Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 71/2017-T
Data da decisão: 2017-09-19  IVA  
Valor do pedido: € 1.280,39
Tema: IVA – Liquidação - Prestação de serviços pelo sócio-gerente com alegada utilização de equipamentos da sociedade - Sujeito passivo do imposto.
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Decisão Arbitral

 

 

I – Relatório

 

1. No dia 19.01.2017, a Requerente, A…, Lda, pessoa coletiva número…, com sede na rua…, nº…, …,  requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  da liquidação adicional  de IVA e respetivos  Juros compensatórios, nº 2016…, referente ao 4º trimestre de 2013, das quais resultou um valor total a pagar de € 1.280,39 sendo 1192,33 de imposto e  € 88,06 de juros compensatórios e, ainda, da decisão incidente sobre a reclamação graciosa, apresentada contra aqueles atos.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 9-04-2017.

 

3. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

 

4. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, sinteticamente, os seguintes:

 

  1. Na liquidação adicional de IVA notificada não são explicitados todos os seus fundamentos, quer de direito quer de facto, apenas resultando da mesma que respeita a IVA do período de Dezembro de 2013
  2. Não sendo também indicadas as concretas disposições legais ao abrigo das quais o imposto  e os juros compensatórios foram liquidados.
  3. Impende sobre a autoridade tributária e aduaneira o dever legal de fazer referência expressa às razões de facto e disposições legais aplicáveis, sendo que a fundamentação que não contenha esta referência é sempre insuficiente e tem por consequência a anulabilidade do ato.
  4. Não o tendo feito, a liquidação em causa é ilegal, por omissão de fundamentação legalmente exigida, assim resultando violados os artigos 268º, nº 3, da Constituição da Republica Portuguesa e o artigo 77º da Lei Geral Tributária.
  5. Acrescente-se que, a fundamentação das conclusões do relatório de inspeção tributária , na eventualidade de consubstanciarem a motivação do ato de liquidação de imposto e juros compensatórios sub judice, o que não se concede e apenas por mera cautela se coloca, não é congruente, nem clara, pelo que, também nesta hipótese, os atos tributários em causa se devem ter como não fundamentados e, em consequência, anulados.
  6. A própria Requerida admite que as contas bancárias identificadas, sem prejuízo do respetivo titular, estavam afetas à atividade do sócio, quer através da autora, quer através da sua atividade enquanto professor, mas parece pretender que a autora terá utilizado equipamentos da autora para a prestação de serviços a titulo pessoal, o que não aconteceu.
  7. Os serviços em causa foram prestados pelo seu sócio a titulo pessoal em espaço físico próprio sem que, para tal, tenha utilizado os equipamentos da Requerente.
  8. Por outro lado, os supostos (mas inexistentes) serviços tributáveis não se verificaram apenas no último período de tributação do respetivo ano civil, pressupostos em que se baseou a Requerida.
  9. É a própria Requerida que o assume no relatório de conclusões da ação de inspeção, ao afirmar que a imputação do rendimento a cada um dos meses era complexa.
  10. Não é, pois, de admitir a tributação da autora por serviços que não foram prestados e muito menos naquele concreto período de tributação sendo, pois, evidente o erro sobre os pressupostos de facto, sendo o ato de liquidação ilegal, também por este motivo, o que se invoca para todos os efeitos legais.
  11. Ao longo do procedimento de inspeção a Requerente sempre refutou as acusações e apresentou sucessivamente elementos que contrariam o entendimento da Requerida.
  12. Tal como vem sendo reconhecido pela generalidade da doutrina, a não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material, consubstancia violação do princípio do inquisitório, por violação dos arts. 58º da LGT e 6º do RCPIT e inquina de ilegalidade o acto tributário emitido nessa sequência pelo que, também com este fundamento, deverão  os atos tributários ser anulados.
  13. O ato tributário é, também, ilegal por violação do art. 87º do CIVA, porquanto o ato de liquidação em apreço foi praticado pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, do qual não consta a existência de qualquer delegação ou subdelegação de competências.
  14. Com efeito, tendo o Decreto-Lei nº 102/2008, de 20 de Junho, que alterou o art. 87º do CIVA, extravasado os termos da autorização legislativa ao abrigo do qual foi aprovado, o mesmo é inconstitucional por violação dos arts. 112º e 165º da CRP, com a necessária inaplicabilidade das regras de competência em causa, pelo que, deve considerar-se competente para o efeito o Senhor Chefe do Serviço de Finanças ou o Diretor da Direção de Cobranças do Imposto sobre o Valor Acrescentado, conforme redação originária do atual artigo 87º do CIVA.
  15. Em consequência, também com este fundamento, devem os atos tributários ser anulados, por vício de incompetência relativa.
  16. Atento o disposto no art. 95º, do CIVA “As liquidações referidas nos artigos 87º e 88º podem ser agregadas por anos civis num único documento de cobrança
  17. Todavia, terão que ser praticados tantos atos de liquidação quantos os períodos de imposto em causa mas parece resultar do ato de liquidação de IVA que tal não sucedeu, tendo a ATA, ao que parece, praticado o ato de liquidação apenas por referência ao mês de Dezembro, assim resultando violado o disposto nas referidas disposições legais, o que também constitui motivo de anulação dos atos tributários.
  18. A liquidação de juros compensatórios é, ainda, ilegal por falta de fundamentação e por violação do art. 267º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa e do art. 60º, nº 1, al. g) e nº 3, da Lei Geral Tributária.
  19. Por um lado, do ato em causa apenas consta a base de cálculo, a taxa e o período considerado, sendo omisso a qualquer menção aos motivos pelos quais tais juros foram liquidados, designadamente a concreta culpa do sujeito passivo no retardamento da liquidação do imposto, o que viola o art. 35º, nº 1, da LGT e é fundamento de anulação deste ato tributário.
  20. Por outro lado, não contendo o Relatório Final de Inspeção Tributária qualquer referência a juros compensatórios, não foi dada à autora a oportunidade de participar, em sede de audição prévia, na decisão de liquidação dos mesmos juros o que constitui violação do art. 60º da LGT e é, também,  fundamento de anulação deste ato tributário.
  21. Na decisão que incidiu sobre a reclamação graciosa a Senhora Chefe de Divisão não se pronunciou sobre todas as questões suscitadas pela autora uma vez que, no que que respeita aos erros sobre os pressupostos de direito, se limita a reproduzir os elementos constantes do Relatório de Inspeção Tributária, não se pronunciando sobre as concretas ilegalidades apontadas, o que viola o art. 56º da LGT.
  22. Em consequência, deve a referida decisão ser anulada porque praticada com ofensa das normas e princípios aplicáveis.

 

5. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

 

  1. A fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspeção tributária, facto que o Requerente não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações, contra as quais poderá reagir por via administrativa ou contenciosa.
  2. Mas ainda que assim não fosse, ou seja, mesmo que o Requerente não fosse notificado do relatório final, ainda assim podia ao abrigo do art. 37º do CPPT requerer à AT que que o notificasse da fundamentação das liquidações controvertidas, o que não fez.
  3. Acresce que, tendo a ora reclamante sido notificada do relatório de inspeção tributária, tal facto permitiu-lhe ter conhecimento efetiva e exaustivamente dos fundamentos da liquidação, o que se depreende pelos argumentos alegados pela ora reclamante em sede da presente reclamação graciosa.
  4. Por outro lado, a fundamentação dos atos de liquidação controvertidos, bem como do relatório de inspeção tributária, é expressa, clara, suficiente e congruente.
  5. Deve, assim, ser julgado improcedente o vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação de IVA e de juros compensatórios.
  6. No que se refere a lições ministradas pelo sócio gerente a título pessoal, de acordo com entendimento da Administração Fiscal beneficiam de isenção desde que não haja intervenção de qualquer entidade terceira, ora o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e, por conseguinte, não poderá beneficiar de isenção.
  7. Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, não tendo por isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 63º-C da LGT.
  8. Relativamente aos alegados erros sobre os pressupostos de facto e de direito, cumpre esclarecer, que contrariamente ao alegado pela Requerente, a Autoridade Tributária se baseou nos elementos de que dispôs, para a partir de uma lógica facilmente percetível concluir pelas correções propostas.
  9. Foi assumido pelo socio gerente B… que a conta bancária titulada em nome do seu filho C…, foi movimentada nos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos rendimentos de categoria B por si auferidos e objeto de liquidação em sede de IRS, bem como, pelo recebimento da faturação emitida pela sociedade A… .
  10. A partir de aproximadamente julho de 2011, a conta de C… (filho), passou a ser movimentada como se da conta da Sociedade se tratasse, e que, assim passou a ser porque então B… (Pai) e esposa, tinham receio de que as suas contas pessoais pudessem ser penhoradas, o que permite também concluir que até então eram estas as contas que eram utilizadas como se de contas da sociedade se tratasse.
  11. Tendo em conta isto, foi feito um cálculo simples, como acima retratado, no qual se deduziu aos depósitos nas contas efetuados, os rendimentos declarados, quer pela sociedade quer pelo seu sócio B…, visto outros rendimentos não existirem no agregado, pelo que se consideraram ser os rendimentos omitidos.
  12. E estes foram imputados à sociedade, tendo em conta as declarações referidas, os descritivos das transferências apurados na investigação, a utilização da sociedade para a prestação de serviços por parte do seu sócio B… e o facto de este não manter separação patrimonial.
  13. A Requerida procedeu ao longo de todo o procedimento inspetivo, em claro respeito pela prossecução do princípio da descoberta da verdade material realizando todas as diligências necessárias para a mesma.
  14. A Requerente alega que ao longo de todo o procedimento de inspeção sempre “refutou as acusações e apresentou sucessivamente elementos que contrariam o entendimento da Autoridade Tributária”, no entanto, não resultou do mesmo, nem resulta dos presentes autos, que a mesma tenha logrado sequer invocado um argumento, um facto ou facultado ou indicando qualquer elemento probatório que pudesse apoiar os supostos “elementos”.
  15. Não logrando a Requerente trazer qualquer meio de prova, ou qualquer indiciador que pudesse sustentar as suas alegações, não se logra alcançar como é que o princípio do inquisitório pudesse levar a Requerida a  averiguar elementos que não encontravam nos factos quaisquer suporte.
  16. Não podendo, assim, ser assacado ao ato o vício de ilegalidade por violação do princípio do inquisitório
  17. No caso em apreço, estamos perante uma liquidação adicional de IVA, nos termos do art.º 87º do CIVA, e não perante uma liquidação oficiosa, nos termos dos art.º 88º e 89º do mesmo código.
  18. A propósito da competência do ato de liquidação é claro o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo: 01148/06, de 05-06-2007, que claramente determina que: “O acto de liquidação é um acto da competência dos serviços centrais da Direcção Geral dos Impostos, podendo, nos termos do DL 275-A/93, de 9/8, ser utilizados meios informáticos nos quais se inclui a assinatura do respectivo director-geral (cfr. Portaria nº 797/99, de 15/9) (…).”
  19. Quanto à alegada inconstitucionalidade do Decreto-Lei nº 102/2008, de 20-06, invocada pela ora reclamante, cumpre observar que não cabe à Administração Fiscal pronunciar-se sobre a mesma, sendo essa apreciação da competência do Tribunal Constitucional, nos termos dos art.º 276º e seguintes da CRP, encontrando-se a Administração Fiscal vinculada ao Princípio da Legalidade Tributária, nos termos do art.º 8º da LGT.
  20. Ou seja, o ato impugnado foi praticado por entidade competente, não lhe podendo ser assacado o vício de incompetência.
  21. A Requerida, apurou e demonstrou, cabalmente, o imposto cuja liquidação se encontrava em falta durante o ano.
  22. Não tendo conseguido imputar a parcela referente a cada um dos períodos, só teria duas hipóteses, liquidar ou não liquidar o imposto em falta não cabia à Requerida outra opção senão a de liquidar o imposto em falta, ainda que não conseguisse concretizar as parcelas correspondentes a cada um dos períodos e a escolha pelo último período de tributação do ano, teve em conta os interesses da Requerente, que visou respeitar.
  23. Na verdade, se a Requerida fizesse uma distribuição com base num qualquer critério que determinasse, poderia incorrer na imputação a períodos anteriores, de imposto que só deveria ser liquidado e só se mostraria, por via disso, devido em períodos posteriores, originando na esfera da Requerente o ónus com o pagamento de juros que não seriam devidos se fossem completamente apurados os períodos e respetivas parcelas, assim aceitando a frustração de algum juro a que tivesse direito, pelo que não pode a Requerente alegar com esta atuação qualquer prejuízo.
  24. Quanto à fundamentação da liquidação de juros compensatórios, decorre das correções efetuadas pela AT que o Requerente liquidou imposto em montante inferior ao legalmente devido, sendo imputável ao contribuinte o retardamento na entrega do imposto, nos termos do nº 1 do art. 35º da LGT.
  25. Ora, no caso em apreço, verifica-se que a Requerente não cumpriu o disposto do art.º 27º do CIVA, dado que se constatou em sede de ação inspetiva, haver IVA não liquidado e não entregue nos Cofres do Estado.
  26. A Administração Fiscal encontra-se sujeita ao Princípio da Legalidade Tributária, nos termos do art.º 8º da LGT, no que diz respeito à taxa, à base de cálculo e ao período de tempo a que se referem os juros compensatórios.
  27. Nos termos supra expostos, será de julgar improcedente a ilegalidade dos juros compensatórios, os quais foram liquidados ao abrigo do disposto no art. 35º da LGT.
  28. Quanto à pretendida à ilegalidade da decisão que indeferiu a reclamação graciosa ora em apreço, deve a mesma ser julgada improcedente por todas as razões de facto e de direito a que supra se aludiu.

 

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

a) Falta de fundamentação dos atos de liquidação de imposto e de juros compensatórios ou caso assim se não entenda incongruência ou insuficiência das mesmas.

b) Vício de violação de lei das liquidações por erro nos pressuposto de facto e de direito.

c) Ilegalidade dos atos tributários por violação dos princípios do inquisitório e da prossecução da verdade material.

d) Vício de incompetência dos autores dos atos tributário objeto do processo.

e) Ilegalidade das liquidações por violação do disposto no art. 95º do Código do Imposto sobre o valor acrescentado.

f) Ilegalidade da liquidação de juros compensatórios.

 h) Ilegalidade da decisão da reclamação graciosa.

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.A Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva de natureza externa e âmbito geral, relativa aos exercícios de 2011, 2012 e 2013.

2.A Requerente tem o capital social de cem mil euros, de que são titulares B… e D…, cada qual com uma quota de cinquenta mil euros, sendo a gerência exercida por ambos os sócios.

3.A atividade desenvolvida pela Requerente consiste essencialmente no acompanhamento escolar e preparação para os exames do ensino secundário e ingresso no ensino superior, mas sem reconhecimento do ministério competente.

4. B…, exerce em nome pessoal a atividade de explicador desde 27 de Setembro de 2010, enquadrado no regime de isenção no termos do art. 9º do CIVA, e no regime simplificado de tributação nos termos do art. 28º do CIRS, tendo declarado para os exercícios de 2011, 2012 e 2013 os montantes de € 86.092,75, € 32.156,38 e € 35.903,75, respetivamente.

5.No relatório inspetivo consta, designadamente, o seguinte:

Para 2013, temos o seguinte:                                                                      2013

Conta nº … (filho)                                                      a          155.906,66

                        Rendimentos declarados

Proveitos declarados na A… (inclui IVA)                 b          114.818,87

Rendimento de cat. B declarado por B…                  c             35.903,75

Total dos Rendimentos não declarados                             d=a-b-c         5.184,04

Este ano a conta bancária foi aprovisionada com 155.906,66 euros. Ainda usando o mesmo método, retirando ao total das entradas na conta bancária, os valores recebidos na sociedade (93.348,68 € de proveitos + 21.470,19 de IVA liquidado) e pelo sócio gerente ficamos com um total de rendimentos omitidos de 5.184,04 euros

6.No relatório inspetivo consta, ainda, o seguinte:

“(…) Foi assumido pelo socio gerente B… que a conta bancária titulada em nome do seu filho C…, foi movimentada nos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos rendimentos de categoria B por si auferidos e objeto de liquidação em sede de IRS, bem como pelo recebimento da faturação emitida pela sociedade A… .

Nos termos do nº 12 do art. 9º do CIVA estão isentas de imposto “as prestações de serviços que consistam em lições ministradas a titulo pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”.

Atendendo a que a atividade desenvolvida pela “A…”, consiste no acompanhamento e orientação escolar, mas sem reconhecimento do ministério competente, as aulas ministradas quer individualmente, quer em grupos, não beneficiam da isenção de IVA, porque não tem enquadramento no nº 10 nem no nº 12, ambos do artº 9º do CIVA.

Ora, o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e por conseguinte não poderá beneficiar de isenção.

Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, não tendo por isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 63º-C da LGT.

7. Pode, ainda, ler-se no relatório no que respeita ao Imposto sobre o valor acrescentado do ano de 2013, o seguinte:

Considerando o caso em apreço, e os valores antes calculados de rendimento omitidos, as correções em sede de IVA são as que a seguir se apresentam:

IVA                                                   2011                2012                2013

Base tributária omitida                      (…)                  (…)                  5.184,04

Imposto em falta                                 (…)                  (…)                  1.192,33

Atendendo a elevada dificuldade na distribuição exata dos valores do IVA em falta pelos diversos trimestres, iremos considerar para efeitos de elaboração do respetivo documento de correção, a omissão ocorrida no último período de imposto de cada exercício, considerando a inexistência de prejuízo deste procedimento para o sujeito passivo

8.No exercício do direito de audição para que foi notificada previamente ao relatório final de inspeção, a Requerente, designadamente, afirmou:

mais uma vez se reafirma e se a inspeção tiver dúvidas pode e deve deslocar-se ao local, que é o espaço onde o contribuinte B… ministra, em termos individuais, não societários, as explicações de matemática, o qual é independente, com acesso próprio e único, que não se confunde com qualquer outro, das instalações onde a A… LDA, desenvolve a sua actividade, onde vários professores leccionam várias matérias do ensino secundário;

9.Na apreciação do direito de audição, a Requerida, não se pronunciou sobre este ponto da participação da Requerida, não constando qualquer referência a qualquer deslocação ao local afirmando-se, todavia, que:

O sujeito passivo não invoca factos e muito menos provas, que ponham em causa a análise de rendimentos feita no projeto de relatório.

O facto único argumento que a este nível merece referência é o de que os rendimentos omitidos devem ser imputados, a titulo pessoal, ao gerente do sujeito passivo e não ao sujeito passivo (com a consequência de sendo a imputação feita a titulo pessoal ao gerente não haver lugar a IVA). No entanto esse argumento não pode ser acolhido, pois a verdade é que o gerente do sujeito passivo prestou os serviços que geraram os rendimentos no quadro da actividade do sujeito passivo usando os meios deste.

10.Da notificação do relatório final de inspeção, endereçada à Requerente em 4.01.2016, consta, designadamente, o seguinte:

Fica(m) por este meio notificado(s), nos termos do art. 62º do RCPIT, do relatório de Inspeção Tributária, que se anexa como parte integrante da presente notificação, respeitante à Ordem de Serviço acima referenciada.

Das correções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório.A breve prazo, os serviços da AT procederão à notificação da liquidação respetiva, a qual conterá os meios de defesa, bem como o prazo de pagamento, se a ele houver lugar.

Da presente notificação e respetiva fundamentação não cabe reclamação ou impugnação.

 

11.Da notificação da liquidação de imposto objeto do presente processo, efetuada pela Requerida em 12.01.2016, consta, a titulo de fundamentação “liquidação efetuada com base em correção efetuada pelos serviços de Inspeção Tributária.”.

12.Em 12.07.2016 a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os atos de liquidação “sub judice”, cujo teor constante do processo administrativo que dá por integralmente reproduzido.

13.A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Chefe de Divisão (Em substituição) E… (por subdelegação), decisão, cujo teor constante do processo administrativo que dá por integralmente reproduzido, foi notificada à Requerente, via CTT, em 5.12.2016.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.

 

9. A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto considerada provada alicerçou-se nos documentos constantes do processo, juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, que não foram objeto de impugnação pelas partes.

 

 

-III- O Direito aplicável

 

10. Tendo a impugnante imputado diversos vícios aos atos tributários impugnados há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do art. 124º do CPPT, aplicável por força do art. 29º, nº 1, al. a) do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in GUIA DA ARBITRAGEM TRIBUTÁRIA, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pag. 202). (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico Da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, pág. 202).

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela requerente conduzirá à anulação do ato tributário. No entanto, o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do ato, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios.

Em conformidade, o Tribunal irá apreciar em primeiro lugar do vício de violação de lei.

 

11. Sustenta ainda a Requerente que os serviços em causa foram prestados pelo seu sócio a titulo pessoal em espaço físico próprio e sem que para tal tenha utilizado os equipamentos da Requerente.

 

Sustenta, por sua vez, a Requerida, que:

 

 “ No que se refere a lições ministradas pelo sócio gerente a título pessoal, de acordo com entendimento da Administração Fiscal beneficiam de isenção desde que não haja intervenção de qualquer entidade terceira, ora o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efectivamente a intervenção de uma entidade terceira, e por conseguinte não poderá beneficiar de isenção.”

 

E que:

 

 “Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida, não tendo por isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 63º-C da LGT.

 

 

 

Vejamos.

 

 

No relatório inspetivo afirma-se, em primeira linha, o seguinte:

 

“(…) Foi assumido pelo socio gerente B… que a conta bancária titulada em nome do seu filho C…, foi movimentada nos anos de 2011, 2012 e 2013, pelos rendimentos de categoria B por si auferidos e objeto de liquidação em sede de IRS, bem como pelo recebimento da faturação emitida pela sociedade A… .

Nos termos do nº 12 do art. 9º do CIVA estão isentas de imposto “as prestações de serviços que consistam em lições ministradas a titulo pessoal sobre matérias do ensino escolar ou superior”.

Atendendo a que a atividade desenvolvida pela “A…”, consiste no acompanhamento e orientação escolar, mas sem reconhecimento do ministério competente, as aulas ministradas quer individualmente, quer em grupos, não beneficiam da isenção de IVA, porque não tem enquadramento no nº 10 nem no nº 12, ambos do artº 9º do CIVA.

Ora, o sócio gerente presta serviços nas instalações pertencentes à A…, beneficiando de todo o apoio logístico da sociedade, pelo que há efetivamente a intervenção de uma entidade terceira, e por conseguinte não poderá beneficiar de isenção.

Acresce ainda que, a sociedade e o sócio gerente não mantinham separação patrimonial, já que eram utilizadas contas bancárias de particulares para a realização de pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida, não tendo por isso sido dado cumprimento ao disposto no artigo 63º-C da LGT.

 

 

Estas asserções da AT (mantidas em sede de Resposta) contêm, de modo claro, a afirmação de que os serviços em causa foram prestados pelo sócio-gerente da Requerente a titulo individual, embora a AT considere que tais serviços não estão isentos de IVA, por ter ocorrido a intervenção duma entidade terceira, neste caso a Requerente e ainda pelo facto da sociedade e o sócio não manterem separação patrimonial.

 

12. À face do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, o sujeito passivo duma concreta relação jurídico tributária, emergente de prestação de serviços sujeito ao imposto, nos termos dos artigos 1º e 4º do Código é, salvo situações excecionais que no caso se não verificam, como é apodíctico, o prestador dos referidos serviços, inexistindo norma que vincule ao pagamento do imposto por tais serviços uma pessoa jurídica pelo facto de  tais serviços terem sido prestados, total ou parcialmente, nas suas instalações ou com utilização dos seus equipamentos.[1]

 

Assim, como é bom de ver, não pode a Requerida pretender que sejam tributados na esfera jurídica da Requerente os serviços prestados por B…, por entender que os serviços prestados por este não estão isentos de imposto. Se assim é, deve a Requerente promover a tributação na esfera jurídica deste uma vez que, em tal caso, será ele o sujeito passivo da relação jurídico-tributária em causa. No caso que nos ocupa, de acordo com a versão da Requerida, o alegado facto tributário em causa não ocorreu tendo como sujeito passivo a  Requerente, mas sim B…, assim carecendo de base legal a liquidação do imposto em causa, bem como os respetivos juros compensatórios.

 Verifica-se, assim, que os atos tributários em causa padecem do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, não podendo os atos tributários em causa deixar de ser anulados, ficando assim prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.

 

 

-IV- Decisão

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação adicional de IVA e respetivos  Juros compensatórios e, ainda, a decisão incidente sobre a reclamação graciosa, apresentada contra aqueles atos.

 

 

Valor da ação: € 1.280,39 (mil duzentos e oitenta euros e trinta e nove cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 306.00 € (trezentos e seis euros) nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 19.09.2017

 

 

O Árbitro

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 



[1] Sem prejuízo de, a ser exata a versão da Requerida, poder ter ocorrido o facto tributário previsto no art. 4º, nº 2, al. a) do CIVA, que estabelece ser considerada prestação de serviços a utilização de bens da empresa  para uso próprio do seu titular, do pessoal, ou em geral para fins  alheios à mesma (com o valor tributável previsto no art. 16º, nº 2, al. c) do código)).Todavia, não foi este o  facto tributário invocado pela Requerida para a prática do ato tributário sub judice.