Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 570/2016-T
Data da decisão: 2017-07-31  IMT Selo  
Valor do pedido: € 6.617,88
Tema: IMT e IS - Regime fiscal dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH). Isenções de IMT e Imposto do Selo
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Decisão Arbitral

 

I – RELATÓRIO

  1. Pedido  

A…, S.A., com sede na …, n.°…, …, …-… Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação fiscal … (doravante «Entidade Gestora»), na qualidade de sociedade gestora do fundo de investimento imobiliário «B…— FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL» registado junto da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, com o número de identificação fiscal … (doravante «Requerente»), apresentou, em 19-09-2016, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA de ora em diante designada como Requerida, com vista a:

  • A declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação da liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis nº …, incidente sobre a aquisição realizada em 18.12.2013, no Cartório Notarial de Lisboa, da fração AM do prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia da …– Lisboa;
  • A declaração de nulidade ou, subsidiariamente, a anulação da liquidação de Imposto do Selo nº…, incidente sobre a aquisição realizada em 18.12.2013, no Cartório Notarial de Lisboa, da fração AM do prédio urbano inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia da …– Lisboa;
  • O reembolso das quantias indevidamente pagas relativa às liquidações impugnadas.

A Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  • No que se refere ao Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), o art. 8º, nº 7 do Regime dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) estabelece:

7. Ficam isentos de IMT:

  1. As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº 1;
  2. As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o nº 3 do art. 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1.
  • A Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, aditou ao art. 8º do Regime dos FIIAH os números 14 a 16 com o seguinte texto:

14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.

  • A mesma Lei consagrou no seu art. 236º o seguinte regime transitório:

Artigo 236º

1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.

  • O nº 14 do art. 8º acima transcrito definiu pela primeira vez o significado da expressão “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente, o que fez do seguinte modo: “prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente (...) são os prédios urbanos (e frações autónomas) que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo;
  • Por fim, o artigo 236.º (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-CI2013, de 31 de Dezembro veio estender a aplicação do regime supra «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.
  • Com base exclusivamente nas disposições supracitadas, a Requerente solicitou à Autoridade Tributária a liquidação de IMT e de imposto do selo sobre a aquisição da fração autónoma identificada pela letra AM do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia da …– Lisboa, tendo disto resultado a liquidação de IMT nº…, no valor de €5.101,88, e a liquidação de Imposto do Selo nº…, no valor de €1.516,00;
  • As Liquidações foram efetuadas ao abrigo do artigo 8.º, numero 16, do Regime Tributário dos FIIAH, (aplicável ex vi artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), número 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro;
  • Caso o Regime Tributário dos FIIAH não tivesse sido alterado (Alteração ao regime fiscal dos fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional), e artigo 236.º (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SHAH), da Lei n.º 83- C/2013, de 31 de Dezembro) a Requerente nunca teria solicitado as liquidações.
  • Ambos os impostos foram pagos em 14 de julho de 2016;
  • O IMT é um imposto de obrigação única;
  • Também o IS, quando tributa a «aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figures parcelares desse direito sabre imóveis, é um imposto de obrigação única.
  • As isenções de IMT e de IS, constantes, respetivamente, dos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH, foram reconhecidas a requerimento do Fundo B…, nos termos do artigo 10.º (Reconhecimento das isenções) do Código do IMT, em momento anterior ao do ingresso dos prédios relevantes no património do Fundo B… .
  • Ou seja, no momento em que os prédios - objeto das liquidações - ingressaram no património do Fundo B…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídico- tributária as isenções de IMT e IS previstas, respetivamente, nos números 7, alínea a), e 8 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH.
  • Efetivamente, o facto objeto de tributação é, quer em sede de IMT quer em sede de IS, a aquisição da propriedade dos prédios relevantes pelo Fundo B… .
  • As isenções de IMT e IS não eram, à data em que ingressaram no património do Fundo B…, condicionadas à verificação ulterior de quaisquer factos ou circunstâncias nem, tampouco, sujeitas a qualquer regime de caducidade;
  • Não estando legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependa a caducidade da isenção reconhecida, é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico- tributária do Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, consagrado no artigo103.º nº 3 da Constituição da República Portuguesa;
  • A  interpretação do princípio da retroactividade, ora invocada, tem em consideração o entendimento que vem sendo seguido pelo Tribunal Constitucional segundo o qual a proibição da retroactividade, no domínio da lei fiscal, apenas se dirige à retroactividade autêntica, abrangendo tão só os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga; do seu âmbito aplicativo ficam excluídas as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando as normas fiscais produzem um agravamento da  carga fiscal dos contribuintes em relação a factos tributários que não ocorreram totalmente no domínio da lei antiga e continuam a formar-se, ainda no decurso do mesmo ano fiscal, na vigência da nova lei (v.g. acórdãos n.º 128/2009, 85/2010 e 399/2010, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt);
  • O artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao estender a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n. º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014» está a violar de forma direta e inequívoca o princípio da não retroatividade da lei fiscal constitucionalmente consagrado. Com efeito, a extensão aí consagrada configura um novo regime de caducidade das isenções previstas nos números 7, alínea a) e 8 do artigo 8.º (Regime Tributário) e não uma mera densificação de um critério anteriormente previsto.
  • No caso sub judice não há quaisquer dúvidas de que os factos tributários que a lei nova pretende regular já produziram todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga.
  • Segundo o nº 1 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo em vigor à data das liquidações, «os atos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade» são nulos, sendo que o nº 2 do mesmo preceito exemplifica algumas situações em que tal se tem por verificado, designadamente, com os «atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental - alínea d) do nº 2.
  • Concretizando: entende a doutrina prevalente e a douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que nem todos os atos que ferem princípios constitucionais são nulos, só o sendo aqueles que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, isto é, que briguem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e já não aqueles que briguem com o princípio da legalidade tributária.
  • É relevante recordar que a norma plasmada no artigo 103º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa determina que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição (...)»
  • Assume também relevância o facto de esta norma constitucional ter vindo a ser interpretada pela doutrina no sentido de consagrar um direito de resistência a acuações ilegais da Administração.
  • Considerando que o princípio da irretroatividade da lei fiscal reveste o caráter de um direito fundamental, dotado do regime jurídico protetor deste direito, o seu desrespeito origina a nulidade do ato, in casu, a nulidade das liquidações.          
  • Segundo LOPES DE SOUSA, o «STA tem vindo a entender, uniformemente, que a inconstitucionalidade de normas em que se baseou a liquidação é enquadrável na alínea a), do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, por ela afetar a validade das normas a que se reporta, o que equivale à sua inexistência nas leis em vigor."
  • Ora, nos termos do disposto no artigo 102º nº 3, do CPPT, quando o fundamento da impugnação for a nulidade, a impugnação judicial pode ser deduzida a todo o tempo.
  • A admissibilidade de impugnação do vício da nulidade sem dependência de prazo não afasta a competência do Tribunal Tributário Arbitral, designadamente, por interpretação literal do art. 10.º do RJAT.
  • Efetivamente, o citado artigo 10.º do RJAT não deve ser interpretado no sentido de ser exclusivamente aplicável às situações em que estejam em causa atos cuja impugnação está sujeita a prazo.
  • Admitindo, subsidiariamente, que o vício (ilegalidade abstrata) das liquidações determine a sua anulabilidade (e não a nulidade), deverão as liquidações ser anuladas em conformidade, nos termos dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento e Processo Tributário.
  1. Resposta da Requerida

Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:

Por excepção:

  • Independentemente do vício que se possa considerar imputável às liquidações em apreço, o Requerente invoca que as liquidações enfermam de ilegalidade abstracta, cfr. art.48º do ppa.
  • Todavia, a acolher esta tese do Requerente então o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstracto, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados.
  • Com efeito, atento o alegado pelo Requerente, resulta que este pretende (afinal) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos.
  • Assim sendo, se a questão dos presentes autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos, como defende agora o Requerente, mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade,
  • Então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar esta questão, dado que se pretende a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.º 2, do artigo 281.º da CRP.
  • Acresce ainda, por outra parte, que, no âmbito da apreciação da fiscalização abstracta da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte ilegítima.
  • Pois que, como é consabido, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.
  • Donde se conclui que a pretensão aduzida pelo Requerente colide com os poderes da Requerida e com a sua vinculação à lei e à Constituição, na medida em que a apreciação por 2, do artigo 281.º da CRP.
  • Assim, estando em causa um ato normativo emanado da Assembleia da República sob a forma típica de ato legislativo, sempre deveria o Tribunal declarar a absolvição da Requerida da instância, atenta a exceção dilatória de ilegitimidade passiva demonstrada nos presentes autos arbitrais, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea d) e 576.º, n. os 1 e 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.

Por impugnação:

  • Nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo que os órgãos e agentes administrativos não têm competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.
  • Ou seja, vinculada ao princípio da legalidade, a AT não pode, por força disso, desaplicar normas em função da interpretação que faça quanto à sua inconstitucionalidade.
  • Pelo que, e em suma, a AT não pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos arts. 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT.

Quanto à alegada inconstitucionalidade

  • O artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2009), aprovou um regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH).
  • O regime aí previsto seria de aplicar aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da referida lei e aos imóveis por estes adquiridos no mesmo período.
  • Relativamente ao regime tributário então especificamente previsto, há que relevar, para o que ora importa, o disposto no artigo 8.º, n.º 7, alínea a), atinente à isenção em sede de IMT e o artigo 8.º, n.º 8, relativo à isenção em sede de Imposto do Selo.
  • Nos termos do art. 8º, nº 7, al. a) ficam isentos de IMT “As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1”.
  • Aplicando-se tal isenção, por força do disposto no n.º 1, aos FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos 1.º a 7.º do respetivo regime jurídico.
  • Por sua vez, nos termos do artigo 8.º, n.º 8, “Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”
  • A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio conferir nova redação ao mencionado artigo 8.º, atinente ao regime tributário aplicável aos FIIAH, aditando, nomeadamente, os números 14 a 16, nos termos seguintes:

“14 - Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.

  • Ademais, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro veio ainda consagrar, no seu artigo 236.º, a seguinte norma transitória:

“1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.o do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.o a 104.o da Lei n.o 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”.

  • O n.º 14 do artigo 8.º do Regime Tributário dos FIIAH veio concretizar o significado da expressão “prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente», pois que, nos termos nele previstos, «considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo»;
  • A par de tal concretização, com a introdução dos n.os 15 e 16 no referido artigo 8.º, passou a estar previsto um regime de cessação do benefício no caso de não ser observado o requisito legal constante do n.º 14.
  • Relativamente ao prédio supra identificado, que integrava o Fundo à data da entrada em vigor da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o Requerente solicitou à AT as liquidações de IMT e de Imposto do Selo, face às alterações introduzidas ao regime tributário dos FIIAH, na medida em que, em 2016, o alienou a terceiros, conferindo-lhe, assim, destino diferente daquele que seria suposto: o arrendamento habitacional.
  • Defensando, agora, o Requerente que as liquidações em questão enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 103.º n.º 3, da CRP, devendo, em consequência, ser declaradas nulas.
  • Cumpre, desde já, referir que o vício apontado, por alegada violação do artigo 103.º da CRP, não é gerador de nulidade.
  • Com efeito, a sanção que recai sobre um acto administrativo inválido é a sua anulabilidade (artigo 135.º do [antigo] CPA), só ocorrendo nulidade quando lhe faltar um dos seus elementos essenciais ou quando a lei expressamente o sancione com essa forma de invalidade (artigo 133º do [antigo] CPA).
  • Esta opção do legislador é perfeitamente compreensível se atentarmos que o regime da nulidade (que gera a absoluta incapacidade de produzir efeitos e a possibilidade da sua impugnação judicial a todo o tempo) tem de ser conciliado com os princípios da certeza e da estabilidade, fundamentais nas relações administrativas, de molde a não pôr em causa a eficácia e segurança desta atividade da administração com os seus administrados.
  • Sucede que, mesmo a verificar-se a violação do normativo invocado pela Requerente, mormente, o artigo 103.º, n.º 3, da CRP, facto é que, como se disse, os atos impugnados são apenas passíveis de anulação e nunca da sua declaração de nulidade;
  • E assim porque, considerando que a previsão legal da alínea d), do no 2 do artigo 133º do CPA é apenas extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da CRP, o caso dos autos não tem aqui enquadramento legal – neste sentido, cfr. acórdão do TCAN, de 03/02/2012, processo: 00473/09.6BEPNF.
  • Por fim, cumpre ainda explicitar que a citação doutrinária vertida no pedido arbitral, por referência ao regime subjacente no artigo 204.º, n.º 1, alínea a) do CPPT [com a epígrafe «fundamentos da oposição à execução fiscal»], está manifestamente descontextualizada, não resultando desta qualquer entendimento coincidente com a “tese de nulidade” ora defendida pelo Requerente;
  • Isto porque, atentando-se não apenas no curto excerto trazido aos autos pelo Requerente, mas na explicitação de Jorge Lopes de Sousa a esse propósito, verifica-se, desde logo, não ser possível a arguição do vício de inconstitucionalidade a todo o tempo, como pretende o Requerente.
  • Efectivamente, da citação indicada pelo Requerente, que infra se reproduz, decorre que a inconstitucionalidade não é vício passível de ser invocado a todo tempo, pois o prazo máximo que se encontra legalmente fixado é o prazo para dedução da oposição à execução fiscal:

“Assim, tem de concluir-se que, mesmo relativamente aos actos nulos, cabe na liberdade de conformação do legislador, dentro dos limites constitucionais, definir o respectivo regime de impugnação, que não tem de ser o da impugnabilidade a todo o tempo. Por isso, se for adequado atribuir ao vício de ilegalidade abstracta de acto de liquidação a qualificação de nulidade, tal não implica que, legislativamente, se tenha de assegurar a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, podendo ser, como foi, adoptado o regime que resulta dos referidos arts. 203.º, n.º 1, e 209.º, n.º 1, alínea a), do CPPT.

O STA tem vindo a entender, uniformemente, que a inconstitucionalidade de normas em que se baseou a liquidação é enquadrável na alínea a) do nº 1 do art. 204.º do CPPT, por ela afectar a validade das normas a que se reporta, o que equivale à sua inexistência nas leis em vigor.

No entanto, englobam-se aqui todos os casos de normas cuja validade é afectada por violarem regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal e as leis com valor reforçado ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares.

Nestes casos, mesmo que os interessados não impugnem tempestivamente os actos de liquidação, não ficarão impedidos de se oporem à eventual execução subsequente com fundamento em tal ilegalidade abstracta.”

  • Porém, importa ainda atentar que, como refere o Ilustre Conselheiro em anotação ao artigo 124.º do CPPT, encontrando-se pagas as liquidações, como sucede na situação sub judice, não se afigura possível sequer a aplicação de qualquer extensão do prazo (isto é, a arguição da inconstitucionalidade no prazo para dedução de oposição à execução fiscal), pois:

“Com efeito, desta norma conclui-se que o vício de inconstitucionalidade pode ser invocado como fundamento de oposição, por ser gerador de ilegalidade do acto impugnado, até ao termo do prazo de oposição à execução fiscal.

[...]

No entanto, sendo esta possibilidade de invocação de vícios para além do prazo previsto no art. 102 .°, derivada da norma que prevê os fundamentos de oposição à execução fiscal, ela só existirá nos casos em que haja lugar a execução fiscal, pois, como é óbvio, só quando ela existe poderá haver oposição. Por isso, nos casos em que não haja lugar a execução, por ter ocorrido pagamento voluntário, não haverá este prazo acrescido para invocação dos vícios derivados de inconstitucionalidade, pelo que valerá a regra que impõe o prazo normal.

[...]

Esta norma, reportando-se à proibição de imposição coerciva do pagamento de impostos (só quanto a essa cobrança coerciva se estará a obrigar alguém a pagar impostos) reclama a admissibilidade da invocação de vícios de inconstitucionalidade durante a pendência do processo de execução fiscal, mas não torna nulos os actos de liquidação que apliquem normas inconstitucionais, estando fora do seu âmbito de aplicação os casos em não está em causa a imposição de uma obrigação de pagamento.

Outra ilação que se retira da previsão da possibilidade de invocação de inconstitucionalidade como fundamento de oposição é a de que, na perspectiva legislativa que presidiu à elaboração da alínea a) do n.4 1 do art. 204.° do CPPT, os vícios derivados de inconstitucionalidade não poderiam ser arguidos a todo o tempo, mas apenas naquele prazo da oposição.

Na verdade, não se faz qualquer referência à possibilidade de invocação a todo o tempo, nem se fixa qualquer prazo especial, pelo que, nessa perspectiva, seria aplicável o prazo geral da oposição, previsto no art. 203.°- do CPPT.”

  • Em suma, face a todo o exposto, mormente atenta a jurisprudência citada, é de concluir que, mesmo a existir o vício imputado às liquidações em causa, nunca o mesmo é gerador de nulidade, mas tão somente, de anulabilidade.

Da não violação do artigo 103.º, n.º 3 da CRP

  • Primeiramente, há que ressalvar que, à data de criação do regime tributário aplicável aos FIIAH, com a Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, as isenções em questão, quer em sede de IMT, quer em sede de Imposto do Selo, exigiam, respetivamente:

(i) que a aquisição dos imóveis tivesse como destino exclusivo o “arrendamento para habitação permanente” e,

(ii) que a transmissão tivesse por objeto “prédios destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5º”.

  • Ou seja, os sujeitos passivos que pretendessem beneficiar das referidas isenções, sempre tiveram, desde o início do regime tributário aplicável aos FIIAH, que cumprir o pressuposto de que tais prédios fossem destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
  • Pelo que, falece razão ao Requerente quando afirma que as isenções em apreço não eram condicionadas por quaisquer factos ou circunstâncias, e, consequentemente, a argumentação que constrói partindo de tal errado pressuposto encontra-se igualmente ferida de erro.
  • Afinal, a nova redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, em prol da segurança jurídica e do princípio da proteção da confiança, e na senda do espírito do legislador, aquando da criação do regime, veio apenas densificar o critério já exigido, estipulando “que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos.
  • É de concluir, assim, que, com as alterações introduzidas, não se alterou a ratio das isenções consagradas, sendo de sublinhar que não foi determinada a extinção imediata do benefício no caso de não se verificar celebrado o referido contrato de arrendamento, pois que se concedeu um prazo bastante alargado, (de três anos), para o efeito, respeitando assim o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança.
  • Sendo certo que, de todo o modo, atenta a alienação dos prédios em 2016, resulta inequívoco que o Requerente não poderia, de qualquer forma, beneficiar da isenção requerida.
  • Todavia, segundo o Requerente, a inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal adviria do segmento do artigo 236.º, n.º 2, da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, ao determinar a aplicação das alterações introduzidas “aos prédios urbanos que tenham sido adquiridos pelos FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014”.
  • Na verdade - e ressalvando não se identificar qual a lesão jurídica que a norma referida causou ao Requerente, dado que, como se viu, a alienação pressupõe a afetação a um destino distinto do arrendamento -, face ao disposto no citado preceito normativo, relativamente aos prédios adquiridos antes de 1 de Janeiro de 2014, de modo a considerar-se realizada a afetação para habitação permanente, teriam que ser celebrados contratos de arrendamento para habitação permanente nos três anos subsequentes.
  • Pelo que se infere, com facilidade, que as isenções em questão não deixaram simplesmente de vigorar: o que sucedeu, apenas, foi que foram estabelecidos critérios para concretizar um requisito legal previsto de forma indeterminada.
  • Por outro lado, e contrariamente ao que parece crer o Requerente, é de ressalvar que a cessação de um benefício fiscal sempre poderá ter lugar, por exemplo, caso se constate, num caso concreto, mediante fiscalização, que não se verificam os respetivos pressupostos (vd art.7º nº1 do EBF).
  • Sendo que, conforme decorre do artigo 14.º, n.º 1, do EBF, “a extinção dos benefícios fiscais tem por consequência a reposição automática da tributação-regra”.
  • Ao que acresce, ainda, a disposição do artigo 14.º, n.º 2, do EBF na qual se determina que “quando o benefício fiscal respeite a aquisição de bens destinados à direta realização dos fins dos adquirentes, fica sem efeito se aqueles forem alienados ou lhes for dado outro destino sem autorização do Ministro das Finanças, sem prejuízo das restantes sanções ou de regimes diferentes estabelecidos por lei”.
  • Pelo que, tudo visto e sopesado, é manifesto que, desde o início do regime, os benefícios fiscais em apreço aplicáveis aos FIIAH sempre dependeram da afetação dos imóveis ao arrendamento para habitação permanente, requisito legal que a AT, no âmbito dos seus poderes de fiscalização, sempre poderia aferir, de forma a concluir pela permanência do benefício ou, antes, pela reposição do sistema de tributação-regra.
  • Assim, estando em causa a alienação dos imóveis sem afetação dos mesmos ao arrendamento para habitação permanente, tal determinaria sempre a caducidade da isenção, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2, do EBF, sendo que, o artigo 8.º, n.º 16 do regime veio apenas concretizar uma medida anti-abuso, estabelecendo que os prédios que não fiquem em carteira com afetação exclusiva ao arrendamento habitacional, não foram adquiridos com tal finalidade.
  • Limitando, ainda, tal caducidade a um prazo definido na lei ao invés do que sucedia anteriormente, por força da aplicação do EBF.
  • A alienação do imóvel tem como consequência necessária a caducidade do benefício fiscal concedido para afectação a arrendamento, desde logo, por força do disposto no artigo 14.º, n.º 3 do EBF, cuja aplicação (de forma explícita ou implícita) não sendo aí relevada, por maioria de razão, também não é afastada.
  • Pois que, só ignorando o imperativo legal que determina a caducidade do benefício fiscal ínsito naquele artigo 14.º, n.º 3 do EBF, é possível concluir-se que “segundo a lei de 2008, um imóvel podia ter sido adquirido para arrendamento habitacional, beneficiando das isenções, mas depois ter sido alienado por motivos imprevisíveis” ou ainda que “se não fosse a restrição introduzida pelo n.º 16, introduzida pela Lei de 2013, não poderia haver revogação ou caducidade das isenções, nem sequer em caso de alienação dos imóveis”.
  • Efectivamente, sendo “o escopo da lei o de proteger os fundos para arrendamento e não para especulação urbanística”, como bem se refere no mencionado parecer (cfr. fl. 22), não se antevê, então, como pode o disposto no artigo 14.º, n.º 3 do EBF deixar de ser aplicado.
  • Por fim, relativamente à questão da inconstitucionalidade, dispõe o invocado artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”.
  • É entendimento sufragado pela doutrina e na jurisprudência que o referido preceito normativo apenas proíbe a retroatividade autêntica ou própria da lei fiscal abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente, como sucede quando a lei é aprovada até ao final do ano a que corresponde o imposto (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 399/2010).
  • Com efeito, é verdade que o facto tributário em sede de IMT ou Imposto do Selo, para o que ora importa, verifica-se aquando da aquisição do imóvel.
  • Todavia, tal não significa que, no caso dos autos, se possa concluir pela existência de uma circunstância de retroatividade pois que a lei nova não veio simplesmente determinar, e sem mais, que os imóveis anteriormente adquiridos fossem objeto de tributação em sede de IMT e Imposto do Selo.
  • O que a lei nova veio fazer, antes, foi apenas densificar critérios já previstos na lei antiga, designadamente:

(i) o conceito de afetação a arrendamento para habitação permanente, estipulando um prazo mais do que suficiente para que os sujeitos passivos se pudessem adaptar, reunindo um meio de prova inequívoco (contrato de arrendamento),

(ii) bem como a explicitação das situações em que a alienação do imóvel destinado ao arrendamento não faz caducar a isenção nos termos então até aí previstos no EBF.

  • Termos em que, contrariamente ao que defende o Requerente, não se verifica a introdução ex novum de um regime de caducidade do benefício, e, ainda menos se constata qualquer frustração das expectativas dos sujeitos passivos ou violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal.

 

 

Tramitação subsequente

 

Convidada a pronunciar-se sobre a matéria de natureza excetiva deduzida pela Requerida, a Requerente veio fazê-lo em requerimento apresentado em 14-03-2017, nos seguintes termos:

  • A exceção de incompetência do Tribunal, invocada pela AT, assenta numa incorreta interpretação do pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, pelo que não pode proceder;
  • Efetivamente, a pretensão do Requerente, constante do pedido de pronúncia arbitral, não é a de suscitar a fiscalização abstrata da legalidade e da constitucionalidade do artigo 236.° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro, na medida em que o mesmo, ao determinar a aplicação do atual Regime Tributário dos FIIAH «aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de Janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n. o 14 a partir de 1 de Janeiro de 2014» viola o princípio da não retroactividade da lei fiscal, constitucionalmente plasmado no artigo 103.° (Sistema fiscal, nº 3, da Constituição da República Portuguesa;
  • O Requerente pretende, isso sim, que o Tribunal Arbitral declare a nulidade (ou, subsidiariamente, a anulabilidade) das liquidações postas em crise com o fundamento de que as mesmas se baseiam na aplicação de norma que viola a constituição e a lei;
  • Nos termos do disposto no artigo 204.° (Apreciação da inconstitucionalidade) da Constituição da República Portuguesa, «Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituiçt3o ou os princípios nela consignados» ;
  • É esse, precisamente, o objetivo do Requerente: não permitir que uma norma inconstitucional lhe seja aplicada;
  • Como referem os Professores GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais, sem excluir o próprio Tribunal Constitucional, como tribunal que é, quer quando ele funciona como tribunal de instância, julgando os assuntos que a Constituição e lei lhe atribuem para além da fiscalização da inconstitucionalidade, quer nos processos de inconstitucionalidade, quanto às respetivas normas processuais».
  • De resto, o Tribunal Arbitral tem já recusado a aplicação de normas legais por considerar que as mesmas se encontram feridas de inconstitucionalidade (cf. https:/Icaad.org.ptttributario/decisoes/decisao.php?s selo=1 &s processo=&s data ini=&s data fim=&s resumo=&s artigos=&s texto=inconstitucionalidade&listPage=2&id=252).
  • Nestes termos, deve a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela Requerida, ser julgada improcedente por não provada.
  • No que se refere à alegada «ilegitimidade passiva da Requerida» o Requerente confessa alguma dificuldade em compreender o alcance da exceção invocada pela Requerida;
  • No âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral, o que está em causa não é a recusa (ou não) de aplicação de normas por parte da Requerida (com fundamento em ilegalidade ou inconstitucionalidade);
  • O que está em causa, isso sim, é a obrigação de cumprimento de norma ferida de inconstitucionalidade por parte do Requerente;
  • Reitera-se que o Recorrente não teria procedido às liquidações de IMT e IS na ausência da norma cuja inconstitucionalidade oportunamente suscitou;
  • Caso as ditas liquidações fossem oficiosas, de iniciativa da Autoridade Tributária, a respetiva fundamentação poderia, porventura, assentar noutros dispositivos legais.
  • Não foi esse o caso. As liquidações foram da iniciativa da Recorrente e assentaram de forma exclusiva na norma cuja inconstitucionalidade invocou;
  • A Requerida, na sua qualidade de sujeito ativo da relação jurídico-tributária, é, naturalmente, parte legítima no presente pedido de pronúncia arbitral.
  • Nestes termos, deve a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral, invocada pela AT, ser julgada improcedente por não provada.

Por despacho de 18 de maio de 2017, após obtida a anuência das Partes, o Tribunal determinou a prescindência da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAMT.

As Partes foram convidadas pelo Tribunal a apresentar alegações escritas.

 

Alegações da Requerente

Nas suas alegações, a Requerente alegou, em síntese:

(...)

  • Tal como referido no artigo 6.° do pedido de pronúncia arbitral, o Requerente apresentou, no caso em apreço oralmente, um requerimento solicitando a liquidação de IMT e de IS referente à venda do imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral, adquirido pelo Requerente em data anterior a 31 de Dezembro de 2013 beneficiando da isenção ao abrigo do "92 - FIIAH/SIIAH -Artigo 7 n.º 7) -Aquisição pelo FIIAH/SIIAH (art.º 87 do OE/09)", fundamentando tal pedido no disposto no artigo 236.° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) previsto pela Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro.
  • Como vimos, trata-se de uma liquidação com base em declaração do sujeito passivo, não de uma liquidação oficiosa, baseada exclusivamente na disposição legal invocada na declaração do sujeito passivo, e não em qualquer outra disposição legal ou interpretação da lei.
  • As liquidações de IMT e IMI referem que as mesmas foram solicitadas nos termos do «artigo 8.º, nº 16, do regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional», que, recorde-se, manda aplicar aos prédios que tenham sido adquiridos antes de 2014, o disposto nos números 14 a 16 do artigo 8.° (Regime Fiscal do Regime Tributário dos FIIAH. No caso concreto releva apenas o nº 16 do artigo 8.° (Regime Fiscal do Regime Tributário dos FIIAH.
  • Naturalmente, sem as alterações ao Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro, o Requerente não teria de, nem nunca iria apresentar qualquer pedido de liquidação de IMT e de IS ao proceder à venda do imóvel, e é esse o facto indesmentível deste pleito.
  • O requisito único da isenção, à data em que o Requerente adquiriu o imóvel em apreço e em que tal isenção se consumou, era o de que os prédios adquiridos pelos FIIAH se destinassem a ser arrendados para habitação permanente (cf. artigo 8.° (Regime tributário), números 7 e 8 do Regime Tributário dos FIIAH na redacção em vigor à data de reconhecimento da isenção).
  • Ora, a alteração do Regime dos FIIAH veio dispor que a alienação de prédios propriedade dos FIIAH - ou a liquidação do próprio FIIAH - antes de decorrido o prazo de 3 (três) anos, contado a partir da data da entrada dos prédios relevantes no património do FIIAH, nos termos do número 16 do artigo 8.° (Regime tributário) do Regime Tributário dos FIIAH, conduz à caducidade da isenção.
  • Estes são indubitável e evidentemente novos requisitos que visam estabelecer um regime de caducidade de isenções inexistente à data em que os factos tributários se verificaram e que vêm afectar uma isenção já cristalizada na ordem jurídica do Requerente.

(...)

  • A invocação da aplicação do disposto no artigo 14.°, nº 3, do Estatutos dos Benefícios Fiscais constitui o fundamento para a caducidade dos benefícios fiscais (IMT e IS) segundo a Autoridade Tributária (cf. artigo 103.° e seguintes da Resposta).
  • O artigo 14.° (Extinção dos benefícios fiscais) do Estatuto dos Benefícios Fiscais insere-se na Parte I deste diploma, ou seja, nos Princípios Gerais aplicáveis aos benefícios fiscais.
  • O Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH constitui, indubitavelmente, um regime diferente estabelecido por lei - trata-se de um conjunto de benefícios fiscais aplicáveis àquelas entidades estabelecendo de forma integrada os termos e condições da sua aplicação e funcionamento, com sede perfeitamente autonomizada na lei do OE que o consagrou.
  • As isenções previstas no Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH justificaram-se em função do objeto exclusivo das entidades a que se aplicam - objeto esse determinado na lei e sujeito a supervisão da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários.
  • O Artigo 4.° (Composição do património) do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH (cf. artigo 104.° (Regime jurídico) da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro), estabelece que:

«À composição do património do FIIAH é aplicável o disposto no artigo 46º do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário, sendo que, pelo menos, 75% do seu ativo total é constituído por imóveis, situados em Portugal, destinados a arrendamento para habitação permanente.»

  • Os imóveis que integram os FIIAH (dentro dos limites fixados na lei) têm, pois, que ser destinados a arrendamento para habitação permanente; não têm que estar arrendados para se manterem nos FIIAH nem existem quaisquer restrições à sua alienação.
  • Nem, tão pouco, o Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, até às alterações introduzidas no Orçamento de Estado de 2014 lhes impunha qualquer regime de caducidade dos benefícios - posto que a finalidade de que dependiam se verificasse no momento do ingresso dos imóveis no património do FIIAH.
  • Ao considerar a aplicação do artigo 14.° (Extinção dos benefícios fiscais), nº 3, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, no quadro do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, a Autoridade Tributária incorre manifestamente numa errada aplicação da lei, desconsiderando de forma clara a própria referência aí prevista aos regimes diferentes estabelecidos por lei de que o Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH faz, obviamente, parte. Como se referiu, o Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH é um regime autónomo e «auto-suficiente» que previu detalhadamente os termos e condições da sua aplicação.
  • Pretender que esse regime olvidou a consagração de um regime de caducidade dos benefícios, para ter de recorrer a princípios gerais previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais, não tem qualquer aderência à realidade e, se assim não fosse, como adiante se refere, não faria sentido a alteração ao Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH introduzidas no Orçamento de Estado de 2014.
  • Esquece a Autoridade Tributária um facto absolutamente decisivo e incontornável: é que as isenções de IMT e IS, de que beneficiavam, então, os fundos de Investimento imobiliário para arrendamento habitacional no momento da aquisição, bastavam-se com a aquisição destinada a arrendamento habitacional, não dependendo da consumação do arrendamento efetivo num determinado prazo nem da não alienação do prédio nesse mesmo prazo, não tendo o legislador feito correr por conta dos ditos fundos o risco da não realização do arrendamento.
  • É que, se assim não fosse, não seria necessária a nova lei!
  • As liquidações de IMT foram efectuadas ao abrigo do artigo 8.°, nº 16 do Regime dos FIIAH, conforme alterado pelo artigo 235.° (Alteração ao regime fiscal dos fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional), nº 16, da Lei n.º 83 -C/2013, de 31 de Dezembro, (aplicável ex vi artigo 236.° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), número 2, da Lei n.o 83 - C/2013, de 31 de Dezembro).
  • O Requerente invocou a inconstitucionalidade do artigo 236. ° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial aplicável aos FIIAH e SIIAH), nº 2, da Lei n.º 83 - C/2013, de 31 de Dezembro, no quadro da impugnação de liquidações de IMT e de IS, pois não estando legalmente previstos, no momento do reconhecimento da isenção, quaisquer factos ou circunstâncias de que dependia a caducidade da isenção reconhecida (seja o prazo para celebração do contrato de arrendamento, seja o prazo para alienação dos imóveis relevantes ou mesmo a liquidação do FIIAH), é manifesto que a imposição superveniente desses factos ou circunstâncias a isenções cristalizadas na ordem jurídico-tributária do Requerente enferma de inconstitucionalidade, por violação da regra da não retroactividade da lei fiscal, consagrado no artigo 103.° (Sistema fiscal, nº 3, da CRP.
  • O Requerente solicitou aos Senhores Professores Dr. C… e Doutor D…, a emissão de parecer jurídico sobre a constitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (cf. Doc. 3 do Pedido de Pronúncia Arbitral).
  • O referido parecer (doravante abreviadamente referido como «Parecer») corrobora a tese de inconstitucionalidade defendida pelo Requerente, conforme se depreende da leitura das conclusões abaixo reproduzidas e que aqui devem ser repetidas:

Parecer dos Senhores Professores Dr C…  e Doutor D…

«CONCLUSÕES

Podemos agora enunciar, em síntese, as conclusões a que fomos chegando, já devidamente justificadas e desenvolvidas ao longo do Parecer.

Assim:

1) A Lei do OE para 2009 aprovou o regime jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e, dentro dele, um regime tributário especial no seu artigo 8.°, incluindo, no que ora interessa, isenções de IMT e de Imposto do Selo para aquisições pelos FIIAH de prédios e de frações autónomas destinadas a arrendamento permanente para habitação e atos e contratos conexos.

2) As referidas isenções, de impostos devidos no momento da aquisição, bastavam-se com a aquisição pelos FIIAH destinada a arrendamento habitacional, não dependendo da consumação do arrendamento efetivo num determinado prazo nem da não alienação do prédio nesse mesmo prazo, não tendo o legislador feito correr por conta dos FIIAH o risco da não realização do arrendamento.

3) O artigo 235. ° da Lei do OE para 2014 introduziu novos ns. 14 a 16 no artigo 8. ° do regime dos FIIAH, que vieram restringir as isenções de IMT e de Imposto do Selo introduzidas pela Lei do OE para 2009, pois subordinaram a qualificação do prédio como destinado ao arrendamento para habitação permanente a que este seja efetivamente objeto de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos a partir do momento em que passaram a integrar o património do fundo, e previram que as referidas isenções "ficam sem efeito" caso os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento nesse prazo de três anos, o mesmo acontecendo caso os prédios sejam alienados antes desse prazo de três anos (salvo se no exercício de opção de compra pelo arrendatário que tenha anteriormente alienado o prédio ao FIIAH).

4) A exigência introduzida na Lei do OE para 2014 não estava prevista no regime originário, de 2008, não resultando, designadamente, do pressuposto de que se tratasse de aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas "destinados exclusivamente a arrendamento para habitação", pois essa destinação é compatível, designadamente em períodos de crise do mercado de arrendamento, com dificuldades e atrasos na concretização do arrendamento, nada obstando, segundo a previsão originária da isenção, a que o imóvel fosse adquirido como destinado exclusivamente a arrendamento para habitação apesar de só vir a ser arrendado, por exemplo, 3 anos e meio ou 4 anos depois da aquisição.

5) Do mesmo modo, a alienação, dentro do prazo de 3 anos a contar da aquisição, do imóvel que fora adquirido para ser destinado exclusivamente a arrendamento não obstava também à aplicação da isenção segundo a sua previsão originária - sendo certo, aliás, que apenas 75% do património dos FIIAH tinha obrigatoriamente de ser integrado por prédios destinados a arrendamento (artigo 4.° n. ° 1, do respetivo regime).

6) A previsão de um prazo para concretização do arrendamento não é apenas uma forma de comprovação de um requisito já previsto - caso em que uma nova lei seria evidentemente desnecessária -, mas representa antes a introdução, com o prazo de três anos, de um novo pressuposto para a isenção de IMT e de Imposto do Selo, com o efeito de delimitar mais restritivamente a exceção à incidência que resulta da isenção, prevendo-se que esta "fica sem efeito".

7) A disposição transitória especial contida no artigo 236.°, n.º 2, da Lei do DE para 2014, ao mandar aplicar as normas que restringiram a isenção a aquisições anteriores à sua entrada em vigor, efetuadas num momento em que a isenção estava prevista sem tais limitações, restringe a isenção de IMT e de Imposto do Selo quanto a factos tributários anteriores já esgotados, os quais são, para o IMT e para o Imposto do Selo, respetivamente, a transmissão onerosa de imóvel e o ato ou contrato conexo com a aquisição.

8) Os factos tributários que dão origem à obrigação de IMT e de Imposto do Selo esgotam-se no momento da sua prática, sendo também esse o momento em que surgem as respetivas obrigações de imposto (artigos 5.° n. ° 2, e 5.°, alínea a), respetivamente do Código do IMT e do Código do Imposto do Selo).

9) A norma do n. ° 2 do artigo 236. ° da Lei do OE para 2014 alterou um elemento essencial dos impostos em questão (as isenções, e, em consequência, o âmbito da respetiva incidência, ou campo de aplicação), pois trata-se de um elemento do qual depende a própria existência da obrigação tributária (o «se" do imposto).

10) O artigo 103.°, n. ° 3, da Constituição da República Portuguesa proíbe impostos com natureza retroativa, tendo tal proibição, introduzida em 1997, vindo tornar claro que ao legislador não é permitido prever ou alterar nos seus elementos essenciais impostos que incidam sobre factos já esgotados no momento da entrada em vigor da lei - isto é, que sejam autenticamente retroativos.

11) A redação do artigo 103.°, n. ° 3, introduzida em 1997 deu origem a que, posteriormente a 1997, e aplicando o novo parâmetro constitucional, o Tribunal Constitucional tenha passado a decidir no sentido da inconstitucionalidade de normas que criam ou alteram nos seus elementos essenciais impostos para factos que se completaram anteriormente à sua entrada em vigor (retroatividade autêntica, por oposição à mera retrospetividade ou retroatividade inautêntica).

12) Como se pode ler no Acórdão n.º 128/2009, do Tribunal Constitucional, «consagrado que está o princípio geral de irretroatividade da lei fiscal, a mera natureza retroativa de uma lei fiscal desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto, a conduta da administração fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos circunstanciais que resultem da condição, em concreto, de uma certa relação jurídico-tributária".

13) A norma do artigo 236.°, nº 2, da Lei do OE de 2014 é uma norma autenticamente retroativa, pois ordena a aplicação dos novos pressupostos das isenções - arrendamento e não alienação num prazo de 3 anos, sob pena de estas ficarem "sem efeito" - a aquisições e a atos (isto é, a factos tributários) anteriores à sua entrada em vigor e que completaram  antes desta.

14) A isto não obsta o argumento no sentido de que a referida restrição da isenção pela previsão dos prazos apenas teria visado comprovar a finalidade de arrendamento das aquisições, já que tal pressuposto da isenção não estava antes concretizado e plasmado na lei, no momento em que os factos tributários relevantes (a aquisição dos imóveis e os atos e contratos conexos) se completaram.

15) Por esta mesma razão, seria improcedente a qualificação da norma do artigo 236.º, n.º 2, da Lei do OE de 2014 como norma interpretativa, já que os pressupostos que aditou para as isenções não estavam anteriormente previstos.

16) É irrelevante que se preveja no artigo 236.º n.º  2, da Lei do OE de para 2014 que o prazo de três anos apenas se conta a partir da entrada em vigor dessa, uma vez que tal pressuposto da isenção (o prazo) não era sequer exigido no momento em que os factos tributários relevantes foram praticados.

17) O artigo 236.º, n.º 2, da Lei do OE para 2014 é inconstitucional, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República, ao prever que o disposto nos novos n.os 14 a 16 do artigo 8. ° do regime jurídico dos FIIAH, que alteram e restringem as isenções previstas anteriormente nos n.ºs 7 e 8. ° desse mesmo artigo, é "igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014".»

 

  • Crê o Requerente, assim, que não restarão dúvidas sobre a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 236.° (Norma Transitória no âmbito do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH) da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, norma em que, recorde-se, assentam as liquidações postas em crise em sede de pronúncia arbitral. E, assim sendo, é mister concluir que tais liquidações estão viciadas (ilegalidade abstrata das liquidações).
  • No mesmo sentido, veja-se a decisão arbitral do CAAD no processo 683/2015-T, em tudo semelhante aos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
  • A Autoridade Tributária defende na Resposta que no ordenamento jurídico-administrativo português, o regime regra de invalidade dos atos administrativos é a mera anulabilidade citando jurisprudência consagrada em diversos Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo.
  • Está consciente o Requerente da douta jurisprudência administrativa sobre a matéria.
  • Sustenta, contudo, o Requerente, que só a nulidade poderá ser vista como consequência admitida para a prática de um ato administrativo baseado em norma declarada inconstitucional, pois de outra forma permitir-se-ia que uma tal norma produzisse os seus efeitos de forma perene na ordem jurídica tornando irrelevante a sua própria inconstitucionalidade.
  • Não é, no entanto, esta a oportunidade nem a ocasião para aprofundar esse debate, uma vez que o resultado do mesmo é irrelevante na questão em apreço, seja nulidade ou anulabilidade a consequência da inconstitucionalidade.
  • Diga-se apenas que a aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, ou a manutenção de atos que a tenha por fundamento, com base na intempestividade da arguição do vício, atentaria contra os mais básicos princípios do sistema jurídico e permitiria a violação grosseira de direitos constitucionalmente consagrados (direito à não retroactividade fiscal, direito à propriedade privada, etc.).
  • Pelo que se afigura que devem ser considerados inexistentes (ou, no mínimo, nulos) os atos tributários praticados em execução ou ao abrigo de normas legais inconstitucionais.

Alegações da Requerida

Nas suas alegações, a Requerida, considerando que a Requerente nada acrescentou, nas suas alegações, ao que havia alegado no pedido, limita-se a remeter para o contra-alegado na Resposta, reiterando a argumentação aí expendida.

II – SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 02-12-2016, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, nº 1, als. a) e b) do RJAMT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).

As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art. 3º do RJAT, uma vez que o juízo sobre a validade quer da liquidação de imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis quer da liquidação de imposto do selo depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito.

Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III – QUESTÕES A DECIDIR

São questões a decidir pelo Tribunal:

  1. Procedência da exceção de incompetência material do Tribunal arbitral
  2. Procedência da exceção de ilegitimidade passiva da Requerida
  3. A inconstitucionalidade do regime transitório estabelecido no artigo 236º, nº 2 da lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que estipula:

2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

  1. Em caso de decisão no sentido da inconstitucionalidade da referida norma, se tal inconstitucionalidade tem como efeito a nulidade ou a anulabilidade das liquidações efetuadas ao seu abrigo.
  2. Em caso de decisão no sentido da inconstitucionalidade da referida norma e da consequente declaração de invalidade das declarações impugnadas, se tal invalidade origina para a Requerida AT –Autoridade Tributária e Aduaneira a obrigação de pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do art. 43º da Lei Geral Tributária.

 

IV – FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:

  • Em 7 de julho de 2016, «B…— FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL, de que a Requerente é gestora, solicitou à Requerida a liquidação de IMT, nos termos do art. 8º, nº 16 do Regime Especial Aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, com referência à compra efetuada pelo mesmo em 18.12.2013, da fração AM do prédio inscrito na matriz predial urbana da … sob o artigo …, sito na Rua  … nºs … a  … e Rua  … nºs…, … e  … em Lisboa.
  • Em 13 de julho de 2016, a Requerida AT- Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu uma liquidação de IMT sobre a referida aquisição, tendo apurado imposto no valor de 5.101,88 euros.
  • Também em 13 de julho de 2016, a Requerida emitiu uma liquidação de Imposto do Selo sobre a referida aquisição, tendo apurado imposto no valor de 1.516,00 euros.
  • Em 14.07.2016, a Requerente procedeu ao pagamento integral do IMT e do Imposto do Selo liquidados.

Os factos considerados provados foram-no com base nos elementos de prova documental contantes do processo e fornecidos pelas Partes.

Não existem factos relevantes para a decisão da causa que haja que dar como não provados.

 

V - FUNDAMENTAÇÃO  

  1. Sobre a exceção de incompetência material do Tribunal arbitral

Nos parágrafos 47º e 48º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente afirma:

  • “não restarão dúvidas sobre a inconstitucionalidade do nº 2 do art. 236º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, norma em que, recorde-se, assentam as liquidações. E assim sendo é mister concluir que tais liquidações enfermam de ilegalidade (abstrata).”

Ao formular o pedido, a Requerente diz:

  • “Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis (...) deve:
  1. Ser declarada a nulidade das liquidações com base na sua inconstitucionalidade (ilegalidade abstrata)”

Por sua vez, na sua resposta, a Requerida diz:

  • “Independentemente do vício que se possa considerar imputável às liquidações em apreço (...), o Requerente invoca ainda que as liquidações enfermam de ilegalidade abstrata. Todavia, a acolher esta tese do Requerente então o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar, em abstrato, a constitucionalidade da norma em causa, nos termos peticionados.”

Atento o alegado pelo Requerente, resulta que este pretende (afinal) a desaplicação da norma pela sua alegada ilegalidade/ inconstitucionalidade e não por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos.

Ora, sucede que o Tribunal Constitucional é o foro competente para conhecer quer da ilegalidade, quer da inconstitucionalidade de normas legais [arts. 280.º, n.º 2, als. a) e d) e 281.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 da CRP e arts. 6.º e 66.º da Lei do Tribunal Constitucional].

Assim sendo, se a questão dos presentes autos não é uma situação de eventual desaplicação duma norma por qualquer ilegalidade ocorrida na sua aplicação aos factos concretos, como defende agora o Requerente, mas sim a sua própria (intrínseca) ilegalidade/inconstitucionalidade, então, importa concluir que o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar esta questão, dado que que se pretende a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, matéria constitucionalmente reservada ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea a) do n.o 2, do artigo 281.o da CRP.”

Vejamos:

O conceito de ilegalidade abstrata encontra-se referido no art. 204º do CPPT.

A doutrina e a jurisprudência têm vindo a desenvolver o conceito de “ilegalidade absoluta ou abstrata” (vd. entre muitos outros os acórdãos STA de 09-04-2014, proc. nº 076/14; TCAS de 12-06-2014, proc. 07309/14; TCAS de 27-09-2011, proc. 4733/11).

De acordo com essa jurisprudência, ilegalidade abstrata não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas sim na própria lei cuja aplicação é feita (STA 09-04-2014, proc. nº 076/14), não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado (TCAS, 31-05-2005, proc. nº 439/05).

Cabem neste conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares (STA 09-04-2014, proc. nº 076/14).

Por outro lado, a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, prevista no art. 281º da Constituição da República Portuguesa (CRP) caracteriza-se por ter lugar à margem de qualquer caso concreto, formando a questão da inconstitucionalidade o objeto principal do processo. Esta fiscalização da constitucionalidade cabe em exclusivo, efetivamente, ao Tribunal Constitucional.

A par da fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade contempla, no art. 280º, nº 1 da CRP, a fiscalização concreta da constitucionalidade. A fiscalização concreta da constitucionalidade, que cabe aos tribunais em geral, incluindo os tribunais arbitrais, caracteriza-se por ser incidental em relação a um litígio que incide sobre um caso concreto. Ou seja, a fiscalização concreta da constitucionalidade em decidir um litígio sobre um caso concreto com base num juízo que é efetuado sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma legal que é aplicável a esse litígio e da qual depende a sorte do mesmo.

Como já se disse, a fiscalização concreta da constitucionalidade cabe a todo e qualquer tribunal, conforme os artigos 204º e 280º, nº 1 da CRP, onde se prevê que qualquer tribunal possa recusar a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplicar norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

Assim se vê, sem necessidade de maior desenvolvimento, que a fiscalização concreta da constitucionalidade abrange a apreciação da ilegalidade abstrata do ato administrativo na medida em que esta apreciação tem em vista precisamente decidir um caso concreto, relacionado com o ato administrativo em causa, aplicando ou desaplicando a norma legal em que o mesmo se funda, em razão de um juízo sobre a constitucionalidade dessa norma (e não declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma, como compete no caso de fiscalização abstrata da constitucionalidade).

Não existe, pois, qualquer confusão possível entre “fiscalização abstrata da constitucionalidade”, a qual é da competência exclusiva do Tribunal Constitucional, e controlo da “ilegalidade abstrata do ato administrativo”, a qual cabe aos tribunais administrativos e aos tribunais arbitrais em matéria administrativa e tributária e que, pode, ou não, implicar uma apreciação da constitucionalidade da norma aplicada ao caso concreto.

Em concreto, a apreciação da legalidade de um ato de liquidação de um imposto cabe na competência dos tribunais arbitrais tributários por força do art. 2º, nº 1 al. a) do RJAT.

Improcede, pois, a exceção de incompetência do Tribunal arbitral.

 

  1. Exceção de ilegitimidade passiva da Requerida

Alega ainda a requerida a exceção da sua ilegitimidade passiva nos seguintes termos:

“Acresce ainda, por outra parte, que, no âmbito da apreciação da fiscalização abstracta da constitucionalidade, a Requerida sempre seria parte legítima.

Pois que, como é consabido, a Administração Tributária não se pode recusar a aplicar normas com fundamento na sua inconstitucionalidade ou ilegalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT”

A exceção de ilegitimidade passiva funda-se também, como se retira da leitura dos trechos transcritos, no pressuposto de que o pedido de pronúncia visa uma fiscalização abstrata da constitucionalidade de uma norma e de que, ao apreciar tal pedido, o Tribunal arbitral estaria a levar a cabo um controlo abstrato da constitucionalidade de uma norma.

Já deixámos demonstrado que não é assim.

Está-se perante um processo judicial (nos termos do art. 97º do Código de Procedimento e de Processo Tributário) de impugnação de um ato tributário, com base na sua ilegalidade abstrata, o que se traduzirá, em caso de apreciação do mérito da causa, num controlo incidental, concreto da constitucionalidade, que compete a todos os tribunais nos termos do art. 204º da CRP.

Sendo assim, a Requerida AT- Autoridade Tributária e Aduaneira é parte legítima no processo nos termos do art. 10º nºs 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ao presente processo arbitral por força do art. 29º, nº 1, al. c) do RJAT.

Improcede, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade passiva da Requerida.

 

  1. A inconstitucionalidade do regime transitório estabelecido no artigo 236º, nº 2 da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro

3. 1) As normas em questão

A Lei do Orçamento do Estado para 2009 (Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro), no seu art. 102º, aprovou o “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional” (doravante Regime Especial dos FIIAH e SIIAH)

O art. 8º desse regime estabeleceu o regime tributário aplicável a essas entidades.

Os nºs 7 e 8 do citado art. 8º estabeleciam isenções de IMT e de Imposto do Selo, nos seguintes termos:

 “7 — Ficam isentos do IMT:

  1. As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
  2. As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.”

8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”

Não há dúvida de que existe nestas normas legais um problema de um forte grau de indeterminação.

Atentando em especial na al. a) do nº 7, que fala em “aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, há que perguntar como deve o intérprete do direito entender a expressão “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

Literalmente, a expressão significa que o adquirente do imóvel o adquire para, ie com a finalidade de o afetar a arrendar a habitação permanente.

A ratio legis desta norma, que estabelece um benefício fiscal, é a de promover o arrendamento de habitação permanente, do que também não há dúvida.

Portanto, parece óbvio que só poderá beneficiar das isenções (de IMT e IS) o Fundo (FIIAH) que adquirir um imóvel com a finalidade de o arrendar para habitação permanente.

A questão que se coloca de seguida é: como se afere essa condição finalística?

Como é que, no momento em que a norma tem que ser aplicada – o momento imediatamente anterior à aquisição, nos termos do art. 22º do CIMT e do art. 23º, nº 4 do CIS – aquele que aplica a norma afere a finalidade da aquisição?

A norma legal, na sua redação inicial, não dizia como aferir essa finalidade.

Essa concretização da fórmula legal veio a ser efetuada apenas com a Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que modificou o referido art. 8º do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, aditando-lhe os números 14 a 16, com a seguinte redação:

 “14 — Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera--se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 — Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 — Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”

A partir desta lei, ficou solucionado o problema de saber quando se pode considerar um imóvel adquirido por um FIIAH como “destinado exclusivamente a arrendamento permanente”.

Mas uma vez que, em geral, a lei só dispõe para o futuro, esta norma não solucionava, por si só, o problema quanto aos imóveis adquiridos por FIIAH anteriormente a 1 de janeiro de 2014, data em que entraria em vigor a Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Para resolver o problema desses casos, a mesma Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro consagrou, no seu artigo 236º, o seguinte regime transitório:

 “1 — O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 — Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”

O que o Tribunal deve apreciar é a conformidade da parte do regime transitório correspondente ao nº 2 do art. 236º com o princípio da proibição da retroatividade das leis fiscais consagrado no art. 103º, nº 3 da CRP.

 

2) Os vários graus de retroatividade e o seu regime em face da regra de proibição da retroatividade das leis fiscais consagrada no art. 103º, nº 2 da CRP

A doutrina e a jurisprudência têm tratado a questão da retroatividade das leis fiscais assentando na conceção de que existem diversos graus de retroatividade e de que nem todos merecem o mesmo tratamento à luz do princípio da segurança jurídica e da legalidade dos impostos.

A retroatividade de primeiro grau (perfeita ou própria), verifica-se quando o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga no momento em que a nova lei entra em vigor (TC, acórdão nº 128/2009; TC acórdão nº 85/2010; STA, 14-02-2013, proc. nº 1375/12).

A retroatividade de segundo grau (imperfeita ou imprópria) ocorrerá quando o facto tributário que a lei nova pretende regular ocorreu, na sua totalidade, ie se consolidou, sob a vigência da lei antiga, mas os seus efeitos fiscais se produzem ou continuam a produzir-se no domínio da lei nova (STA, 14-02-2013, proc. nº 1375/12).

A retroatividade de terceiro grau tem lugar quando está em causa um facto tributário de formação sucessiva ou continuada e que não se formou completamente na vigência da lei antiga, mas continua a formar-se na vigência da lei nova (TC acórdão n.º 128/2009, TC acórdão nº 85/2010 e TC acórdão nº 399/2010).

O Tribunal Constitucional tem vindo a seguir o entendimento de que a proibição da retroatividade fiscal apenas atinge a retroatividade autêntica, abrangendo apenas os casos em que o facto tributário que a lei nova pretende regular já tenha produzido todos os seus efeitos ao abrigo da lei antiga, excluindo do seu âmbito aplicativo as situações de retrospetividade ou de retroatividade imprópria, ou seja, aquelas situações em que a lei é aplicada a factos passados mas cujos efeitos ainda perduram no presente (TC acórdão nº 617/202; TC acórdão n.º 128/2009; TC acórdão 85/2010).

Importa por isso tentar distinguir, o mais claramente possível, as situações de retroatividade própria das situações de retroatividade “não própria” a fim de que possamos aplicá-las ao caso vertente.

Neste ponto, cremos que o contributo doutrinário que vai mais longe continua a ser o de CARDOSO DA COSTA. Entende este Autor que “a linha demarcadora do âmbito da retroatividade fiscal constitucionalmente admissível passará, desde logo, pela distinção entre situações tributárias «permanentes» e «periódicas» e «factos» cuja eficácia fiscal se esgota ou se firma «instantaneamente», para cada um deles «de per si» (maxime, pela distinção entre «impostos periódicos» e «impostos de obrigação única»)” (CARDOSO DA COSTA, "O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal", in Perspetivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição, Vol. II, Coimbra, 1997, p. 418).

Para demarcar a retroatividade própria da retroatividade “não própria” há que olhar, pois, como ponto de partida, para a distinção fundamental entre “facto tributário de formação sucessiva”, referido no nº 2 do art. 12º da LGT, e o seu contrário, “facto tributário de formação instantânea” (e não, em nossa opinião, e com o devido respeito por opiniões diversas, à distinção entre impostos de obrigação única e impostos periódicos).

Facto tributário de formação instantânea é um facto tributário que ocorre num preciso momento e de uma só vez. Por exemplo, o facto tributário do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis consiste na aquisição onerosa de um imóvel. Regra geral, a aquisição onerosa de um imóvel, para efeitos fiscais, dá-se de modo instantâneo, ocorre num momento preciso e de uma só vez, por meio de um contrato.

Já o facto tributário de formação sucessiva é um facto complexo que se forma ao longo de um período de tempo. Por exemplo, no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o facto tributário é, regra geral, para os sujeitos passivos residentes, o rendimento anual. O rendimento anual começa a formar-se no dia 1 de janeiro e completa-se no dia 31 de dezembro de cada ano.

Esta bipartição entre factos tributários de formação sucessiva e de formação instantânea não soluciona totalmente o problema da destrinça entre vários graus de retroatividade. Existem situações “cinzentas”, às quais se pode torna difícil aplicar esta distinção. Mas ainda assim, pensamos que só ela nos fornece um ponto de partida sólido para distinguir retroatividade própria e “não própria” (incluindo nesta última designação tanto a retroatividade de segundo como de terceiro grau).

 

3. 3 ) Aplicação dos conceitos anteriores ao caso concreto

  • Aplicação ao nº 7 do art. 8º do Regime Fiscal dos FIIAH

No caso dos autos estão em causa uma isenção de IMT e uma isenção de imposto do selo, previstas respetivamente no nº 7 e no nº 8 do art. 8º do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional” (aprovado pelo art. 102º da Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro).

A isenção de IMT diz respeito ao facto tributário previsto no art. 2º, nº 1 do CIMT, segundo o qual o “IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.” 

Não há dúvida de que a transmissão a título oneroso do direito de propriedade, nomeadamente através de contrato de compra e venda, se verifica de modo instantâneo, ie num momento preciso, o momento em que se torna perfeito o contrato pelo qual se opera a transferência da propriedade. Trata-se, pois, de um facto tributário de formação instantânea.

Por conseguinte, se uma lei nova pretender agravar a tributação sobre uma aquisição de imóvel que já se consumou antes da entrada em vigor da nova lei, estaremos perante uma situação de retroatividade própria ou autêntica.

Contudo, embora a isenção de IMT em causa se refira ao facto tributário previsto no art. 2º, nº 1 do CIMT, a norma de isenção não tem por objeto rigorosamente o mesmo facto tributário.

A isenção de IMT aplica-se a “aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

É patente que o facto tributário ao qual se aplica a isenção não é exatamente o mesmo facto tributário ao qual se aplica o imposto, pois nem todas as aquisições onerosas de imóveis sujeitas a IMT ficam isentas ao abrigo do art. 8º, nº 7 do Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, mas apenas as “aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

O facto tributário “aquisição de um prédio urbano destinado exclusivamente a arrendamento para habitação permanente” não se completa com a simples aquisição do prédio, mas exige que se acrescente a essa aquisição uma certa utilização económica, que é o arrendamento para habitação permanente, e que essa utilização económica se verifique com exclusão de qualquer outra. Portanto, estamos perante um facto tributário que necessariamente se forma ao longo do tempo.

É certo que os factos tributários de formação sucessiva devem ser definidos rigorosamente na sua dimensão temporal, o que não aconteceu no caso. Mas é também inquestionável que o facto tributário não se produz instantaneamente. O facto tributário só pode considerar-se verificado quando existam elementos objetivos que permitam dizer que o prédio foi destinado a arrendamento para habitação permanente.

Esta é a razão por que, com o devido respeito, afastamos a tese da Requerente (defendia no parágrafo 36º do p.p.a.) de que “no momento em que os prédios objeto das liquidações ingressaram no património do Fundo B…, ficaram definitivamente cristalizadas na ordem jurídica as isenções de IMT e IS previstas, respetivamente, nos nºs 7 al. a) e 8 do art. 8º do Regime Tributário dos FIIAH”.

Os efeitos fiscais do facto tributário “aquisição”, em nossa opinião, não se cristalizaram no momento em que ocorre a aquisição, uma vez que o facto tributário previsto na norma de isenção não se podia considerar totalmente verificado, por o prédio não ter sido destinado, ainda nesse momento, a arrendamento para habitação permanente. Com efeito, a destinação do prédio a arrendamento para habitação permanente não se pode considerada verificada com uma simples declaração no formulário de liquidação do imposto.

Uma vez que “destinado a arrendamento” significa que o arrendamento é a afetação que se tenciona dar no futuro, não a que já existe, a condição que preenche a previsão da norma de isenção – finalidade de arrendamento para habitação permanente – nunca pode considerar-se definitivamente verificada no momento em que é requerida a isenção, antes tem que se verificar de modo continuado no tempo após a aquisição.

É também neste ponto que discordamos essencialmente do douto parecer dos Senhores Doutores C… e D…, junto pela Requerente aos autos.

Afirma o douto parecer que “já a aplicação, por força do nº 2 do art. 236º da Lei do OE para 2014, das restrições das isenções de IMT e Imposto do Selo a aquisições de imóveis anteriores à entrada em vigor dessas restrições suscita questões mais complexas. Com efeito, tal disposição transitória, ao mandar aplicar as normas que restringiram as isenções – desde logo, por introduzirem um novo prazo como seu pressuposto – a aquisições anteriores à sua entrada em vigor, efetuadas num momento em que a isenção estava prevista sem que fosse limitada por tal prazo, (mas apenas por uma finalidade para arrendamento avaliada no momento da aquisição e, em qualquer caso, não dependente daquele em qualquer prazo, aplica essas normas restritivas das isenções  a factos tributários não só anteriores como já esgotados.”

Afirma-se aqui que, antes da entrada em vigor dos nºs 14 a 16 do art. 8º do “Regime Fiscal dos FIIAH”, a isenção (de IMT, segundo entendemos) estava apenas condicionada “por uma finalidade avaliada no momento da aquisição e não dependente da efetivação do arrendamento em qualquer prazo.

A questão é, não dizendo a lei expressamente que a isenção estava condicionada a uma finalidade avaliada no momento da aquisição, e sendo portanto esta afirmação fruto de uma interpretação, se esta interpretação tem sustentação.

Quanto a nós, com o devido respeito, tal interpretação da norma de isenção não tem sustentação.

Desde logo porque não existe como “avaliar” a destinação a arrendamento para habitação permanente no momento da aquisição. Tal “avaliação” no momento da aquisição é uma pura ficção. A destinação exclusiva a arrendamento para habitação tem de ser real, pressupondo que haja afetação a arrendamento para habitação permanente ou que, pelo menos, disponibilidade para uma tal afetação.

E é por isso que entendemos, ao contrário do douto parecer, que tal avaliação, por natureza, nunca poderia ser efetuada no momento da aquisição mas sempre ficaria dependente, pelo menos, da subsistência de uma situação de disponibilidade para o arrendamento habitacional ao longo do tempo.

Atentando em especial na al. a) do nº 7, que fala em “aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, há que perguntar como deve o intérprete do direito entender a expressão “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”.

Literalmente, a expressão significa que o adquirente do imóvel o adquire para, ie com a finalidade de o afetar a arrendar a habitação permanente.

A ratio legis desta norma, que estabelece um benefício fiscal, é a de promover o arrendamento de habitação permanente, do que também não há dúvida.

Portanto, parece óbvio que só poderá beneficiar das isenções (de IMT e IS) o Fundo (FIIAH) que adquirir um imóvel com a finalidade de o arrendar para habitação permanente.

A questão que se coloca de seguida é: como se afere a finalidade?

Como é que, no momento em que a norma tem que ser aplicada – o momento imediatamente anterior à aquisição, nos termos do art. 22º do CIMT e do art. 23º, nº 4 do CIS – aquele que aplica a norma afere a finalidade da aquisição?

A norma legal, na sua redação inicial, não dizia como aferir essa finalidade.

Certo é que a finalidade significa uma intenção, por parte do adquirente, de realização de uma conduta futura, a qual consiste no arrendamento para habitação permanente.

Portanto, não há dúvida de que, ao requerer a isenção ao abrigo do art. 8º do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional”, o adquirente (o FIIAH) declara que irá afetar o imóvel ao arrendamento habitacional permanente.

E para que o fim extrafiscal da norma se cumpra – promoção do arrendamento de habitação permanente – é necessário que essa finalidade se concretize, quanto mais não seja através de uma ação do adquirente que consista na disponibilização do imóvel para arrendamento para habitação permanente.

Uma vez que “destinado a arrendamento” significa que o arrendamento é a afetação que se tenciona dar no futuro, não a que já existe, a condição que preenche a previsão da norma de isenção – finalidade de arrendamento para habitação permanente – nunca pode considerar-se definitivamente verificada no momento em que é requerida a isenção, antes tem que se verificar de modo continuado no tempo após a aquisição.

Assim, não é defensável a interpretação da norma de isenção, como faz a Requerente, no sentido de que, no momento imediatamente subsequente à aquisição, o adquirente fica desobrigado de manter a afetação do imóvel ao arrendamento para habitação.

Se o adquirente não disponibilizar o imóvel para arrendamento para habitação permanente, o adquirente age em contrário da finalidade que declarou no momento em que requereu a isenção.

Portanto, se um Fundo (FIIAH) requer a isenção de IMT ao abrigo do art. 8º do “Regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional” e, subsequentemente, aliena o imóvel, adota uma conduta que é contrária ao que o próprio adquirente declarou no momento em que requereu a isenção e que implica que o pressuposto dessa isenção não se verifica.

Recordemos que o pressuposto da isenção de IMT, na redação inicial da norma, era que o adquirente adquirisse o imóvel com a finalidade de o afetar a arrendamento para habitação permanente. Se subsequentemente aliena o imóvel, essa conduta implica que a condição para a atribuição da aquisição ou não existia ou não se manteve, como tinha que se manter.

Portanto, o ónus de manter o imóvel afeto a arrendamento para habitação permanente existe e mantém-se desde o momento da aquisição, pois essa afetação é pressuposto do facto tributário a que a isenção se aplica.

Sendo assim, a norma transitória estabelecida no nº 2 do art. 236º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, sendo efetivamente retroativa, em certa medida, porque se aplica a factos cuja ocorrência se iniciou antes da sua entrada em vigor (aquisição de imóvel, a qual é uma facto mas não é o facto tributário da norma de isenção), não veio tornar tributável uma situação que antes não era tributável: a situação de aquisição de imóvel habitacional por um FIIAH seguido da sua alienação. E também não veio agravar a tributação dessa mesma situação, pois essa situação, anteriormente à nova lei, já não reunia os pressupostos para ser isenta.

Esta circunstância – a circunstância de não existir agravamento da tributação – conjugada com a circunstância de estarmos perante um facto tributário de formação sucessiva – aquisição de imóvel com a finalidade de o afetar a arrendamento para habitação permanente, leva-nos a concluir que não se verifica no caso concreto uma situação de retroatividade própria.

Portanto, consideramos que não procede a alegação de ilegalidade abstrata do ato de liquidação de IMT por inconstitucionalidade do nº 2 do art. 236º da Lei 83-C/2013 no que a esse imposto diz  respeito.

 

  • Aplicação ao nº 8 do art. 8º do Regime Fiscal dos FIIAH

Quanto ao imposto do selo, está em causa a seguinte norma:

“8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º”

Decompondo a norma, a isenção abrange os atos que sejam conexos com:

  1.  A transmissão de prédios urbanos destinados a habitação permanente, quando essa transmissão ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos;
  2. O exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5º.

 

Os factos tributários desta isenção não coincidem com o facto tributário da isenção de IMT, estipulada no n.º 7 do mesmo preceito, o que nos obriga a analisar as duas isenções separadamente.

Os factos aqui previstos, ao contrário do anterior, são factos tributários de formação instantânea. No próprio momento em que ocorre a transmissão, ou se verificam todos os pressupostos do facto tributário e a isenção é aplicável, ou não se verificam tais pressupostos e a isenção não pode ter lugar.

Não dispomos de dados factuais sobre como foi justificada a aplicação desta norma ao caso concreto dos autos.

Mas ela tem que ter sido justificada: a) ou pela transmissão por força da conversão do direito de propriedade (anterior) num direito de arrendamento sobre o prédio; b) ou pelo exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5º.

O artigo 5º do Regime Fiscal dos FIIAH diz, no seu nº 1:

“1 - Os mutuários de contratos de crédito à habitação que procedam à alienação do imóvel objeto do contrato a um FIIAH podem celebrar com a entidade gestora do fundo um contrato de arrendamento.”

O nº 3 do mesmo preceito diz:

“3 - O arrendamento nos termos previstos no n.º 1 constitui o arrendatário num direito de opção de compra do imóvel, ao fundo, susceptível de ser exercido até 31 de Dezembro de 2020.”

Portanto, a isenção de IS estabelecida no nº 8 do art. 8º do Regime Fical dos FIIAH aplica-se a situações em que:

  • Existe uma situação de propriedade de um imóvel habitacional para cuja aquisição foi contraído um empréstimo,
  • O mutuário, proprietário do imóvel, aliena o prédio a um FIIAH,
  • O mutuário, no momento da alienação do imóvel ao FIIA, celebra com este um contrato de arrendamento.

Verificando-se estas três circunstâncias, fica isenta de IS, além de outros atos que venham a ser celebrados, a alienação do imóvel pelo mutuário/proprietário inicial ao Fundo.

Assim, nunca pode colocar-se, no caso da isenção de imposto do selo prevista no nº 8º do art. 8º do Regime Fiscal dos FIIAH, o problema da falta de afetação do imóvel a arrendamento.

A afectação a arrendamento habitacional tem que encontrar-se verificada no momento do ato de transmissão, logo, no momento em que é reconhecida a isenção, não porque tal afetação seja uma condição da aplicação da norma mas porque é elemento do próprio facto tributário a que se aplica a norma.

E ou este arrendamento, no momento da alienação, é para habitação permanente e a isenção pode ter lugar, ou o arrendamento não é para habitação permanente e a isenção não poderá ter lugar.

Sendo assim, não se vê como é que o regime transitório estabelecido no artigo 236º da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro possa afetar retroativamente situações de isenção concedidas ao abrigo do art. 8º, nº 8 do Regime Fiscal dos FIIAH/SIIAH.

Por conseguinte, não pode considerar-se procedente a alegação de ilegalidade abstrata do ato de liquidação do imposto do selo, por retroatividade inconstitucional da norma a abrigo da qual tal liquidação foi efetuada.

 

V – DECISÃO

Em face de todo o exposto, decide-se julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade dos atos impugnados de liquidação de Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e de Imposto do Selo, absolvendo-se a Requerida do pedido.

Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 6.617,88 euros.

Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, fixa-se o montante da taxa arbitral em 612, 00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 31 de julho de 2017

O Árbitro

 

 (Nina Teresa Sousa Santos Aguiar)