Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
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Pedido
A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto, de ora em diante designada como Demandante, apresentou, em 04-01-2017, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, de ora em diante designada como Requerida, com vista a:
- A declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Requerente contra a liquidação de Imposto o Selo constante do documento nº…;
- A anulação do mesmo ato de liquidação;
- A condenação da requerida à restituição à Requerente do montante de imposto indevidamente pago, acrescido dos competentes juros indemnizatórios.
A Demandante alega, no essencial e com relevância para a decisão da causa, o seguinte:
- Tendo adquirido o prédio urbano, sito em Rua …, …, freguesia de …, …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo …, no âmbito de um processo de insolvência, a Requerente considera que a aquisição se encontrava isenta de Imposto do Selo nos termos do art.º 269º, al. e) do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE).
- Dispõe o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que “estão igualmente isentos de IMT os atos de venda, permuta, ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.
- A noção de sacrifício comum e solidariedade social na proteção da posição daqueles que, fruto da insolvência dos seus devedores, veem perdida ou fortemente reduzida a probabilidade de recebimento dos seus créditos e ameaçada a sua própria solvência, foi o que levou o legislador a criar incentivos à recuperação de receitas para esses credores, através, designadamente, da concessão de vantagens fiscais a quem adquire bens integrados em massas insolventes.
- Entre essas vantagens avulta a isenção de SISA (hoje IMT) na transmissão de imóveis.
- De facto os imóveis, como tudo em geral, vendem-se pelo valor que alguém aceita pagar por eles.
- Esse valor engloba necessariamente o preço e todos os acessórios do preço (para este efeito entenda-se por acessórios do preço todos os custos, designadamente fiscais, emolumentares ou outros que o adquirente deva custear para adquirir o bem).
- Quanto mais elevados forem os custos “acessórios” menor será o preço, isto é, o valor destinado aos credores ou, alternativamente, maior será o período de tempo necessário à venda.
- Foi, para tentar otimizar, em valor e em prazo, (em sede de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente) a obtenção de receitas destinadas aos credores (entre eles o Estado) da massa insolvente, que o legislador previu já no CPEREF (na alínea c) do n.º 2 do seu art.º 121) a isenção de Sisa para as situações equivalentes à ora reclamada.
- Solução que, pelas mesmas razões de fundo, pretendeu manter no CIRE através do n.º 2 do seu art.º 270º.
- Espelhando estas disposições, na análise sistémica destes diplomas legais, os princípios de equidade e solidariedade social que, nesta matéria, norteou ambos os diplomas.
- Em síntese, podemos afirmar que, na relação com o Estado, os princípios de solidariedade social, subjacentes ao CIRE, encontram a sua consagração legal i) no que tange ao capítulo reclamação de créditos, na perda (ainda assim parcial) dos privilégios dos créditos do Estado e, ii) no que tange ao capítulo das receitas ou melhor, no favorecimento da maximização das receitas destinadas aos credores, nas isenções de selo e de IMT consagradas.
- De outro modo o Estado teria no IMT uma espécie de privilégio, que lhe asseguraria uma fonte de receitas alternativa e exclusiva, beneficiando-o face aos demais credores (garantidos, comuns ou até privilegiados), contrário aos princípios de solidariedade social que nortearam este regime jurídico e, em especial, conforme melhor veremos mais adiante, ao sentido e extensão da autorização legislativa que legitima o CIRE.
- Mas sublinhe-se que, em sede de isenção de IMT, apesar da menos feliz redacção do artigo 270.º do CIRE, o legislador apenas pretendeu consagrar para o CIRE um regime equivalente ao que já́ resultava da alínea c) do n.º 2 artigo 121.º do CPEREF.
- Conforme expressamente o afirma no n.º 49 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, onde refere que “mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais”.
- De facto, se interpretássemos o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que a transmissão de imóveis em sede de liquidação da massa insolvente ou de planos de insolvência ou de pagamentos está sujeita a IMT, então a proposição constante do referido n.º 49 do referido Preâmbulo passaria, sem mais, a falsa.
- Ora, também não é de presumir que o legislador, no preâmbulo dos diplomas, afirme o oposto do que adiante consagrará.
- De facto, o que não cabe é a interpretação que a Administração Fiscal pretende impor, ignorando quiçá, quão mais penalizante é para o Estado dificultar a reentrada no mercado dos ativos das massas insolventes, em especial, pelo seu significado económico, dos bens imóveis, e o retardar a satisfação (possível) de credores, eles mesmos, em regra, com problemas graves de liquidez.
- Por outro lado, e como muito bem nota o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Maio de 2012, interpretar o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que apenas as transmissões de imóveis inseridas na transmissão de empresa ou seu estabelecimento estão isentas de IMT, não é uma interpretação conforme à Constituição.
- Ao não proceder deste modo, e ao decidir-se pela liquidação do IMT, enferma a atuação da Administração Tributária de vício de violação de lei, uma vez que a liquidação se funda então, numa norma que ao ser interpretada por forma a fundamentar a liquidação reclamada, se torna nesse momento, ela mesma, inconstitucional, por violação do n.º 2 do art. 165.º da CRP.
- Sendo, consequentemente, também por aí, anulável o acto tributário em causa.
- Em síntese, e tudo visto, os diversos elementos interpretativos da norma em causa, confluem para uma única conclusão: a de que, em sede de plano de insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do art. 270º do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento.
- Acresce que, também se verificam as condições para o Demandante beneficiar da isenção de IS prevista na aliena e) do artigo 269.º do CIRE, visto que esta norma abrange (incontestadamente) quer a transmissão de imóveis efetuada em conjunto com a empresa ou o estabelecimento de que fazem parte, quer a transmissão isolada de imóveis, em separado da empresa ou estabelecimento que integram.
- Sendo por demais evidente que o ato de liquidação adicional de IS que ora se reclama, decorre, como vimos de demonstrar, de uma errada interpretação do disposto da aliena e) do artigo 269.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito.
- E a consequência legal estatuída para esse vício legal é a anulabilidade do ato de liquidação ora impugnado.
- Ademais, uma vez que in casu não foi provada a verificação dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a exigibilidade do imposto em análise, é manifesto que não se constituiu qualquer facto tributário, pelo que o pagamento exigido à Demandante é ilegal e inexigível.
- Caso assim não se entendesse, teria de concluir-se que a Autoridade Tributária poderia exigir o pagamento das quantias em causa independentemente da demonstração e verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos, como se verifica no presente caso, criando livremente impostos, o que é inadmissível.
- Nesta medida, o acto de liquidação sub judice configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei.
- O ato em análise é assim nulo e de nenhum efeito por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (art. 133º/2/a) e d) do CPA e arts. 103º/2 e 165º/1/i) da CRP).
- Com efeito, o ato em causa não indica e inexiste qualquer dispositivo legal e aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada.
- O ato impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268º/3 da CRP, os arts. 124º e 125º do CPA e o art. 77º da LGT.
- O ato de liquidação em análise é assim nulo e de nenhum efeito, pois, a quantia exigida não tem qualquer fundamento legal ou factual (art. 77.º da LGT e art. 99.º/c do CPPT; cfr. art. 133.º do CPA).
- A quantificação do facto tributário em análise suscita fundadas dúvidas, pelo que sempre o ato impugnado deverá ser anulado, ex vi dos arts. 99.º/1/a) e 100º do CPPT .
- A Administração Tributária violou as legítimas expectativas e garantias da Demandante anteriormente constituídas, e o princípio da confiança e segurança jurídica ínsitos ao princípio do Estado de Direito, além de ter violado os princípios da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal e da certeza e segurança jurídica previstos, entre outros, nos artigos 12.º da LGT, 12.º do CC e 103º n.º 3 da CRP.
- Com efeito, a interpretação da Administração Tributária aplicada a um facto tributário passado, inteiramente decorrido ao abrigo de lei antiga, constitui uma violação do princípio da protecção da confiança, na vertente da segurança jurídica.
- Como bem salienta José Casalta Nabais “uma ponderação a que ainda haverá que proceder no caso de a administração ou de o próprio legislador, através da imposição retroactiva duma interpretação correcta da lei fiscal, pretender recuperar impostos não cobrados em virtude de a anterior interpretação ilegal da administração os excluir da zona de incidência ou os atirar para os benefícios fiscais. Também a um tal venire contra factum proprium o princípio da confiança impõe limites”.
- Nesta medida, verifica-se claramente um erro de direito por parte da Autoridade Tributária, visto que induziu em erro a Demandante quando reconheceu a isenção do IS a liquidar previamente à celebração da escritura pública.
- Acresce que, o princípio da boa-fé consagrado no n.º 2 do art. 59.º da Lei Geral Tributária pressupõe por parte da Administração Tributária um dever de atuação segundo a boa fé.
- Na verdade, a presunção de atuação de boa fé é corolário daquele dever de atuação segundo o princípio da boa fé, que é constitucionalmente imposto a toda a Administração, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 266.º da C.R.P.
- Pelo que, deve a liquidação em apreço ser anulada por preterição de formalidade legal, violação dos princípios da colaboração e boa fé nos termos supra referidos (art. 62º).
- Acresce ainda que, a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141º, no 1, do CPA e 58.º do CPTA.
- Assim, a revogação de tal acto administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea c), da LGT e art. 2.º, alínea d), do CPPT.
- Em abono deste entendimento, atente-se ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15.05.2013, onde se decidiu o seguinte:
I – Na determinação das consequências jurídicas da invalidade de acto administrativo em matéria tributária de concessão de benefício fiscal, no conspecto da possibilidade legal da sua revogação, há que aplicar as normas do CPA em conformidade com o que dispõe o art. 2º do CPPT.
II - No âmbito da actividade administrativa são pressupostos da tutela de confiança um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança, a efectivação de um investimento de confiança e a frustração da confiança por parte de quem a gerou.
III - A violação pela administração tributária dos deveres procedimentais de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei”.
- Nesta medida, verifica-se a ilegalidade da revogação, já que o acto revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do ato concedente da isenção de IS a liquidar, em clara violação do disposto no art. 141º do CPA.
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Resposta da Requerida
Na sua Resposta, a Requerida alega, resumidamente, o seguinte:
- A principal questão que se coloca nos presentes autos reconduz-se a saber se a compra de bens imóveis no âmbito do processo de liquidação da empresa insolvente está (ou não) isenta de Imposto do Selo, nos termos previstos no artigo 269.º, alínea e) do CIRE, concretamente, nas situações em que estejamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa, nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação, como é o caso dos presentes autos.
- A isenção fiscal em apreciação decorre do disposto no artigo 269.º, alínea e), conjugado com o artigo 16.º, n.º 2 (a contrario sensu), ambos do CIRE.
- Ora, estabelecem os referidos preceitos o seguinte:
Artigo 269º, al. e) do CIRE - “Benefício relativo ao imposto do selo”
“Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:
(...)
e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;
Artigo 16º, n.º 2 do CIRE
2 - Os benefícios fiscais constantes dos artigos 268.º a 270.º dependem de reconhecimento prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, quando aplicados no âmbito do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.
(Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto, institui o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial – SIREVE )
- Ou seja, decorre clara e expressamente da letra da lei que a isenção de IS se aplica à “venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa” e não prevê que a isenção de IS se aplica à venda, permuta ou cessão de elementos detidos por pessoas singulares.
- Tendo em conta que onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir, a isenção de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares.
- Nestes termos, no caso em apreciação nos presentes autos arbitrais, o Requerente não reunia os requisitos para poder beneficiar desta isenção, porquanto, conforme consta do Processo Administrativo (PA) ora junto, o Requerente adquiriu uma fração autónoma em processo de insolvência, mas em que o insolvente é uma pessoa singular.
- Estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que
- não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de atividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular com destino a habitação.
- Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para a isenção de IS em razão da sua transmissão ter sido efectuada num processo de insolvência de pessoa singular.
- Por outro lado, no que diz respeito à alegada inconstitucionalidade invocada pelo Requerente cumpre explicitar o seguinte.
- Nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Fevereiro de 1997, recurso no 20733, não pode ser considerada válida uma interpretação da lei que, mesmo conforme à Constituição, viole as regras que imperativamente lhe forem aplicáveis, ultrapassando o teor literal da norma a aplicar.
- A conformidade com a Constituição da solução alcançada não garante, assim, a validade da interpretação das normas tributárias – é indispensável que sejam igualmente observados na actividade interpretativa os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis fiscais.
- A “interpretação conforme a Constituição” apenas é ilegal quando viole os princípios fundamentais de interpretação e aplicação das normas jurídicas desenvolvidos na presente norma e no Código Civil, o que não é comprovadamente o caso.
- Em suma, a liquidação impugnada é legal e conforme à Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Requerente se limitou a invocar na sua douta P.I, sem que, contudo, tivesse logrado demonstrar qualquer inconstitucionalidade.
Quanto à alegada falta de fundamentação:
- É manifesto e inquestionável que o Requerente compreendeu perfeitamente o processo lógico e jurídico que conduziu à decisão de tributação em causa, e quais os critérios e métodos legais que levaram aos valores ínsitos na liquidação ora em crise, sendo a fundamentação apresentada pelo Requerente no presente pedido de pronúncia arbitral, bem como na anterior reclamação graciosa, prova disto mesmo.
- Nessa medida, não se vislumbra que a liquidação em causa no presente processo careça de fundamentação legal, pelo que se considera que o ónus de fundamentação foi cumprido e que o pedido do Requerente improcede necessariamente.
- Por último, alega o Requerente que a revogação do benefício fiscal é ilegal por violação do disposto nos arts. 141º, nº 1, do CPA e 58.º do CPTA, porque terá existido um ato de concessão da isenção, ato esse constitutivo de direitos, por aplicação conjugada destes mesmos artigos.
- Assim, o Requerente entende que a revogação de tal ato administrativo foi concretizada para além do prazo de um ano em que era legalmente possível, nos termos dos artigos 136.º e 141.º do CPA aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea c), da LGT e art. 2.º, alínea d), do CPPT.
- No caso, não se verificando os pressupostos legais para o Requerente poder beneficiar da isenção de IS, nos termos da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, a administração tributária não podia deixar de liquidar o imposto devido, desde que respeitado o prazo de caducidade, que, nos termos do art. 39.º do CIS, conjugado com o art. 45.º, n.º 1, in fine, da LGT, é de oito anos a contar da transmissão ou da data em que a isenção ficou sem efeito.
- Mas, contrariamente ao invocado pelo Requerente, não existiu nenhum ato constitutivo de direitos, porque, o benefício aqui em causa, é um benefício automático nos termos do artigo 5º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).
- O artigo supra citado do EBF, determina que os benefícios fiscais automáticos são os que resultam directa e imediatamente da lei, por contraposição aos benefícios dependentes de reconhecimento, que pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.
- Por sua vez, a alínea d) do nº 8 do artigo 10º do CIMT, sobre Reconhecimento das isenções e dispõe:
«São de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração ao serviço de finanças onde for apresentada a declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º, as seguintes isenções: (Redação dada pelo artigo 97.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
(...)
d) As isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código. (Redação dada pelo artigo 97.o da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).»
- Ora, da análise destas disposições legais verifica-se que o reconhecimento da isenção em causa neste processo, é automática, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos da mesma.
- O que acontece é que o sujeito passivo apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, e só posteriormente é que a AT fiscaliza a verificação dos pressupostos conforme dispõe o artigo 7.º do EBF.
- Este normativo determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo, é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção.
- Pelo que, em rigor, não houve a constituição de um direito ao benefício fiscal.
- Ora, esta liquidação de imposto não pode ser considerada uma revogação de isenção, conforme foi referido também na decisão de 21/08/2015, no Processo 834/2014 – T CAAD, tese à qual aderimos, no qual, estando em causa também um benefício automático, embora de isenção de IS, se concluiu:
«que o procedimento ocorrido posteriormente à efetiva fiscalização dos pressupostos indicados na declaração como fundamento do benefício se configura como liquidação e não ato administrativo revogatório de ato anterior concedente de benefício fiscal.»
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Tramitação subsequente
Por despacho de 22 de maio de 2017, o Tribunal convidou as Partes a pronunciarem-se sobre a tramitação processual a seguir.
As Partes concordaram em prescindir quer da realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAMT quer da produção de alegações.
II – SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 14-03-2017, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAMT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD).
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
Não foram identificadas nulidades no processo.
III – QUESTÕES A DECIDIR
São as seguintes as questões a analisar e decidir neste processo:
¾ A aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 269º, al. e) do CIRE à aquisição de imóvel integrado em massa insolvente mas não integrado no património de uma empresa;
¾ Nulidade do ato por falta de atribuições e por se traduzir na criação de um imposto não previsto na lei;
¾ Falta de fundamentação do ato de liquidação;
¾ Possibilidade temporal de se efetuar a liquidação em causa.
IV – FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão:
- A Demandante adquiriu, em 16-06-2006, o prédio urbano sito na Rua …, …, freguesia de …, Município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia com o artigo matricial …;
- A aquisição foi efectuada no âmbito de processo de insolvência de B…, NIF … e C…, NIF…, que correu termos sob o n.º …/11… TBCLD;
- A massa insolvente não pertencia a uma empresa;
- O imóvel adquirido não se integrava no ativo de uma empresa ou de um estabelecimento estável;
- Em 26-12-2012, foram entregues declarações para liquidação de IMT e de IS referentes à aquisição do referido veículo, conforme documento 2 junto com a petição inicial;
- Em consequência destas declarações, foi emitida a liquidação de IMT – Imposto sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, com o nº…, no valor de 00,00 euros.
- Em 4-12-2015, a Autoridade Tributária notificação a Demandante de que iria ser instaurado procedimento de liquidação de IMT e IS sobre a aquisição em causa.
- Nessa notificação eram indicados os valores de impostos a pagar:
¾ IMT: 1.858,84 euros
¾ IS: 1.052,00 euros
- Em 21-07-2016, foi emitida liquidação e correspondente notificação de IS no valor 1.052,00 euro, liquidação esta sem número mas constante do documento nº… .
- Em 22-07-2016, a Demandante procedeu ao pagamento do IS.
- Em data que se desconhece, foi emitida liquidação de IMT, no valor de 1.858,84 euros.
- No dia 16-08-2016, deu entrada no Serviço de Finanças … de Leiria, reclamação graciosa da liquidação do IMT e do IS.
- Esta reclamação graciosa, apesar de ser apenas uma e de se referir aos dois tributos em causa – IMT e IS - deu origem a dois procedimentos de reclamação graciosa:
¾ O procedimento nº …2016… relativo à liquidação de IMT
¾ O procedimento nº …2016… relativo à liquidação de IS
- Em 25-10-2016, a Demandante foi notificada para o exercício do direito de audição prévia em relação aos dois procedimentos.
- EM 23-11-2016, a Demandante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
V – FUNDAMENTAÇÃO
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Aplicabilidade da isenção de Imposto do Selo prevista no artigo 269º, al. e) do CIRE à aquisição de imóvel integrado em massa insolvente mas não integrado no património de uma empresa
O artigo 121º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-lei n.º 132/93, de 23 de Abril, dispunha, em matéria de isenções fiscais:
(...)
2 - Estão ainda isentas de imposto municipal da sisa as transmissões de bens imóveis, integradas em qualquer das providências de recuperação da empresa, que decorram:
(...)
c) Da autonomização jurídica de estabelecimentos comerciais ou industriais, da venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como dos arrendamentos a longo prazo, previstos, respectivamente, nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo 101.º
Em 2004 o referido código foi substituído pelo actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março.
No preâmbulo deste diploma, lê-se:
49 - Mantêm-se, no essencial, os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, bem como à indiciação de infracção penal.
Este diploma foi aprovado ao abrigo de uma lei de autorização legislativa (Lei n.º 39/2003, de 22 de Agosto) que dizia:
Artigo 9º
(...)
2 — Fica ainda o Governo autorizado a isentar de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:
(...)
f) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens.
Na versão primitiva do diploma, o artigo 269º dizia o seguinte:
Artigo 269.º
Benefício relativo ao imposto do selo
Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrassem sujeitos, os seguintes actos, desde que previstos em planos de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:
e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;
Actualmente, após alteração introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o artigo 270º do CIRE diz o seguinte:
Artigo 269.º
Benefício relativo ao imposto do selo
Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente:
(...)
e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;
Em face da redação da norma não podem colocar-se dúvidas de que a isenção estabelecida na al e) do art. 269º do CIRE não é aplicável à aquisição de um imóvel integrado na massa insolvente proveniente do património pessoal, não empresarial, de uma pessoa singular insolvente, como é o caso.
Isto mesmo foi já confirmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25-09-2013 (proc. nº 866/13), em cujo sumário se diz: “I. De acordo com o disposto no art. 269.º, alínea e), do CIRE, ficam isentas de IS as vendas de «elementos do ativo da empresa». II – Assim sendo, a referida isenção não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de atos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o ativo de uma empresa.”
Portanto, não tem razão a Demandante ao afirmar que “se verificam as condições para beneficiar da isenção de IS prevista na al. e) do artigo 269.º do CIRE”.
Consequentemente, também não é verdade, como afrma a Demandante, que “o ato de liquidação adicional de IS que ora se reclama, decorre de uma errada interpretação do disposto da alínea e) do artigo 269.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito.
O ato impugnado – liquidação de imposto de selo – não enferma de erro sobre os pressupostos de direito no que toca à não aplicabilidade da isenção prevista na al. e) do art. 269º ao caso vertente.
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Nulidade do ato por falta de atribuições e por decorrer da criação de um imposto não previsto na lei
Nos artigos 47º e 48º da p.i. a Demandante alega que o ato de liquidação sub judice configura a criação de um verdadeiro imposto ou contribuição especial não permitido por lei, sendo consequentemente nulo e de nenhum efeito por falta de atribuições e por ter criado impostos ou contribuições especiais não permitidos por lei (art. 133º/2/a) e d) do CPA e arts. 103º/2 e 165º/1/i) da CRP).
O imposto está previsto no art. 1º, nº 1 do Código do Imposto do Selo, conjugado com a verba 1.1 da respetiva Tabela Geral.
Portanto, não se verifica o referido vício de criação de um imposto não previsto na lei.
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Falta de fundamentação do ato de liquidação
A exigência legal e constitucional de fundamentação do ato tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 152º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.
No que concerne aos atos tributários de liquidação, o nº 2 do art. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes atos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.
Por outro lado, o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar ou não o ato (acórdão STA de 02-07-2014, proc. nº 1074/13).
Ora a fundamentação do ato, de facto e de direito, foi explicitamente comunicada à Demandante na notificação pela qual se deu a conhecer à mesma que iria ser desencadeado procedimento de liquidação.
Nessa fundamentação, refere-se o art. 269º, al. e) do CIRE, afirma-se que, para que a isenção aí prevista se aplique, o imóvel adquirido deve provir de uma empresa, afirma-se que não estão abrangidos nessa isenção os “insolventes que sejam pessoas singulares e não exerçam uma atividade industrial, comercial ou agrícola”.
Na mesma comunicação procede-se à qualificação e quantificação do facto tributários.
Na própria liquidação é indicado que a mesma é efetuada ao abrigo da verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo. E é demonstrado o apuramento do imposto.
A fundamentação é, portanto, suficiente, de acordo com o art. 77º da LGT.
Esta fundamentação foi comunicada através de notificação efetuada por correio registado com aviso de receção.
De onde há que concluir que não se verifica, em relação à liquidação impugnada, falta de fundamentação, sendo improcedente a alegação de tal vício.
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Possibilidade temporal de se efetuar a liquidação em causa
O nº 2 do artigo 16.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas diz:
Procedimentos especiais
2 - Os benefícios fiscais constantes dos artigos 268.º a 270.º dependem de reconhecimento prévio da Autoridade Tributária e Aduaneira, quando aplicados no âmbito do Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto.
O Decreto-Lei n.º 178/2012 institui o SIREVE - Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial.
No caso vertente, não está em causa a aplicação do benefício fiscal previsto no art. 269º do CIRE no âmbito do Decreto-Lei n.º 178/2012.
Por sua vez, o art. 5º do EBF diz:
1 - Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam direta e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais atos posteriores de reconhecimento.
Dos dois preceitos conjugados resulta que os benefícios fiscais previstos no CIRE, incluindo o previsto no art. 269º, que aqui está em causa, quando não sejam aplicados no âmbito do Decreto-Lei n.º 178/2012, são de aplicação automática.
Sendo de aplicação automática, é o sujeito passivo que declara a existência dos seus pressupostos e provoca a liquidação com base no benefício fiscal, não implicando a liquidação efetuada nestes termos o reconhecimento de um direito, nos termos do art. 168.º, nº 2 do CPA.
E sendo assim, não se aplicará ao caso vertente o disposto nesse mesmo preceito: “Salvo nos casos previstos nos números seguintes, os atos constitutivos de direitos só podem ser objeto de anulação administrativa dentro do prazo de um ano, a contar da data da respetiva emissão.”
Nestes termos, não procede o vício alegado pela Demandante de ofensa da proibição de revogação de ato administrativo constitutivo de direitos.
V – DECISÃO
Temos em que o Tribunal decide não declarar a ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo impugnada, negando provimento à pretensão da Requerente.
Valor da utilidade económica do processo: Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 1.052,00 euros.
Custas: Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, fixa-se o montante das custas em 306,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 15 de setembro de 2017
O Árbitro
(Nina Aguiar)