Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 18/2017-T
Data da decisão: 2017-09-20  Selo  
Valor do pedido: € 920,00
Tema: IS – Isenção – artigo 269º al. e) do CIRE
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Decisão Arbitral

 

 

 

 

 1. Relatório

A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto, doravante designado por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação da liquidação de Imposto do Selo, com o n.º…, pela qual se apurou um imposto pagar de € 920,00.

A Requerente fundamenta a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo e consequente anulação do ato tributário, assente em vício de erro sobre os pressupostos de direito, designadamente considerando incorreta a interpretação do preceito legal pela AT da alínea e) do artigo 269º do CIRE.

Entende assim e sintetizando a posição processualmente assumida pela Requerente que a isenção constante do normativo supra abrange (também) os imóveis transmitidos por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento, dando-se, no mais, aqui por reproduzido o teor da Pedido de Pronúncia Arbitral da ora Requerente, concluindo pela procedência do pedido de anulação do ato tributário e consequente estorno do valor do imposto suportado.

Ao invés, entende a Requerida AT que o facto tributário que está na base do presente pleito arbitral não se encontra a coberto da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea e) do artigo 269º do CIRE, uma vez que, segundo esta, apenas beneficiam de tal isenção os actos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos, de recuperação ou tidos lugar no âmbito da liquidação da massa insolvente.

Razão pela qual, termina no sentido da improcedência do pedido de anulação formulado pela Requerente.

O árbitro único foi designado e nomeado em 06.03.2017.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21.09.2017.

Por despacho de 06.09.2017 foi dispensada a realização de reunião arbitral e agendada a prolação de decisão destes autos.

 

 2. Saneamento

O tribunal arbitral singular é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não padece de qualquer nulidade, não existem exceções que obstem à apreciação do mérito da causa, o pedido é tempestivo, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da presente decisão arbitral.

  3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida e o posicionamento das partes, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.       A Requerente, a 21 de Junho de 2012, adquiriu, pelo valor de € 98.800,00, a fracção autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito em …, …, freguesia de …, Município de Figueira da Foz, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Figueira da Foz sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo …, no âmbito do processo de insolvência de B…, que correu termos no … Juízo Cível de Coimbra, sob o n.º …/11… TJCBR.

2.      A insolvente é pessoa singular.

3.      A coberto do ofício n.º…, de 04.12.2015 emitido pelo Serviço Finanças de Leiria-…, e tendo por base a transmissão supra identificada, a Requerente foi notificada da intenção de emissão de ato de liquidação de Imposto do Selo no valor de € 920,00, sob o n.º… .

4.      O documento relativo à liquidação de Imposto do Selo em causa veio a ser emitido em 21.07.2016, com a identificação n.º … .

5.      A Requerente procedeu ao pagamento desse mesmo imposto, no dia 22.07.2016.

6.       A Requerente apresentou (em 16 de Agosto de 2016) Reclamação Graciosa.

7.      Por despacho exarado a 23.11.2016, a Reclamação Graciosa veio a ser indeferida, tendo a Requerente sido notificada de tal decisão através do ofício n.º…, de 23.11.2016, emitido pelo Serviço de Finanças de Leiria- … .

8.      Em 04.01.2017 foi apresentado pela Requerente, via plataforma informática, o Pedido de Pronúncia Arbitral e de constituição de tribunal arbitral.

9.      A Requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça inicial.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos e o posicionamento tomado por cada uma das partes.

 

3.3. Factos não provados

A matéria dada como provada revela-se suficiente para apreciação das questões erigidas nestes autos, as quais se reconduzem a questões de direito, sendo que, em qualquer caso, não se provou que a insolvente melhor identificada no ponto 1. constante dos “Factos provados” fosse titular, à data da insolvência, de qualquer estabelecimento. 

 

4. Matéria de direito:

4.1.Objeto e âmbito do presente processo

O pedido de pronúncia arbitral tem por objeto a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de imposto do Selo, no valor de € 920,00, notificado à Requerente e tem por causa de pedir a existência de erro sobre os pressupostos de direito, por via da invocada incorreta interpretação perfilhada pela Autoridade Tributária relativamente à al. e) do artigo 269º do CIRE.

Em síntese, a questão de fundo repousa em saber se, a aquisição efetuada pela Requerente de fração autónoma no âmbito de processo falimentar em que foi declarada insolvente pessoa singular está ou não abrangida no âmbito da isenção de Imposto do Selo a que a versada disposição legal alude.

 

4.2. Enquadramento

Vejamos, antes de mais, o enquadramento legal, no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) da isenção ao nível da qual emerge a dissonância entre Requerente e Requerido, in casu, a previsão do artigo 269º do CIRE (na redação vigente à data da aquisição da fração autónoma em apreço).

 

 

Artigo 269.º
Benefício relativo ao imposto do selo

Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrassem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em planos de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:
a) As modificações dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos sobre a insolvência;

b) Os aumentos de capital, as conversões de créditos em capital e as alienações de capital;

c) A constituição de nova sociedade ou sociedades;

d) A dação em cumprimento de bens da empresa e a cessão de bens aos credores;
e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;

f) A emissão de letras ou livranças.

(grifado nosso - Redacção conferida pelo seguinte diploma: Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março)

 

Salvo o devido respeito por entendimento diverso, da leitura do normativo vindo de citar, resulta medianamente evidente que o legislador apenas previu a isenção de Imposto do Selo, no âmbito de processos falimentares, quando se esteja perante as concretas situaões tipificadas na alínea e) - alínea que serve de fundamento ao ato tributário sindicado.

 

Ora, dentro deste quadro dos factos no âmbito dos quais o adquirente pode beneficiar de isenção não se deteta, manifestamente, a tipificação de qualquer isenção tangente à aquisição de imóvel no âmbito de insolvência de pessoa singular.

 

Na verdade, o legislador apenas veio a contemplar no âmbito da referida norma legal, o direito à isenção quando estejam em causa (entre outras claramente não aplicáveis in casu) a transferência de estabelecimentos em causa e bem assim a venda de ativos do ativo de uma empresa.

 

No caso dos autos e nada foi sequer alegado pela Requerente em sentido diverso, está-se perante a aquisição à massa insolvente de pessoa singular de imóvel com afetação habitacional.

 

O que o mesmo é dizer que a factualidade que está na base do ato de liquidação em apreço não se reconduz a qualquer das previsões de isenção constantes do artigo 269º do CIRE, nem especificamente no que diz respeito às hipóteses contidas na al. e) do versado preceito.

 

 O artigo 11.º da Lei Geral Tributária estabelece as regras essenciais da interpretação das leis tributárias nos seguintes termos:

 

Artigo 11.º

Interpretação

            1. Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.

            2. Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

            3. Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.

            4. As lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.

 

Os princípios gerais da interpretação das leis, para que remete o n.º 1 do artigo 11.º da LGT, são estabelecidos no artigo 9.º do Código Civil, que preceitua o seguinte:

 

Artigo 9.º

Interpretação da lei

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”

(grifado nosso)

 

Tendo como referencial os princípios decorrentes das normas supra citadas, cumpre apreciar da aplicação em concreto das regras gerais de interpretação.

 

Destarte, descendo à situação sub judicio resulta objetivamente evidenciado que a lei, na sua letra, não contém qualquer referência no seu teor, que permita concluir pelo acolhimento do facto tributário no âmbito da norma concedente de tal benefício fiscal.

 

Ou seja, embora não deva o intérprete cingir à letra da lei a interpretação de qualquer normativo (n.º 1 do artigo 9º do CC), não é menos certo que ao intérprete não é lícito socorrer-se, para efeitos interpretativos, de um pensamento legislativo que não tenha um mínimo de correspondência verbal com a literalidade do preceito.

 

Ora, no caso vertente, dúvidas não subsistem quanto à inexistência de qualquer elemento de literalidade apto a extrair do artigo 269º do CIRE um pensamento legislativo que permita concluir no sentido da inclusão de uma hipótese fáctica como a existente nestes autos, enquanto suscetível de isenção de Imposto do Selo.

 

Dito de outro modo, não é possível extrair do artigo 269º do CIRE qualquer interpretação que acolha no seu âmbito a aquisição de imóvel com afetação habitacional a massa insolvente de pessoa singular, dado o legislador apenas fazer prever situações tangentes à venda de elementos do ativo de empresas.

 

Não sendo, como não é, confundível a noção de “empresa” com a de “pessoa singular”, qualquer interpretação aos princípios interpretativos que dimanam do expresso no artigo 11º do Código Civil e artigo 9º da LGT relativamente ao pensamento legislativo em que assenta o artigo 269º do CIRE, não permite a inclusão da factualidade subjacente à liquidação em apreço no âmbito do leque de isenções consagradas neste último preceito legal.

 

Por outro lado, no tocante à alegada inconstitucionalidade, tal como vem invocada pela Requerente e a qual assenta na suposta violação do artigo 165º da Constituição da República Portuguesa, deve referir-se que a questão foi já objeto de posteriores análises pelo Supremo Tribunal Administrativo, o qual vem concluindo, uniformemente, pela inexistência de qualquer inconstitucionalidade, posição que este Tribunal sufraga e secunda.

 

Veja-se, por todos o acordado no âmbito do processo n.º 01521/15, de 29.03.2017, proferido pelo Pleno da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo:

“Acresce que, como também se deixou dito no supra citado Acórdão 949/11, o nº 3 do artº 9º da Lei de autorização legislativa nº 39/2003, dispunha, no que se refere às isenções de Sisa (hoje IMT) que: «Fica, finalmente, o Governo autorizado a isentar de imposto municipal de sisa as seguintes transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer plano de insolvência ou de pagamentos ou realizadas no âmbito da liquidação da massa insolvente: c) (…) da venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus activos (…)».
Ora a sentença não considerou inconstitucional a interpretação que a AT fez do art. 270.º, n.º 2, do CIRE, mas antes considerou, de acordo com a jurisprudência que citou, que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio – pelo menos mínimo – na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que melhor se compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição).


“Acresce ainda que, como explicitado no acórdão de 25-01-2017, no proc. nº 01159/16, «da eventual não utilização pelo legislador ordinário da lei de autorização legislativa na sua plenitude não resulta inconstitucionalidade alguma, ou seja, nada obriga o legislador ordinário a esgotar o conteúdo da autorização, podendo, sem que incorra em invalidade normativa, decidir não fazer uso integral da mesma e ficar aquém da autorização legislativa, desde que dentro do sentido e conteúdo desta (alicerçando essa alegação na jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente no acórdão nº 556/2003, proferido no processo nº 188/2003, de 12/11/2003 (…).

Na tese que subscrevemos (por remissão para o acórdão proferido no processo nº 1345/15 acima citado e contrariamente ao que foi inicialmente decidido no acórdão proferido no processo nº 949/11), não se sustenta a inconstitucionalidade da interpretação defendida pela Fazenda Pública, mas apenas que entre dois sentidos da lei, ambos com apoio mínimo na respectiva letra, deve o intérprete optar por aquele que melhor se adequa ao sentido e extensão da autorização legislativa ao abrigo da qual a norma foi emanada pelo Governo em matéria reservada à Assembleia da República. Sobretudo, quando é esse o que melhor serve a teleologia (ratio legis) da norma, tal como acima a entendemos e quando colhe também o apoio do elemento histórico, como bem se refere no acórdão proferido no processo com o n.º 949/11.»”

 

Assim, carecem de fundamento as causas de pedir enunciadas pela Requerente e, consequentemente, inviabilizada se encontra a procedência do pedido e bem assim prejudicado o requerido estorno do Imposto do Selo suportado.

 

Pelo exposto, censura alguma merece a liquidação de Imposto do Selo ora em apreciação.

 

 

 

5. DECISÃO:

Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo, por não verificação de qualquer dos vícios que lhe vinham apontados pela Requerente.
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas nos termos da Tabela I do RCPTA, calculadas em função do valor da causa - arts. 4º-1, do RCPTA e 6º, n.º 2, al. a) e 22º, n.º4, do RJAT

 

Valor da causa: € 920,00– arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011), 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa, 20 de Setembro de 2017.

 

O árbitro

 

 

 

(Luís Ricardo Farinha Sequeira)

 

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por mim revisto.