributária única, aquando da transacção daqueles instrumentos, agora passamos a ter uma relevância tributária continuada. Ou seja, face às novas normas integrantes do regime da relevância tributária da contabilização pelo justo valor de instrumentos financeiros, os rendimentos ou gastos resultantes da aplicação do justo valor a estes passam a relevar directamente para a formação do lucro tributável [artigos artigo 20.º, n.º 1, alínea f), e artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC] do próprio ano em que se verificam, cumpridas que sejam determinadas condições (artigo 18.º, n.º 9, do CIRC), que incluem a formação do preço num mercado regulamentado, não sendo tributadas as variações patrimoniais verificadas como mais ou menos-valias [artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC].

            Neste quadro, deixam de se verificar quaisquer necessidades relativas ao combate da fraude e evasão fiscais, não só porquanto a relevância tributária das variações patrimoniais deixa de estar condicionada por um acto de vontade do sujeito passivo, mas também porquanto a valorimetria é objectivamente fixada.

Por outro lado, e pelas mesmas razões, carece igualmente de sentido qualquer medida de condicionamento da vontade do sujeito passivo, no sentido de favorecer comportamentos economicamente mais “desejáveis” e, como tal, conformes aos interesses do alargamento da base tributável e consolidação orçamental.

Não obstante estas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, o anterior artigo 42.º, n.º 3, do CIRC, renumerado para artigo 45.º, n.º 3, manteve a respectiva vigência, com a sua redacção inalterada.

Daí que se questione, como ocorre nos autos, se tal norma se aplicará, ou não, às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC.

Numa primeira análise, baseada exclusivamente no teor literal do n.º 3 do artigo 45.º é sugerida uma resposta afirmativa e esta questão, em face da abrangência de previsão desta norma.

Mas, uma interpretação atenta e coordenada dos normativos relevantes para a análise da questão, que se indicaram, conduz a uma conclusão diferente.

Na verdade, o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC refere que:

A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital, incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”

 

A análise do texto normativo revela com clareza que o legislador elegeu, para nele incluir, três tipos de situações que se deverão ter, em função da presunção de boa técnica legislativa, por distintas, a saber:

  1. “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital”;
  2. “outras perdas (...) relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”;
  3. “outras (...) variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”.

 

Vejamos, então, se a situação dos autos se reconduz a alguma das elencadas situações.

A situação aludida sob a alínea a) supra, será manifestamente inaplicável, não só porque não houve qualquer realização operada mediante transmissão onerosa, mas também porque o artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do CIRC exclui as situações descritas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do conceito de mais-valias realizadas.

Deste modo, restam as possibilidades de integração da situação dos autos em alguma das situações elencadas nas alíneas b) e c) supra.

A aparente abrangência indiscriminada das previsões em causa, poderá, contudo, ser razoavelmente mitigada atentando que “perdas” e “outras variações patrimoniais negativas” serão conceitos, não redundantes, mas dotados de um sentido próprio e distinto.

Para compreender tal facto, será necessário recuar aos artigos 23.º e 24.º do mesmo Código, atentando na evolução terminológica operada pelo artigo 159/2009, de 13 de Dezembro.

 Com efeito, antes da entrada em vigor deste último diploma, os artigos referidos do CIRC referiam, respectivamente, que:

– “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: (...)”;

– “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto: (...)”.

 

Verifica-se, deste modo, que aquando da consagração da redacção do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC vigente em 2012, este Código distinguiu expressamente, para o que aqui releva, três tipos de situações, a saber:

  1. Custos;
  2. Perdas;
  3. Variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício.

 

A previsão do artigo 42.º, n.º 3 do CIRC (predecessor do artigo 45.º, n.º 3, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho), dever-se-á considerar, assim, por reportada a estes conceitos, definidos nos artigos 23.º e 24.º, nas redacções anteriores a este Decreto-Lei.

Deste modo, e por razões óbvias, da previsão daquela norma dever-se-ão ter por excluídos os custos relativos “a partes de capital ou outras componentes do capital próprio”, incluindo-se ali, unicamente, as perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), relativas àquelas partes.

E que assim é, ou seja, que a expressão “outras perdas ou variações patrimoniais negativas” utilizada no artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, na redacção vigente em 2012, não tem um sentido indiscriminadamente abrangente, mas antes um sentido preciso, definido nos artigos 23.º e 24.º, decorre desde logo do facto de o legislador ter empregado a mesma distinção.

Para além disso, a inclusão no âmbito da norma em causa não só das perdas (tal como definidas no artigo 23.º) e variações patrimoniais negativas (tal como definidas no artigo 24.º), mas também dos custos (tal como definidos no artigo 23.º na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 159/2009), levaria a que, por exemplo, o custo de aquisição de partes de capital apenas concorresse em metade do respectivo valor para o apuramento do lucro tributável, o que seria, obviamente, inconcebível num legislador minimamente razoável e, consequentemente, trata-se de uma interpretação a rejeitar, por força da regra do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, que impõe que se presuma que o legislador consagrou as soluções mais acertadas.

A alteração normativa implementada pelo Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, não terá alterado nada de relevante na matéria em causa. Com efeito, não obstante o corpo do artigo 23.º ter passado a referir-se unicamente a gastos, o certo é que o CIRC continua a utilizar a expressão “perdas”, incluindo no próprio artigo 23.º (cfr. n.º 1, alínea h)). Tal ocorre em coerência, aliás, com o SNC, que nos termos do ponto 2.1.3.e) do anexo ao Decreto-Lei 158/2009 de 12 de Julho, mantém a distinção entre “gastos” e “perdas”.

Deste modo, conclui-se que o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC se reportará a:

  1. diferenças negativas entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital;
  2. outras perdas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio; e
  3. outras variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

 

Sendo que por “perdas” se deve entender os factos qualificáveis como tal à luz do CIRC, e por “variações patrimoniais negativas” se deverá entender variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, tal como definidas no artigo 24.º.

            Não se incluirão deste modo, no âmbito da norma em causa, os factos qualificáveis como “gastos”, à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes do capital próprio.

            A própria AT parece reconhecer isto mesmo, já que no “Manual de Preenchimento do Quadro 07, Modelo 22” ( [2] ), a propósito do campo 737, refere que “Neste campo são inscritas, em 50%, as importâncias relativas a outras perdas (que não sejam menos-valias, dado que estas obedecem ao “mecanismo” das mais-valias e menos-valias) relativas a partes de capital ou outras componentes de capital próprio. São, por exemplo, acrescidas neste campo 737 as importâncias correspondentes a 50% das perdas por reduções de justo valor, quando estas se enquadrem no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, alínea i), por força do disposto no art.º 18.º, n.º 9, alínea a)”.

Sucede que o artigo 23.º, n.º 1, alínea i), do CIRC não se refere às importâncias em causa como “perdas”, mas como “gastos”, pelo que será incorrecta a sua inscrição no campo em causa.

De resto, e se dúvidas houvesse, caso o legislador, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei 159/2009 de 13 de Dezembro, pretendesse abranger as situações elencadas no artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC, no âmbito do artigo 45.º, n.º 3, do mesmo, teria:

– incluído os “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, não no artigo 23.º, mas no artigo 24.º do CIRC ( [3] ); ou

– referido tais situações como “perdas resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros” e não como “gastos”.

 

No quadro que se acaba de expor, deve-se então considerar que o Decreto-Lei 159/2009, de 13 de Julho, veio introduzir, no que respeita à parte abrangida pela aceitação da aplicação do modelo do justo valor em instrumentos financeiros, um regime especial de relevância para o cômputo do lucro tributável, justificado quer pela sua objectividade própria quer pela confessada intenção de aproximação da contabilidade à fiscalidade.

Esta circunstância não é, face à redacção do CIRC resultante do Decreto-Lei n.º 159/2009, susceptível de gerar qualquer tipo de dúvidas, como se verifica, designadamente, pela redacção dos artigos 20.º, n.º 1, alíneas f) e h), 23.º, n.º 1, alíneas i) e l), e, em especial 46.º, n.º 1, alínea b), face aos quais se evidencia de uma forma clara a intenção do legislador afastar os ajustamentos decorrentes da aplicação do critério do justo valor em instrumentos financeiros, nos termos reconhecidos pelo CIRC, do regime das mais-valias e menos-valias.

            Já o regime resultante da conjugação dos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º do CIRC, apenas faz sentido na perspectiva da atendibilidade das variações patrimoniais em causa sob o prisma do referido princípio da realização.

            É que, estando em causa, face a tal princípio, a aferição da variação patrimonial em função de uma transacção, haverá sempre um factor voluntário em relação àquela.

            Ou seja, no regime para o qual foi pensada e instituída a norma do artigo 45.º, n.º 3, a realização de menos-valias, e demais situações elencadas estava dependente de uma actuação voluntária correspondente à realização das mesmas. Ora, neste quadro, será compreensível que o legislador institua mecanismos de desincentivo a uma actuação susceptível de ser considerada como desvaliosa, no caso a realização de menos-valias ou outras variações patrimoniais negativas. Ao dispor que tais situações apenas relevarão em 50% do montante contabilizado, o legislador fiscal está, objectivamente, a condicionar as actuações abrangidas pela previsão legal, impondo um incentivo negativo às mesmas.

            Por outro lado, e estando em causa instrumentos financeiros de valor não objectivamente quantificável, a desconsideração em 50% das variações patrimoniais negativas verificadas, teria também uma função de “compensar” a natural tendência dos operadores económicos para, ao nível fiscal, inflacionarem os prejuízos.

            Contudo, aqueles aspectos não se verificarão já nas situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a). Aqui, estando-se perante ajustes decorrentes da contabilização do justo valor, determinado por critérios objectivos (com “um preço formado num mercado regulamentado”), não há qualquer dúvida ou intervenção da vontade do sujeito passivo na verificação do ajustamento patrimonial negativo ou positivo. Ou seja, estes ocorrerão ou não, independentemente da actuação e da vontade do sujeito passivo.

            Ora, penalizar, nestes casos, o sujeito passivo com uma desconsideração de 50% do gasto incorrido, seria de todo injustificado, quer de um ponto de vista económico, quer de um ponto de vista jurídico.

            É que, recorde-se, esta situação de penalização contingente (aleatória, até) injustificada, só se daria por força da excepção das situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a), do CIRC ao regime do princípio da realização. Ou seja, se relativamente a essas situações se aplicasse o regime geral do corpo do artigo 18.º. n.º 9, segundo o qual as mesmas não concorreriam “para a formação do lucro tributável, sendo imputados como rendimentos ou gastos no período de tributação em que os elementos ou direitos que lhes deram origem sejam alienados, exercidos, extintos ou liquidados”, a apontada incoerência não se verificaria, já que o facto que desencadearia a concorrência para a formação do lucro tributável apenas se daria por vontade do sujeito do passivo, pelo que caberia a este optar por realizar a variação patrimonial negativa, com a consequente penalização fiscal, ou diferir esta para um momento em que fosse menos volumosa ou, até positiva, diminuindo ou eliminando a penalização decorrente da operação para si e para o Erário Público. É a excepção da alínea a), ao retirar as situações aí previstas do âmbito do princípio da realização, que justifica o novo regime de relevância para o lucro tributável, que foi instituído.

            Evidência de tudo o que vem de se dizer, apresenta-se no quadro elaborado de seguida, o qual demonstra a irrazoabilidade da aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, às situações abrangidas pelo artigo 18.º, n.º 9, alínea a):

 

Ano

Valor Inv. Financeiro

Variação anual de justo valor

Aplicação do artigo 45.º/3 do CIRC

0

Valor de aquisição (V.A.)

0

0

1

V.A.+ 40

+ 40

+40

2

V.A.+ 20

-20

-10

3

V.A

-20

-10

4

V.A.-40

-40

-20

5

V.A.

+40

+40

6

V.A. -20

-20

-10

 

           

A não aplicação da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC aos gastos, e concretamente aos “Gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros”, com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Ou seja, em qualquer altura que se escolha para proceder à alienação do instrumento financeiro, as alterações patrimoniais positivas e negativas compensam-se, de modo que, a final, o sujeito passivo apenas tenha acrescentado ou diminuído ao seu lucro tributável a diferença entre o valor de aquisição e o valor de venda.

            Já se se aplicasse a norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, como pretende a Autoridade Tributária e Aduaneira, a partir do momento em que se verifique uma alteração patrimonial negativa, haverá uma discrepância entre a relevância fiscal das variações patrimoniais negativas e positivas, sem qualquer justificação, como se disse, uma vez que aquelas variações ocorrem de forma objectiva e independente da actuação ou vontade do sujeito passivo. Assim, se ao fim do segundo ano o sujeito passivo do exemplo supra procedesse à realização do instrumento financeiro em causa, não obstante ter realizado uma mais-valia de apenas 20 (que seria tributada como tal ao abrigo do princípio da realização), teria, afinal, pago imposto sobre 30 (40-10). Do mesmo modo, se procedesse àquela realização ao fim do terceiro ano, teria pago imposto sobre 20, não obstante não ter tido qualquer acréscimo patrimonial com a operação. E se procedesse à mesma realização ao fim do sexto ano, teria pago imposto como se tivesse tido um acréscimo patrimonial de 30 (80-50), não obstante ter tido uma variação patrimonial efectiva de -20, que, ao abrigo do princípio da realização consagrado no CIRC, seria atendível, ainda que em apenas 50% do respectivo valor (-10)!

            Tais resultados, meramente aleatórios e sem qualquer justificação substancial que os sustente, não poderão ter sido queridos por um legislador razoável, que, por imperativo do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, tem de fazer assentar a tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real.

            O desacerto de uma hipotética solução legislativa a que conduz uma determinada interpretação é, seguramente, um argumento decisivo para rejeitar essa interpretação, pois, em boa hermenêutica, tem de se presumir que o legislador consagrou a solução mais acertada para uma determinada situação jurídica e não uma solução insensata e sem fundamento lógico (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

            Para além disso, o direito tributário tem especificidades interpretativas e uma delas é a de que, a estar-se perante uma situação de dúvida sobre o alcance do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC (como patenteia a existência de decis arbitrais contraditórias), ter de se atender «à substância económica dos factos tributários» (por imposição do artigo 11.º, n.º 3, da LGT), que, em situações em que, findo o período de detenção de partes de capital, não ocorreu realização mais-valias ou até houve realização de menos-valias, conduz inexoravelmente à interpretação que afasta a incidência de imposto sobre o rendimento e não à que se reconduz a tributar o prejuízo como se fosse um rendimento.

            O que permite concluir que, ao contrário do que se terá entendido no processo arbitral n.º 90/2016-T, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, na interpretação em matéria tributária, os Tribunais têm de atender ao «mérito das normas» que aplicam, numa dupla acepção, pelo menos: não podem ser aceites interpretações que conduzam a soluções desacertadas, por que a tal se opõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; nem são admissíveis interpretações que se reconduzam à tributação de rendimentos inexistentes, porque tal não se compagina com as directrizes teleológicas que emanam do referido artigo 11.º, n.º 3, e dos princípios que lhe estão subjacentes, da justiça material, da igualdade e da tributação fundamentalmente com base na capacidade contributiva (artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2 da LGT), que têm suporte constitucional em princípios basilares do Estado de Direito democrático (artigos 2.º, 13.º e 104.º, n.º 2, da CRP).

            É certo que a solução alternativa, que exclui a aplicação do artigo 45.º, n.º 3, leva a que, no caso de se verificar, a final, uma menos-valia, esta acabe por ter sido considerada a 100%, e não a 50%, como ocorreria ao abrigo do princípio da realização. Seria o caso de, no exemplo do quadro supra, a realização ocorrer nos anos 4 ou 6. Contudo, esta discriminação positiva (ou melhor, não discriminação negativa) pela opção pelo critério do justo valor, poderá justificar-se, desde logo, porquanto no regime do artigo 18.º, n.º 9, alínea a), deixa de fazer sentido qualquer desincentivo à realização de menos-valias, uma vez que as mesmas terão relevância fiscal independentemente da sua efectiva realização. Não se deverá desconsiderar igualmente que, por um lado, a contabilização pelo justo valor é considerada mais conforme à aproximação entre a contabilidade e a fiscalidade, finalidade confessadamente prosseguida pelo legislador do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, e, por outro, a circunstância de estarmos perante realidades objectivamente avaliadas, sem que haja margem significativas para manipulações fiscalmente convenientes.

Ou seja, como se havia adiantado já, não se verificam as razões de combate à fraude e evasão fiscal, nem as razões de consolidação orçamental, que demonstradamente estiveram na génese da norma do artigo 45.º, n.º 3, do CIRC.

Assim, tem de se concluir que devem afastar-se do campo de aplicação deste artigo 45.º, n.º 3, as situações em que não vale a sua razão de ser, em sintonia com a velha máxima “cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)”. ( [4] ). “O método teleológico tem-se vindo a deslocar cada vez mais para um primeiro plano em relação à interpretação literal. Segundo o princípio de há longa data conhecido: cessante ratione legis, cessat lex ipsa, deve importar mais o fim e a razão de ser que o respectivo sentido literal. A ratio deve impor-se, não apenas dentro dos limites de um teor literal muitas vezes equívoco, mas ainda rompendo as amarras desse teor literal ou restringindo uma fórmula legal com alcance demasiado amplo”. ( [5] )

Deste modo, e em suma, em obediência às imposições hermenêuticas do artigo 9.º do Código Civil, segundo as quais “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º 1), e “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.º (n.º 3), é de interpretar o artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, no sentido de na sua previsão não se incluírem os gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros, que relevem para a formação do lucro tributável nos termos da alínea a) do n.º 9 do artigo 18.º.

As instruções administrativas a que se alude no Relatório da Inspecção Tributária que eventualmente adoptem entendimento contrário a este que resulta da lei não têm eficácia vinculativa fora dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

 Consequentemente, as correcções aqui em causa são ilegais, por violação deste artigo 45.º, n.º 3, do CIRC, o que justifica a sua anulação.

 

3.4. Questão dos gastos não aceites fiscalmente – gastos capitalizáveis

 

A Requerente incorreu nos períodos de 2011 a 2013 em diversos gastos relativos aquisição de bens e serviços que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu integrarem a definição de activo fixo tangível e que, como tal, deveriam ter sido capitalizados.

As correcções relativas aos gastos que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que deveriam ter sido capitalizados ascendem a € 63.353,54 no exercício de 2011, € 46.882,00, no exercício de 2012 e € 44.779,84 no exercício de 2013 (no montante total de € 155.015,38).

No entanto, como corolário da desconsideração dos gastos que entendeu que deveriam ter sido capitalizados, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou a relevância fiscal como custo das depreciações não contabilizadas nos montantes de € 18.680,06 em 2011, € 31.041,48 em 2012, € 45.511,92 em 2013 e € 30.414,43 em 2014 (no total € 125.647,89).

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu estarem nestas condições os seguintes gastos:

• Os gastos com ferramentas e utensílios (extrusão, cnc, sistemas de injeção, engrenagens, módulos conversores e módulos de potência, ...) adquiridos a vários fornecedores são enquadráveis no código "1070 Ferramentas e utensílios de uso específico" da tabela l do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto para o grupo 11 onde se inserem "outras indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material elétrico".

• Os gastos com moldes são enquadráveis no código "1065 Moldes" da tabela l do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto para o grupo 11 onde se inserem "outras indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material elétrico".

• Os gastos com a remodelação do showroom são enquadráveis no código "2186 Espaços expositivos" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

• Os gastos com material informático são enquadráveis no código "2240 Computadores" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 3 relativo a "máquinas, aparelhos e ferramentas".

• Os gastos com material elétrico serão considerados como componente das instalações elétricas e logo enquadráveis no código "2095 Instalações de eletricidade" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

•Os gastos com execução de portão, respetivos serviços acessórios, bem como os serviços de construção civil e pintura, serão considerados como uma instalação componente do edifício e logo enquadráveis no código "2195 Instalações não especificadas" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

• Os gastos com material sanitário são enquadráveis no código "2195 Instalações não especificadas" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações".

 Os gastos de serviços de construção civil serão considerados como um componente do edifício e logo enquadráveis no código "2020 Edifícios Industriais" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 1 relativo a "instalações".

 

            Os moldes e ferramentas e utensílios de uso específico utilizáveis nas indústrias metalúrgicas, metalomecânicas e de material eléctrico, são bens do activo imobilizado corpóreo (activo fixo tangível), os dois primeiros com os códigos 1065 e 1070 e ambos amortizáveis à taxa de 33,33%, de acordo com o Decreto-regulamentar n.º 25/2009 de 14 de Setembro. As despesas em causa integram-se nos valores desses bens, pelo que devem ser consideradas para sua mensuração e ter o mesmo tratamento fiscal, que deve ser aplicado independentemente da forma como a Requerente as contabilize. Mesmo que se entenda que algumas dessas despesas pudessem ser consideradas «despesas de desenvolvimento» a taxa de amortização/depreciação seria idêntica, pois integrar-se-iam no código 2470 da Tabela II anexa ao Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de Setembro. Por isso, as correcções respectivas têm fundamento legal.

            Quanto aos gastos com a remodelação do showroom, que tem natureza fixa e permanente, não se provou que se relacionem com utilizações inferiores a um ano, pelo que se justifica que sejam capitalizados, em sintonia com o § 6 da NCRF 7. A não aplicação da taxa de 25% prevista no código 2186 para «espaços expositivos de carácter itinerante» conduziria à aplicação da taxa de 10%, prevista no código 2195 para as despesas com instalações «não especificadas», pelo que a correcção a fazer ainda seria superior à efectuada. Na verdade, não se vislumbra qualquer razão para as despesas com espaços expositivos fixos e permanentes não deverem ser capitalizadas, pelo que a alternativa à aplicação daquela taxa de 25% é a aplicação da taxa de 10% prevista no código 2195 para as situações não tipificadas. Assim, a interpretação extensiva que a Autoridade Tributária e Aduaneira faz ao aplicar aquela taxa a espaços expositivos sem carácter itinerante afigura-se favorável à Requerente, pelo que, num processo contencioso vocacionado para defesa dos direitos e interesses da Requerente e por si instaurado, não se pode justificar uma de declaração de ilegalidade que conduzisse em execução de julgado a uma solução mais gravosa para a Requerente (que, aliás, careceria de interesse em agir se fosse essa a sua pretensão).

            No que respeita à factura da DD… SL (2.317,42 euros, de 04-2011) respeitante a uma placa de memória (memory board), que a Requerente disse tratar-se de um "custo para aumentar a memória de um robot de colagem, mas que não aumenta a vida útil do equipamento", afiram-se adequadas as considerações efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, pois, «na medida em que se trata de um componente do robot de colagem que introduz capacidade adicional a tal ativo fixo tangível (robot) e logo maior valor, tratar-se-á de um custo adicional na mensuração de tal ativo. Nos termos do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, as depreciações devem incidir sobre reparações ou beneficiações que "aumentem o valor ou a duração provável dos elementos a que respeitam"».

            Quanto às lâmpadas, adquiridas em grande quantidade, trata-se, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, de um investimento «decorrente de uma política interna de sustentabilidade energética, que tem de ser encarado como gerador de poupanças significativas em termos de consumos energéticos por vários anos e logo associado a benefícios económicos futuros. Não estamos perante uma mera substituição isolada de alguma lâmpadas avariadas, mas sim de uma quantidade substancial para troca generalizada de tais dispositivos». Os gastos com material eléctrico são considerados como componente das instalações eléctricas e, por isso, são enquadráveis no código "2095 Instalações de electricidade" da tabela II do Decreto-regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, previsto no grupo 2 relativo a "instalações". Por isso, há fundamento legal para a capitalização e aplicação do regime de amortizações.

            No que concerne à empresa FF… SA, foram emitidas facturas nos valores de € 11.114,00 em 2011 (€ 8.134,10 + € 2.979,90) e de € 34.944,30 em 2013 (€ 9,495,00 + € 22.425,30 + € 3.024,00), relativas a reparações numa máquina de corte a laser. Como bem diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, «os valores das reparações são demasiados avultados, em ambos os períodos, para se tratar de meros custos de conservação e reparação, as quais, para além de aumentarem, certamente, a duração provável dos elementos, aumentam também com certeza o valor de tal ativo e por isso devem ser capitalizadas». Por isso, justifica-se esta correcção.

            Quanto às despesas com material de casa de banho trata-se de equipamentos de longa duração, que se afiguram também capitalizáveis, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira. A Requerente defende que se trata de «trabalhos de construção civil de reparação/manutenção que não cria aumento de vida útil das edificações", mas trata-se de aquisição de material e não de reparação ou manutenção do que eventualmente já existisse. Por isso, tem fundamento legal esta correcção.

            No que respeita à despesa facturada pela T… (2.881,00 euros, de 12-2013), respeita a discos HDD para servidores, que a Requerente considerou tratar-se de um "custo para aumento de capacidade dos data center, não acrescentado vida útil ao data-center". Mas, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, «na medida em que se trata de um componente para os servidores que introduz capacidade adicional a tal ativo fixo tangível (data center) e logo maior valor, tratar-se-á de um custo adicional na mensuração de tal ativo».

            Em face do exposto, entende-se que é correcta a posição assumida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto à capitalização destas despesas, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral na parte respectiva.

 

3.5. Questão dos gastos não aceites fiscalmente – K…

           

            Estão em causa nesta correcção gastos relativos a alegadas prestações de serviços à Requerente pela K…, no montante de €200.004,00 respeitante aos exercícios de 2011 (€ 50.004,00) e 2012 (€ 150.000,00 sendo € 50.004,00 + € 99.996,00).

            Trata-se de valores elevados de que não foi apresentada prova documental quanto aos serviços efectivamente prestados.

            A Requerente não apresentou à Autoridade Tributária e Aduaneira evidências das alegadas prestações de serviços, tendo declarado que terão sido serviços de consultadoria prestados à antiga administração cujo administrador-delegado era L…, mas não demonstrando quais os concretos serviços prestados.

            Essa dificuldade de demonstração dos serviços prestados é reconhecida pela própria Requerente no artigo 209.º da reclamação graciosa em que diz que «há, de facto, alguma dificuldade por parte da Reclamante de apresentar documentos que demonstrassem os serviços prestados pela K… pois, para além da imaterialidade própria de uma prestação de serviços com tal valor no contexto global das transações levadas a cabo pela A…, à data dos factos, a K… prestava serviços contratados pela antiga Administração da A…, a qual já não se encontra em funções, e relativamente à qual nem nenhum dos seus membros mantém qualquer relação direta com a A…».

            A Autoridade Tributária e Aduaneira pediu apoio à Administração Tributária da Hungria que lhe confirmou que a sociedade K… não se encontra na morada registada e que tinha sido cessada oficiosamente, que não conseguiu aceder a quaisquer documentos da sociedade, informando ainda que não tinha quaisquer empregados. A Administração Tributária da Hungria informou ainda que os domicílios fiscais da K…, da M… e da N…, são todos na mesma morada, que L… era administrador da M… entre 2010 e 2012 e que também era sócio e representante da N…, sociedade que também foi cessada oficiosamente. A Administração Tributária da Hungria informou ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira que nenhuma das três sociedades mencionadas declarou pagamentos a L…, não tendo este sujeito a tributação naquele país.

            A Requerente alega que a informação da Administração Tributária da Hungria é ilegível, o que pretende demonstrar com o documento n.º 38 que juntou com o pedido de pronúncia arbitral, mas constata-se pelo Anexo 16 ao Relatório da Inspecção Tributária (junto aos autos a fls. 64 do documento do processo administrativo com a denominação «Anexos 1 ao 23 [1].pdf») que a informação é perfeitamente legível.

            Assim, para além a falta de prova documental que permita apurar quais os serviços alegadamente prestados pela K…, a prova produzida, designadamente as informações da Administração Tributária da Hungria, aponta mesmo no sentido de se tratar de uma empresa que não teria levado a cabo qualquer actividade.

            Nestas condições, ignorando-se quais os serviços prestados, não se pode formular um juízo sobre se eles se podem considerar «comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», como exige o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção do Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, para a relevância de gastos para a formação do lucro tributável.

            É sobre a Requerente, que alega que foram prestados determinados serviços, que recai o ónus da prova de quais os serviços que foram efectivamente prestados (artigo 74.º, n.º 1, da LGT). A factura é um meio de prova de que foram prestados serviços que nela se refiram, mas se da descrição nela contida não se pode concluir quais o serviços que foram efectivamente prestados, é sobre a Requerente que recai o ónus de provar que serviços foram esses, designadamente para efeito de apurar a indispensabilidade para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, que tem de ser comprovada, como resulta dos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na referida redacção. A presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita que se prevê no n.º 1 do artigo 75.º da LGT, limita-se, naturalmente, aos dados que se possam apurar com base nestes elementos e não aos que deles não constem. Por outro lado, esta presunção não se estende à indispensabilidade de gastos para efeitos daquele artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, como decorre da parte final do n.º 1 do artigo 75.º aos referir que a presunção não prejudica «os demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos».

            Como tem entendido o Tribunal Central Administrativo Sul, se a Autoridade Tributária e Aduaneira, “atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT” ( [6] ).

Por isso, sendo imprescindível apurar que serviços foram prestados para aferir se são ou não de considerar «comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora», para efeitos do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, a inviabilidade dessa comprovação, que decorre da falta de prova de factos cujo ónus da prova recai sobre a Requerente, tem de ser valorada contra esta, conduzindo a um juízo negativo sobre a indispensabilidade.

            Por outro lado, não se constata qualquer violação pela Autoridade Tributária e Aduaneira dos deveres que lhe impõem os princípios do inquisitório, da colaboração e da prossecução da verdade material, pois procurou obter comprovação desses alegados serviços, quer através de informações da Requerente, quer através do pedido de informação às autoridades tributárias da Hungria.

            Assim, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta alegada prestação de serviços pela K… não enferma de ilegalidade, pelo que improcede o pedido de pronúncia arbitral na parte respectiva.

 

3.6. Questão dos gastos não aceites fiscalmente – E…, SGPS, SA

 

A Requerente contabilizou gastos referentes a serviços de desenvolvimento e prospecção de mercados que lhe foram facturadas pela empresa E…, SGPS, SA, nos valores de € 53.500,00 em 2011 e € 119.250,00 em 2012 (€ 60.000,00 + € 59.250,00).

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se prova que tais serviços tenham sido prestados por esta empresa, dizendo o seguinte, em suma:

Face ao exposto, são vários os indícios que desencadeiam suspeitas sobre a prestação de serviços pela E… SGPS à A… PORTUGAL, uma vez que:

• A E… SGPS é uma empresa com relações especiais com o sujeito passivo, uma vez que participa em 19,99% do capital social da A… PORTUGAL;

• A emitente das faturas em análise, por ser uma sociedade gestora de participações sociais, está impedida, pelo seu regime jurídico, de efetuar prestações de serviços de natureza comercial associados à prospeção de mercados, conforme dispõe o artigo 1.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro;

• A prestação de serviços, apesar de não consentida, tinha de estar suportada em contrato escrito, conforme obriga o disposto no artigo 4.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, o que não se verificou pois nenhuma peça contratual foi apresentada pelas empresas intervenientes;

•O grupo C… possui uma estrutura internacional que lhe permitirá, certamente, desenvolver contatos comerciais para prospeção de mercados, sendo caricato que tenha supostamente de recorrer a uma sociedade nacional sem objeto social, nem especialização, para a prestação de tais serviços;

•Ainda que tais serviços tenham sido efetivamente prestados, questiona-se a sua imprescindibilidade para a atividade da A… PORTUGAL, perante a sua dependência da estratégia comercial global da empresa controladora do grupo multinacional (D…), e na medida em que apenas se registou o débito de faturas pela E… SGPS em dezembro de 2011 e em setembro e novembro de 2012, impondo-se a dúvida do porquê não terem continuado a ser prestados tais serviços em finais de 2012 e 2013, caso se revelassem efetivamente imprescindíveis para a atividade da A…;

•Todas as despesas de deslocações e estadas foram suportadas pelos administradores da SGPS e não pela sociedade, não existindo a contabilização de qualquer gasto na E… SGPS inerente aos valores faturados à A…, conforme apurado durante procedimento à SGPS;

•O descritivo das faturas faz menção a acordos e memorandos, os quais terão sido subscritos pelas partes envolvidas nos contatos de prospeção. Contudo, quer a A…, quer a E… SGPS, não foram capazes de apresentar qualquer documento que comprovasse a existência dos mesmos;

• Os três relatórios apresentados pela A…, como elaborados pelo administrador da E… SGPS, denunciam de forma acrescida a necessidade do sujeito passivo entregar provas inequívocas que contrariem os indícios de falta de autenticidade das faturas, perante as incoerências acima demonstradas.

 

Assim, apesar do ónus provatório sobre a indispensabilidade dos gastos não recair, em primeira instância, sobre o sujeito passivo, o mesmo é-lhe imputável se a administração tributária atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoletar a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, conforme defende o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 05312, de 27 de março de 2012.

Assim, competirá ao sujeito passivo "necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito (...), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados (...)" (in Acórdão TCAS, processo n.º 05312, de 27 de março de 2012).

Face ao referido, apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela E… SGPS, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela E… SGPS e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… PORTUGAL.

 

Como se vê pela parte final desta fundamentação, as razões por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não aceitar a dedutibilidade das despesas facturadas pela E… SGPS à Requerente foram as de não se demonstrar a autenticidade das facturas – no sentido da efetividade dos serviços por elas titulados -  e a indispensabilidade das despesas para os efeitos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

Como já se salientou, no âmbito da sua actuação, à Autoridade Tributária é legítimo pôr em causa a presunção de veracidade de que goza a escrita do contribuinte, sempre que, por recurso a critérios objetivos e razoáveis, conclua que existem indícios consistente e sérios de que os dados escriturados não são fiáveis. Mediante a demonstração e tais indícios, inverte-se o ónus da prova e passa a competir ao contribuinte a demonstração de que são verdadeiros os dados declarados.

Importa, pois, antes de mais, apurar se os indícios em que se baseou a Autoridade Tributária e Aduaneira, no presente caso, são suficientes para abalar a presunção referida: está em causa a emissão e facturas por uma empresa sem trabalhadores, com um objecto social incompatível com a prestação de serviços facturada, com sócios de referência comuns aos da Requerente, cujos administradores com estes apresentam estreitas relações familiares, alegadamente decorrentes de contratos meramente verbais, cujos serviços teriam sido executados pelos próprios administradores,  serviços esses cuja materialização é difusa, não se encontra vertida em nenhum documento (tipo relatório ou memorando) conclusivo e cujos encargos alegadamente necessários à sua prestação não se encontram contabilizados  pela empresa emitente da factura.

Salvo melhor opinião, e não obstante estarmos no domínio de um poder vinculado da administração, crê-se que os indícios recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira são mais do que suficientes para que se inverta o ónus da prova sobre a efectiva materialidade dos serviços.

Competia pois à Requerente demonstrar que tais facturas titularam os serviços lá descritos, que os mesmos foram efectivamente prestados em condições comerciais normais, bem como identificar, de forma concreta e circunstanciada, a natureza dos serviços, as suas quantidades, os seus resultados e a adequação do seu preço.

Ainda que da prova produzida em audiência resultem inequívocas as diligências da Requerente no seu esforço de internacionalização em momento contemporâneo ao da emissão das facturas, não ficou o tribunal convencido de que tal esforço tenha efetivamente assentado na contratação de serviços externos; nem que, ainda que tal contratação tenha existido, tais serviços tenham sido prestados pela entidade emitente da factura, como não ficou convencido da existência de qualquer nexo razoável, lógico ou credível entre o valor de tal factura e a natureza, qualidade ou quantidade dos serviços que alega ter tomado.

Por esta razão, improcede, nesta parte, por não provado, o pedido da Requerente.

 

3.7. Questão dos gastos não aceites fiscalmente – S…

Nos períodos de 2011 e 2012, a Requerente registou a contabilização de faturas que referem serviços prestados pela empresa relacionada" S… LDA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, relativamente à factura com o n.º FT 1203590, de 28-09-2012, no valor de € 58.466,00, que a despesa que nela se refere não devia ser aceite como gasto, pelas seguintes razões, em suma:

– "não existe nenhum contrato escrito relativo aos serviços que nos foram prestados pela S…";

– para descritivo daquele factura refere "Serviço-Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura. Ethernet", quando existem outras 2 faturas (FS-…-…e FS-…-…) com o mesmo descritivo e que cobrem os meses de janeiro a dezembro de 2012;

– a Requerente esclareceu que a factura em causa respeita ao apoio da S… na identificação de necessidades, definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema (aquisição e instalação de um novo datacenter), mas não existe qualquer relatório ou documento que comprove esta actividade (a Requerente afirmou não ter "forma tangível de comprovar a realização" de tais prestações de serviços);

– nesse mesmo mês, a Requerente adquiriu equipamento informático à empresa T… LDA, e é estranho que a aquisição de tal equipamento tenha ascendido a 78.529,13 euros + IVA, conforme fatura do fornecedor, e os serviços de da S… atinjam os 58.466,00 euros, fazendo sobressair uma desproporção injustificada entre tais verbas;

– é surpreendente que se invoque a inexistência de contratos, mas que numa das faturas (FS-…-…) se faça referência a um desconto de 12.750,00 euros "relativo a falha de SLA conforme acordado" (ver fatura em Anexo 20). Ora, "SLA" corresponde a "service level agreement, ou seja, ao nível de serviço acordado. E para que tenham sido acordados uns determinados níveis de serviço é porque, supostamente, teriam sido estabelecidos por escrito em contrato de prestação de serviços;

– a S… é uma sociedade controlada pela E… SGPS e pela família de F…, tratando-se de uma empresa com relações especiais com a A… PORTUGAL;

– apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela S…, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela S… e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… PORTUGAL.

 

As dúvidas suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a prestação de serviços referida na factura FT 1203590 afiguram-se, de acordo com os critérios já anteriormente referidos, plenamente justificadas.

Na verdade, não foi feita prova segura do conteúdo da prestação dos serviços que possam estar subjacentes à referida factura e ao cálculo do valor nela inscrito, tendo o próprio Técnico Oficial de Constas e Director Comercial da Requerente reconhecido não ter "forma tangível de comprovar a realização" de tais prestações de serviços.

O mesmo Técnico Oficial de Contas referiu que «em novembro de 2012 a A… efetuou a aquisição e instalação de um novo "datacenter". Esses equipamentos foram adjudicados ao fornecedor na mesma altura em que a S… nos emitiu a fatura 1203590. Essa fatura respeita ao apoio da S… na identificação de necessidades, definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema».

Embora não tenha sido apresentado qualquer relatório que descreva a definição da solução a adoptar e contenha a alegada análise de propostas, o que não é normal numa prestação de serviços de valor de quase seis dezenas de milhar de euros, é certo que foram realizadas reuniões entre representantes da Requerente e da S… tendo em vista identificar solução para um novo Datacenter, como demonstram os documentos n.ºs 43 e 44, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não foram impugnados.

Por outro lado, analisando as restantes facturas emitidas pela S… à Requerente constata-se que elas se reportam a uma avença de € 6.000,00 mensais relativa a serviços de manutenção, como concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária e é confirmado pela Requerente nos artigos 481.º e 482.º do pedido de pronúncia arbitral.

Mas, sendo assim, a actividade relativa a consultadoria respeitante ao Datacenter, que evidenciam os referidos documentos n.ºs 43 e 44, não estaria incluída no âmbito da avença, pelo que se justificaria para esta actividade uma facturação autónoma, que terá sido materializada com a factura fatura 1203590.

  No entanto, apesar de o Técnico Oficial de Contas da Requerente tenha afirmado que os serviços a que se reporta aquela factura consistiram na «definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema", a testemunha OO…, que disse que foi quem por parte da S… acompanhou todo o processo relativo ao datacenter, esclareceu que «nunca se avançou com o processo de implementar a nossa solução», «mas a consultadoria foi feita». Esta testemunha esclareceu também que do valor facturado, apenas € 25.000,00 se reportam a consultadoria.

Não obstante esta testemunha em particular estar em melhores condições de esclarecer o Tribunal sobre os serviços prestados, a verdade é que nem mesmo neste segmento (dos serviços alegadamente prestados pelo valor de € 25.000,00) ela não logrou convencer o Tribunal, porquanto, por um lado, se apresenta em contradição com o depoimento do Técnico Oficial de Contas da Requerente e, por outro, o seu vínculo laboral à empresa emitente da factura e a desta aos então gestores da Requerente não permitem concluir, uma vez mais, pela adequação do preço facturado ao conteúdo, natureza, qualidade e quantidade dos serviços  alegadamente prestados. Acresce ainda que a testemunha não demonstrou ao Tribunal o seu conhecimento efetivo sobre a formação do preço cobrado, nem sobre a adequação dos valores facturados aos serviços em cuja prestação diz ter participado.

Improcede, pois, o pedido da Requerente, devendo neste segmento manter-se a correcção efectuada.

 

3.8. Questão da falta de fundamentação


 

            A Requerente imputa ainda às liquidações impugnadas vício de falta de fundamentação


O artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece os requisitos da fundamentação dos actos tributários estabelecendo o seguinte:

            1. A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

            2. A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

 

No caso em apreço, a fundamentação das liquidações impugnadas é, para além do que delas consta, a do Relatório da Inspecção Tributária em que se basearam, previamente enviado à Requerente e para que se remete em cada uma das liquidações.

            O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. ( [7] )

            Este Relatório da Inspecção Tributária contém uma extensa fundamentação das posições adoptadas pela Administração Tributária, com expressa ponderação da argumentação apresentada pela Requerente mo exercício do direito de audição, que permite perceber as razões por que a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu como decidiu e não de outra forma.

            Nestes termos, improcede a imputação de vício de falta de fundamentação.

 

4. Juros indemnizatórios    

 

A Requerente pede o reembolso das quantias pagas em excesso com juros indemnizatórios desde as datas dos pagamentos (07-01-2016, quanto à liquidação relativa a 2011, 08-01-2016 quanto às liquidações relativas a 2012 e 2013, e 12-01-2016 quanto à liquidação relativa a 2014) até ao integral reembolso do referido montante.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

4.2. Reembolso da quantia paga a mais e direito a juros indemnizatórios nos casos de autoliquidação

 

Nos casos de pagamento indevido de imposto, o contribuinte tem direito a ser reembolsado, como decorre do preceituado nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

No caso dos autos, há pagamento de imposto indevido quanto às partes das liquidações em que o pedido de pronúncia arbitral procede.

Por outro lado, é inquestionável que os erros que afectam as liquidações são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira que efectuou as liquidações por sua iniciativa.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal), relativamente à parte de cada liquidação que é anulada, desde a data em que foi efectuado o pagamento do imposto respectivo.

 

 

5. Decisão

 

            Nestes termos, acoram neste Tribunal Arbitral:

           

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão da provisão para garantias de clientes e anular as liquidações relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, quanto ao imposto nelas liquidado que corresponde às correcções efectuadas, de € 146.471,48 em cada um dos exercícios, no total de € 585.885,93;
  2. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão custos diferidos com as indemnizações decorrentes da revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade e não anular as liquidações relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, quanto ao imposto nelas liquidado que corresponde às correcções efectuadas, no valor total de 1.254.557,55, repartido por aqueles exercícios;
  3. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão do enquadramento da provisão para aplicações de tesouraria no regime transitório e anular as liquidações relativas aos exercícios de 2011, 2012, 2013 e 2014, quanto ao imposto nelas liquidado que corresponde às correcções efectuadas, no valor total de € 162.920,16, repartido por aqueles exercícios;
  4. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão dos ajustamentos de justo valor em instrumentos financeiros e anular as liquidações relativas aos exercícios de 2011 e 2012 quanto ao imposto nelas liquidado que corresponde às correcções efectuadas de € 4.411,40 e € 800,40, respectivamente;
  5. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão dos gastos capitalizáveis, nos montantes de € 63.353,54 no exercício de 2011, de € 46.882,00, no exercício de 2012 e de € 44.779,84 no exercício de 2013 (no montante total de € 155.015,38);
  6. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos gastos não fiscalmente aceites relativos à empresa K… no valor de € 200.004,00 respeitante aos exercícios de 2011 (€ 50.004,00) e 2012 (€ 150.000,00 sendo € 50.004,00 + € 99.996,00);
  7. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão dos gastos não aceites relativos à E…, SGPS, SA e não anular as liquidações relativas aos exercícios de 2011 e 2012 quanto ao imposto nelas liquidado que corresponde às correcções efectuadas de € 53.500,00 e € 119.250,00, respectivamente, no total de € 172.750,00;
  8. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à questão dos gastos não aceites relativos à S… no valor de € de € 58.466,00 e não anular a liquidação relativa ao exercício de 2012 quanto o imposto correspondente a este valor;
  9. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de falta de fundamentação;
  10. Julgar parcialmente procedentes os pedidos de reembolso de quantias pagas e de juros indemnizatórios quanto às quantias correspondentes às anulações das liquidações e a determinar em execução do presente acórdão.

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 643.805,04.

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 9.486,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Requerida nas percentagens de 70,94% e 29,06%, respectivamente.

 

Lisboa, 27-09-2017

 

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

(parcialmente vencido nos termos de declaração anexa)

 

 

 

 

(Filipa Correia Pinto)

 

 

 

(Henrique Fiúza)

 

 

 

 

Voto de Vencida

 

Voto vencida quanto à desconsideração (ponto 3.4, apenas parcialmente) dos gastos com moldes, ferramentas e utensílios, com a remodelação do Showroom, com lâmpadas e com a reparação de máquina, por me parecer que a Autoridade Tributária e Aduaneira desprezou, sem fundamento, a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da Requerente. Com efeito, tendo esta contabilizado os referidos gastos como Serviços e Fornecimentos Externos, e não como ativos, competia à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que se trata de despesas com activos, tal como definidos na NCRF 7, isto é, com recursos detidos com carácter de permanência  expectavelmente superior a 1 ano económico no momento do reconhecimento, ou com grandes reparações em activos desse tipo, ou com substituição de peças e sobressalentes que aumentam o valor do activo ou o seu período de vida útil,  factos que, face às especificidades de cada contribuinte – e da Requerente em particular – não podem ser presumidos sobre os quais só constam dos autos os elementos carreados pela Requerente.  A simples consideração do valor dos gastos ou sobre a quantidade de determinados itens comprados não é critério de classificação do bem, pelo que teria, quanto a estes, anulado a correcção operada pela AT.

 

 

(Filipa Correia Pinto)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei vencido quanto às seguintes questões:

 

3.2. Questão dos custos diferidos com as indemnizações decorrentes da revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade

 

Em 23-09-2004, a Requerente celebrou dois acordos de revogação de contratos de distribuição em regime de exclusividade, que vigoravam com as entidades G… e H… SA.

Para poder quebrar tais contratos de exclusividade, a Requerente teve de suportar um conjunto de encargos, a título de indemnização, os quais foram considerados como imputáveis "aos custos sistematicamente por um período de 10 anos".

Em 31-12-2009, o saldo devedor de tal conta do activo ("POC 272") em que foram reconhecidos tais custos ascendia ainda a € 1.254.557,55, correspondentes ao montante que ainda faltaria diluir pelo período remanescente face ao tempo de 10 anos previamente estipulado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apurou que as referidas empresas G… e H… SA procederam ao reconhecimento faseado de tais rendimentos (proveito) apenas ao longo de 5 períodos, de 2004 a 2009.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que o desreconhecimento efetuado pela Requerente não pode ser qualificado como relevante fiscalmente, para efeitos do regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009, porque, ou:

• as indemnizações deveriam ter sido contabilizadas como gasto integral dos períodos em que foram pagas (2004 e 2005), por não respeitarem os critérios de reconhecimento de activos, e assim não subsistiria qualquer activo em POC a 31 de dezembro de 2009. Deste modo, não existiria qualquer impacto ao nível dos resultados transitados e o montante de 1.254.557,55 euros nunca influenciaria o lucro tributável dos períodos de 2010 a 2014;

• ou, ainda que fosse classificado como um activo (custo diferido ou imobilizado incorpóreo) nunca se qualificaria sequer como um activo depreciável gerador de gastos, quer em termos contabilísticos, quer fiscais, fosse antes ou depois da introdução do SNC e da consequente alteração da legislação tributária. E deste modo, afastar-se-ia a relevância fiscal do procedimento de transição, pelo que também o montante de 1.254.557,55 euros nunca seria diluído pelos períodos de 2010 a 2014;

• o regime transitório previsto no artigo 5.º do DL n.º 159/2009 apenas contempla os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção pela primeira vez do novo normativo contabilístico, pelo que têm obrigatoriamente de decorrer de uma alteração de política contabilística entre POC e SNC;

• ainda que subsistisse um activo a 31 de dezembro de 2009, o mesmo não seria depreciável, nem o era anteriormente, porque não se cumpre o requisito exigido pela Circular n.º 7/2011 de "que os gastos (...) que venham a ser reconhecidos, após aquela transição, sejam também relevantes fiscalmente".

 

A Requerente defende que os efeitos da revogação do contrato de exclusividade em favor da H… e da G…, traduzidos na obrigação de indemnizar estas últimas, se revelou como uma acertada decisão de gestão com efeitos no aumento bruto das margens inerentes, que se projectaram ao longo dos dez anos seguintes.

Os valores contratados entre a Requerente e os seus distribuidores G… e H… em 2004, pagos a título de contrapartida/indemnização pela revogação dos contratos de distribuição em regime de exclusividade, podem ser tratados contabilisticamente por uma de três formas:

  1. tratadas como custo do exercício (gasto do período) por ser um custo suportado com a reorganização da empresa no que respeita aos seus canais de distribuição. Nos termos da Normalização Contabilística, um gasto suportado com a reorganização de um sector de uma empresa, não é um activo mas um gasto a ser integrado nos resultados do exercício;
  2.  tratadas como custo do exercício (gasto do período) por ser um custo suportado com a indemnização aos seus clientes pela revogação do estatuto de distribuidores em exclusividade.

As indemnizações devem ser tratadas como gastos (do período), das entidades que as suportam e como rendimentos (do período) das entidades que as recebem, de harmonia com o preceituado no artigo 20.º, n.º 1, alínea i), (Rendimentos) e 23.º, n.º 1, alínea m), (Gastos) do CIRC.

Na verdade, nos termos deste artigo 23.º, n.º 1, alínea m), «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: m) Indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável».

Na mesma linha, o artigo 45º do CIRC, no seu nº 1, alínea e) reforça a ideia de que apenas não são dedutíveis para efeitos fiscais, as indemnizações pela verificação de eventos cujo risco não seja segurável.

Resumindo, pode afirmar-se que as indemnizações são proveito (rendimento) de quem as recebe e custo (gasto) de quem as paga, devendo umas e outras integrar os resultados do exercício em que são acordadas/contratadas, nos termos do nº 1 do artigo 18º do CIRC.

 

  1. No caso de se considerar que a indemnização/compensação representa um activo (custo diferido) que vai manter valor para além do ano da contratação/acordo, “amortizando-se” esse activo (acrescendo o custo) ao longo do período em que se esperam benefícios económico futuros, haverá que verificar se tal “activo” satisfaz a definição de um activo intangível: identificabilidadecontrole sobre o recurso e existência de benefícios económicos futuros, de acordo com a NCRF 6 (Activos intangíveis). Neste caso, é duvidoso que se esteja perante um “activo” identificável, designadamente como carteira de clientes.

Por outro lado, a ser uma carteira de clientes não se demonstra que a Requerente tem controlo sobre o activo pois não se vê controle uma carteira de clientes.

No que diz respeito à terceira condição, ou seja, no que respeita à capacidade de uma entidade controlar os benefícios económicos futuros, no caso, tal seria impossível de garantir.

Assim, conclui-se que o gasto suportado com as indemnizações/compensações pagas não pode ser considerado um activo (ou um custo diferido).

Aliás, mesmo que entendesse que era possível considerar os efeitos do contrato/acordo como um activo e que era possível “garantir” que a indemnização/compensação acordada em 2004 iria gerar benefícios económico futuros à Requerente, esta teria de determinar, de forma fiável o período de anos durante o qual o contrato/acordo celebrado iria aumentar o volume de negócios e os lucros da sociedade ou então, o que seria mais provável, assumir que os benefícios económicos futuros iriam fluir ao longo dos anos sem ser possível determinar quando cessariam os seus efeitos. Neste caso, o contrato celebrado entre a Requerente e as suas clientes G… e H…, teriam dado origem a um activo intangível com vida útil indefinida, o que, nos termos da NCRF 6 não pode ser amortizado.

 

Pelo exposto, a indemnização/compensação acordada/contratada pela requerente deveria ter sido considerada como custo da Requerente do exercício de 2004 (e como proveito das outras entidades contratantes), em sintonia com o princípio da especialização dos exercícios, adoptado pelo n.º 1 do artigo 18.º do CIRC que, na redacção vigente em 2004, estabelecia que «os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios», em sintonia com a alínea c) do n.º 4.º do Plano Oficial de Contabilidade, aprovado pelo DL n.º 410/89, de 21 de Novembro, vigente em 1993/1994, em que se estabelece que «os proveitos e os custos são reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeitam».

Assim, disposto no artigo 18.º do CIRC impede a Requerente de considerar como gasto de anos posteriores a 2004 as partes da indemnização/compensação acordada que diz serem respeitantes a anos futuros.

Também em sede de ajustamentos de transição POC/SNC não é possível reconhecer os referidos gastos, por serem de 2004 e serem considerados custos desse exercício, nem desreconhecer o suposto activo por não ser amortizável.

A Requerente, porém, invoca, além do mais, o princípio da justiça que tem vindo a ser adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo como limitação à aplicação do princípio da especialização dos exercícios nos casos em que a aplicação rígida deste conduzir a uma tributação manifestamente injusta.

O princípio da justiça é imposto à globalidade da actividade da Administração Tributária pelos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.

Da observância concomitante dos princípios da legalidade e da justiça conclui-se que o dever de a Administração Tributária aplicar o princípio da legalidade não se traduz numa mera subordinação formal às normas que especificamente regulam determinadas situações, abrangendo também o dever de a administração ter em conta as consequências da sua actividade e abster-se da aplicação estrita de normas quando dela decorra um resultado manifestamente injusto.

A aplicação do princípio da justiça sobrepondo-se ao princípio da especialização dos exercícios tem sido efectuada em situações como a que se depara no presente processo, que é a de a aplicação deste princípio ter como resultado o sujeito passivo não ver reconhecida a relevância fiscal de custos (gastos) a que legalmente deve ser dada relevância, quando não há razão para concluir que o sujeito passivo actuou intencionalmente com o objectivo de obter alguma vantagem com a não aplicação rigorosa do princípio da especialização dos exercícios.

O Supremo Tribunal Administrativo tem adoptado este entendimento, tendo decidido, relativamente ao princípio da especialização dos exercícios, que «esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios». ( [8] )

Aliás, há muito que a Administração Tributária também reconheceu a necessidade de flexibilidade na aplicação do princípio da especialização dos exercícios, no Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, em que se adoptou o seguinte entendimento, a propósito da questão paralela que se colocava no domínio da Contribuição Industrial: ( [9] )

É uma situação deste tipo que ocorre no caso em apreço, pois se conclui que a globalidade do valor das indemnizações deveria ter sido considerada custo fiscal muito antes dos exercícios que são objecto de análise no presente processo, o que, na falta de qualquer indício em sentido contrário, tem de considerar-se como consubstanciando um prejuízo para a Requerente, ínsito no diferimento da relevância de custos.

Isto é, a Requerente que já foi injustamente prejudicada pela sua opção de repartir por 10 anos a relevância fiscal das indemnizações que pagou em 2004 e 2005, em vez de obter imediatamente a economia fiscal em que essa relevância de traduz, ainda acabaria por ver essa injustiça agravada com a recusa de reconhecimento dessa relevância tardia nos exercícios de 2011 a 2014, sem concomitante correcção favorável à Requerente em qualquer dos exercícios anteriores, que a Administração Tributária e Aduaneira não levou a cabo.

Assim, em sintonia com esta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, são de considerar ilegais, por violação do princípio da justiça, as correcções efectuadas nos exercícios de 2011 a 2014 relativas às referidas indemnizações.

Deveria proceder, assim, o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

3.6. Questão dos gastos não aceites fiscalmente –E…, SGPS, SA

            A Requerente contabilizou gastos referentes a serviços de desenvolvimento e prospecção de mercados que lhe foram facturadas pela empresa E…, SGPS, SA, nos valores de € 53.500,00 em 2011 e € 119.250,00 em 2012 (€ 60.000,00 + € 59.250,00).

            A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se prova que tais serviços tenham sido prestados por esta empresa, dizendo o seguinte, em suma:

Face ao exposto, são vários os indícios que desencadeiam suspeitas sobre a prestação de serviços pela E… SGPS à A…, uma vez que:

• A E… SGPS é uma empresa com relações especiais com o sujeito passivo, uma vez que participa em 19,99% do capital social da A…;

• A emitente das faturas em análise, por ser uma sociedade gestora de participações sociais, está impedida, pelo seu regime jurídico, de efetuar prestações de serviços de natureza comercial associados à prospeção de mercados, conforme dispõe o artigo 1.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro;

• A prestação de serviços, apesar de não consentida, tinha de estar suportada em contrato escrito, conforme obriga o disposto no artigo 4.º do DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, o que não se verificou, pois, nenhuma peça contratual foi apresentada pelas empresas intervenientes;

•O grupo C… possui uma estrutura internacional que lhe permitirá, certamente, desenvolver contatos comerciais para prospeção de mercados, sendo caricato que tenha supostamente de recorrer a uma sociedade nacional sem objeto social, nem especialização, para a prestação de tais serviços;

•Ainda que tais serviços tenham sido efetivamente prestados, questiona-se a sua imprescindibilidade para a atividade da A…, perante a sua dependência da estratégia comercial global da empresa controladora do grupo multinacional (D…), e na medida em que apenas se registou o débito de faturas pela E… SGPS em dezembro de 2011 e em setembro e novembro de 2012, impondo-se a dúvida do porquê não terem continuado a ser prestados tais serviços em finais de 2012 e 2013, caso se revelassem efetivamente imprescindíveis para a atividade da A…;

•Todas as despesas de deslocações e estadas foram suportadas pelos administradores da SGPS e não pela sociedade, não existindo a contabilização de qualquer gasto na E… SGPS inerente aos valores faturados à A…, conforme apurado durante procedimento à SGPS;

•O descritivo das faturas faz menção a acordos e memorandos, os quais terão sido subscritos pelas partes envolvidas nos contatos de prospeção. Contudo, quer a A…, quer a E… SGPS, não foram capazes de apresentar qualquer documento que comprovasse a existência dos mesmos;

• Os três relatórios apresentados pela A…, como elaborados pelo administrador da E… SGPS, denunciam de forma acrescida a necessidade do sujeito passivo entregar provas inequívocas que contrariem os indícios de falta de autenticidade das faturas, perante as incoerências acima demonstradas.

Assim, apesar do ónus provatório sobre a indispensabilidade dos gastos não recair, em primeira instância, sobre o sujeito passivo, o mesmo é-lhe imputável se a administração tributária atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoletar a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, conforme defende o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), processo n.º 05312, de 27 de março de 2012.

Assim, competirá ao sujeito passivo "necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito (...), exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados (...)" (in Acórdão TCAS, processo n.º 05312, de 27 de março de 2012).

Face ao referido, apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela E… SGPS, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela E… SGPS e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… .

 

Como se vê pela parte final desta fundamentação, as razões por que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não aceitar a dedutibilidade das despesas facturadas pela E… SGPS à Requerente foram as de não se demonstrar a autenticidade das facturas e a indispensabilidade das despesas para os efeitos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do CIRC.

A prova produzida em audiência, bem como os relatórios junto aos autos elaborados pelo administrador da E… SGPS O… e cópia do seu passaporte, levam a concluir que foram prestados serviços de prospecção de mercados e potencial desenvolvimento de actividade da Requerente em países africanos, Brasil e Inglaterra.

Apesar de não existir qualquer contrato escrito o Tribunal formou a convicção de que foram prestados serviços desse tipo, o que foi esclarecido pelo depoimento da testemunha NN… .

Por outro lado, a prospecção de novos mercados e possibilidades de internacionalização das empresas é uma actividade manifestamente de natureza empresarial, que se enquadra no conceito de indispensabilidade formulado no artigo 23.º, n.º 1, que abrange todas as actividades com potencial interesse para a empresa que se harmonizam com o seu objecto.

Perante aquela prova de que foi efectuada uma actividade de prospecção por administradores da E… SGPS levada a cabo no interesse da Requerente e que se harmoniza com o seu objecto social, tem de se concluir que a correcção efectuada, que abrangeu a desconsideração como gastos da totalidade das despesas referidas, enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto, que justifica a anulação das liquidações relativas aos períodos de 2011 e 2012, nas partes respectivas.

 

3.7. Questão dos gastos não aceites fiscalmente – S…

 

Nos períodos de 2011 e 2012, a Requerente registou a contabilização de faturas que referem serviços prestados pela empresa relacionada" S… LDA.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, relativamente à factura com o n.º FT 1203590, de 28-09-2012, no valor de € 58.466,00, que a despesa que nela se refere não devia ser aceite como gasto, pelas seguintes razões, em suma:

– "não existe nenhum contrato escrito relativo aos serviços que nos foram prestados pela S…";

– para descritivo daquele factura refere "Serviço-Rede Estruturada. Serviço de Manutenção da Infra-estrutura. Ethernet", quando existem outras 2 faturas (FS-…-… e FS-…-…) com o mesmo descritivo e que cobrem os meses de janeiro a dezembro de 2012;

– a Requerente esclareceu que a factura em causa respeita ao apoio da S… na identificação de necessidades, definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema (aquisição e instalação de um novo datacenter), mas não existe qualquer relatório ou documento que comprove esta actividade (a Requerente afirmou não ter "forma tangível de comprovar a realização" de tais prestações de serviços);

– nesse mesmo mês, a Requerente adquiriu equipamento informático à empresa T…, e é estranho que a aquisição de tal equipamento tenha ascendido a 78.529,13 euros + IVA, conforme fatura do fornecedor, e os serviços de da S… atinjam os 58.466,00 euros, fazendo sobressair uma desproporção injustificada entre tais verbas;

– é surpreendente que se invoque a inexistência de contratos, mas que numa das faturas (FS-…-…) se faça referência a um desconto de 12.750,00 euros "relativo a falha de SLA conforme acordado" (ver fatura em Anexo 20). Ora, "SLA" corresponde a "service level agreement, ou seja, ao nível de serviço acordado. E para que tenham sido acordados uns determinados níveis de serviço é porque, supostamente, teriam sido estabelecidos por escrito em contrato de prestação de serviços;

– a S… é uma sociedade controlada pela E… SGPS e pela família de F…, tratando-se de uma empresa com relações especiais com a A…;

– apesar dos gastos se encontrarem suportados em faturas emitidas pela S…, a indispensabilidade e autenticidade das mesmas não se encontra devidamente comprovada, dado que se impunha a dissipação das dúvidas sobre a efetiva realização dos serviços pela S… e a confirmação da sua conexão com a atividade da A… .

 

As dúvidas suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a prestação de serviços referida na factura FT 1203590 afiguram-se justificadas.

Na verdade, não foi feita prova segura do conteúdo da prestação dos serviços que possam estar subjacentes à referida factura e ao cálculo do valor nela inscrito, tendo o próprio Técnico Oficial de Constas e Director Comercial) da Requerente reconhecido não ter "forma tangível de comprovar a realização" de tais prestações de serviços.

O mesmo Técnico Oficial de Contas referiu que «em novembro de 2012 a A… efetuou a aquisição e instalação de um novo "datacenter". Esses equipamentos foram adjudicados ao fornecedor na mesma altura em que a S… nos emitiu a fatura 1203590. Essa fatura respeita ao apoio da S… na identificação de necessidades, definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema».

Embora não tenha sido apresentado qualquer relatório que descreva a definição da solução a adoptar e contenha a alegada análise de propostas, o que não é normal numa prestação de serviços de valor de quase seis dezenas de milhar de euros, é certo que foram realizadas reuniões entre representantes da Requerente e da S… tendo em vista identificar solução para um novo Datacenter, como demonstram os documentos n.ºs 43 e 44, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, que não foram impugnados.

Por outro lado, analisando as restantes facturas emitidas pela S… à Requerente constata-se que elas se reportam a uma avença de € 6.000,00 mensais relativa a serviços de manutenção, como concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária e é confirmado pela Requerente nos artigos 481.º e 482.º do pedido de pronúncia arbitral.

Mas, sendo assim, a actividade relativa a consultadoria respeitante ao Datacenter, que evidenciam os referidos documentos n.ºs 43 e 44, não estaria incluída no âmbito da avença, pelo que se justificaria para esta actividade uma facturação autónoma, que terá sido materializada com a factura fatura 1203590.

 No entanto, apesar de o Técnico Oficial de Contas da Requerente tenha afirmado que os serviços a que se reporta aquela factura consistiram na «definição da solução a adotar, análise de propostas, bem como suporte técnico na fase de instalação e arranque do novo sistema", a testemunha OO…, que disse que foi quem por parte da S… acompanhou todo o processo relativo ao datacenter, esclareceu que «nunca se avançou com o processo de implementar a nossa solução», «mas a consultadoria foi feita». Esta testemunha esclareceu também que do valor facturado, apenas € 25.000,00 se reportam a consultadoria.

            Por isso, afigura-se que se deve considerar provado apenas que foram prestados serviços de consultadoria no valor de € 25.000,00 relativamente ao Datacenter, pois são apenas estes que quem os prestou afirma terem sido prestados.

            Neste contexto, deveria julgar-se demonstrado que do valor da prestação de serviços a que se reporta a factura 1203590, apenas foram prestados serviços no valor de € 25.000,00, pelo que apenas na parte restante (€ 33.466,00) se justifica a correcção, pelo que deveria ser anulada a liquidação relativa ao exercício de 2012 apenas quanto a este montante.

 

Lisboa, 26-09-2017

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 



[1] No mesmo sentido, foram proferidos os acórdãos arbitrais de 09-06-2015, processo n.º 58/2015-T; de 25-09-2015, processo n.º 208/2015-T; de 14-12-2015, processo n.º 473/2015-T, de 14-12-2016, processo n.º 393/2016-T.

[3] Em rigor, tal seria incoerente, na medida em que o artigo 18.º/9/a) refere-se a “instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados”, e o artigo 24.º se refere, como se viu a “variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício”.

[4] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador, página 186.

[5] KARL ENGISCH, Introdução ao pensamento jurídico, página 120.

[6] Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-03-2012, processo n.º 05312/12, e de 09-03-2017, processo n.º 05458/12. 

( [7] )  Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre muitos, os seguintes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo:

– de 4-11-1998, proferido no recurso n.º 40618;

– de 10-3-1999, proferido no recurso n.º 32796;

– de 6-6-1999, proferido no recurso n.º 42142;

– de 9-2-2000, proferido no recurso n.º 44018;

– de 28-3-2000, proferido no recurso n.º 29197;

– de 16-3-2001, do Pleno, proferido no recurso n.º 40618;

– de 14-11-2001, proferido no recurso n.º 39559;

– de 18-12-2002, proferido no recurso n.º 48366.

[8]             Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2-4-2008, processo n.º 0807/07.

Na mesma linha, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5-2-2003, processo n.º 01648/02, de 25-6-2008, processo n.º 0291/08, de 19-11-2008, processo n.º 0325/08, e de 21-11-2012, processo n.º 0809/12.

[9]             O Ofício-circular n.º C-1/84, de 8-6-84, está publicado, com o respectivo parecer, em Ciência e Técnica Fiscal, n.ºs 307-309, páginas 781-791, e nele se referem as seguintes conclusões:

 

                Sempre que em determinado exercício existam custos e proveitos de exercícios anteriores, o tratamento fiscal correspondente deverá obedecer às seguintes regras:

a) Não aceitação dos custos e dos proveitos resultantes de omissões voluntárias ou intencionais no exercício em que são contabilizados, considerando-se, em princípio, como tais as que forem praticados com intenções fiscais, designadamente, quando:

- está para expirar ou para se iniciar um prazo de isenção;

- o contribuinte tem interesse em reduzir os prejuízos em determinado exercício para retirar maior benefício do reporte dos prejuízos previsto no artigo 43.º do Código;

- o contribuinte pretende reduzir o montante dos lucros tributáveis para aliviar a sua carga fiscal.

b) Nos restantes casos, não deverão corrigir-se os custos e proveitos de exercícios anteriores.