Decisão Arbitral
1. Relatório
Em 01-03-2017, a sociedade anónima A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, n.º …, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º…, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista, de forma imediata, à anulação do indeferimento da reclamação graciosa, e de forma mediata, à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo, verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), relativa ao ano de 2015 e ao imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia dos …, concelho de Lisboa, descrito como terreno para construção.
A Requerente alega que a liquidação em causa padece de inconstitucionalidade, por violação dos seguintes princípios:
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princípio da igualdade e dos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real;
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princípio da proibição da dupla tributação.
A Requerente começa por referir que não pode conformar-se com a aplicação da verba 28.1 por entender que a mesma padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade consagrado nos artigos 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no artigo 55º da Lei Geral Tributária (LGT). Para a Requerente, o princípio da igualdade constituiria um limite à discricionariedade legislativa, não proibindo que se estabeleçam distinções, antes proibindo que se promovam distinções desprovidas de justificação objetiva e racional
Segundo a Requerente, não há justificação plausível, dentro do espirito do legislador, quanto à discriminação negativa feita pela verba 28.1 da TGIS quanto aos terrenos para construção com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário (VPT) seja igual ou superior a 1.000.000 €, relativamente à tributação de prédios habitacionais edificados e que estejam constituídos em propriedade horizontal, ou em propriedade vertical, cujas frações autónomas ou unidades de afetação individual não excedam o VPT de 1.000.000 €, mas cujo VPT total seja igual ou superior a esse valor. Nesta situação, resulta para o titular da propriedade do terreno para construção, destinado à habitação, com um VPT superior a 1.000.000 €, uma tributação agravada relativamente àquela a que virá a estar sujeita a partir do momento em que tenha procedido à edificação de prédio habitacional sobre o terreno para construção.
A Requerente entende que o ato de liquidação em crise viola o referido princípio da igualdade, na medida em que sujeitos passivos com a mesma capacidade contributiva, designadamente proprietários de terrenos para construção, cujo VPT seja igual ou superior a 1.000.000 €, são tributados, não consoante a sua riqueza, mas sim consoante o destino que, eventualmente, será dado ao referido prédio. Para a Requerente, o valor atual da riqueza e/ou o valor potencial do enriquecimento, propiciado pela raiz não edificada, não é igual, é antes necessariamente inferior, ao valor atual da riqueza e, por essa via, de capacidade contributiva, real ou presumivelmente propiciada pela propriedade edificada.
Conclui a Requerente que a verba 28.1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, é materialmente inconstitucional, por ofensa ao princípio da igualdade, ao ser aplicada a terrenos para construção com VPT igual ou superior a 1.000.000 € para os quais a construção autorizada ou prevista não incluía qualquer fração suscetível de utilização independente com valor igual ou superior àquele.
A Requerente refere as decisões do CAAD n.º 507/2015-T, 493/2015-T, 529-2015-T, 2/2016-T, 114/2016-T e 195/2016-T.
Por outro lado, a Requerente alega que o terreno para construção é um fator de produção para a prossecução de uma atividade económica, e não é um elemento demonstrador da riqueza do seu proprietário.
Entende a Requerente que as sociedades que desenvolvem atividades imobiliárias, como é o seu caso, estão a ser fiscalmente penalizadas, em detrimento das sociedades que operem em qualquer outro setor de atividade. E sobre isso refere a decisão do CAAD do processo n.º 53/2013-T.
Refere ainda a Requerente que a verba 28.1 da TGIS não tem em consideração o rendimento real da atividade desenvolvida pelas empresas, tributando-as mesmo que obtenham prejuízos.
Conclui a Requerente que também aqui a verba 28 da TGIS é materialmente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, uma vez que determina uma discriminação negativa injustificada das empresas comercializadoras de terrenos para construção.
A Requerente alega também que os prédios tributados pela verba 28.1 da TGIS encontram-se sujeitos a uma dupla tributação, inconstitucionalmente inadmissível, decorrente da sobreposição entre Imposto de Selo e Impostos Municipal sobre Imóveis (IMI).
Para a Requerente, o IMI é um imposto que incide sobre prédios e cujo facto tributário é, precisamente a propriedade desses bens, nos termos do n.º 1 do artigo 8º do Código do IMI. Assim, verificar-se-ia uma dupla tributação da mesma realidade jurídica, tributação essa inadmissível à luz dos princípios e regras que regem o sistema fiscal português.
Por fim, refere a Requerente que é manifesta a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa apresentada, pelos mesmos motivos imputados ao ato de liquidação aqui em crise.
Por último, a Requerente pede a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT, por se ter verificado um erro imputável aos serviços.
Foi designada como árbitro único, em 27-04-2017, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 17-05-2017.
A AT apresentou resposta, em 08-06-2017 (dentro do prazo legal para o efeito).
A AT defende que o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação controvertida deverá ser julgado improcedente, uma vez que a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, já que o referido imóvel em causa é um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.
Em relação à inconstitucionalidade por violação do princípio da dupla tributação alegada pela Requerente, a AT refere que a tributação em sede de IMI e de Imposto de Selo são tributos diferentes.
Quanto à alegada violação do princípio da igualdade, a AT alega que a verba 28.1 da TGIS é conforme a Constituição da República Portuguesa, não havendo qualquer violação de princípios constitucionalmente protegidos.
Já quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a AT refere que não assiste à Requerente o direito aos referidos juros, uma vez que a AT fez a aplicação da lei nos termos em que, como órgão executivo, está adstrita constitucionalmente, não se verificando erro imputável aos serviços.
Por fim, a AT refere que não se verifica qualquer interesse e utilidade para a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, requerendo a sua dispensa assim como a dispensa da apresentação de alegações.
Em 09-06-2017 foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para, em 10 dias, se pronunciar sobre a possibilidade de dispensa da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e da apresentação de alegações.
Em 20-06-2017, veio a Requerente informar que concordava com a dispensa da reunião, mas que pretendia apresentar alegações escritas.
Em 20-06-2017, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião, tendo em conta a posição das partes e o abrigo do disposto nos artigos 16º alínea c) e 19º do RJAT, e dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis.
No mesmo despacho ordenou-se ainda a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, e foi designado o dia 21-09-2017 para a prolação da decisão arbitral.
Advertiu-se ainda a Requerente para, até àquela data, juntar ao processo o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
A Requerente apresentou as suas alegações em 29-06-2017, tendo a Requerida enviado as suas em 30-06-2017.
A Requerente juntou o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente em 11-07-2017.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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A Requerente A…, S.A., em 2015, era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo…, da freguesia dos …, concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de 1.393.925,30 €, descrito como terreno para construção, conforme caderneta predial junta ao pedido arbitral como documento 5.
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A Requerente foi notificada da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2015, no valor de 13.939,25 €, a pagar em três prestações (abril, julho e novembro), relativa ao imóvel supra identificado, conforme liquidação junta ao pedido arbitral como documento 2.
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A Requerente procedeu ao pagamento das três prestações da liquidação acima referida, conforme documentos 2 a 4 juntos ao pedido arbitral.
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A Reclamante apresentou reclamação graciosa da liquidação supra identificada, que foi indeferida por despacho notificado à Requerente em 10-01-2017, conforme cópia da decisão junta ao pedido arbitral como documento 1.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e nos factos admitidos por acordo.
3. Matéria de direito:
3.1. Objeto e âmbito do presente processo
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se a verba 28.1 da TGIS, na parte que sujeita a Imposto de Selo os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, é ou não inconstitucional por violação do princípio da igualdade, dos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real e por violação do princípio da proibição da dupla tributação.
3.2. Da delimitação do âmbito de incidência objetiva da verba 28.1 da TGIS
Importa desde logo elencar as normas jurídicas relevantes à data de ocorrência dos factos.
A sujeição a Imposto de Selo dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da verba 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4º da Lei n.º 55-A/2012 de 29 de Outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
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– Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A referida lei aditou ainda o n.º 7 do artigo 23º do Código do Imposto de Selo, que refere que “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”. Foi também aditado o n.º 2 do artigo 67º que dispõe que “as matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
Posteriormente, o artigo 194º da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2014) veio alterar a redação da verba 28.1 da TGIS, em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, passando a mesma a dispor o seguinte:
“28.1 – Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI – 1%”.
O artigo 2º do Código do IMI refere-se ao conceito de prédio:
“1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 - Para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
Por sua vez, o artigo 4º define o que são prédios urbanos:
“Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como prédios rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
Determina, por sua vez, o artigo 6º que:
“1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados nas zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos” (…).
Quanto ao VPT dos terrenos para construção, vejamos o que refere o artigo 45º do Código do IMI.
“1 - O valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é o somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação.
2 - O valor da área de implantação varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.
3 - Na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação têm-se em consideração as características referidas no n.º 3 do artigo 42.º
4 - O valor da área adjacente à construção é calculado nos termos do n.º 4 do artigo 40.º.
5 - Quando o documento comprovativo de viabilidade construtiva a que se refere o artigo 37.º apenas faça referência aos índices do PDM, devem os peritos avaliadores estimar, fundamentadamente, a respetiva área de construção, tendo em consideração, designadamente, as áreas médias de construção da zona envolvente. (Aditado pela Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro).”
3.3. Da alegada inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita Imposto de Selo os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, por violação do princípio da igualdade, e dos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real, e por violação do princípio da proibição da dupla tributação.
A questão da inconstitucionalidade que constitui objeto do presente processo já foi analisada pelo Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.º 590/2015 e n.º 247/2016, que não julgou inconstitucional a norma constante da verba 28 e 28.1 da TGIS, aditada pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro. Esta jurisprudência foi recentemente reafirmada nos acórdãos n.º 83/2016, 247/2016, 568/2016 e 692/2016 do Tribunal Constitucional, e confirmada também nas decisões do CAAD dos processos n.º 485/2015-T e n.º 650/2016-T.
E neste ponto seguimos o decidido no acórdão n.º 247/2016 do Tribunal Constitucional, ao referir o seguinte:
“Apreciando o problema de inconstitucionalidade à luz dos princípios da igualdade tributária, capacidade contributiva e proporcionalidade, considerou-se no referido Acórdão n.º 590/15, a tal propósito, o seguinte:
«Princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva
12. (…).
O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).
(…)
Este Tribunal tem, todavia, salientado que o princípio da capacidade contributiva não dispensa o concurso de outros princípios constitucionais. Como se referiu no Acórdão n.º 711/2006, «é claro que o “princípio da capacidade contributiva” tem de ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador, e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário, indispensáveis também para o cumprimento das finalidades do sistema fiscal». E prossegue: «Averiguar, porém, da existência de um particularismo suficientemente distinto para justificar uma desigualdade de regime jurídico, e decidir das circunstâncias e fatores a ter como relevantes nessa averiguação, é tarefa que primariamente cabe ao legislador, que detém o primado da concretização dos princípios constitucionais e a correspondente liberdade de conformação. Por isso, o princípio da igualdade se apresenta fundamentalmente aos operadores jurídicos, em sede de controlo da constitucionalidade, como um princípio negativo (…) - como proibição do arbítrio».
(…)
Podem, seguramente, conceber-se outras vias ao alcance do legislador, eventualmente por recurso a outras espécies tributárias, mas não é menos certo que a opção tomada encontra inscrição na ampla margem de conformação do legislador fiscal, sendo insuscetível de fundar autónoma censura constitucional.
15. Também não se encontra na norma de incidência em apreço medida fiscal arbitrária, porque desprovida de fundamento racional. Como se viu, a alteração legislativa teve como propósito alargar a tributação do património, fazendo-a recair de forma mais intensa sobre a propriedade que, pelo seu valor bastante superior ao do da generalidade dos prédios urbanos com afetação habitacional, revela maiores indicadores de riqueza e, como tal, é suscetível de fundar a imposição de contributo acrescido para o saneamento das contas públicas aos seus titulares, em realização do aludido “princípio da equidade social na austeridade”.
(…)
Por ser necessariamente assim, a diferenciação comportada na segunda hipótese colocada não se mostra desprovida de fundamento racional, de acordo com o escopo, estrutura e natureza da norma em análise: votada a incrementar a tributação de prédios com afetação habitacional de valor elevado, a medida fiscal não podia deixar de determinar, por imperativo do princípio da legalidade fiscal, o concreto valor patrimonial a partir do qual passava a incidir sobre tais prédios uma taxa especial de Imposto do Selo, o que afasta, também neste ponto, a verificação de arbitrariedade por parte do legislador”.
Seguindo a jurisprudência do Tribunal Constitucional supra referida, teremos que concluir que a verba 28.1 da TGIS, na parte em que sujeita Imposto de Selo os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, não é inconstitucional, não se verificando a violação do princípio da igualdade, nem dos subprincípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real.
Já quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio da proibição da dupla tributação, alegada pela Requerente, decorrente da sobreposição entre Imposto de Selo e Impostos Municipal sobre Imóveis (IMI), começamos por referir que se trata de diferentes impostos, com diferentes regras de incidência objetiva e são diferentes os credores tributários de cada um deles, tal como invoca o acórdão n.º 247/2016 do Tribunal Constitucional. No caso do IMI os credores das receitas são os municípios, e no caso do Imposto de Selo é o Estado Central.
Segundo CASALTA NABAIS, in O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, 2009, páginas 511 e 512: “a igualdade fiscal, aferida pela capacidade contributiva, em princípio também não obsta a existência de dupla (ou múltipla) tributação (…) jurídica ou económica.
Com efeito, o legislador fiscal não está constitucionalmente impedido, mormente por força do princípio em análise, de estabelecer situações de dupla tributação (…) já que ele não pode deixar de gozar de ampla liberdade relativamente à configuração concreta do sistema fiscal. (…) Ora, em qualquer das situações de cumulação de impostos, o legislador goza de ampla liberdade, estando apenas impedido, por um lado, que dessa cumulação resulte uma tributação excessiva ou com caráter confiscatório e, por outro lado, de estabelecer duplas tributações que se revelem arbitrárias quanto ao âmbito de sujeitos abrangidos, por submeterem a uma sobrecarga fiscal determinados contribuintes e não outros com idêntica situação em termos de capacidade contributiva”.
Pelo que não se pode reputar de inconstitucional a norma objeto da verba 28.1 da TGIS em atenção à dupla tributação que envolve.
Concluímos assim como no acórdão n.º 568/2016 do Tribunal Constitucional, que não é inconstitucional a norma constante da verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 55-A/2012 de 29 de outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro, que impõe a tributação anual sobre a propriedade do prédio habitacional ou de terreno para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a 1.000.000,00 €.
Sendo o prédio da Requerente um terreno para construção com afetação, prevista ou autorizada, para habitação, deverá ser aplicada a referida norma, que não padece do vício de inconstitucionalidade que lhe é assacado pela Requerente.
4. Dos juros indemnizatórios
A Requerente refere que procedeu ao pagamento da liquidação de Imposto de Selo em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da Lei Geral Tributária (LGT).
Improcedendo a declaração e inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, improcede também o pedido de condenação da AT no reembolso da quantia paga e no pagamento de juros indemnizatórios.
5. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
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Julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade da liquidação de Imposto de Selo n.º 2016…, referente ao ano de 2015, no valor de 13.939,25 €;
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Julgar improcedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, do pagamento de juros indemnizatórios.
6. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 13.939,25 €.
7. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, devidas pela Requerente.
Notifique.
Lisboa, 29 de setembro de 2017.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
A juiz arbitro
Suzana Fernandes da Costa