Decisão Arbitral
Partes
Requerente: A…, Lda. NIPC…, com sede na Rua … nº…, …-… …
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
I. RELATÓRIO
a) Em 19 de Janeiro de 2017 a Requerente entregou no CAAD um pedido de pronúncia arbitral (PPA) solicitando, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), a constituição de tribunal arbitral singular (TAS).
O PEDIDO
b) A Requerente impugna a decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa nº …2016…, adoptada pela AT em19.10.2016, e que lhe foi notificada em 21.10.2016, procedimento que deduziu contra as liquidações referidos na alínea seguinte.
c) Pede a declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Retenções na Fonte) nº 2016 … no valor de € 16.902,47 e bem assim do acto de liquidação de juros compensatórios com o mesmo número, no montante de € 2.652,53, num total de € 19 555,00, respeitantes ao ano fiscal de 2011.
d) Termina pedindo a declaração de ilegalidade, quer da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa, quer da liquidação de IRS e dos juros compensatórios.
A CAUSA DE PEDIR
e) A Requerente, foi alvo de uma acção inspectiva externa, da qual resultou a liquidação adicional de IRS (retenção na fonte sobre rendimentos de capitais distribuídos aos sócios) e juros compensatórios acima indicada, tendo deduzido contra uma reclamação graciosa, cujo indeferimento lhe foi notificado em 21.10.2016.
f) Insurge-se especialmente contra o que é referido na página 18 do Relatório de Conclusões de Inspecção: “... os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias identificadas e que permanecem na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos seus sócios-gerentes, constituindo rendimentos de capitais investidos na sociedade, nomeadamente adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos no artigo 5º nº 2, alínea h) do CIRS".
g) Uma vez que, reconhecendo a Requerente que não tinha uma conta bancária por onde, exclusivamente, passassem todos os créditos e débitos relativos à sua actividade, mas tinha 3 contas bancárias (uma em nome de cada sócio-gerente e outra em nome do filho de ambos), não aceitam que a AT considere que “... a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais”.
h) Pela razão de que “... explicou o porquê da utilização das referidas contas bancárias e explicou que um dos sócios exerce uma outra actividade profissional pela qual é remunerado” e questiona “porque motivo a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou que tal diferença corresponde à remuneração, não da Autora, mas do sócio pelo exercício da sua actividade profissional de professor?”.
i) Discorda do enquadramento feito pela AT na alínea h) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS, uma vez que, se “... a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias identificadas, sem prejuízo do respectivo titular, estavam afectas à actividade do sócio, quer através da aqui Requerente, quer através da sua actividade pessoal enquanto professor”, “... dois cenários seriam possíveis” ...: “... considerar rendimento tributável em IRS os valores utilizados para fins pessoais” ou seria curial que concluísse “ ... que todos os recursos financeiros não utilizados, se encontram na esfera da Requerente, não tendo sido distribuídos”. E conclui: “o que não pode é considerar que os valores representam rendimentos omitidos pela Requerente e simultaneamente lucros distribuídos”.
j) Refere que “... os valores que constam nas referidas contas bancárias não representam rendimento da Requerente, como sempre se demonstrou ao longo do procedimento inspectivo, pelo que nunca poderiam ter sido distribuídos”.
k) Invoca que as liquidações assim emitidas enfermam de falta de fundamentação, uma vez que na nota de liquidação “... não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a retenções na fonte do mês de Dezembro de 2012 relativas a capitais - outros rendimentos”, concluindo que “... o acto de liquidação contestado é totalmente incompreensível para um destinatário normal e, naturalmente, também para a ora Requerente”.
l) Invoca ainda a “... falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da acção inspectiva” que se reflete no acto de liquidação, pelas razões atrás referidas em f) e g).
m) Termina invocando “erro sobre os pressupostos de facto e direito” do acto de liquidação, pelas razões constantes em h) a j).
DO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS)
n) O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 31-01-2017.
o) Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido disso notificadas as partes em 15.03.2017. As partes não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
p) O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 19.04.2017, regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
q) Todos estes actos se encontram documentados na comunicação de constituição do Tribunal Arbitral Singular com data de 19.04.2017 que aqui se dá por reproduzida.
r) Logo em 19-04-2017 foi a AT notificada nos termos e para os efeitos do artigo 17º-1 do RJAT. Respondeu em 24.05.2017 juntando o Processo Administrativo (PA) composto por um ficheiro informatizado com 202 folhas.
s) No dia 27-06-2017 realizou-se a reunião de partes nos termos e para os efeitos do artigo 18º do RJAT e para audição da prova testemunhal arrolada. O representante da Requerente requereu o aproveitamento da prova produzida no âmbito do processo 69/2017-T, referente às declarações de parte prestadas pela testemunha B…, prestado na condição de “declarações de parte”. O Tribunal deferiu o requerido e ordenou a junção a estes autos da ata da reunião realizada no referido processo e o envio do ficheiro áudio para os intervenientes processuais. A Requerida prescindiu da inquirição da testemunha arrolada, o que foi deferido. A Requerida requereu a junção aos autos de dois documentos, o que foi deferido. Foi concedido prazo de vista à Requerente para se pronunciar sobre os mesmos concomitantemente com as alegações a apresentar. De seguida o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de dez dias, sendo que o prazo para a Requerida começará a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente e deu cumprimento do disposto no artigo 18º nº 2 do RJAT, designando o dia 18-09-2017 para o efeito de prolação da decisão arbitral.
t) Consta do SGP do CAAD, em 27.06.2017, o registo de envio do ficheiro áudio ao TAS e aos representantes das partes, contendo o depoimento de B…, como declarante de parte à matéria dos artigos 44º, 46º, 75º e 76º, 86º, 88º, 89º, 112º, 113º, 116º a 119º, 123º e 124º, 129º e 133º do pedido de pronúncia arbitral.
u) Em 07 de Julho de 2017 a Requerente apresentou alegações escritas, mantendo o que já tinha sustentado em sede de pedido de pronúncia. Não se pronunciou sobre o teor dos documentos juntos pela AT na reunião de partes ocorrida em 27.06.2017. Em 05 de Setembro de 2017 contra-alegou a Requerida, juntando outra vez os documentos que juntara na reunião de partes realizada em 27.06.2017, mantendo também o que tinha referido em sede de resposta. Muito embora se trate de repetição de junção de documentos, o Tribunal notificou a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre os mesmos por despacho de 05.09.2017, faculdade que não usou.
PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
v) Legitimidade, capacidade e representação – As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
w) Princípio do contraditório - Foi notificada a AT nos termos da alínea s) deste Relatório. Todas as peças processuais e todos os documentos juntos ao processo foram disponibilizados à respectiva contraparte no Sistema de Gestão Processual do CAAD. Da sua junção foram sempre notificadas ambas as partes.
x) Excepções dilatórias - O procedimento arbitral não padece de nulidades e o pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo prescrito na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT. Aliás, a AT não colocou em crise a tempestividade de apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERENTE
y) A Requerente começa por invocar a caducidade do direito da AT em liquidar o imposto, nos termos do artigo 45º nºs 1 e 4 da LGT, referindo que “... estando em causa um acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2011, mas concretamente erradamente imputado ao mês de Dezembro de 2011, o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira à liquidação deste tributo, caducaria, em princípio, em 31 de Dezembro do ano de 2015”.
z) Depois “considera que ao longo do processo e através da prova, documental e testemunhal produzida, logrou demonstrar os factos dos quais resulta a ilegalidade, quer da decisão da reclamação graciosa que antecede, quer do acto de liquidação que, também, constitui o objecto do presente processo”.
aa) Mais “considera que o acto de liquidação que também constitui o objecto da presente acção não se encontra fundamentado nos termos legalmente exigíveis, ... desde logo porque toda a prova é relativa a um processo crime em curso, sendo importada, como se de dogma se tratasse, para o procedimento tributário. Ora, a prova e demonstração dos factos deve ser concretizada no próprio procedimento. Tanto mais, que o processo de inquérito tem características próprias e finalidades próprias. Ou seja, os factos são analisados sob uma perspectiva distinta daquela que deve presidir e tem relevância no procedimento tributário. Deste modo, e como resulta cristalino dos artigos 355º e seguintes do Código de Processo Penal (relevantes por estar em causa matéria sujeita a inquérito penal), não se pode dizer que exista, sequer prova. Quanto muito poderiam existir indícios, mas nada mais, o que não é suficiente para motivar um acto de liquidação adicional de imposto. Tanto assim é que o artigo 100º do CPPT, determina a anulação dos actos de liquidação sempre que exista dúvida sobre os factos relevantes. Ora, se no caso em apreço estamos perante, quanto muito, mero indício e princípio de prova (conforme artigo 421º do CPC), não se pode afirmar que exista certeza quanto aos factos relevantes”.
bb) Refere que “...na liquidação adicional de IRS notificada não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de facto, quer de direito, apenas resultando da mesma que respeita a retenções na fonte do mês de Dezembro de 2011 relativas a capitais - outros rendimentos”.
cc) E continua: “não são, sequer, identificadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto, e os juros compensatórios, são liquidados”, concluindo que “... os actos de liquidação em apreço são ilegais, por violação do disposto no artigo 77º da LGT”.
dd) E pela razão de que “... a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a elencar meros juízos conclusivos ...” e a “... afirmar que a diferença entre os valores depositados nas contas bancárias e os valores declarados para efeitos fiscais constitui rendimento omitido das declarações fiscais”, “... num enquadramento em que a Autora explicou o porquê da utilização das referidas contas bancárias e explicou que um dos sócios exerce uma outra actividade profissional pela qual é remunerado”, questionando: “porque motivo a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou que tal diferença corresponde à remuneração, não da Autora, mas do sócio pelo exercício da sua actividade profissional de professor?” e “... porque motivo se considerou que o rendimento foi obtido no mês de Dezembro do respectivo ano civil? Porque não em Janeiro ou Março ou Agosto?”.
ee) E acrescenta: “de igual modo, não se pode aceitar que a Autoridade Tributária e Aduaneira afirme que imputou todo o rendimento ao mês de Dezembro, por questão de complexidade” uma vez que “estando em causa imposto calculado com base em taxa liberatória é imperativo que o contribuinte visado conheça o concreto período de imposto a que se reportam os rendimentos” tendo em conta que “só com esse dado essencial é que se poderá fazer um juízo de valor esclarecido sobre a tributação adicional a que é sujeito...”, pela razão de que, tendo a AT ”... analisado e descrito os extractos bancários, a imputação dos alegados rendimentos aos respectivos períodos de tributação não só é essencial à defesa da Autora, como se impunha, pois este imposto retenção na fonte a título definitivo tem tantos períodos de tributação quantos os meses de calendário”.
ff) Discorda especialmente da conclusão adoptada pela AT que “considera que os valores depositados em contas bancárias cujos titulares são os sócios da empresa constituem um rendimento sujeito a IRS e tributados através da aplicação de taxa liberatória” e discorda ainda do facto da “Autoridade Tributária e Aduaneira ... imputar a totalidade do rendimento ao mês de Dezembro, pois "a distribuição exacta dos valores apurados pelos diversos meses releva-se uma tarefa de elevada dificuldade"”.
gg) Discorda ainda do enquadramento feito pela AT de que os rendimentos em causa sejam enquadráveis na alínea h) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS, uma vez que se “... a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias estão afectas à actividade (da Requerente e do seu sócio-gerente como professor independente), então parece curial que conclua que todos os recursos financeiros não utilizados, se encontram na esfera da Requerente, não tendo sido distribuídos. O que não pode é considerar que os valores representam rendimentos omitidos pela Requerente e simultaneamente lucros distribuídos”.
hh) Acrescenta: “... mesmo que existisse um rendimento tributável nos termos pretendidos, no que não se concede, a verdade é que os factos tributários ter-se-iam distribuído ao longo dos doze meses do ano civil. Como é evidente o suposto (mas inexistente) rendimento não se teria verificado apenas no mês de Dezembro do respectivo ano civil, na justa medida em que as contas bancárias analisadas não espelham depósitos apenas nesse mês. Todavia, o acto de liquidação em análise foi praticado nesses termos, ou seja, no pressuposto de que o rendimento se verificou todo no mês de Dezembro, o que não corresponde à verdade (nem sequer à verdade ficcionada pela Autoridade Tributária e Aduaneira)”.
ii) Refere que ocorre violação do nº 1 do artigo 28º da LGT porquanto “... a Autora em momento algum concebeu que tivesse pago rendimentos com as referidas características aos detentores do capital social, também não reteve qualquer valor a título de imposto (nem a qualquer título para ser rigoroso), para posterior entrega ao Estado”.
jj) Propugna ainda no sentido de que a AT violou o princípio do contraditório consagrado no artigo 58º da LGT, uma vez que não realizou “... todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material” o que não “... se verificou no caso em apreço, sendo os actos de liquidação ilegais por violação da supra referida disposição legal”.
kk) Termina pedindo que sejam declarados em desconformidade com a lei os actos de liquidação impugnados e o despacho que indeferiu a reclamação graciosa, devendo ser anulados.
SÍNTESE DA POSIÇÃO DA REQUERIDA
ll) A Requerida tem outra leitura dos factos e da lei e propugna pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
mm) No que respeita à alegada caducidade do direito à liquidação refere que “...o prazo legal contido no nº 1 do artigo 45º da LGT foi alargado ao abrigo do nº 5 do mesmo normativo legal em virtude de o direito à liquidação respeitar a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal”.
nn) E consta “... do relatório de inspeção tributária que “é de referir que, o presente procedimento inspectivo sob as ordens de serviço nº OI2013…, OI2014… e OI2014…, encontra-se a decorrer no âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB (…)””. “Pelo que o prazo geral de 4 anos previsto no nº 1 do art.º 45º da LGT não se aplica à situação sub judice”, aplicando-se “ ... o alargamento do prazo previsto no nº 5 do referido preceito legal dado que os factos que foram objecto de uma investigação em sede criminal e relativamente aos quais foi instaurado o referido inquérito criminal, são os mesmos factos subjacentes aos actos tributários de liquidação controvertidos, concluindo-se não ter ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto”.
oo) Quanto à falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros, começa por referir que “... importa distinguir a fundamentação dos actos, que consiste nas razões de facto e de direito que os sustentam, do acto de notificação dessa fundamentação ao contribuinte, sendo que essa notificação pode ocorrer com o acto de liquidação ou, como vem a ser o caso dos autos, ocorrer em momento anterior ao acto de liquidação porque efectuada com a notificação do relatório final da inspecção tributária”, sendo certo que a “...fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspecção tributária, facto que a Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir via administrativa ou contenciosa”.
pp) Muito embora a “... reclamante alegue que não foi notificada, nos termos da al. a) do nº 1 do art.º 60º da LGT, constata-se que a mesma foi notificada nos termos da alínea e) do mesmo preceito legal, ou seja, a ora reclamante foi notificada para exercer o direito de audição prévia antes da conclusão do relatório de inspeção tributária ...” ou seja, “... foi notificada por Ofício nº …, de 20-11-2015, para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária (Registo do CTT RD … PT), tendo ... exercido esse faculdade”. E mais tarde foi “... notificada do Relatório de Inspeção Tributária, por Ofício nº…, de 30-12-2015 (Registo do CTT RD … PT). Da referida notificação consta que “A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de reação, bem com o prazo de pagamento se a ele houver lugar””.
qq) Concluindo que, neste caso, nos termos do nº 3 do artigo 60º da LGT, há dispensa de audição antes da liquidação.
rr) Quanto à falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da acção de inspecção, refere que “uma leitura atenta do relatório final permite conhecer os factos concretos e as razões de direito que levaram a concluir pela necessidade das correcções controvertidas, conforme infra explicitado a propósito do vício de lei por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito”, não sendo verdade “... que a AT “limita-se a elencar meros juízos conclusivos”, uma vez que estes decorrem de uma análise detalhada e devidamente documentada pela inspecção tributária”.
ss) E refere quinda que “sobre a imputação do rendimento ao último trimestre do ano, trata-se, como adiante melhor explicitado, de uma forma de tributar o imposto devido com referência ao ano a que o mesmo comprovadamente respeita, sem onerar o contribuinte com juros compensatórios devidos por atraso na liquidação quando se desconhece em concreto o período de imposto ao qual devem ser imputados, o que se entende uma vez que o imposto é devido com referência ao momento em que o serviço é prestado e não com referência ao momento do seu pagamento” sendo certo que “a ausência de elementos que permitam aferir qual o período de imposto a que a prestação de serviço deve ser imputada não é impeditiva da sua tributação, ainda que em prejuízo do Estado quanto aos juros compensatórios devidos, no último período do ano em que a prestação ocorreu, sob pena de violação do princípio da legalidade, bem como da justiça e da igualdade tributárias”.
tt) Relativamente aos alegados erros sobre os pressupostos de facto e de direito, refere que “... contrariamente ao alegado pela Requerente, a Autoridade Tributária se baseou nos elementos de que dispôs, para a partir de uma lógica facilmente perceptível concluir pelas correcções propostas”.
uu) E pela razão de que, face aos factos referidos no Relatório de Inspecção (apurados em inquérito crime) “... a partir de aproximadamente julho de 2011, a conta de C… (filho), passou a ser movimentada como se da conta da Sociedade se tratasse, e que, assim passou a ser porque então D… (Pai) e esposa, tinham receio de que as suas contas pessoais pudessem ser penhoradas, o que permite também concluir que até então eram estas as contas que eram utilizadas como se de contas da sociedade se tratasse”. “E, isto, ... de acordo com as declarações prestadas e que não foram postas em causa pela Requerente nos presentes autos”, tendo nesta conformidade, por simples cálculo, sido deduzidos aos depósitos efectuados nas contas, os rendimentos declarados “... quer pela sociedade quer pelo seu sócio D…(Pai), para concluir, visto outros rendimentos não existirem no agregado, pelo que se consideraram ser os rendimentos omitidos”.
vv) E estes rendimentos omitidos “... foram imputados à sociedade, tendo em conta as declarações referidas, os descritivos das transferências apurados na investigação, a utilização da sociedade para a prestação de serviços por parte do seu sócio D… e o facto de este não manter separação patrimonial” e “não ... como parece a Requerente fazer crer, única e exclusivamente do facto de o sócio D… utilizar as instalações da Requerente”.
ww) A razão de ser da tributação, por retenção na fonte, como rendimentos de capitais, do montante de 78 616,15 euros é justificada pelo facto de não existir “justificação da sua utilização no âmbito da actividade da empresa, permanecendo este valor na esfera jurídica dos titulares das contas bancárias”.
xx) E porque tal valor se encontrava depositado em contas bancárias que não da titularidade da empresa (mas sim de titularidade dos sócios e do seu filho que se qualificou ser “esfera jurídica da família”) foi considerado que constituía “... rendimentos de capitais investidos na sociedade, por adiantamento de lucros, nos termos da alínea h) do nº 2 do art.º 5º do CIRS.”
yy) Quanto à invocada ilegalidade de violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material, refere que “... a Requerida procedeu ao longo de todo o procedimento inspectivo, em claro respeito pela prossecução do princípio da descoberta da verdade material realizando todas as diligências necessárias para a mesma”, tanto que “... resultou do exercício do direito de audição, ... que a Requerente não traz à colação qualquer meio probatório que possa sustentar a sua argumentação, não indica quais os meios probatórios que a AT poderia lançar mão para demonstrar as suas alegações, as quais são incompatíveis com a prova efectuada pela AT, a qual resulta também de informação obtida do auto de inquérito criminal que determinou a realização do procedimento inspectivo”.
zz) Concluindo que “não logrando a Requerente trazer qualquer meio de prova, ou qualquer indiciador que pudesse sustentar as suas alegações, não se logra alcançar como é que o princípio do inquisitório pudesse levar a Requerida a “averiguar”,“ elementos”, que não encontravam nos factos qualquer suporte”.
aaa) Relativamente à invocada ilegalidade na liquidação de juros compensatórios, refere que “decorre das correcções efectuadas pela AT que o Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do nº 1 do artigo 35º da LGT”
bbb) Por último quanto à invocada ilegalidade na decisão da reclamação graciosa entende que “... deve a mesma ser julgada improcede por todas as razões de facto e de direito a que supra se aludiu”.
ccc) Propugna pela não verificação de qualquer ilegalidade, quer ao nível das liquidações impugnadas, quer ao nível da fundamentação das conclusões do relatório de inspecção, com manutenção das liquidações na ordem jurídica.
II - QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL CUMPRE SOLUCIONAR
De acordo com os artigos 123º e 124º do CPPT o TAS apreciará os vícios apontados pela Requerente pela seguinte ordem:
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Em primeiro lugar a invocada caducidade do direito à liquidação;
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De seguida a invocada falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios;
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Em terceiro lugar a falta, a alegada incongruência e insuficiência do relatório de conclusões da acção inspectiva;
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Em quarto lugar o alegado erro sobre os pressupostos de facto e de direito;
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Depois a invocada violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material;
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De seguida a invocada ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios;
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E por último a ilegalidade da decisão da reclamação graciosa.
Afigura-se-nos que o que verdadeiramente está em causa neste dissídio tem a ver com dois aspectos, a saber:
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O facto de na fundamentação do relatório de conclusões da acção inspectiva (que é também a fundamentação dos actos de liquidação) se ter usado, nas questões essenciais, prova obtida no Processo de Inquérito Crime nº …/2013… TDLSB, mormente as declarações do arguido. Esta prova, obtida em sede de processo-crime segue o regime de proibição de valoração, antes de ser produzida e analisada em julgamento (artigo 355º do CPP). Isto, percute-se, mesmo quanto às declarações dos arguidos que tenham sido produzidas perante magistrado judicial (nº 2 do artigo 355º do CPP). Depois, os arguidos em processo crime apenas têm o dever de responder com verdade, sobre a sua identidade (alínea b) do nº 3 do artigo 61º do CPP). E mesmo que se tratasse de prova já filtrada por um juiz em julgamento, essa prova teria que ser avaliada à luz do regime do artigo 421º do CPC (valor extraprocessual das provas) e do nº 3 do artigo 355º do CC, ou seja, só a prova obtida em depoimento de parte e em arbitramento pode considerar-se válida noutro processo.
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Depois inexiste, no caso, (nem foi invocada pela AT) a presunção do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS.
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Por outro lado, a AT parte do facto de inexistir uma conta bancária (artigo 63ºC da LGT) de titularidade da empresa, afecta em exclusivo aos recebimentos e pagamentos das receitas e das despesas da Requerente, apurando, no entanto, (mais uma vez através de prova meramente indiciária obtida no processo de inquérito crime) que existiam contas bancárias dos sócios-gerentes e de um filho destes, que eram usadas para o efeito, mas não em exclusividade. E perante esta factualidade, conclui: “nestes termos, os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias identificadas e que permaneceram na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos seus sócios-gerentes, constituindo rendimentos dos capitais investidos na sociedade, nomeadamente adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos no artigo 5º, nº 2, alínea h) do CIRS”.
Ou seja, tendo-se considerado que estes rendimentos seriam sujeitos a IRC (na esfera da sociedade), parte-se do princípio de que apenas porque permanecem numa ou várias contas bancárias cujo titular não é a sociedade, tal acarreta que constituem rendimentos dos titulares das contas bancárias. Ora, este raciocínio – que se assemelha a uma presunção - deve confrontar-se, desde logo, com o regime jurídico do depósito irregular (vulgo “depósito bancário”) estabelecido nos artigos 1205º e 1206º do Código Civil.
III. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA.
FUNDAMENTAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados, indicando-se os documentos respectivos (prova por documentos), como fundamentação.
Factos provados
1. Em 27 de Setembro de 2010, o sócio-gerente da Requerente, D… iniciou a atividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção nos termos do artigo 9º do CIVA e no regime simplificado de tributação conforme dispõe o artigo 28º do CIRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente - explicações) nos montantes de 86.092,75 euros, 32.156,38 euros e 35.903,75 euros, respetivamente – página 67 do PA junto pela Requerida com a resposta;
2. Em 07 de Março de 2013 os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Serviços de Lisboa procederam à emissão da Ordem de Serviço nº 012013… de credenciação de dois inspectores tributários para um procedimento de inspecção externa, geral, quanto ao exercício de 2011, relativo à Requerente – conforme artigo 39º do ppa; artigo 4.1 da resposta e primeira parte do ponto II.1 do relatório de inspecção – página 64 do PA junto pela AT com a resposta;
3. Em 03 de Julho de 2014 teve início a ação inspectiva externa com a assinatura da Ordem de Serviço pelo sócio gerente D…, com NIF…, tendo sido concluída com o envio à Requerente do Ofício nº…, de 20 de Novembro de 2015, para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária (registo do CTT RD … PT), tendo exercido essa faculdade – conforme artigo 40º do ppa; artigo 12º página 11/24 da resposta da AT e páginas 59 e 60 do PA junto pela AT com a resposta;
4. Em 30 de Dezembro de 2015 foi enviada à Requerente a versão final do Relatório de Inspeção Tributária, por Ofício nº…, de 30-12-2015 (Registo do CTT RD … PT), constando do mesmo que “a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de reação, bem com o prazo de pagamento se a ele houver lugar” – conforme artigo 40º do ppa; artigo 12º - página 11/24 da resposta da AT e folhas 73 e 74 do PA junto pela AT com a resposta.
5. Em 10 de Março de 2016 foi a Requerente notificada da nota de apuramento de retenções na fonte – liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Retenções na Fonte) nº 2016 … no valor de € 16.902,47 e bem assim do acto de liquidação de juros compensatórios com o mesmo número, no montante de € 2.652,53, num total de € 19 555,00, respeitantes ao ano fiscal de 2011 – artigo 2º do ppa, documento nº 1 junto com o ppa e página 82 do PA;
6. Em 07 de Julho de 2016 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa que tomou o nº …2016…, a qual veio a ser indeferida por despacho de 19 de Outubro de 2016 da Chefe de Divisão da Direcção de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa – conforme artigos 3º e 4º do ppa; documento nº 1 junto com o ppa e folhas 84 a 97 do PA junto pela AT com a resposta;
7. Consta da informação agregada de contribuinte junta da AT que a Requerente tem como morada a Rua … nº … … e a Requerente no seu sítio de internet indica como sua localização a Rua … nº … …, com 13 salas no piso 1 – conforme documentos juntos pela AT na data da realização da reunião de partes e juntos em anexo às contra-alegações.
8. A Requerente não possui, enquanto titular formal, uma conta bancária de uso exclusivo para os seus recebimentos e pagamentos, sendo usadas para tal efeito contas bancárias de que são titulares os seus sócios e gerentes e o filho de ambos, uma vez que tinha o saldo das suas contas bancárias penhoras pela Segurança Social – conforme posição globalmente aceite pelas partes no PPA, na resposta e nas alegações e contra-alegações e página 68 do PA junto pela AT com a resposta;
9. O relatório de inspecção refere o seguinte no que à matéria do presente processo diz respeito:
III.2. — Descrição dos fatos enquadramento legal
A Direção de Serviços de Investigação da Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) remeteu aos Serviços de Inspeção Tributária cópia da informação no …/2012, que tem por anexo a informação da Unidade de Informação Financeira (UIF) da Polícia Judiciária, onde é visado o sujeito passivo, "A…, Lda.", NIPC…, e os seguintes contribuintes (todos com residência fiscal na Rua…—…—…, …-… São Domingos de Rana) relativamente aos quais é referido o seguinte:
D…, NIF…, sócio gerente da A…, Lda., exerce a atividade profissional como explicador e é titular de duas contas bancárias à ordem no E… com os nos …/2010… e …/2010.. .
É referir que, a conta no …/2010… apresenta movimentos registados no ano de 2011 e nos dois primeiros meses do ano de 012, sendo que em 2011, apresenta a crédito o valor de 247.411,36 € e a débito o montante de 248.594,72 € dos quais foram transferidos 22.946,00 euros, para a conta no …/2010…, titulada por B… .
...
Em 2012, os movimentos registados são pouco significativos, apresentando a débito e a crédito os valores de 2,265.52 € e 2.259,10 e, respetivamente.
B…, NIF —…, sócia gerente da sociedade anteriormente identificada, esposa de D…, e titular da conta bancária à ordem no E… com o no …/2010… .
No decorrer da ação inspetiva, foi-nos informado pelo sócio gerente, que as transferências realizadas para a conta titulada pela B… foram utilizadas para efetuar pagamentos de despesas da sociedade.
B…, NIF —…, estudante, filho dos contribuintes antes identificados, e titular da conta bancária à ordem no E… com o no …/20010… .
Em 25 de Maio de 2015, no âmbito do Processo de Inquérito …/2013 …TDLSBl a Divisão de Processos Criminais Fiscais ouviu em Auto de Interrogatório de Arguido, o Sr. D…, B… e C…, tendo posteriormente solicitado junto do Ministério Público autorização para extração de certidão dos autos de interrogatório dos arguidos antes referidos.
Em 1 de Julho de 2015, o pedido foi autorizado, tendo a Divisão de Processos Criminais Fiscais remetido aos Serviços de Inspeção Tributária, as cópias dos Autos de Interrogatório.
Analisados os Autos, constatamos que D… afirmou e consta do Auto de Interrogatório, que "...aproximadamente em Julho de 2011 quando o franchising da A… correu mal, o F… penhorou a casa de família, uma propriedade no Alentejo e os reembolsos de IRS, acharam que as suas contas iam ser penhoradas e abriram uma conta em nome do seu filho, C…, para onde todos os clientes começaram a fazer pagamentos dos serviços prestados pela A… ."
Acresce que, de acordo com as declarações prestadas a conta bancária com o no …/20010… titulada pelo C… é movimentada pelo D… (pai) como se da conta da sociedade se tratasse, apresentando a crédito nos exercícios em análise (2011, 2012 e 2013) o somatório dos proveitos da sociedade e dos rendimentos da categoria B obtidos pelo D… no exercício da sua atividade profissional como explicador, nos montantes globais de 130.463,10 euros, 300.454,92 euros e 155.906,66 euros.
...
Com efeito, a Unidade de Informação Financeira da Policia Judiciária, apurou ainda da análise efetuada aos movimentos a crédito:
• que os cheques depositados foram emitidos por particulares, ao portador ou à ordem de D…;
• que as transferências foram igualmente ordenadas por particulares com contas em diversos bancos, com descritivos como "inscrição", "pagamento", "A…, "mensalidade", "matemática" "explicações i', etc.
No que se refere aos movimentos a débito relativamente aos exercícios em análise, foram registadas operações que totaliza nos anos de 2011, 2012 e 2013, os montantes de 129.566,41 euros, 297.922,20 euros e 14 .561 euros, respetivamente a cada um dos extractos analisados, sendo a maioria relativos a transferências ordenadas pela internet a favor do titular da conta.
As transferências realizadas para as contas dos pais do titular da conta em causa, foram utilizadas para pagamento de despesas diversas, compras e levantamentos em numerário através de cheques ao balcão.
Em 01-08-2011, foram ordenadas 11 transferências a favor de particulares no total de 6.166,48 euros, tendo-se apurado que os destinatários das mesmas prestaram serviços em 2011 à sociedade A… (rendimentos da categoria B).
C… era também titular de uma conta jovem, para onde foram efetuadas várias transferências mensais com descritivos como "católica", "mesada", "alimentação".
A Divisão de Processos Criminais Fiscais solicitou junto do Ministério Público, que diligenciasse junto do Banco de Portugal, a obtenção da informação sobre quais as contas bancárias tituladas e autorizadas a movimentar por D…, B… e C… (filho de ambos), bem como o envio dos movimentos constantes nas referidas contas.
Em Fevereiro de 2015, a informação solicitada foi disponibilizada aos Serviços de Inspeção Tributária para efeitos de análise apuramento da situação tributária da A…, Lda..
A informação da UIF atrás referida, teve por base a investigação da Polícia Judiciária aos movimentos bancários registados a conta titulada pelo C…, os quais se revelaram incompatíveis com a sua profissão de estudante, aliás C… consta da declaração periódica de rendimentos dos pais (Modelo 3 de IRS) como dependente sem rendimentos, refletindo antes os resultados das atividades da sociedade "A…, Lda" e do sócio gerente enquanto explicador.
Com efeito, foram identificados diversos movimentos a crédito e a débito que sugerem por um lado, pagamentos à empresa em virtude do descritivo das transações e por outro lado, pagamentos a favor de indivíduos que prestaram serviços à mesma, sendo ainda de destacar o facto de a maior parte dos fundos creditados terem sido transferidos a favor de contas particulares dos dois sócios da mencionada A… .
Assim, abertas as ordens de serviço supra identificadas, apurou-se ainda que D… e a esposa B…, apresentaram conjuntamente a Declaração de Rendimentos - Mod.3 de IRS para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 com indicação de rendimentos de categoria A rendimentos de trabalho dependente (artigo 20 CIRS) pagos pela sociedade “A…, Lda." nos montantes totais de 18.000,00 euros 13.317,52 euros e 17.748,24 euros, respetivamente.
Sendo de referir que, em 27 de Setembro de 2010, D… iniciou a atividade em nome individual, enquadrando-se no regime de isenção nos termos do artigo 9º do CIVA e no regime simplificado de tributação conforme dispõe o artigo 28º do CIRS, tendo declarado para os exercícios em análise, rendimentos de categoria B (rendimentos de trabalho independente explicações) nos montantes de 86.092,75 euros, 32.156,38 euros e 35.903,75 euros, respetivamente.
...
Todavia, considerando que os únicos rendimentos auferidos pela família proveem da prestação de serviços de explicações, onde se incluem os que foram declarados como prestações de serviços por parte da sociedade e por parte do sócio-gerente, não sendo conhecida outra fonte, é de concluir, pela comparação do total de entradas nas contas bancárias conhecidas e o total dos rendimentos declarados que existiu uma significativa omissão de proveitos nos anos em análise.
III.2.1. — Rendimentos omitido
2011
Assim, e para calcular o valor dos rendimentos não declarados, houve que examinar os extratos bancários titulados por D…, B… e C… . De forma agilizar a análise e a identificação dos vários intervenientes, nos capítulos que se seguem os sujeitos passivos serão predominantemente identificados pelos seus nomes próprios.
...
Tal como demonstrado, no ano de 2011, as contas bancárias identificadas foram aprovisionadas com um montante total de 337 72,46 euros.
Considerando que, neste exercício, a sociedade declarou proveitos no montante de 102.596,78 € e que de acordo com os elementos existentes, os clientes pagam os montantes em divida quando lhes é emitida a fatura, então a sociedade obteve recebimentos no total de 126.194,03 e, a que corresponde a totalidade da fatura ao emitida, ou de outra forma à soma dos proveitos declarados com o IVA liquidado.
Da mesma forma, o sócio-gerente declarou, na sua esfera pessoal, rendimentos (isentos de IVA) no total de 86.092,75 euros.
Assim, retirando os valores declarados aos montantes creditados nas contas bancárias, ficamos com 125 436,54 euros, correspondentes aos proveitos obtidos em 2011.
...
III.2.2. — Destino dos valores depositados nas contas bancárias
As informações recolhidas, quer pelas declarações prestadas, quer pela própria análise dos descritivos das operações registadas nos extratos bancários (compra 6385897.54 … Cascais, … pag.tsu, Sdd cob … …, Compra … …, Pag. impostos, Trf p/G…— loja…, … Deposito Cheque(s) OIC, Trf. p/ cálculo seguro) demonstram que as contas bancárias identificadas serviam como contas da sociedade, onde não só eram depositados os montantes recebidos como eram, da mesma forma, efetuados pagamentos necessários ao funcionamento do negócio.
Assim, tornou-se necessário alargar a análise de forma a determinar quais os valores utilizados na atividade empresarial e quais foram, de facto afetos à esfera privada do sujeito passivo e da sua família.
O sócio-gerente, durante o procedimento inspetivo, informou que os valores transferidos para a conta da esposa, B…, eram usados para efetuar os pagamentos necessários ao funcionamento do centro de explicações.
De facto, se considerarmos que estas contas serviram de destino aos recebimentos da sociedade, teremos igualmente de ter em conta que a A… precisou fazer face às suas obrigações de pagamento e que para tal efeito foram igualmente utilizadas as contas bancárias.
Desta forma, iremos ter em consideração os registos contabilísticos efetuados pela técnica de contas. Ou seja, para este efeito, vamos ter em conta o facto de contabilisticamente, terem sido lançados todos os pagamentos por contrapartida de uma conta 11- caixa, podendo assim aferir que os lançamentos efetuados a crédito nessa conta correspondem aos pagamentos efetuados pela A… para fazer face às suas obrigações. É de referir a declaração do sócio gerente, cuja cópia anexa ao presente projeto de relatório, em que informa aos serviços de contabilidade
.. “designadamente à TOC H…, que deverá fazer todos os movimentos contabilísticos por caixa ou empréstimo de sócios, visto a A…Lda, ter as contas bancárias penhoradas pela Segurança Social (...)”.
Durante o período em análise, verifica-se a existência de transferência entre contas, sendo que os créditos na conta de B… provêm de contas que são provisionadas pelos recebimentos da A… .
Por outro lado, seguindo esta metodologia, apura-se igualmente que só em 2012 é que os valores transferidos para a conta de B… são suficientes para efectuar os pagamentos da empresa, pelo que na análise efectuada tivemos em conta a possibilidade de terem sido utilizadas verbas provenientes das restantes contas bancárias.
III.2.3 — Calculo das correções
Para calcular os rendimentos não declarados, houve que examinar os extratos bancários disponibilizados pela Divisão de Processos Criminais Fiscais titulados pelo D…, B… e C… .
Conforme abaixo relatado, foi assumido pelo socio gerente B… que a conta bancária titulada em nome do seu filho C…, foi movimentada nos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos rendimentos de categoria B por si auferidos e objeto de liquidação em sede de IRS, bem como pelo recebimento da faturação emitida pela sociedade A… .
Nos termos do no 12 do artigo 90 do CIVA estão isentas do imposto 'Ias prestações de serviços que consistam em lições ministradas a titulo pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior.
Atendendo que, a atividade desenvolvida peta "A…", consiste no acompanhamento e orientação escolar, mas sem reconhecimento do ministério competente, as aulas ministradas quer individualmente, quer em grupos, não beneficiam de isenção de IVA, porque não tem enquadramento no nº 10 nem no nº 12, ambos do artigo 9º do CIVA.
No que se refere a lições ministradas pelo sócio gerente a título pessoal, de acordo com entendimento da Administração Fiscal beneficiam de isenção desde que não haja intervenção de qualquer entidade terceira.
Ora, o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e, por conseguinte, não poderá beneficiar de isenção
Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, não tendo por Isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 630-C da LGT.
III.2.3.3. Em sede de Retenções na fonte
No decorrer do ponto III.2.2 demonstrámos que para uma parte dos valores depositados nas contas bancárias analisadas não encontramos justificação da sua utilização na esfera jurídica da sociedade, uma vez que não foram utilizados nos pagamentos da sociedade.
Os montantes apurados permaneceram, portanto nas contas bancárias dos sócios-gerentes o de seu filho ou foram utilizados por estes em fins alheios à sociedade, no âmbito das suas necessidades particulares e familiares.
Ou seja, a família obteve rendimentos, provenientes da sociedade, superiores aos declarados em sede de IRS. Relembramos, neste momento, que ao considerarmos os pagamentos efetuados pela sociedade, já retiramos do valor final os pagamentos contabilizados dos salários dos sócios-gerentes.
Assim, resta-nos excluir destes montantes o valor declarado pelo sócio-gerente, D…, como rendimentos da sua atividade profissional, a qual declarou exercer por conta própria e que incluiu no anexo B (rendimentos profissionais) da declaração modelo 3 de IRS. Nestes termos temos:
A análise efetuada às contas bancárias e às declarações prestadas pelo sócio gerente, demonstra que a conta de C… era principalmente utilizada como conta de passagem, desta os valores eram sobretudo canalizados para as contas dos pais, sendo que o próprio declarou que a conta não era sequer por si movimentada.
No âmbito do Processo de Inquérito …/2013… TDLSB, que se encontra a decorrer na Direção de Finanças de Lisboa, foi solicitado junto do Ministério Público autorização para extração de certidão dos autos de interrogatório de arguido de D…, B… e C… (filho de ambos), tendo o pedido sido autorizado em 1 de julho de 2015, cuja cópia se anexa ao presente Projeto de Relatório.
Inquirido o arguido, D…, sobre "Quem tinha autorização para movimentar as contas do seu filho, C…?
Respondeu que era o próprio que tinha os códigos para movimentar estas contas, o seu filho não tinha acesso, nem nunca teve a estas contas."
“Quem fazia estas transferências da conta do seu filho C…, para a sua conta e da sua esposa, a Sra. B…?
Respondeu que era o próprio, faziam transferências para as suas contas pessoais, para fazer face a compromissos e despesas. Acrescentou que sempre fez os possíveis para pagar as suas dividas às finanças e à segurança social”.
Inquirido o arguido, C… "tinha conhecimento que os seus pais usavam contas em seu nome para depositar dinheiro proveniente dos serviços prestados através da sociedade "A…, Lda.? Respondeu que não sabe."
Nestes termos, os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias identificadas e que permaneceram na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos seus sócios-gerentes, constituindo rendimentos dos capitais investidos na sociedade, nomeadamente adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos no artigo 5º, n.º 2, alínea h) do CIRS.
De acordo com os artigos 98º e 101º do CIRS estes rendimentos são sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, pela empresa que os coloca à disposição, à taxa liberatória prevista no artigo 71º n.º 3, alínea c) do CIRS.
De acordo com o descrito ao longo do relatório as contas bancárias foram utilizadas para os recebimentos e pagamentos da empresa e simultaneamente para pagamentos de despesas particulares e familiares, confundindo-se o património empresarial com o particular. Desta forma, distribuição exacta dos valores usados pelos diversos meses releva-se uma tarefa de elevada dificuldade, pelo que iremos considerar para efeitos de elaboração do respetivo documento de correção, a omissão ocorrida no último período de imposto de cada exercício, considerando a inexistência de prejuízo deste procedimento para o sujeito passivo.
A falta de liquidação do imposto retido constitui infração aos artigos descritos, conhecendo punição nos termos do nº 1 do artigo 114º do RGIT.
10. Em 20 de Fevereiro de 2017 a Requerente entregou CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (ppa) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.
Factos não provados
Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.
Outra fundamentação
Não vemos que as declarações de parte da sócia-gerente B…, tenham trazido algo de relevante ao processo. O único facto relevante seria apurar em que sala o sócio-gerente exercia, a título pessoal, a actividade de explicador. No entanto, quer o nº de polícia …, quer o nº … B, ambos da Rua …, em …, são indicados, documentalmente, como morada ou localização da Requerente.
Numa perspectiva de apurar qual o regime de tributação dos rendimentos auferidos pelo sócio-gerente na sua actividade individual de professor/explicador, a questão não parece de grande relevância para o objecto deste processo, porquanto, seja em que local exerça a actividade o aludido sócio-gerente, percute-se, a título pessoal, tal não afecta que os rendimentos assim obtidos, quer a actividade seja exercida fisicamente nas instalações da Requerente, quer em sua casa, quer noutro local, sejam tributados em IRS.
IV. APRECIAÇÃO DAS QUESTÕES QUE AO TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR (TAS) CUMPRE SOLUCIONAR
Caducidade do direito à liquidação
A Requerente começa por invocar a caducidade do direito da AT em liquidar o imposto invocando o artigo 45º nºs 1 e 4 da LGT, referindo que “... estando em causa um acto de liquidação de IRS referente ao ano de 2011, mas concretamente erradamente imputado ao mês de Dezembro de 2011, o direito da Autoridade Tributária e Aduaneira à liquidação deste tributo, caducaria, em princípio, em 31 de Dezembro do ano de 2015”.
Mas sem fundamento.
De facto, como consta do relatório de inspecção, o procedimento inspectivo e a liquidação ora em causa, resultaram de prova obtida no Processo de Inquérito-Crime nº …/2013 …TDLSB. A Requerente não indicou se já tinha sido arquivado ou se ocorreu o trânsito em julgado da sentença, razão pela qual, estando em causa o exercício de 2011 e tendo a liquidação aqui em discussão sido notificada em Março de 2016 não caducou o direito à liquidação nos termos do nº 5 do artigo 45º da LGT.
Improcede, pois, a invocada caducidade do direito à liquidação.
Vício de falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros compensatórios
Não vemos como a Requerente possa sustentar que a liquidação é incompreensível para um destinatário normal e para a Autora (artigo 15º do ppa). Vejamos:
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Foi-lhe notificado em 03.07.2014 o projecto de relatório de inspecção, para audição prévia, faculdade que exerceu, onde se fala da tributação em sede de retenções na fonte (nº 3 da matéria assente);
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Foi-lhe notificado em 30.12.2015 o relatório de inspecção final, com análise crítica da sua participação em audição prévia (nº 4 da matéria assente). No ofício de notificação consta o seguinte: “... a breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de reação, bem com o prazo de pagamento se a ele houver lugar”;
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Em 07.07.2016 a Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IRS e juros. Face ao teor da reclamação não se nota que não tenha percebido perfeitamente a razão das liquidações. O mesmo se pode referir quanto ao pedido de pronúncia arbitral. Em ambas os dissídios mostrou perceber perfeitamente o que estava em causa.
O relatório de inspecção, que foi objecto de contraditório, preenche os requisitos do nº 2 do artigo 77º da LGT, razão pela qual não se verifica a falta de fundamentação dos actos de liquidação de IRS e juros aqui impugnados, razão pela qual improcede o pedido quanto a este fundamento.
Falta, incongruência e insuficiência de fundamentação do relatório de conclusões da acção inspectiva
Pode não se concordar com o relatório da inspecção, mas, face ao que se referiu a propósito do anterior vício apontado, não vemos como se possa sustentar que é incongruente ou menos claro.
Independentemente de estarem ou não correctas as conclusões do relatório de inspecção, o facto é que são indicadas com alguma profundidade, as razões de facto e de direito que sustentam as correcções levadas à prática pela AT, ao nível do IVA do IRC e das retenções na fonte.
Há um aspecto que se configura ser discutível. Considerando-se provado que o sócio-gerente exercia a actividade de professor/explicador em nome individual, não se cuidou de apurar (em concreto, através da inquirição das entidades que pagaram esses honorários) os rendimentos que obteve, nessa actividade, em 2011. Neste aspecto, configura-se que alguma razão assiste à Requerente quando coloca essa questão no artigo 77º do pedido de pronúncia: “Porque motivo a Autoridade Tributária e Aduaneira não considerou que tal diferença (do saldo das diversas contas – os valores declarados nas declarações de rendimentos em IRC e IRS) corresponde à remuneração. não da Autora, mas do sócio pelo exercício da sua actividade profissional de professor?”.
Só que esta questão, enquadrar-se-à mais na análise o vício apontado de “erro sobre os pressupostos de facto e de direito”.
O facto de se ter considerado que o rendimento sujeito a retenção na fonte é relativo a Dezembro de 2011, beneficia a Requerente, porquanto os juros compensatórios serão contados por um menor lapso temporal, como está referido no relatório de inspecção (vidé pagina 18 – folhas 70 verso do PA).
Poderá afirmar-se que existe algum interesse (que não se vislumbra, em concreto) para a Requerente em que a AT, por meses, considerasse o que era ou não rendimento sujeito a IRC e simultaneamente distribuído aos sócios, mas não vemos que isso tenha a virtualidade de se considerar, por si só, “essencial à defesa da Requerente” como se alega no artigo 86º do pedido de pronúncia.
Improcede, pois, o pedido de pronúncia nesta parte.
Erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Afigura-se-nos que assiste razão à Requerente, numa situação em que não é sequer invocada a presunção do nº 4 do artigo 6º do Código do IRS, o que afirma nos artigos 117º e 118º do pedido de pronúncia:
“Com efeito, se a Autoridade Tributária e Aduaneira admite que as contas bancárias estão afectas à actividade, então parece curial que conclua que todos os recursos financeiros não utilizados, se encontram na esfera da Requerente, não tendo sido distribuídos.
O que não pode é considerar que os valores representam rendimentos omitidos pela Requerente e simultaneamente lucros distribuídos”.
Com efeito, sem existirem ou sem invocação de existência de quaisquer “lançamentos a favor dos sócios” (nº 4 do artigo 6º do Código do IRS) ao nível da contabilidade, configura-se muito discutível, concluir-se que certo saldo de uma conta bancária é propriedade do seu titular, na situação concreta deste processo, onde se admite que essas contas serviam para receber e pagar valores da Requerente sociedade. Não vemos como se apurou a intenção dos sócios em gastar esse valor, pelo menos na globalidade, no custeio de despesas da sua vida pessoal.
Depois existe uma outra vulnerabilidade que se configura determinante ao nível do raciocínio expendido no relatório de inspecção, na parte transcrita no artigo 44º do pedido de pronúncia:
“... os rendimentos apurados depositados nas contas bancárias identificadas e que permanecem na esfera jurídica da família, foram auferidos pelos seus sócios-gerentes, constituindo rendimentos de capitais investidos na sociedade, nomeadamente adiantamentos por conta de lucros, nos termos previstos no artigo 5º, nº 2, alínea h) do CIRS" (conforme página 18 das Conclusões do Relatório de Inspecção – folhas 70 verso do PA)”.
Em primeiro lugar à “esfera jurídica da família” permaneceria afecto um qualquer saldo de qualquer conta bancária, de que a Requerente fosse titular, uma vez que poderia ser movimentada, tal como as que estão em causa neste processo, pelos sócios-gerentes e podiam sê-lo para as mesmas despesas.
Crê-se que se faz uma correspondência entre “esfera jurídica da família” e “propriedade da família” uma vez que as contas bancárias têm como titulares os sócios-gerentes e o filho de ambos. Daí ter-se considerado que o saldo em Dezembro de 2011 era rendimento de capitais dos sócios-gerentes, apenas por se tratar de valores depositados em contas bancárias que não têm como titular a sociedade.
A natureza do contrato de depósito bancário (depósito irregular – artigo 1205º e 1206 do código civil) não permitirá esse raciocínio.
No depósito bancário de numerário (depósito irregular) a propriedade do dinheiro depositado é do depositário, pois o banco pode utilizar-se dele, consumindo-o (vidé anotações 9 e 11 ao artigo 1205º do CC em Código Civil Anotado de Abílio Neto, 1996, página 774).
Os titulares da conta bancária, no âmbito do direito do depositante a ver restituído os montantes depositados, podem sim movimentá-la nos termos contratados (contas conjuntas ou contas solidárias). E esta movimentação sempre ocorreria ou poderia ocorrer (pelos gerentes), no caso dos autos, se a conta bancária tivesse como titular a Requerente sociedade.
Verificamos, pois, que a consideração destes valores como rendimentos de capitais distribuídos aos sócios, parte de um pressuposto de facto errado que é, no fundo, considerar (de forma implícita) que o saldo das contas bancárias – que se admite estarem a ser usadas para créditos e débitos da empresa – é propriedade do seu titular, logo ocorreu distribuição de rendimentos. Não podemos sufragar este entendimento, ainda que implícito, no caso concreto destes autos.
Mesmo que assim não fosse ocorre ainda uma outra vulnerabilidade no que à recolha de prova (dos factos) diz respeito e que consta textualmente no relatório de inspecção.
Como acima já se referiu, nas questões essenciais, a prova que fundamenta a elaboração do relatório de inspecção, foi obtida no Processo de Inquérito Crime nº …/2013… TDLSB, mormente as declarações do arguido.
Esta prova, obtida em sede de processo-crime segue o regime de proibição de valoração, antes de ser produzida e analisada em julgamento (artigo 355º do CPP). Isto, percute-se, mesmo quanto às declarações dos arguidos que tenham sido produzidas perante magistrado judicial (nº 2 do artigo 355º do CPP).
Depois, os arguidos em processo crime apenas têm o dever de responder com verdade, sobre a sua identidade (alínea b) do nº 3 do artigo 61º do CPP).
E mesmo que se tratasse de prova já filtrada por um juiz em julgamento, essa prova teria que ser avaliada à luz do regime do artigo 421º do CPC (valor extraprocessual das provas) e do nº 3 do artigo 355º do CC, ou seja, só a prova obtida em depoimento de parte e em arbitramento pode considerar-se válida noutro processo.
O uso de declarações do arguido, colocadas em autos escritos, em processo crime, com natureza de confissão (quanto a factos confessados que lhe possam ser prejudiciais), não podem ser usadas noutros processos judiciais (nº 3 do artigo 355º do CC).
Afigura-se-nos que as razões que impedem esse uso em processo judicial devem entender-se que vigoram em sede de procedimentos tributários graciosos, incluindo o procedimento de inspecção.
Nesta circunstância afigura-se-nos que se verifica erro sobre os pressupostos de facto (divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada no relatório de inspecção, na parte em que se considerou, implicitamente, os gerentes da sociedade como proprietários do saldo das contas bancárias em desconsideração do regime dos artigos 1205º e 1206º do CC) e erro sobre os pressupostos de direito ou pelo menos, erro de direito acerca dos factos (erro na interpretação e aplicação de normas legais, na parte em que se recolheu prova em dissonância com o artigo 355º do CPP, com o artigo 421º do CPC e com o nº 3 do artigo 355º do CC).
Pelo que terá que proceder o pedido de pronúncia.
Procedendo um dos vícios assacados à fundamentação do relatório de inspecção e à fundamentação dos actos de liquidação, tornar-se-ia inútil apreciar os demais vícios aduzidos: violação do princípio do inquisitório e prossecução da verdade material; ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios e ilegalidade da decisão da reclamação graciosa.
V - DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, decide-se:
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (retenções na fonte) nº 2016 … no valor de € 16.902,47 e bem assim do acto de liquidação de juros compensatórios com o mesmo número, no montante de € 2.652,53, num total de € 19 555,00, respeitantes ao ano fiscal de 2011.
2. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da reclamação graciosa nº …2016… de 19.10.2016, adoptada pela AT, e que lhe foi notificada em 21.10.2016, procedimento que deduziu contra as liquidações atrás referidas, procedendo-se a sua anulação.
Valor do processo: de harmonia com o disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (e alínea a) do nº 1 do artigo 97ºA do CPPT), fixa-se ao processo o valor de 19 555,00 euros.
Custas: nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1 224,00 segundo Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 18 de Setembro de 2017
Tribunal Arbitral Singular (TAS),
Augusto Vieira
Texto elaborado em computador nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.