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Acórdão Arbitral
I RELATÓRIO
A…– SUCURSAL EM PORTUGAL (“Requerente”, doravante), Pessoa Colectiva n.º …, com sede em …, …, …, veio impugnar o despacho de indeferimento, de 16.12.2016, da Unidade dos Grandes Contribuintes (AT), que lhe indeferiu a Reclamação Graciosa oportunamente deduzida contra 749 autoliquidações de Imposto Único de Circulação (IUC) e juros compensatórios (JC), relativas aos anos de 2014 e 2015, no total de Euro 99.732,89.
Pede ainda:
a) A declaração de ilegalidade dos actos de autoliquidação de IUC e JC, objecto da mesma Reclamação Graciosa, que somam Euro 99.732,89, cujas cópias anexou à petição inicial, como doc. 3, e cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (cfr. tb. anexo contendo a listagem das autoliquidações aqui concretamente impugnadas), bem como
b) A condenação da demandada AT na restituição da totalidade do IUC pago [€99.732,89], acrescida de juros indemnizatórios nos termos legais.
Alega a Requerente, no essencial, que a sobredita Reclamação Graciosa tramitou na UGC sob o processo administrativo de reclamação graciosa no …2016… e que a AT baseou-se única e exclusivamente na presunção de titularidade do Registo Automóvel para proceder às sobreditas liquidações de IUC, sendo que a Requerente desconhecia este IUC e JC, até que consultou o Portal das Finanças e constatou a existência, entre outros, dos documentos de cobrança de IUC e JC aqui em questão, tendo retirado do Portal das Finanças os respectivos documentos de cobrança para autoliquidação e pagamento do IUC e JC; tendo feito uma análise casuística de todas as viaturas reclamou contra as autoliquidações de IUC e JC aqui selecionadas, porque relativas a viaturas cujo sujeito passivo de IUC e JC não era a Requerente; tomou a iniciativa de autoliquidar e pagar o respectivo IUC e JC, obtendo os respectivos documentos para pagamento por via da internet, no Portal das Finanças, conquanto discordasse dessas autoliquidações e pagamento na medida em que não era ele quem efetivamente era ou deveria ser o sujeito passivo do IUC e JC; os veículos que discrimina no documento que junta (doc 5) e relativamente aos quais foi liquidado IUC e JC dos anos de 2014 e 2015, no total de €99.732,89, alegadamente com base no disposto nos artigos 3º-1, 4º-2 e 6º-1 e 3, do CIUC, não eram propriedade da Requerente nem esta era, a qualquer título, sujeito passivo do imposto; sendo a demandante uma sociedade comercial importadora, em exclusivo, de todos os veículos de marca “B…” para o mercado nacional, as viaturas importadas são-no mediante prévio pedido dos concessionários à Requerente, apresentados por via informática; uma vez importados, os veículos são imediatamente vendidos aos concessionários da marca que, por sua vez, os vendem aos clientes finais de tal modo que quando um veículo é importado, o mesmo já tem um comprador; por sua vez, logo que são importados os veículos é solicitado, em nome da Requerente, a atribuição de matrícula aos veículos e quando estes são enviados dos concessionários aos clientes destes, é efetuada a alteração do registo do proprietário – feito, numa primeira fase, em nome da Requerente - para o nome do cliente final; de todo o modo, sempre à data do pedido de matrículas, as viaturas já foram faturadas/vendidas pela Requerente aos concessionários sem indicação das matrículas, pela óbvia razão de que ainda as não possuem, sendo identificadas pelos números de “chassis”, conforme resulta das faturas juntas sob o documento nº 6; por sua vez, os débitos de ISV/IA aos concessionários ocorrem posteriormente à data da emissão das faturas de venda e, por isso, já contêm a matrícula dessas viaturas; dessa interligação desses débitos de ISV/IA (doc 6) com as anteriores faturas de venda das viaturas aos concessionários, resulta evidenciada a coincidência entre os números de chassis e as matrículas, estas solicitadas efetivamente pelo concessionário quando os veículos estão disponíveis para o cliente final; só numa perspetiva estritamente formal é que a matrícula e o registo dos veículos são feitos, inicialmente, pelo importador (a Requerente); assim é que, embora a Requerente constasse do Registo Automóvel e do IMTT como (pressuposta) proprietária dos veículos à data das matrículas, a realidade é que ela não o era já proprietária porquanto as viaturas tinham sido vendidas aos concessionários; consequentemente as liquidações objeto desta impugnação enfermam de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito [designadamente, violação do disposto nos artigos 1º, 2º/1-a) e d), 3º, 4º, 6º e 11º, do CIUC].
A AT notificada para apresentar Resposta, veio a fazê-lo, alegando, em síntese e no essencial, que, nos termos do art. 24.º do RRA, o importador figura no registo como primeiro proprietário do veículo e, nesse sentido, é de acordo com o disposto nos art. 3.º e 6.º do CIUC, sujeito passivo do imposto, sendo certo não estar consagrada na Lei que a titularidade constante do registo automóvel seja ilidível para efeitos de identificação do SP do imposto; mesmo que assim não fosse, as faturas juntas pela Requerente não são aptas a comprovar a celebração de contratos sinalagmáticos como é o caso da compra e venda, pois tais documentos não revelam por si só uma imprescindível e inequívoca declaração de vontade (ou seja, a aceitação) por parte dos pretensos adquirentes; acresce que todas as faturas referem expressamente que a propriedade da viatura vendida fica reservada à Requerente até ao pagamento integral do respectivo valor, como se verifica pelo canto superior esquerdo constante das faturas, que transcreve: “ A vendedora reserva para si a propriedade da mercadoria constante desta factura até integral pagamento do respetivo preço”; nenhum dos documentos juntos ao pedido arbitral demonstram o pagamento integral dos valores das faturas e a data em que tal facto ocorreu, conforme estabelecem as próprias facturas; não contendo as faturas quaisquer matrículas, então obviamente não há sistema informático algum que, através do cruzamento de informação contida naquelas faturas com a informação do IRN e do IMT, consiga determinar transferência de propriedade; o IUC é liquidado de acordo com a informação registral oportunamente transmitida pelo Instituto dos Registos e Notariado; não tendo a Requerente cuidado da actualização do registo automóvel, como aliás podia e competia [artigo 5.º/1-a) do Decreto-Lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e artigo 118.º/4 do Código da Estrada], e não tendo mandado cancelar as matrículas dos veículos aqui em apreço, forçoso é concluir que a Requerente não procedeu com o zelo que lhe era exigível; logo, não foi a Requerida quem deu azo à dedução do pedido de pronúncia arbitral, mas sim a própria Requerente; consequentemente, deverá sempre a Requerente ser condenada ao pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos do artigo 527.º/1 do CPC ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT, em linha, aliás, com questão similar decidida no âmbito processo que, sob o n.º 72/2013-T, correu termos neste centro de arbitragem, sendo este mesmo raciocínio aplicável relativamente ao pedido de condenação ao pagamento de juros indemnizatórios formulado pela Requerente; mesmo que se entenda que o imposto não é devido à Requerente por esta não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, ainda assim, e tal como foi decidido pelo já citado Tribunal Arbitral constituído no âmbito do processo n.º 26/2013-T, é inegável que a Requerida se limitou a dar cumprimento ao artigo 3.º/1 do CIUC, que imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados, pelo que também por aqui necessariamente terá de falecer o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Constituição do Tribunal Arbitral.
A autora não procedeu à nomeação de árbitros, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados pelo presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, tendo aceitado o encargo nos termos legalmente previstos.
Foram as partes oportuna e regulamentarmente notificadas dessa designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal ficou constituído em 26-5-2017[artigo 11º-1/c), do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228º, da Lei nº 66-B/2012, de 31-12]
Reunião do Tribunal com as partes (artigo 18º, do RJAT)
Por despacho de 6-7-2017, o Tribunal, salvo oposição das partes no prazo de 5 dias [que não ocorreu] dispensou a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal e alegações finais.
Saneador/Pressupostos processuais
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.
Tratando-se do mesmo tributo (IUC) e ponderada a identidade dos fundamentos de facto e de direito em todas as impugnações das liquidações, verificam-se os pressupostos previstos nos arts 104º, do CPPT e 3º, do RJAT, para a cumulação dos pedidos.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que possam obstar à apreciação do mérito da causa.
II FUNDAMENTAÇÃO
Os factos provados[1]
Não havendo factos essenciais controvertidos mas tão só divergências interpretativas ou de enquadramento legal dos atos de liquidação, conforme tácita e expressamente foi reconhecido pela Requerente e pela AT, fixa-se o seguinte quadro factual:
a) A requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua actividade, importa, em exclusivo, todos os veículos automóveis da marca B… para o mercado nacional.
b) As viaturas são importadas pela requerente à B… International, mediante prévio pedido dos concessionários, apresentado por via informática directamente junto da fábrica.
c) As necessidades de importação das viaturas partem de encomendas efectuadas directamente pelos concessionários à requerente, pelo que não há vendas de veículos à requerente e desta àqueles, sem a respectiva ordem de encomenda.
d) Chegadas a Portugal, as viaturas são de imediato facturadas pela requerente aos concessionários e imediatamente entregues nas instalações destes, excepto as viaturas com destino à Madeira e aos Açores que são depositadas no armazém de uma empresa de logística.
e) Uma vez importados os veículos, o representante oficial associado –C…– solicita em nome da requerente a atribuição das matrículas às viaturas.
f) As facturas de venda das viaturas aos concessionários não contêm as matrículas, por ainda não terem sido solicitadas, mas apenas os números de chassis dos veículos vendidos aos concessionários.
g) Após a venda aos concessionários a requerente paga o devido Imposto sobre Veículos, solicita a emissão da matrícula e factura àqueles o imposto suportado, fazendo constar das respectivas facturas as matrículas dos veículos.
h) As autoliquidações ora impugnadas resultam do facto de a requerente ser, pelas razões supra, o primeiro proprietário registado das viaturas enquanto importador das mesmas.
i) As 749 liquidações de IUC, relativas aos anos de 2014 e 2015 tiveram por objeto os veículos discriminados na respetiva lista que se junta a esta sentença, rubricada pelos árbitros deste coletivo, e que constitui o “Anexo I”;
j) A requerente presentou reclamação graciosa relativamente a tais autoliquidações, cujo processo correu sob o n.º …2016…, que foi indeferida por despacho de 16-12-2016, notificado à Requerente através de registo postal de 19-12-2016;
k) À requerente foi concedido o direito de audição relativamente ao projeto do despacho mencionado, mas não o exerceu;
l) A requerente procedeu ao pagamento das sobreditas liquidações conforme discriminaçãooa efetuada no doc. 3, junto com o pedido arbitral;
m) Nas datas referidas no “Anexo I” a esta decisão, a Requerente não era a proprietária dos veículos aí elencados
Factos não provados
Não há outros factos que se revelem essenciais para a decisão, provados e/ou não provados.
Motivação
O Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs. 596º -1 e 607º-2 a 4, do C.P.Civil[2], na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº. 123º-2, do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607º-5, do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº.371º, do C.Civil - é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
A convicção do Tribunal fundou-se, in casu, na análise crítica dos documentos juntos pelas partes e da cópia do processo administrativo instrutor junto pela AT, em conjugação com a posição das partes assumida nos respetivos articulados.
Ponderou-se designadamente a posição silente da Requerente, com o significado de concordância ou aceitação, relativamente à produção de prova testemunhal e da Requerida sobre a mesma matéria que, na resposta ao pedido de pronúncia arbitral, declarou que “(...) de acordo com os termos delineados no douto pedido de pronúncia arbitral a produção de prova testemunhal afigura-se desnecessária, no caso em apreço, quer por constarem dos autos os elementos documentais que farão a prova dos factos, quer porque, relativamente aos demais artigos, estes consubstanciam matéria conclusiva ou de direito (...)Assim, requer-se a dispensa da produção de prova testemunhal, porquanto a inquirição de testemunhas constituirá um acto manifestamente inútil (...)” [cfr artigos 129º e 130º, da Resposta].
II FUNDAMENTAÇÃO (continuação)
O Direito
O regime de contencioso previsto no RJAT é de mera legalidade, visando-se apenas a declaração de ilegalidade de actos dos tipos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do seu artigo 2.º.
Por isso, tem de se aferir da legalidade dos actos impugnados tal como foram praticados, com a fundamentação que neles foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo jurisdicional.
Por outro lado, deve mais uma vez assinalar-se que os Tribunais (em que se incluem obviamente os arbitrais) não têm que apreciar todos os argumentos formulados pelas partes ( Cfr., inter alia, Ac do Pleno da 2ª Secção do STA, de 7 Jun 95, rec 5239, in DR – Apêndice de 31 de Março de 97, pgs. 36-40 e Ac STA – 2ª Séc – de 23 Abr 97, DR/AP de 9 Out 97, p. 1094).
Questões a decidir
Atentas as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados na reclamação graciosa e nos articulados e alegações, constituem questões centrais dirimentes a saber:
-
Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, nomeadamente para efeitos da incidência subjetiva deste imposto e, designadamente, se a norma de incidência constante do artigo 3º nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção;
-
Se a apresentação de faturas de venda constitui meio idóneo para prova de venda de veículo automóvel;
-
Se há lugar a juros indemnizatórios a pagar pela AT no caso de, para efeitos de tributação em sede de IUC, ter a natureza de presunção ilidível (e for ilidida) a titularidade da propriedade do veículo que consta do registo automóvel e
-
Se, mesmo em caso de procedência do pedido, deve ser a AT a suportar as custas.
Vejamos então as respostas a estas questões.
a. Qual o valor jurídico do registo automóvel na economia do CIUC, nomeadamente para efeitos da incidência subjetiva deste imposto e, designadamente, se a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3º nº 1 do CIUC, estabelece ou não uma presunção
Adiante-se desde já que se segue no essencial a Jurisprudência arbitral tributária maioritária sobre esta matéria [Cfr, designadamente, decisões proferidas nos processos do CAAD nºs 14/2013, 26/2013, 27/2013, 73/2013, 170/2013 e 154/2014 e, mais recentemente, nos processos nºs 539/2016-T, 580/2016-T, 623/2016-T, 109/2017-T e 145/2017-T, todas publicadas em www.caad.org.pt].
Dispõe o artigo 3º do CIUC (Código do Imposto único de Circulação):
“Artigo 3º
Incidência subjetiva
1 – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
2 – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”.
Estabelece, por seu lado, o nº1 do artigo 11º da LGT que “na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais da interpretação e aplicação das leis”.
Resolver as dúvidas que se suscitem na aplicação de normas jurídicas pressupõe a realização de uma atividade interpretativa.
Há assim que ponderar qual a melhor interpretação[3] do art. 3º, nº 1 do CIUC, à luz, em primeiro lugar, do elemento literal, ou seja aquele em que se visa detetar o pensamento legislativo que se encontra objetivado na norma, para se verificar se a mesma contempla uma presunção, ou se determina, em definitivo, que o sujeito passivo do imposto é o proprietário que figura no registo.
A questão que se coloca é, no caso sub juditio, a de saber se a expressão “considerando-se” utilizada pelo legislador no CIUC, em vez da expressão“presumindo-se”, que era a que constava nos diplomas que antecederam o CIUC, terá retirado a natureza de “presunção” ao dispositivo legal em apreço.
A nosso ver e ao contrário do que defende a AT, a resposta tem necessariamente de ser negativa, uma vez que da análise do nosso ordenamento jurídico se retira de forma clara que as duas expressões têm sido utilizadas pelo legislador com sentido equivalente, seja ao nível de presunções ilidíveis, seja no quadro das presunções inilidíveis, pelo que nada habilita a extrair a conclusão pretendida pela Autoridade Tributária por uma mera razão semântica.
Na verdade, assim acontece em variadas normas legais que consagram presunções utilizando o verbo “considerar”, de que se indicam, meramente a título de exemplo, as seguintes:
- no âmbito do direito civil - o nº 3 do art. 243º do Código Civil, quando estabelece que “considera-se sempre de má-fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar”;
- também no âmbito do direito da propriedade industrial o mesmo se passa, quando o art. 59º, nº 1 do Código da Propriedade Industrial dispõe que “(…) as invenções cuja patente tenha sido pedida durante o ano seguinte à data em que o inventor deixar a empresa, consideram-se feitas durante a execução do contrato de trabalho (…)”;
- e, também ainda, no âmbito do direito tributário, quando os nºs 3 e 4 do art. 89-A da LGT dispõem que incumbe ao contribuinte o ónus da prova que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que, não sendo feita essa prova, presume-se (“considera-se” na letra da Lei) que os rendimentos são os que resultam da tabela que consta no nº 4 do referido artigo.
Esta conclusão de haver total equivalência de significados entre as duas expressões, que o legislador utiliza indiferentemente, satisfaz a condição estabelecida no art. 9º, nº 2 do Código Civil, uma vez que se encontra assegurado o mínimo de correspondência verbal para efeitos da determinação do pensamento legislativo.
Importa, de seguida, submeter a norma em apreço aos demais elementos de interpretação lógica, designadamente, o elemento histórico, o racional ou teleológico e o de ordem sistemática.
Dissertando sobre a atividade interpretativa diz FRANCESCO FERRARA que esta “é a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino trato, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação. (…) A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão, arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre respeitadora da lei” (Cfr. Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, tradução de MANUEL DE ANDRADE, (2ª ed.), Arménio Amado, Editor, Coimbra, 1963, p. 129).
Como refere BAPTISTA MACHADO “a disposição legal apresenta-se ao jurista como um enunciado linguístico, como um conjunto de palavras que constituem um texto. Interpretar consiste evidentemente em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento.
O texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis. Além de que, embora aparentemente claro na sua expressão verbal e portador de um só sentido, há ainda que contar com a possibilidade de a expressão verbal ter atraiçoado o pensamento legislativo – fenómeno mais frequente do que parecerá à primeira vista “(Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pp.175/176).
“A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a vis potestas legis.(…) A lei não é o que o legislador quis ou quis exprimir, mas tão somente aquilo que ele exprimiu em forma de lei. (…) Por outro lado, o comando legal tem um valor autónomo que pode não coincidir com a vontade dos artífices e redatores da lei, e pode levar a consequências inesperadas e imprevistas para os legisladores. (…) O intérprete deve buscar não aquilo que o legislador quis, mas aquilo que na lei aparece objetivamente querido: a mens legis e não a mens legislatoris (Cfr. FRANCESCO FERRARA,Ensaio, pp. 134/135).
Entender uma lei “não é somente aferrar de modo mecânico o sentido aparente e imediato que resulta da conexão verbal; é indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direções possíveis” (loc. cit., p.128).
Com o objetivo de desvendar o verdadeiro sentido e alcance dos textos legais, o intérprete lança mão dos fatores interpretativos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto, ou a “letra da lei”) e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico. (Cfr. BAPTISTA MACHADO, loc. Cit., p. 181; J. OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral 2ª Ed., Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, p.361).
Entre nós, é o artigo 9º do Código Civil (CC) que fornece as regras e os elementos fundamentais à interpretação correta e adequada das normas.
O texto do nº 1 do artigo 9º do CC começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dela, o “pensamento legislativo”.
Sobre a expressão “pensamento legislativo” diz-nos BAPTISTA MACHADO que o artigo 9º do CC “não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjetivista e a doutrina objetivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador” nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da atividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (artº. 9º, 1º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exatamente que o legislador não se quis comprometer” (loc. cit., p. 188).
No mesmo sentido se pronunciam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA em anotação ao artigo 9º do CC (Cfr. Código Civil Anotado – vol. I, Coimbra ed., 1967, p. 16).
E sobre o nº 3 do artigo 9º do CC refere aquele autor: “(...) este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagrou as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta. Este modelo reveste-se claramente de características objetivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorreto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstrato: sábio, previdente, racional e justo(...)” (loc. cit. p. 189/190).
Logo a seguir este insigne Professor chama a atenção de que o nº 1 do artigo 9º, refere mais três elementos de interpretação a“unidade do sistema jurídico”, as“circunstâncias em que a lei foi elaborada” e as“condições específicas do tempo em que é aplicada” (loc. cit, p. 190).
Quanto às “circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada”, explica BAPTISTA MACHADO que esta expressão“(...)representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os fatores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa(...)” (loc. cit., p.190).
Relativamente às “condições específicas do tempo em que é aplicada” diz este autor que este elemento de interpretação “tem decididamente uma conotação atualista (loc. cit., p. 190) no que coincide com a opinião expressa por PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA nas anotações ao artigo 9º do CC.
No que respeita à “unidade do sistema jurídico”, BAPTISTA MACHADO considera este o fator interpretativo mais importante: “a sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica” (loc. cit., p. 191).
É também este autor que nos diz, relativamente ao elemento literal ou gramatical (texto ou “letra da lei”) que este “é o ponto de partida da interpretação. Como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei.
Mas cabe-lhe igualmente uma função positiva, nos seguintes termos: se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma – com a ressalva, porém, de se poder concluir com base noutras normas que a redação do texto atraiçoou o pensamento do legislador” (loc. cit., p. 182).
Referindo-se ao elemento racional ou teleológico, diz este autor que ele consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. O conhecimento deste fim, sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.,) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura política-económica-social que motivou a decisão legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” (loc. cit., pp. 182/183).
É ainda BAPTISTA MACHADO que nos diz, agora no que respeita ao elemento sistemático (contexto da lei e lugares paralelos) que “(...)este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
Baseia-se este subsídio interpretativo no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário(...)” (loc.cit., p. 183).
Como ensina JOSEF KOHLER, citado por MANUEL DE ANDRADE “(…) em particular havemos de tomar em consideração o encandeamento das diversas leis do país, porque uma exigência fundamental de toda a sã legislação é que as leis se ajustem umas às outras e não redundem em congérie de disposições desconexas (...)” (Ensaio, p. 27).
Ora através da análise do elemento histórico, extrai-se a conclusão que, desde a entrada em vigor do Decreto-Lei 59/72, de 30 de Dezembro, o primeiro a regular a matéria, até ao Decreto-Lei nº 116/94, de 3 de Maio, o último a anteceder o CIUC [cfr Lei nº 22-A/2007, com as alterações da Lei 67-A/2007 e 3-B/2010], foi consagrada a presunção dos sujeitos passivos do IUC serem as pessoas em nome das quais os veículos se encontravam matriculados à data da sua liquidação.
Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar (para o caso que ora interessa) o verdadeiro e efetivo proprietário[4] e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente.
O mesmo se diga quando nos socorremos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica.
Com efeito, o atual e novo quadro da tributação automóvel consagra princípios que visam sujeitar os proprietários dos veículos a suportarem os prejuízos por danos viários e ambientais causados por estes, como se alcança do teor do art. 1º do CIUC.
Ora a consideração destes princípios, designadamente, o princípio da equivalência, que merecem tutela constitucional e consagração no direito comunitário, e são também reconhecidos em outros ramos do ordenamento jurídico, determina que os aludidos custos sejam suportados pelos reais proprietários, os causadores dos referidos danos, o que afasta, de todo, uma interpretação que visasse impedir os presumíveis proprietários de fazer prova de que já não o são por a propriedade estar na esfera jurídica de outrem[5].
Assim, também, da interpretação efetuada à luz dos elementos de natureza racional e teleológica, atento aquilo que a racionalidade do sistema garante e os fins visados pelo novo CIUC, resulta claro que o nº 1 do art. 3º do CIUC consagra uma presunção legal ilidível.
Em face do exposto, importa concluir que a ratio legis do imposto aponta no sentido de serem tributados os efetivos proprietários-utilizadores dos veículos pelo que a expressão “considerando-se” está usada no normativo em apreço num sentido semelhante a “presumindo-se”, razão pela qual dúvidas não há que está consagrada uma presunção legal.
Por outro lado, estabelece o art. 73º da LGT que “(…) as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que são ilidíveis (…)”.
Assim sendo, consagrando o art. 3º, nº 1 do CIUC uma presunção juris tantum [e, portanto, ilidível], a pessoa que está inscrita no registo como proprietária do veículo e que, por essa razão foi considerada pela Autoridade Tributária como sujeito passivo do imposto, pode apresentar elementos de prova visando demonstrar que o titular da propriedade, na data do facto tributário, é outra pessoa, para quem a propriedade foi transferida.
b. Se a apresentação de faturas de venda constitui meio idóneo para prova de venda de veículo automóvel
A segunda questão que importa analisar é a relativa à idoneidade das faturas de venda de veículos automóveis como meio de prova da venda desses veículos.
Vejamos:
Os contratos de compra e venda de automóveis têm uma base consensual e sem sujeiçãoo a formalismos especiais (Cfr artigos 219º e 408º-1, do Código Civil).
As faturas têm essencialmente as formalidades previstas no artigo 36º, do CIVA e 5º do DL nº 198/90.
A presunção de verdade que as faturas encerram pode ser ilidida pela AT à luz do disposto no artigo 75º-2, da LGT.
Por outro lado, a propriedade de veículos automóveis está sujeita a registo obrigatório (cfr. artº. 5º-1 e 2, do DL nº 54/75, de 12/2). A obrigação de proceder ao registo recai sobre o comprador - sujeito activo do facto sujeito a registo (cfr. artº.8-B – 1, do Código do Registo Predial, aplicável ao Registo Automóvel por força do artº. 29º, do DL nº 54/75, de 12/2, conjugado com o artº.5º-1/a), deste último diploma).
No entanto, o Regulamento do Registo Automóvel contém um regime especial, em vigor desde 2008, para entidades que, em virtude da sua atividade comercial, procedam com regularidade à transmissão da propriedade de veículos automóveis. Segundo esse regime, que se encontra estabelecido no artº.25º-1/d), do DL nº 55/75, de 12/2 (versão resultante do DL nº 20/2008, de 31/1), o registo pode ser promovido pelo vendedor, mediante um requerimento subscrito apenas por si próprio.
O IUC está legalmente configurado, como se viu, para funcionar em integração com o registo automóvel, o que se infere, desde logo, do citado artº 3º-1, do C.I.U.C., norma onde se estabelece que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, mais acrescentando que se consideram como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.
A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artº. 347º, do C. Civil, nos termos do qual a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto. O que significa que não basta à parte contrária opor a mera contraprova - a qual se destina a lançar dúvida sobre os factos (cfr. art 346º, do C.Civil) que torne os factos presumidos duvidosos; pelo contrário, ela tem de mostrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.
Ora tanto a fatura (como a nota de débito) constituem documentos contabilísticos elaborados no seio da empresa e que se destinam ao exterior. A factura deve visualizar-se como o documento contabilístico através do qual o vendedor envia ao comprador as condições gerais da transacção realizada. Por sua vez, a nota de débito consiste no documento em que o emitente comunica ao destinatário que este lhe deve determinado montante pecuniário. Ambos os documentos surgem na fase de liquidação (que não coincide muitas vezes com o pagamento efetivo) da importância a pagar pelo comprador. Assim, embora não fazendo prova do pagamento efetivo do preço pelo mesmo comprador, constituem prova dessa mesma transação, ou seja, da compra e venda efetuada. Compra e venda que pode aliás concretizar-se, com reserva de propriedade[6] para o vendedor até pagamento do preço sem que tal impeça que a obrigação de IUC impenda sobre o comprador.
Conclui-se assim pela admissão da prova da venda de veículo automóvel através da demonstração da existência de emissão de fatura válida.
Subsunção
Analisados os elementos carreados para o processo pela Requerente e os factos provados, extrai-se a conclusão que aquela não era realmente proprietária dos veículos a que respeitam as liquidações em apreço, por ter transferido, à data em que era devido o respetivo IUC, a propriedade dos veículos, nos termos da lei civil.
Esses elementos documentais, constituídos por cópias das respetivas faturas de venda ainda sem menção das matrículas, gozam da presunção de veracidade que lhes é conferida pelo sobredito art.º 75º, nº 1 da LGT, tendo, assim, idoneidade e força bastante para ilidir a presunção que suportou as liquidações efetuadas com base exclusivamente, como a Lei prevê, no registo automóvel.
Só que, como se viu, ao contrário do entendimento da AT, o registo da propriedade em nome do contribuinte não impede este de demonstrar que essa situação não corresponde à real na data da matrícula do veículo ou no aniversário desta (artigo 4º-1 e 2, do CIUC).
Estas esfetivas operações de transmissão ou ilisão de propriedade aparente, são oponíveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, embora os factos sujeitos a registo só produzam efeitos em relação a terceiros quando registados, face ao disposto no art. 5º, nº 1 do Código do Registo Predial [aplicável por remissão do Código do Registo Automóvel], a Autoridade Tributária não é terceiro para efeitos de registo, uma vez que não se encontra na situação prevista no nº 2 do referido art. 5º do Código do Registo Predial, aplicável por força do Código do Registo Automóvel, ou seja, não adquiriu de um autor comum direitos incompatíveis entre si.
Assim é que, em síntese, o registo automóvel, na economia do CIUC, representa mera presunção ilidível dos sujeitos passivos do imposto.
No caso, a requerente logrou, com total êxito, ilidir essa presunção e demonstrar que a realidade do registo era uma mera aparência dessa mesma realidade, ou seja, o proprietário inscrito não era o real proprietário, sujeito passivo do IUC.
Nestas circunstâncias, as mencionadas e ora impugnadas liquidações devem ser anuladas e, consequentemente restituídas à Requerente, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, as respetivas importâncias assim indevidamente cobradas e retratadas nos mencionados e documentados atos de liquidação e pagamento.
c. Se há lugar a juros indemnizatórios a pagar pela AT no caso de, para efeitos de tributação em sede de IUC, ter a natureza de presunção ilidível (e for ilidida) a titularidade da propriedade do veículo que consta do registo automóvel
Trata-se de apurar se, ao abrigo do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor da Requerente (Cfr. art. 43.º da LGT e 61.º do CPPT), deve proceder.
A este respeito, sufraga-se a decisão arbitral proferida no processo n.º 26/2013-T, de 19/7/2013 (que tratou de situação semelhante à ora em apreciação) ou seja, que “(...) o direito a juros indemnizatórios a que alude a norma da LGT supra referida pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT. [...] ainda que se reconheça não ser devido o imposto pago pela requerente, por não ser o sujeito passivo da obrigação tributária, determinando, em consequência, o respectivo reembolso, não se lobriga que, na sua origem, se encontre o erro imputável aos serviços, que determina tal direito [a juros indemnizatórios] a favor do contribuinte. Com efeito, ao promover a liquidação oficiosa do IUC considerando a requerente como sujeito passivo deste imposto, a AT limitou-se a dar cumprimento à norma do n.º 1 do art. 3.º do CIUC, que, como acima abundantemente se referiu, imputa tal qualidade às pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados.” (Cfr ainda neste mesmo sentido, v. g., as decisões arbitrais tributárias proferidas nos processos CAAD n.ºs 170/2013-T, de 14/2/2014, 136/2014-T, de 14/7/2014, 230/2014-T, de 22/7/2014 e 140/2014-T, de 29/8/2014.
Ou seja: considera o Tribunal que os motivos de anulação não se fundam em erro imputável aos serviços, já que a Requerida emitiu as liquidações tendo em conta as informações de que dispunha, não sendo responsável, nem podendo ser responsabilizada, pela respetiva desatualização ou não conformidade. Assim, não se encontram reunidos os pressupostos elencados no artigo 43.º da LGT.
d. Se, procedendo o pedido deve ser a AT a suportar as custas.
O pagamento das custas no final do processo, em regra, cabe a quem ficou vencido, na proporção em que o for.
Assim não será, porém, se apesar de vencida, esta parte não deu causa à ação.
Foi, por exemplo, o caso citado pela AT da decisão proferida no processo nº 72/2013-T, em que foi causa do processo a omissão de apresentação de documentos por parte do sujeito passivo vencedor do pleito.
A situação destes autos é bem diferente na medida em que a ilisão da presunção constante do registo automóvel já havia sido demonstrada, sem êxito, em sede de reclamação graciosa.
Consequentemente, terá de ser a AT a suportar integralmente as custas.
III - Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
I) Julgar procedentes os pedidos de declaração da ilegalidade do indeferimento da Reclamação Graciosa e das autoliquidações de IUC e juros compensatórios objeto dos autos e identificados supra;
II) Revogar o ato de indeferimento dessa reclamação e anular as referidas liquidações;
III) Julgar procedente o pedido de restituição das quantias pagas correspondentes às referidas liquidações, no total de € 99.732,89 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituí-las;
IV) Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios pela Autoridade Tributária e Aduaneira e
V) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do presente processo.
Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º - A, nº 1, alínea a), do CPPT e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €99.732,89.
Custas
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em €2.754,00.
-
Notifique-se, registe-se e, oportunamente, arquive-se o processo
Lisboa, 4 de outubro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo
José Poças Falcão
(Presidente)
António Alberto Franco
(Vogal)
Luís Menezes Leitão
(Vogal)
Anexo I
A… SA - Sucursal em Portugal
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TOTAL:
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99.732,89
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[1] E não há factos essenciais não provados
[2] O CPC e o CPPT são aplicáveis ao processo arbitral tributário ex vi artigo 29º, do RJAT.
[3] A génese da relação jurídica de imposto pressupõe a verificação cumulativa dos três pressupostos necessários ao seu surgimento, a saber: o elemento real, o elemento pessoal e o elemento temporal. (Neste sentido veja-se, entre muitos outros autores, Freitas Pereira, M. H., Fiscalidade, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009).
[4] Ou equiparados como é o caso dos locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação (artigo 3º-2, do CIUC).
[5] Sob a epígrafe “princípio da equivalência” estabelece o artigo 1º do CIUC: “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Sobre a noção do princípio da equivalência diz-nos SÉRGIO VASQUES: “Em obediência ao princípio da equivalência, o imposto deve ser conformado em atenção ao benefício que o contribuinte retira da atividade pública, ou em atenção ao custo que imputa à comunidade pela sua própria atividade” (Cfr. Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2000, p. 110).
E, mais à frente, explica este Professor, relativamente aos automóveis: “um imposto sobre os automóveis assente numa regra de equivalência será igual apenas se aqueles que provoquem o mesmo desgaste viário e o mesmo custo ambiental paguem o mesmo imposto; e aqueles que provoquem desgaste e custo ambiental diverso, paguem imposto diverso também.
[6] Assinale-se que os adquirentes de veículos com reserva de propriedade são equiparados aos sujeitos passivos do IUC ou seja, às entidades a que alude o artigo 1º-1, do CIUC.
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