Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 197/2017-T
Data da decisão: 2017-09-11  IRS  
Valor do pedido: € 180,08
Tema: IRS – Atestado médico de incapacidade multiuso - Artigo 87.º - Revisão do acto tributário - Artigo 78.º da LGT.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

 

1.      RELATÓRIO

 

1.1.  A…, contribuinte n.º …, residente na Rua…, …, Ovar (adiante designado Requerente), apresentou em 23/03/2017, pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a impugnação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2013.

 

1.2.  O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou, em 24/04/2017, como árbitro singular o signatário desta decisão.

 

1.3.  No dia 01/06/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

1.4.  Cumprindo-se o disposto no n.º 1 do artigo 17.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) foi a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) notificada, em 01/06/2017, para, querendo, apresentar resposta e solicitar a produção de prova adicional.

 

1.5.  Em 30/06/2017 a AT apresentou resposta, não deduzindo qualquer excepção.

 

1.6.  Tratando-se de uma questão exclusivamente de direito, o tribunal arbitral em 05/07/2017 decidiu dispensar a realização da reunião a que n.º 1 do artigo 18.º do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, convidando ambas as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas facultativas e agendou a data para prolação da decisão final.

 

1.7.  Em 14/07/2017 o Requerente apresentou um requerimento por entender útil efectuar alguns esclarecimentos adicionais.

 

1.8.  Em 02/08/2017 a AT apresentou um requerimento solicitando que o requerimento apresentado pelo Requerente seja desentranhado do presente processo arbitral.

 

 

 

 

2.      SANEAMENTO

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem nulidades ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

Verificam-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

 

 

3.      POSIÇÕES DAS PARTES

 

Como fundamento do pedido, o Requerente alega, em síntese, que apresentou um pedido de revisão do acto de liquidação de IRS, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, tendo a AT – em resposta ao seu requerimento – mencionado que o pedido de revisão foi solicitado nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), situação que o Requerente rejeita porquanto não se tendo verificado qualquer ilegalidade por parte da AT na liquidação em apreço, nunca o pedido podia ser suportado com recurso ao artigo 78.º da LGT. Conclui, solicitando a condenação da AT a efectuar a revisão do acto de liquidação de IRS do ano de 2013, contemplando a deficiência de 60%, conforme atestado médico de incapacidade multiuso apresentado.

 

Doutro modo, sustenta a AT que estando em causa o pedido do Requerente no qual pretende que seja efectuada a revisão da liquidação de IRS do ano de 2013, com os fundamentos constantes naquele, estribando-se no n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS foi este analisado nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, o qual prevê a revisão dos actos tributários, em obediência ao princípio da decisão, previsto no artigo 56.º do mesmo diploma.

 

Alega, ainda, a AT que os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante só produzem efeitos a partir da data da sua emissão, sendo, no entanto, considerada, para efeitos de liquidação, a situação pessoal do sujeito passivo a 31 de Dezembro de cada ano, pelo que, o direito ao benefício considerar-se-á constituído após a qualificação da deficiência e o direito à isenção nasce no momento em que a entidade competente emite o atestado médico de incapacidade multiuso e vigora a partir da data da respectiva emissão.

 

 

 

Não obstante, caso os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante refiram que a mesma se reporta a data anterior à da respectiva emissão, poderão fundamentar a interposição de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra a liquidação de IRS respeitante a anos anteriores, desde que decorra ainda o prazo para o efeito.

 

Conclui a AT que tendo o Requerente efectuado um pedido de revisão do acto de liquidação de IRS do ano de 2013 e tendo este sido analisado nos termos nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, para que se opere a revisão excepcional da matéria tributável, é imperativo que o erro não seja imputável a um comportamento negligente do sujeito passivo, o que, segundo a AT não se verifica no presente caso.

 

 

 

4.      MATÉRIA DE FACTO

 

4.1.  FACTOS QUE SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Em face dos documentos carreados para o processo, dá-se como provado que:

 

4.1.1.      Ao Requerente, por atestado médico de incapacidade multiuso emitido em 01/05/2015, foi reconhecido um grau de incapacidade de 60%, reportando-se esta situação de incapacidade retroactivamente ao ano de 2013.

 

4.1.2.      A condição de pessoa com deficiência do Requerente foi comunicada à AT em 25/05/2015 (cfr. Sistema de Gestão e Registo dos Contribuintes).

 

4.1.3.      Na declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS relativa ao ano de 2013, apresentada em 06/05/2014, o Requerente não mencionou qualquer deficiência fiscalmente relevante, tal como reconhecida ao abrigo da legislação aplicável, o que, na correspondente liquidação, não lhe permitiu beneficiar das deduções previstas no artigo 87.º do Código do IRS.

 

4.1.4.      Da referida declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS resultou a liquidação n.º 2014…, a qual determinou imposto a pagar no montante de € 180,08.

 

4.1.5.      Em 04/06/2014, o Requerente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da LGT apresentou pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2013, por forma a contemplar a referida incapacidade.

 

4.1.6.      Por Ofício n.º … de 31/10/2016, foi o Requerente notificado do projecto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com o fundamento de, no caso, não se mostrarem preenchidos os pressupostos da revisão prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, designadamente, a circunstância de o erro na liquidação não ser imputável a comportamento negligente do sujeito passivo.

 

4.1.7.      Em 21/11/2014, o Requerente exerceu o respectivo direito de audição prévia.

 

4.1.8.      Por Ofício n.º … de 02/01/2017, foi o Requerente notificado da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

4.1.9.      Em 23/03/2017, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo arbitral.

 

 

 

4.2.  FACTOS QUE NÃO SE CONSIDERAM PROVADOS

 

Não existem factos com relevo para a decisão que não tenham sido dados como provados.

 

 

 

5.      O DIREITO

 

Questão Prévia – Do valor do processo

 

O Requerente atribui ao pedido arbitral o valor de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), sem, contudo, explicar como chegou a esse valor.

 

De acordo com o disposto no artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por remissão da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT quando seja impugnada a liquidação, o valor do processo é o da importância cuja anulação

se pretende.

 

Verifica-se, pois, que o Requerente pretende a anulação e revisão da liquidação n.º 2014…, referente ao ano de 2013, com o valor de € 180,08 (cento e oitenta euros e oito cêntimos), valor este que deveria ter sido indicado como valor do processo, devendo como tal ser rectificado o anteriormente indicado pelo Requerente.

 

 

Questão Prévia – Da réplica

 

Conforme referido anteriormente, a AT apresentou resposta ao pedido arbitral apresentado pelo Requerente, onde não deduziu qualquer excepção.

 

Sem prejuízo do exposto, o Requerente veio pronunciar-se sobre a resposta apresentada, extravasando o âmbito da sua pronúncia, na medida em que o requerimento apresentado mais não é do que uma réplica.

 

De acordo com o disposto no artigo 85.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA),[1] aplicado subsidiariamente por remissão da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a réplica é um articulado apresentado pelo autor, que se destina a responder às excepções deduzidas em sede de contestação.

 

Ora, não tendo a AT deduzido qualquer excepção, não deve ser aceite o requerimento apresentado pelo Requerente, devendo o mesmo ser desentranhado do presente processo arbitral.

 

 

Da revisão do acto tributário

 

Antes de mais, importa esclarecer que, ao contrário do alegado e defendido pelo Requerente, o pedido de revisão oficiosa da liquidação de IRS do ano de 2013 em apreço não poderia ser analisado e decidido através da aplicação directa do n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS, nos termos do qual “Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária.”.

 

Sendo que os artigos 45.º e 46.º da LGT se referem à caducidade do direito à liquidação e suspensão do seu prazo.

 

Ora, o sentido do segmento da norma em análise, apoiado no espírito do legislador e suficientemente expresso na letra da lei, é o de que todas as liquidações efectuadas nos casos previstos no n.º 1 do artigo 76.º do Código do IRS, cuja epígrafe é “Procedimento e formas de liquidação”, podem ser corrigidas, após análise, se se encontrarem dentro dos prazos e nos termos do direito de liquidar o imposto, neste caso, o IRS.

 

Contudo, é mediante as disposições que constituem a LGT, que se definem os elementos essenciais da relação jurídica que se estabelece entre os sujeitos passivos e a AT, as quais determinam regras específicas de aplicação imediata e directa, como, por exemplo, as normas sobre caducidade, prescrição, revisão dos actos tributários e ainda os importantes princípios estruturantes do sistema tributário.

 

Assim, pese embora o Requerente insista que a revisão da liquidação do IRS do ano de 2013 deverá ser efectuada nos termos do artigo n.º 1 do artigo 76.º do Código do IRS, este procedimento não se encontra correcto, mas existe por parte da AT a obrigação de apreciar o seu requerimento, nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT.

 

Neste sentido, veja-se a conclusão do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul,

Processo n.º 07787/14, de 21/05/2015 [2]:

 

“O dever de a Administração efectuar a revisão de actos tributários, quando detectar uma situação de cobrança ilegal de tributos, existe em relação a todos os tributos, pois os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, que a administração tributária tem de observar na globalidade da sua actividade (art. 266.º, n.º 2, da C.R.P. e 55.º da L.G.T.), impõem que sejam oficiosamente corrigidos, dentro dos limites temporais fixados no art. 78.º da L.G.T., os erros das liquidações que tenham conduzido à arrecadação de quantias de tributos que não são devidas à face da lei.”.

 

Estando, pois, em causa o pedido do Requerente no qual pretende que seja efectuada a revisão da liquidação do IRS do ano de 2013, com os fundamentos constantes naquele, estribando-se no n.º 4 do artigo 76.º do Código do IRS foi este e bem, analisado nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, o qual prevê a revisão dos actos tributários, em obediência ao princípio da decisão, previsto no artigo 56.º do mesmo diploma, princípio este ao qual a AT se encontra vinculada e que determina que “A administração tributária está obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo”.

 

Atendendo ao pedido formulado pelo Requerente e às normas legais vigentes à data da prática dos factos, pretende este, com uma incapacidade declarada de 60%, beneficiar do regime previsto no artigo 87.º do Código do IRS para pessoas com deficiência, bem como, da redução em 10% da matéria colectável para o ano de 2013, de acordo com o disposto no n.º 6 e n.º 7 do artigo 188.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2013).

 

De facto, tendo o atestado médico de incapacidade multiuso sido emitido em 11/05/2015, com efeitos retroactivos ao ano de 2013, dispõe o n.º 7 do artigo 13.º do Código do IRS que “A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevantes para os efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.”.

 

Contudo, para que o efeito retroactivo da declaração de incapacidade assuma relevância tributária, torna-se necessário que o sujeito passivo demonstre a “superveniência do documento”, isto é, que alegue e prove que o não pôde obter ou dele dispor, em data anterior àquela que consta como data de emissão do documento, apesar de ter feito esforços e diligenciado nesse sentido.

 

Considerando o estatuído na Circular n.º 15/92 da Direcção de Serviços do IRS, “Os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante só produzem efeitos a partir da data da sua emissão, sendo, no entanto, considerada, para efeitos de liquidação, a situação pessoal do sujeito passivo a 31 de Dezembro de cada ano (…)”, pelo que, o direito ao benefício constitui-se após a qualificação da deficiência e o direito à isenção nasce no momento em que a entidade competente emite o atestado médico de incapacidade multiuso e vigora a partir da data da sua emissão.

 

Refere, ainda, o n.º 3 da mesma Circular que, se os documentos comprovativos da deficiência fiscalmente relevante referirem que aquela se reporta a data anterior à da respectiva emissão, poderão fundamentar a interposição de reclamação graciosa ou de impugnação judicial contra a liquidação de IRS respeitante a anos anteriores, desde que decorra ainda o prazo para o efeito.

 

Por outro lado, estipula o n.º 4 do artigo 70.º do CPPT que “Em caso de documento ou sentença superveniente, bem como de qualquer outro facto que não tivesse sido possível invocar no prazo previsto no n.º 1, este conta-se a partir da data em que se tornou possível ao reclamante obter o documento ou conhecer do facto”.

 

Determinando, ainda, o n.º 1 do artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”.

 

Assim, nada consta no presente processo, nem em qualquer documento junto, que possa provar a impossibilidade de obtenção do atestado médico de incapacidade multiuso em momento anterior àquele em que foi obtido, sendo que o ónus desta mesma prova cabe ao Requerente, pelo que se não pode considerar a superveniência do referido atestado médico de incapacidade multiuso.

 

Conforme decorre do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, o regime excecional de revisão a que o mesmo se refere tem como pressupostos, para além da injustiça grave ou notória da tributação, que a mesma se tenha na sua origem erro que não seja imputável a comportamento negligente do sujeito passivo, o que, face aos factos que se dão como provados, se não verifica no presente caso.

 

 

 

6.      DECISÃO

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar improcedentes os pedidos formulados pelo Requerente, decidindo-se manter na ordem jurídica a liquidação de 2013, por não enfermar de qualquer ilegalidade.

 

 

 

7.      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 180,08 (cento e oitenta euros e oito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

8.      CUSTAS

 

Custas a suportar pelo Requerente, no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 22.º do RJAT.

 

 

Notifique.

Lisboa, 11 de Setembro de 2017

 

 

 

O árbitro,

 

 

 

(Hélder Filipe Faustino)

 

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 131.º, do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro.

[2] Disponível em www.dgsi.pt