DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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A…, Lda., com sede na …, … –…, …, pessoa coletiva com o n.º …, pertencente ao Serviço de Finanças de Vila Franca de Xira -…, veio, nos termos do disposto nos artigos 99.º, al. a), do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), 2.º, n.º 1, al. a) e 10.º, n.os 1, al. a), e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a anulação dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa bem como do indeferimento tácito do Recurso Hierárquico interposto do indeferimento daquela Reclamação Graciosa relativa às autoliquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014, objeto da Liquidação n.º 2014 … e da Liquidação n.º 2015 …, respetivamente.
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Formula assim o pedido:
a) “(...) devem ser anulados os atos de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa e de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, bem como ser anuladas as autoliquidações de IRC com os n.ºs 2014 … e 2015 …, referente aos períodos de tributação de 2013 e 2014, respetivamente, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução do SIFIDE;
b) Subsidiariamente, ser anulados os atos de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa e de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, bem como ser anuladas as autoliquidações de IRC com os n.ºs 2014 … e 2015 …, referente aos períodos de tributação de 2013 e 2014, respetivamente, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução dos PEC;
c) Ser a AT condenada ao reembolso dos montantes de €127.872,78 e de €59.853,93, referentes a tributação autónoma paga, respetivamente nos períodos de tributação de 2013 e 2014, com fundamento na não dedução do SIFIDE;
d) Subsidiariamente, ser a AT condenada ao reembolso do montante de €140.000,00, referente a tributação autónoma paga nos períodos de tributação de 2013 e 2014, com fundamento na não dedução dos PEC à coleta apurada, ou, no caso de a impugnação das liquidações de IRC de 2011 e 2012 ser julgada improcedente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral apresentado nesta mesma data e cujo n.º de processo a Impugnante informará os autos logo que do mesmo tenha conhecimento, ser a AT condenada ao reembolso do montante de €280.000,00, referente a tributação autónoma paga nos períodos de tributação de 2011 a 2014, com fundamento na não dedução dos PEC;
e) Ser a AT condenada, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT, no pagamento de juros indemnizatórios à ora impugnante, vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida”).
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A fundamentar o seu pedido alegou a Requerente:
A Impugnante é uma empresa que disponibiliza produtos e serviços para satisfação das necessidades de armazenamento de energia do mercado industrial e de transportes, possuindo uma vasta experiência, os meios avançados de desenvolvimento e investigação, bem como o conhecimento e a capacidade de oferecer todo o tipo de soluções para o armazenamento de energia.
Pertencente ao Grupo B…, um dos maiores fabricantes e distribuidores mundiais de baterias, a Impugnante é, em Portugal, uma entidade sujeita e não isenta de IRC.
Assim, e nos períodos de tributação em causa – 2013 e 2014 - a Impugnante efetuou as correspondentes autoliquidações de IRC, tendo apresentado as declarações Modelo 22 respetivamente em 22 de Agosto de 2014 e 21 de Agosto de 2015, nas quais apurou prejuízo fiscal (cfr. documentos n.os 1 e 2, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
No âmbito da sua atividade, a Impugnante incorreu, nos referidos períodos de tributação, em gastos sujeitos a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), nos montantes de €127.872,78, em 2013, e €59.853,93, em 2014, as quais foram autoliquidadas e integralmente pagas (cfr. documentos n.os 3 e 4, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
Uma vez que a atividade desenvolvida pela Impugnante implica a realização de avultados investimentos relacionados com investigação e desenvolvimento, a mesma candidatou-se, nos períodos de tributação de 2009 a 2011, ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), tendo-lhe sido atribuídos créditos fiscais (cfr. documentos n.os 5 a 7, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).
Nos períodos de tributação de 2013 e 2014, a Impugnante efectuou os seguintes pagamentos especiais por conta (PEC) de IRC (cfr. documento n.º 8, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais):
Exercício
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Prestação
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Valor (€)
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2013
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1.ª Prestação
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35.000,00
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2.ª Prestação
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35.000,00
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2014
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1.ª Prestação
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35.000,00
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2.ª Prestação
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35.000,00
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Adicionalmente, por insuficiência de coleta, a impugnante liquidou o montante de €70.000,00, tanto em 2011, como em 2012, os quais se mantiveram em reporte nos exercícios de 2013 e 2014 (cfr. documento n.º 8).
Nos termos do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, as deduções referentes aos benefícios fiscais e ao PEC devem ser efetuadas até à concorrência da coleta de IRC apurada no período de tributação relevante.
Ora, nos períodos de tributação em causa - 2013 e 2014 -, a coleta de IRC correspondeu exclusivamente aos montantes apurados a título de tributação autónoma, uma vez que, como referido, a Impugnante apresentou prejuízos fiscais.
Por impossibilidade técnica da declaração Modelo 22 e do sistema informático utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), a Impugnante não conseguiu deduzir os montantes de SIFIDE e PEC à coleta apurada nos períodos de tributação de 2013 e 2014, os quais respeitaram exclusivamente aos montantes apurados (e pagos) a título de tributação autónoma.
A este propósito e relativamente aos PEC liquidados em 2011 e 2012, no montante total de €140.000,00, que se mantiveram em reporte em 2013 e 2014, a Impugnante apresentou, nesta mesma data, um pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade das liquidações de IRC de 2011 e 2012, com idênticos fundamentos aos que subjazem à presente lide, e cuja decisão a proferir poderá ter repercussões na presente impugnação.
Neste sentido, a Impugnante informará os presentes autos, assim que de tanto tiver conhecimento, qual o n.º de processo atribuído ao mencionado pedido de pronúncia arbitral, o qual deverá ser tido em consideração caso se conclua pela improcedência do pedido principal atinente à ilegalidade das liquidações de IRC de 2013 e 2014 por impossibilidade de dedução do SIFIDE.
Assim, face à factualidade acima descrita, a 28.03.2016, a Impugnante apresentou, na Direção de Serviços de IRC, uma reclamação oficiosa das autoliquidações de IRC, referente aos períodos de tributação de 2013 e 2014 (cfr. documento n.º 9, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Sucede que, chegado o dia 28.07.2016, coincidente com o termo do prazo para conclusão do procedimento tributário (cfr. artigo 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”)), a AT não proferiu qualquer decisão sobre a Reclamação Graciosa apresentado pela Impugnante, presumindo-se, para efeitos de recurso hierárquico, o respetivo indeferimento (cfr. artigo 57.º, n.º 5, da LGT).
1.º
O recurso hierárquico foi interposto a 22.08.2016 (cfr. documento n.º 10, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), pelo que, nos termos do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 66.º, n.º 5, ambos do CPPT, a respetiva decisão deveria ter ocorrido até ao dia 21 de outubro de 2016,
O que não se verificou,
Presumindo-se, consequentemente, o seu indeferimento tácito.
Contudo, decorrido o prazo legal de decisão da Reclamação Graciosa, veio a AT, a 21.09.2016, notificar a Impugnante do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. documento n.º 11, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Sendo que, não tendo a Impugnante apresentado pronúncia em sede de direito de audição, foi o mencionado projeto de decisão convolado em decisão definitiva de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, tomada por despacho da Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças, de 23.12.2016. (cfr. documento n.º 12, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
O qual foi notificado à Impugnante em 02.01.2017 (cfr. documento n.º 13, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
Sem, no entanto, fazer qualquer menção ao recurso hierárquico apresentado do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que então se havia já formado.
Pelo que, à cautela, constituem objeto do presente pedido de pronúncia arbitral a anulação não apenas do ato de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, datado de 23.12.2016, como igualmente o ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida nos termos regulamentares.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Juiz José Poças Falcão, o Dr. Hélder Faustino e o Dr. Armando Tavares, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo legal.
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As Partes devidamente notificadas, não manifestaram, nos termos e prazo legais, vontade de recusar a designação dos árbitros (artigo 11.º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico).
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 28.03.2017.
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Notificada, a AT apresentou resposta em que, contrariando a posição da demandante e defendendo as suas posições anteriores, considerou, no essencial, que atenta em especial a natureza e a razão de ser das tributações autónomas não é possível admitir, sob pena de subversão da ordem de valores e de contrariedade com os princípios constitucionais, a dedução de benefícios fiscais aos valores devidos de tributação autónoma, sob pena de descaracterização dos princípios que especificamente se pretendem prosseguir, quer com os incentivos, quer com as tributações autónomas. Trouxe ainda à colação a Jurisprudência do Tribunal Consitucional a partir do voto de vencido do Juiz Vítor Gomes no acórdão nº 204/2010, designadamente as decisões nºs 310/2012 de 20 de junho e 617/2017 (Plenário do TConst) de 19-12-2012 e 197/2016, de 13-04-2016.
II – SANEADOR
10. Este Tribunal arbitral é materialmente competente.
11. Não foram invocadas exceções.
12. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
13. Não se verificam nulidades, pelo que se impõe conhecer do mérito.
III. MÉRITO
MATÉRIA DE FACTO
§1. Factos provados
14. O Tribunal considera provados os seguintes factos:
a) A Requerente entregou para os períodos de tributação – 2013 e 2014 - as correspondentes autoliquidações de IRC, tendo apresentado as declarações Modelo 22 respetivamente em 22.08.2014 e 21.08.2015, nas quais apurou prejuízo fiscal (cfr. documentos n.º 1 e 2, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
b) No exercício de 2013 a Requerente apurou um montante de imposto a pagar de €109.108,41, o qual resultou de uma coleta de tributações autónomas em IRC de €127.872,78, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante de €18.764,37 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
c) No exercício de 2014 a Requerente apurou um montante de imposto a pagar de €47.731,20, o qual resultou de uma coleta de tributações autónomas em IRC de €59.853,93, deduzida de retenções na fonte suportadas no montante de €12.122,73 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
d) Os valores mencionados foram autoliquidados e integralmente pagos (cfr. documentos n.º 3 e 4, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
e) A Requerente candidatou-se, nos períodos de tributação de 2009 a 2011, ao Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), tendo-lhe sido atribuídos créditos fiscais (cfr. documentos n.º 5 a 7, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
f) Nos períodos de tributação de 2011 a 2014, a Requerente efetuou pagamentos especiais por conta (PEC) de IRC no valor de €70.000/ano, correspondendo a um total de €280.000 relativo aos referidos quatro períodos de tributação (cfr. documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
g) A Requerente apresentou em 28.03.2016, na Direção de Serviços de IRC, uma reclamação oficiosa das autoliquidações de IRC, referente aos períodos de tributação de 2013 e 2014 (cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
h) Até ao dia 28.07.2016, coincidente com o termo do prazo para conclusão do procedimento tributário (cfr. artigo 57.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”), a AT não tinha proferido decisão sobre a Reclamação Graciosa apresentado pela Requerente [presumindo-se assim, para efeitos de recurso hierárquico, o respetivo indeferimento].
i) O recurso hierárquico foi interposto a 22.08.2016 (cfr. documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), pelo que, nos termos do disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 66.º, n.º 5, ambos do CPPT, a respetiva decisão deveria ter ocorrido até ao dia 21 de outubro de 2016, o que não se verificou [presumindo-se o indeferimento tácito].
j) A 21.09.2016, veio a AT notificar a Requerente do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa (cfr. documento n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
k) Não tendo a Requerente apresentado pronúncia em sede de direito de audição, foi o mencionado projeto de decisão convolado em decisão definitiva de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa, tomada por despacho da Senhora Chefe de Divisão da Direção de Finanças, de 23.12.2016. (cfr. documento n.º 12, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), o qual foi notificado à Impugnante em 02.01.2017 (cfr. documento n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).
l) Em 18.01.2017 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
§ 2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
§ 3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Foi ponderado na fixação do sobredito quadro factual o princípio de que o juiz (árbitro ou Tribunal) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor (cfr. artºs.596.º, nº.1 e 607.º, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do CPPT).
Foi considerado ainda que, à luz do princípio o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº.607, nº.5, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. art.º.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
No caso sub juditio, a convicção do Tribunal fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes em sede de facto, na cópia do Processo Administrativo junta pela AT e no teor dos documentos anexos aos autos e não impugnados.
III.2. MATÉRIA DE DIREITO
§1. Questões decidendas
Pretende-se, em síntese, submeter à apreciação do Tribunal a questão da aplicação (ou não) do disposto no artigo 90.º, do CIRC (redação da Lei nº 3-B/2010, de 28-4, aplicável no caso objeto dos autos) às tributações autónomas previstas no artigo 88º, do mesmo diploma, bem como ao pagamento especial por conta (PEC) e SIFIDE.
Subsidiariamente, pede a Requerente a anulação dos atos de indeferimento expresso da Reclamação Graciosa e de indeferimento tácito do Recurso Hierárquico, bem como das autoliquidações de IRC com os n.ºs 2014 … e 2015 …, referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014, respetivamente, na parte relativa à tributação autónoma, com fundamento na não dedução dos PEC, com condenação da AT ao reembolso dos montantes de €127.872,78 e de €59.853,93, referentes a tributação autónoma pagas, respetivamente nos períodos de tributação de 2013 e 2014, com fundamento na não dedução do SIFIDE e, ainda subsidiariamente, pede a condenação da AT na devolução do montante de €140.000,00, referente a tributação autónoma paga nos períodos de tributação de 2013 e 2014, com fundamento na não dedução dos PEC à coleta apurada, ou, citando, “(...)no caso de a impugnação das liquidações de IRC de 2011 e 2012 ser julgada improcedente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral apresentado nesta mesma data e cujo n.º de processo a Impugnante informará os autos logo que do mesmo tenha conhecimento, ser a AT condenada ao reembolso do montante de €280.000,00, referente a tributação autónoma paga nos períodos de tributação de 2011 a 2014, com fundamento na não dedução dos PEC (...)”;
Por outras palavras e em síntese: do que se trata essencialmente é de apreciar a questão da (des)consideração da coleta decorrente das tributações autónomas para efeitos do limite das deduções previstas no artigo 90.º, do CIRC.
Vejamos:
A Requerente defende que tem direito a deduzir os valores pagos a título de pagamento especial por conta e SIFIDE à coleta de IRC produzida por tributações autónomas nos exercícios de 2011 a 2014.
O sistema informático da AT, através do qual é autoliquidado o IRC, não permite que os contribuintes deduzam, para efeitos do apuramento do IRC por si devido, ao imposto resultante das tributações autónomas apuradas os montantes de pagamentos especiais por conta e os montantes de benefício fiscal do SIFIDE.
A Requerente apresentou reclamação graciosa das autoliquidações efetuadas com base nas declarações modelo 22 relativas aos anos de 2012 e 2013, defendendo, em suma, que poderiam ser deduzidas aos montantes devidos a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que efetuou previstos no SIFIFE.
A Autoridade Tributária e Aduaneira indeferiu a reclamação graciosa.
As questões que são objeto do presente processo são, em primeira linha, as de saber se são dedutíveis às quantias devidas a título de tributações autónomas as quantias pagas a título de pagamentos especiais por conta e os investimentos que a Requerente efetuou abrangidos pelo SIFIDE.
Começar-se-á por apreciar esta questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação de tributações autónomas, pois da sua solução depende a apreciação da questão da dedutibilidade do SIFIDE e dos pagamentos especiais por conta à coleta daquelas tributações autónomas.
Questão da aplicação do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas
Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redação dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril e que é aplicável ao caso dos autos:
Artigo 89.º
Competência para a liquidação
A liquidação do IRC é efetuada:
a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;
b) Pela Direcção-Geral dos Impostos, nos restantes casos.
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
1 - A liquidação do IRC processa-se nos seguintes termos:
a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º,tem por base a matéria coletável que delas conste;
b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;
c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.
2 – Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:
a) A correspondente à dupla tributação internacional;
b) A relativa a benefícios fiscais;
c) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;
d) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.
3 – (Revogado pela da Lei n.º 3-B/10)
4 – Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.
5 – As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
7 – Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.
8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efetuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.
9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efetuadas anualmente liquidações com base na matéria coletável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria coletável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.
10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.
Assinale-se desde já que a questão essencial não está em saber se as tributações autónomas são ou não IRC sendo claro que a liquidação das tributações autónomas se efetua com base nos artigos 89.º e 90.º n.º 1 do Código do IRC mas, na verdade, aplicando regras diferentes para o cálculo do imposto:
(1) num caso a liquidação opera, mediante a aplicação das taxas do artigo 87.º à matéria coletável apurada de acordo com as regras do capítulo III do Código e
(2) no outro caso, são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma.
Daqui resulta que o montante apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 90.º não tem um carácter unitário, já que comporta valores calculados segundo regras diferentes, a que estão associadas finalidades também diferenciadas, pelo que as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte da coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, por forma a ser mantida a coerência da estrutura conceptual do regime-regra do imposto.
Conclui-se daqui, se bem se entende, que não há sequer controvérsia entre as Partes quanto à aplicação do artigo 90.º do CIRC à liquidação das tributações autónomas, limitando-se a divergência à forma de proceder à liquidação, pois a Autoridade Tributária e Aduaneira entende, se bem entendemos, que são apuradas diversas coletas consoante a diversidade dos factos que originam a tributação autónoma e as deduções previstas nas alíneas do n.º 2 só podem ser efetuadas à parte do coleta do IRC com a qual exista uma correspondência direta, entendendo que ela não se verifica em relação à coleta do IRC que resulta das tributações autónomas.
De qualquer forma, os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.
Desde logo – reafirma-se -, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral (grande parte dela citada pela própria Requerente) e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC.
De resto, para além da unanimidade da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redação da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.
Pois bem, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código, incluindo a liquidação adicional (n.º 10).
Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.
Assim, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respetivas taxas.
Mas, as formas de liquidação que se preveem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.
No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias coletáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria coletável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).
Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias coletáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º.
De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efetuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias coletáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.
Aliás se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».
Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não verdadeiramente interpretativa, em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores».
Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que parece ser inquestionável que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.
Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável, nos termos referidos, à liquidação de tributações autónomas, ou seja, com apuramento de forma autónoma e distinta do processado nos termos do citado artigo 90º.
A questão da dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE às quantias devidas a título de tributações autónomas
Compulsadas a normas que regem o sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial[1], vulgo SIFIDE, nas circunstâncias de tempo que relevam para os presentes autos, verificamos que, segundo o artigo 4º (Âmbito da dedução) do diploma:
«Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base – 32,5% das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental – 50% do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euros) 1 500 000.
2 – (...)
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».
O SIFIDE permite às empresas a obtenção de um benefício fiscal, em sede de IRC, proporcional à despesa de investimento em investigação e desenvolvimento (ao nível dos processos, produtos e organizacional) que consigam evidenciar, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido (cfr. Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 82/2013 de 17 de Junho e Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro.[2]
O SIFIDE visa aumentar a competitividade das empresas, apoiando o seu esforço em Investigação e Desenvolvimento através da dedução à coleta do IRC das respetivas despesas.
Foi criado como medida de estímulo à participação do setor empresarial no esforço global de investigação e desenvolvimento. A experiência resultante da sua aplicação permite concluir que este mecanismo tem contribuído para um incremento efetivo da atividade de investigação e desenvolvimento por parte das empresas portuguesas.
Este sistema de incentivo passou por diversas revisões. No regime vigente a partir de 2011 (SIFIDE II) a introdução de algumas alterações à legislação até então em vigor visou tornar esse regime mais atrativo para as empresas.
O benefício a obter com o SIFIDE II traduz-se na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, um montante de crédito fiscal que resulta do somatório das seguintes parcelas:
• Taxa base: 32,5% das despesas realizadas no exercício;
• Taxa incremental: 50% do acréscimo das despesas realizadas no exercício face à média aritmética simples das despesas realizadas nos dois exercícios anteriores, até ao limite de €1.500.000.
Ou seja: trata-se, no essencial, na possibilidade de deduzir à coleta de IRC apurada no exercício, o montante de crédito fiscal verificado. As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício imediato.
A questão prévia a este respeito e tendo em vista o objeto do litígio, é a de saber como calcular o montante a que alude o artigo 90.º, do CIRC a que deve então ser deduzido o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, numa dupla percentagem: 32,5% das despesas realizadas no período de tributação e 50% do acréscimo das despesas realizadas no período de tributação em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de €1.500.000.
Subsumindo:
Pretende a requerente que os créditos fiscais que lhe foram reconhecidos em sede de SIFIDE sejam deduzidos à coleta produzida pelas tributações autónomas que a oneraram nos respetivos exercícios fiscais.
Ora compulsadas a normas que regiam o SIFIDE II, constata-se que, segundo o artigo 4º (Âmbito da dedução) do diploma em conjugação com o artigo 90º, do CIRC, os valores que traduzam o benefício fiscal em sede de SIFIDE são deduzidos “aos montantes apurados nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência” (sublinhados nossos) e na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizem as despesas para o efeito elegíveis e que, na falta ou insuficiência de coleta apurada nesses termos, as despesas que não possam ser deduzidas no exercício em que forem realizadas «poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato».
Pois bem, a coleta a que se refere o artigo 90.º quando a liquidação deva ser feita pelo contribuinte (situação que ocorre nos autos), é apurada com base na matéria coletável que conste nessa liquidação/autoliquidação [cfr. artigo 90.º, n.º 1, alínea a) do CIRC].
Deste modo, o crédito em que se traduz o SIFIDE é deduzido apenas à coleta assim apurada, ou seja, à coleta apurada com base na matéria coletável (cfr. artigo 5.º, alínea a), da citada Lei reguladora do SIFIDE) e não à coleta resultante das tributações autónomas.
Ou seja: existe um impedimento legal expresso no Código do IRC para que os créditos dele (SIFIDE) decorrentes sejam deduzidos às tributações autónomas.
As tributações autónomas
Relativamente às tributações autónomas em si, reafirma-se que estas são apuradas de forma autónoma e distinta do apuramento processado nos termos do artigo 90.º do CIRC.
Conforme decidido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 310/2012, IRC e tributação autónoma são impostos distintos, com diferente base de incidência e sujeição a taxas específicas. O IRC incide sobre os rendimentos obtidos e os lucros diretamente imputáveis ao exercício de uma certa atividade económica, por referência ao período anual, e tributa, por conseguinte, o englobamento de todos os rendimentos obtidos no período tributação. Pelo contrário, na tributação autónoma em IRC - segundo a própria jurisprudência constitucional (cfr., v. g., Acórdão n.º 617/2012 (Plenário) -, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, caracterizando-se como um facto tributário instantâneo que surge isolado no tempo e gera uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Por isso se entende que estamos perante um imposto de obrigação única, por contraposição aos impostos periódicos, cujo facto gerador se produz de modo sucessivo ao longo do tempo, gerando a obrigação de pagamento de imposto com caráter regular.
Assim é que a tributação autónoma, embora prevista no CIRC e liquidada, como se viu, conjuntamente com o IRC para efeitos de cobrança, nada tem a ver com a tributação do rendimento ou com os lucros imputáveis ao exercício económico da empresa, uma vez que incide sobre certas despesas que constituem factos tributários autónomos que o legislador, por razões de política fiscal, quis tributar separadamente mediante a sujeição a uma taxa predeterminada que não tem qualquer relação com o volume de negócios da empresa (cfr. Acórdão do STA de 12 de abril de 2012, Processo n.º 77/12).
Desenvolvendo e historiando melhor a questão da natureza das tributações autónomas e o seu grau de conexão com o IRC:
Há que recuar ao ano de 1990 para encontrar a primeira intervenção do legislador no sentido de sujeitar determinadas despesas a tributação autónoma e que ocorreu com a publicação do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de junho, cujo artigo 4.º previa que «as despesas confidenciais ou não documentadas efetuadas no âmbito do exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respetivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.»
Esta norma foi objeto de diversas alterações posteriores que, sucessivamente, procederam ao aumento da taxa de tributação nela prevista.
Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado, incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedessem à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionam não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.
Saldanha Sanches (Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pág. 407), a propósito da tributação autónoma prevista no artigo 81.º, n.º 3, do CIRC, escreveu o seguinte: “(...)Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de interseção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou a distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objeto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de €40 000 (artigo 81.º, n.º 4).
Com esta previsão, o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresariais ou viaturas em princípio demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos a uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas, sim, um custo transformado – excecionalmente – em objeto de tributação (...)” (sublinhado nosso).
Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC).
Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso).
Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa.
Neste caso estamos perante um tributo de obrigação única, incidindo sobre operações que se produzem e esgotam de modo instantâneo, em que o facto gerador do tributo surge isolado no tempo, originando, para o contribuinte, uma obrigação de pagamento com caráter avulso. Ou seja, as taxas de tributação autónoma aqui em análise não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida “taxa” ser efetuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado.
Por esta razão, Sérgio Vasques (Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2011, pág. 293, nota 470) chama a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única, como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC (sublinhado nosso).
As tributações autónomas, de acordo com a sua regulamentação inicial, constituíram como que um sucedâneo do regime da não dedutibilidade anteriormente previsto no CIRC.
Com efeito, na sua génese estava a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo as tributações autónomas uma forma alternativa e mais eficaz de correção dos custos sempre que se trate de áreas mais propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, despesas com viaturas, etc.).
Assim, não seria razoável, antes até contrário ao motivo que levou o legislador a tributar autonomamente aquelas despesas que, através da sua dedução ao lucro tributável a título de gastos, fosse eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.
A jurisprudência arbitral tem decidido no sentido de que as tributações autónomas pertencem, por regra, sistematicamente, ao IRC, e não ao IVA, ao IRS, ou a um qualquer outro imposto do sistema fiscal português. É o caso, entre outros, das decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 166/2014-T, 246/2013-T, 260/2013-T, 282/2013-T, 6/2014-T, 36/2014-T e 697/2014-T, 727/2015-T, 785/2015-T.
Estão, por isso, as tributações autónomas fortemente ligadas aos sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento respetivo, e, mais especificamente, à atividade económica e empresarial por eles levada a cabo. Do que se trata nessa sede é, com efeito, de tributação certas despesas ou encargos (gastos), vistas estas na sua relação com a ideia geral de lucro real e efetivo e a tributação do rendimento.
Com efeito, parece-nos fora de dúvida que o mecanismo de tributação autónoma do conjunto das realidades previstas no artigo 88.º do CIRC visa, primacialmente, acautelar os equilíbrios gerais do próprio sistema fiscal, os equilíbrios específicos do IRC e a receita do próprio imposto. Isto é, visa impedir que através da relevação significativa de encargos como os previstos no artigo 88.º, se não introduzam entorses afetadoras do sistema e a expetativa sobre o que deverá ser a receita “normal” do imposto não saia gorada (sublinhado nosso). Ou seja: do que se trata é de desincentivar a realização / relevação dessas despesas, desde logo porque, pela sua natureza e fins, elas podem ser mais facilmente objeto de desvio para consumos que, na essência, são privados ou correspondem a encargos que não deixam de ter, também, como finalidade específica e última, o evitamento do imposto. Realidades que apresentam alguma medida de censurabilidade já que, não violando diretamente a lei, geram desequilíbrios sensíveis e importantes sobre a ideia geral de justiça, sobre o dever fundamental de contribuir na proporção dos seus haveres, da igualdade, do sacrifício, da proporcionalidade da medida do imposto em face das manifestações possíveis de riqueza, da tributação do rendimento real e da justiça.
Funcionando de um modo diferente do que constitui o escopo essencial do IRC – que tributa os rendimentos – as tributações autónomas, reafirma-se, tributam certas despesas ou encargos específicos – e constituem uma realidade instrumental, acessória desse imposto, na justa medida em que é em função dele que foram instituídas e são, por isso, passíveis de lhes ser reconhecida uma instrumentalidade ou acessoriedade de fins, radicada na salvaguarda dos fins do próprio imposto onde se manifestam.
Tem-se assim como certo que as tributações autónomas não constituem IRC em sentido estrito mas encontram-se a este (IRC) imbricadas, devendo conter-se nos “outros impostos” de que nos dá conta a parte final da alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC [redação então vigor e atual artigo 23.º-A/1-a), do CIRC) (sublinhado nosso)].
Como se ponderou em relativamente recente acórdão do Tribunal Constitucional em recurso de decisão arbitral tributária, “(...)a tributação autónoma, embora regulada normativamente em sede de imposto sobre o rendimento, é materialmente distinta da tributação em IRC, na medida em que incide não diretamente sobre o lucro tributável da empresa, mas sobre certos gastos que constituem, em si, um novo facto tributário (que se refere não à perceção de um rendimento mas à realização de despesas). E, desse modo, a tributação autónoma tem ínsita a ideia de desmotivar uma prática que, para além de afetar a igualdade na repartição de encargos públicos, poderá envolver situações de menor transparência fiscal, e é explicada por uma intenção legislativa de estimular as empresas a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afetem negativamente a receita fiscal (...)” [cfr. Acórdão n.º 197/2016 do Tribunal Constitucional, in DR, 2.ª Série, n.º 99, de 23 de maio de 2016] .
Revelações dessa ligação de funcionalidade, e no quadro da intenção do legislador no seu todo, sobressaem, por exemplo da disciplina do artigo 12.º do CIRC a propósito das entidades sujeitas ao regime da transparência fiscal, ao não as tributar em IRC, “salvo quanto às tributações autónomas”, relação essa que igualmente se manifesta face ao n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, no sentido em que as taxas de tributação autónoma têm em consideração o facto do sujeito passivo apresentar ou não prejuízo fiscal.
“Embora formalmente inserida no CIRC e o montante que permita arrecadar seja liquidado no seu âmbito e a título de IRC, a norma em causa respeita a uma imposição fiscal que é materialmente distinta da tributação nesta cédula, (….). Com efeito, estamos perante uma tributação autónoma, como diz a própria letra do preceito. E isso faz toda a diferença. Não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesas em si mesmas, pelas compreensíveis razões de política fiscal que o acórdão aponta.
Deste modo, o facto revelador de capacidade tributária que se pretende alcançar é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para este efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período, sendo irrelevante que esta parcela de imposto só venha a ser liquidada num momento posterior e conjuntamente com o IRC (...)” [voto do Juiz do Tribunal Constitucional Vítor Gomes no Acórdão desse Tribunal proferido no Processo n.º 2014/2010. Este entendimento foi ulteriormente confirmado ou reiterado pelo Acórdão do Plenário do TC n.º 617/2012 - processo n.º 150/12, de 31/1/2013 e no Acórdão n.º 197/2016- processo n.º 465/2015, para além do citado Acórdão n.º 197/2016].
Foi igualmente reconhecido pela jurisprudência do STA (2.ª secção, processo 830/11, de 21-03-2012) “que sob a designação de tributações autónomas se escondem realidades muito diversas, incluindo, nos termos do n.º 1 do (então) art.º 81.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas, que são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, que será elevada para 70%, nos casos de despesas efetuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola (n.º 2 do [então] art.º 81.º) e que não são consideradas como custo no cálculo do rendimento tributável em IRC.
Refira-se contudo que já as despesas de representação e as relacionadas com viaturas ligeiras, nos termos do disposto no (então) art. 81.º n.º 3 do CIRC e ajudas de custo estão afetas á atividade empresarial e “indispensáveis” pelo que são fiscalmente aceites nalguns casos ainda que dentro de certos limites.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 18/11, diz-nos que existem factos sujeitos a tributação autónoma, que correspondem a “encargos comprovadamente indispensáveis à realização dos proveitos” e que por isso a proibição da aplicação retroativa da lei nova não se aplica, pois tais encargos teriam sido incorridos independentemente do regime fiscal aplicável: isto significa que a tributação autónoma também recai sobre encargos que correspondem ao núcleo do conceito de rendimento real, rendimento líquido e cumprimento de obrigações contabilísticas. Este argumento do Tribunal Constitucional, a propósito da aplicação retroativa da lei fiscal às tributações autónomas (e esta matéria da aplicação da lei no tempo não cabe no objeto desta decisão), interessa-nos apenas salientar que o Tribunal reconhece que este regime constitui uma limitação à tributação do rendimento real (a qual é garantida pelo art.º 104.º n.º 2 da CRP).
No acórdão n.º 310/12, de 20 de Junho (Relator João Cura Mariano), o Tribunal Constitucional vem reformular a doutrina do Acórdão n.º 18/11, aproximando-se do citado voto de vencido do Juiz Vítor Gomes e do Acórdão do STA n.º 830/11, todos citados nos parágrafos anteriores, nos termos seguintes: “(...) Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efetuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
Assim, e no caso do IRC, estamos perante um imposto anual, em que não se tributa cada rendimento percebido de per si, mas sim o englobamento de todos os rendimentos obtidos num determinado ano, considerando a lei que o facto gerador do imposto se tem por verificado no último dia do período de tributação (cfr. artigo 8.º, n.º 9, do CIRC). Já no que respeita à tributação autónoma em IRC, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo. Esta característica da tributação autónoma remete-nos, assim, para a distinção entre impostos periódicos (cujo facto gerador se produz de modo sucessivo, pelo decurso de um determinado período de tempo, em regra anual, e tende a repetir-se no tempo, gerando para o contribuinte a obrigação de pagar imposto com caráter regular) e impostos de obrigação única (cujo facto gerador se produz de modo instantâneo, surge isolado no tempo, gerando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento com caráter avulso). Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto, é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora, o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerados, se venha a efetuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efetuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de caráter duradouro. Essa operação de liquidação traduz-se apenas na agregação, para efeito de cobrança, do conjunto de operações sujeitas a essa tributação autónoma, cuja taxa é aplicada a cada despesa, não havendo qualquer influência do volume das despesas efetuadas na determinação da taxa (...)”
Analisada ainda sob outro prisma, haverá que considerar as tributações autónomas no contexto de normas anti-abuso específicas e a sua similitude com o regime previsto sob o n.º 1 do artigo 65.º do CIRC, na redação de 2011 (“não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizada e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado”).
Visando as tributações autónomas reduzir a vantagem fiscal alcançada com a dedução ao lucro tributável dos custos sobre os quais incide e ainda combater a evasão fiscal que este tipo de despesas, pela sua natureza, potencia, não poderá ser ela mesma através da sua dedução ao lucro tributável a título de custo do exercício constituir fator de redução dessa diminuição de vantagem pretendida e determinada pelo legislador.
Concluindo: as tributações autónomas, que incidem sobre encargos dedutíveis em IRC, integram o regime e são devidas a título deste imposto, não constituindo as despesas com o pagamento daquelas tributações encargos dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável.
Este entendimento foi legal e mais recentemente clarificado pelo artigo 3.º da Lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, que aditou o artigo 23.º A) ao CIRC (ao mesmo tempo que o seu artigo 13.º revogou o artigo 45.º), com a seguinte redação:
Artigo 23.º A)- Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
“1. Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:
a) o IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”.
Não subsistindo dúvidas quanto ao carácter interpretativo do preceito transcrito, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, na prática, tal norma, vem expressar o que o legislador sempre entendeu e continua a entender, ou seja que os encargos decorrentes com o custo associado às tributações autónomas, não releva para efeitos de apuramento do lucro tributável.
Assim é que, no caso sub juditio, não se antolha qualquer violação pela AT das regras de procedimento e/ou de forma de liquidação previstas no artigo 90.º, do CIRC com a desconsideração, para o efeito, das tributações autónomas liquidadas e pagas pela requerente.
Daí que não ocorra a pretendida ilegalidade no cálculo da coleta relativa a IRC nos exercícios da requerente de 2013 e 2014 para efeitos da dedução das sobreditas despesas elegíveis no âmbito do SIFIDE.
A evolução do PEC – Pagamento Especial por conta de IRC devido a final e seu regime
A génese e a evolução do PEC desenvolvem-se em três estádios, designadamente (i) o regime que vai do seu nascimento até ao ano 2000; (ii) o regime aplicável aos exercícios de 2001 e 2002; e o regime subsequente que vigora até hoje.
Na sua versão inicial o PEC foi apresentado como ferramenta de melhoria do sistema, que era e é muito baseado na declaração dos rendimentos pelos contribuintes. A sua introdução no sistema fiscal foi simultânea com a redução da taxa geral do IRC em dois pontos percentuais. A ocorrência dos dois factos não é coincidência; por um lado, reduziu-se a taxa aplicável aos contribuintes pagadores de imposto; através do PEC promoveu-se o pagamento especial de quantia a título de imposto, ainda que a título provisório, pelos sujeitos passivos que apesar de continuarem a desenvolver a sua atividade ano após ano, persistiam em declarar rendimentos negativos ou nulos, escapando à tributação efetiva. É pois, como medida de combate às “práticas evasivas de ocultação de rendimentos ou de empolamento de custos” que o PEC foi justificado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 44/98, de 3 de março, que o instituiu.
A provisoriedade do pagamento do imposto residia afinal na possibilidade de deduzir as quantias pagas como PEC ao IRC apurado nos termos gerais, fixados no artigo 71.º do CIRC então vigente (do qual ainda não faziam parte as tributações autónomas), embora essa dedução só fosse possível se apesar dessa operação o valor do imposto a pagar fosse positivo (71.º-6 CIRC.1998). Não havendo IRC a pagar nos termos gerais, o valor do PEC satisfeito podia ser reportado para o exercício seguinte (74.º-A-1) ou reembolsado mais tarde (74.º-A-2). Procurava-se assim garantir que a generalidade dos sujeitos passivos satisfizesse valor por conta do IRC, calculado provisoriamente sobre o volume de negócios do exercício anterior (83.º-A). No fundo ficcionava-se que todas as empresas teriam por tendência um lucro tributável, calculado de acordo com os parâmetros gerais, equivalente a 1% do seu volume de negócios do ano anterior, acertando-se posteriormente a conta, se assim não fosse.
Tal como bem se faz notar no Acórdão Arbitral proferido no Proc. 722/2015-T, do CAAD, que aqui seguimos de perto, a reforma do IRC operada em 2000-2001 através da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, reduziu o caráter de pagamento por conta que o imposto tinha, impedindo o seu reembolso enquanto o contribuinte se mantivesse em atividade e impôs que o reporte das quantias satisfeitas fosse feito apenas até ao quarto exercício subsequente (74.º-A-1 CIRC/2001). Desta norma restritiva resulta, pela primeira vez, a possibilidade do PEC se transformar em coleta mínima (neste sentido, TERESA GIL, Pagamento Especial por Conta, Revista Fisco. Ano XIV, (março 2003), n.º 107-108, p. 12) quando não fosse possível deduzir as quantias satisfeitas, por esgotamento do período de reporte. Em síntese, é possível afirmar que as alterações introduzidas nesta reforma não só mantiveram como acentuaram a tónica de combate à evasão fiscal que tinha animado a introdução do PEC. Apesar de nesta ocasião as “tributações autónomas” terem sido introduzidas no CIRC, não foi previsto qualquer mecanismo de articulação entre os dois instrumentos.
A terceira configuração do PEC é introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que no seu artigo 27.º introduziu um novo regime da dedutibilidade do PEC no artigo 87.º, n.º3, do CIRC, repondo a possibilidade de reembolso das quantias entregues a título de pagamento especial por conta e não abatidas na liquidação anual de IRC. Manteve-se ainda aqui o caráter de medida de perseguição da evasão fiscal, embora se tenha aligeirado, sem o abolir completamente, o cunho de coleta mínima, face aos apertados condicionalismos impostos para o reembolso.
Dispõe o artigo 104.º do CIRC que: “As entidades que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, devem proceder ao pagamento do imposto nos termos seguintes:
a) Em três pagamentos por conta, com vencimento em Julho, Setembro e 15 de Dezembro do próprio ano a que respeita o lucro tributável ou, nos casos dos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, no 7.º mês, no 9.º mês e no dia 15 do 12.º mês do respectivo período de tributação;”
(…)
E o art.º 106.º do CIRC dispõe: “Sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º, os sujeitos passivos aí mencionados ficam sujeitos a um pagamento especial por conta, a efetuar durante o mês de Março ou em duas prestações, durante os meses de Março e Outubro do ano a que respeita ou, no caso de adoptarem um período de tributação não coincidente com o ano civil, nos 3.º e 10.º meses do período de tributação respetivo.”
Do que antecede resulta a obrigatoriedade, para os sujeitos passivos de IRC, de efetuar pagamentos por conta do IRC que será devido a final. Como é sabido, a técnica dos pagamentos por conta consiste, no geral, num mero mecanismo de antecipação do imposto que venha a ser devido a final. Trata-se, como é pacificamente aceite e se salientou no Ac. Arbitral proferido no proc. 722/2015-T do CAAD, e noutras, “de um meio que tem vantagens para o Estado pois permite-lhe antecipar o recebimento do imposto, ao mesmo tempo que assegura a sua coleta no momento ou à medida que o rendimento se produz, sem prejuízo do apuramento final e com observância do apuramento do que for devido segundo o método geral de tributação pelo lucro real.”
É verdade que a razão de ser dos pagamentos por conta e do pagamento especial por conta, partindo deste tronco comum - já que, inequivocamente, ambos são o produto de uma técnica tributária pela qual a coleta do imposto devido a final é antecipada – diverge pois, ainda assim, apresentam (no segundo caso), justificações algo diferenciadas. Ao passo que a razão de ser dos pagamentos por conta se esgotam, a nosso ver, nos fundamentos supra evidenciados, já o pagamento especial por conta, não perdendo essa finalidade de vista, tem ainda uma outra que se lhe adicionou. Com efeito, como bem se refere no Ac. Arbitral proferido no processo n.º 113/2015-T, “na doutrina e na jurisprudência o regime do PEC sempre foi tido como sistema para evitar a evasão fiscal e para garantir o pagamento de imposto por todas as empresas em atividade.” É, também isso que resulta do trabalho doutrinário desenvolvido pelo Tribunal Constitucional. No recorte que que lhe foi dado no CIRC, está também “indissociavelmente ligado à luta contra a evasão e fraude fiscais”, procurando garantir que os rendimentos manifestados pelos contribuintes “correspond[i]am ao rendimento tributável realmente auferido”. [cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional (plenário) n.º 494/2009 de 29-09-2009, processo n.º 150/12, disponível, como os demais citados, em < http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090494.html>.
Este Acórdão n.º 494/2009 do Tribunal Constitucional identifica múltiplos trabalhos científicos que se pronunciaram no mesmo sentido, como é o caso de Teresa Gil (ob. e loc. Citados), que deu conta das circunstâncias que rodearam a introdução do PEC, designadamente das dificuldades na aplicação do princípio da tributação pelo lucro real, constatadas face à “divergência que existe entre os lucros efetivamente obtidos e aqueles que são declarados pelas empresas e, portanto, objeto de tributação”.
Como se tem dito, e neste passo, fazemos nossas a síntese invocada na supra referida Decisão Arbitral, em que o regime atual do PEC é assim caracterizado por “(i) ter ligação indissociável à luta contra a evasão e fraude fiscais; (ii) ter sido introduzido no CIRC em março de 1998, antes das taxas de tributação autónoma que só passaram a fazer parte da sua sistemática na reforma de 2000-2001; (iii) na conceção do PEC previu-se a sua dedução à coleta na liquidação do IRC calculado sobre o rendimento real; (iv) a recuperação do crédito resultante do PEC está subordinada a condições de obtenção de rácios de rentabilidade próprios das empresas do sector de atividade em que se inserem ou à justificação da situação de crédito por ação de inspeção feita a pedido do sujeito passivo (87º-3 do CIRC).
Questão subsequente é a de saber se estas razões especiais são de molde a permitir que se deduza à coleta das tributações autónomas quer benefícios fiscais a que o contribuinte tenha direito, quer o próprio PEC. Quanto às primeiras já nos pronunciamos supra no sentido de tal impossibilidade. Quanto ao PEC o facto é que ele não é mais do que um pagamento por conta do IRC que será (presumivelmente) devido a final pelo sujeito passivo, ainda que com algumas caraterísticas especiais. E, logo assim, ele é IRC para todos os efeitos legais havendo, todavia, regras especiais para a sua devolução.
Ao contrário das tributações autónomas, que são coleta devida em razão de comportamentos que a lei deseja desincentivar e, por isso, penalizam a relevação de certos gastos pelas razões indicadas, no PEC do que se trata é de garantir que seja adiantado a título de IRC e sem prejuízo da sua dedução à coleta geral do imposto, apurada por efeito da operação de liquidação stricto sensu, certa medida do imposto.
Ora, como bem se refere no Acórdão Arbitral proc. 13/2015-T, “o PEC passou a fazer parte do sistema do IRC cuja liquidação foi concebida para apurar o imposto diretamente incidente sobre o rendimento declarado. Quando haja lugar a prejuízo fiscal o sujeito passivo tem ainda assim que suportar o PEC; essa foi aliás a razão da sua introdução. Se determinada empresa tiver sucessivamente prejuízos fiscais, suportará sistematicamente imposto, pois o sistema duvida da sua possibilidade de funcionamento em situação permanentemente deficitária, exigindo-lhe que satisfaça provisoriamente (por conta), determinado valor. Poderá reembolsá-lo se provar que essa situação é comum no seu setor de atividade ou se a AT verificar a regularidade das suas declarações. Este foi o equilíbrio que o CIRC exigiu para manter um sistema baseado nas declarações feitas pelos contribuintes.
Já o imposto resultante da tributação autónoma fundamenta-se tão só na perseguição à evasão fiscal por transferência de rendimento e tem o efeito dissuasor e compensatório. Se se permitir a dedução do PEC à coleta resultante da tributação autónoma, gorar-se-ão os propósitos do sistema em que a norma do 83.º-2-e CIRC se insere, pois o produto do pagamento especial por conta que deveria manter-se “estacionado” na titularidade da Fazenda Pública será afetado à extinção da dívida do sujeito passivo resultante das tributações autónomas, aligeirando assim a pretendida pressão para evitar a evasão fiscal “declarativa”. Existe efetivamente um conflito inconciliável entre a ratio do PEC – o combate à evasão ou a pressão para correção das declarações – e a afetação dos seus créditos à satisfação de outras obrigações que não sejam as que resultam do apuramento do IRC calculado sobre o resultado tributável.
Em termos práticos a possibilidade de dedução do PEC às tributações autónomas implicaria que mesmo que determinada empresa estivesse eternamente em situação de prejuízo, nenhum imposto sobre o seu rendimento real teria que suportar, enquanto aplicasse o PEC à satisfação das tributações autónomas. Para mais as próprias tributações autónomas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, citado) perderiam o seu caráter anti abuso, passando a confundir-se afinal com o imposto calculado sobre o lucro tributável. Ora não são esses os objetivos do sistema de tributação do rendimento das pessoas coletivas e a melhor interpretação da norma contida no artigo 83.º-2-e CIRC não é essa decididamente aquela que permite deduzir os pagamentos especiais por conta à coleta resultante da aplicação das taxas de tributação autónoma.”
Em suma, ponderáveis razões, derivadas das finalidades que se pretenderam alcançar legislativamente com a criação do pagamento especial por conta, justificam uma interpretação restritiva dos artigos 90.º, nº 1, e 93.º, n.º 3, do CIRC, em especial da referência que neste último se faz «ao montante apurado na declaração a que se refere o artigo 120.º do CIRC».
De realçar que este entendimento arbitral se encontra, mais uma vez, em sintonia com o novo n.º 21 do artigo 88.º do CIRC aditado, como vimos, pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, ao estabelecer que ao montante apurado das tributações autónomas não são «efectuadas quaisquer deduções» (sublinhado nosso).
Também, neste caso, o legislador se limitou a acolher, clarificando-a, uma solução que os tribunais, com o recurso às regras vigentes e por aplicação dos critérios de hermenêutica jurídica, estavam em condições de extrair do regime a aplicar, o que se limitou a fazer este coletivo, no caso dos autos.
Com efeito, embora o artigo 135.º atribua, como já ficou dito, natureza interpretativa ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, o que conjugado com o artigo 13.º do Código Civil conduz à sua aplicação retroativa, como ficou demonstrado da argumentação supra exposta, a solução encontrada por este coletivo não necessitou de fazer aplicação deste novo preceito.
No mesmo sentido vai o Acórdão Arbitral n.º 673/2015-T, onde a este propósito se concluiu igualmente, entre o mais, que a solução já resultava do teor literal do artigo 93.º, n.º1, do CIRC, “(…) sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, já que a interpretação restritiva é admissível quando haja razões ponderosas para concluir que o alcance do texto legal atraiçoa o pensamento legislativo ou é necessário optimizar a harmonização de interesses conflituantes que duas normas visam tutelar.”
Apreciados os factos e a pretensão da Requerente no sentido de ver deduzida à parte da coleta do IRC produzida pelas taxas de tributação autónoma do PEC efetuado em sede de IRC, à luz de tudo quanto vem exposto, tal pretensão não pode deixar de improceder.
Pelas razões supra expostas as pretensões da Requerente têm inevitavelmente que improceder, uma vez que as liquidações impugnadas cumprem com a legalidade uma vez que assentam em correta aplicação e interpretação das normas citadas.
Pedidos subsidiários
Formalmente um pedido subsidiário o que é apresentado ao Tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior (cfr. artigo 554.º-1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, do RJAT).
No caso sub juditio os “pedidos subsidiários” estão formulados não para serem tomados em consideração somente se vier a improceder o pedido principal mas apenas, se bem se entende, para a eventualidade de não serem sufragados pelo Tribunal determinados entendimentos ou interpretações da Lei ou prevenindo o eventual decaimento de pedido de pronúncia arbitral em alegado processo pendente.
Não há assim, em sentido formal e próprio, por um lado verdadeiros pedidos subsidiários e, por outro, nunca sequer a Requerente demonstrou sequer a pendência de outro processo arbitral e/ou a decisão nele proferida.
De todo o modo o enquadramento jurídico das questões suscitadas foi integral e anteriormente efetuado em moldes de prejudicar quaisquer outras considerações.
Quanto aos pedidos de reembolsos dos montantes de €127.872, 78 e de €59.853,93 [cfr. alínea c) do pedido] e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, da LGT [cfr. alínea e), do pedido], a apreciação e decisão sobre os mesmos fica prejudicada pela improcedência dos pedidos de anulação dos citados atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa e de indeferimento tácito [cfr. alíneas a) e b) do pedido de pronúncia arbitral.
III DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar improcedentes os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação dos atos de indeferimento expresso da reclamação graciosa e de indeferimento tácito do recurso hierárquico mencionados e, consequentemente, das autoliquidações de IRC nºs 2014 … e 2015 …, referentes aos períodos de tributação de 2013 e 2014 [cfr. alíneas a) e b), do pedido];
b) Julgar improcedentes e/ou prejudicados os pedidos de condenação da AT formulados em c), d) e e), do pedido e
c) Condenar a Requerente nas custas do processo.
Valor do processo
De conformidade com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97.º - A), n.º 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €187.126,71
Custas
Nos termos dos artigos 12.º n.º 2, 22.º nº. 4 do RJAT, e artigos 2.º e 4.º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em €3.672,00, a cargo da Requerente, conforme condenação supra.
Lisboa, 11 de setembro de 2017
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Hélder Faustino
(Árbitro Adjunto)
Armando Tavares
(Árbitro Adjunto)
[1] Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto para vigorar entre 2006 e 2010, Lei n.º 55-A /2010, de 31 de Dezembro (artigo 133.º) institui o SIFIDE II a vigorar entre 2011 e 2015, alterado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro.
[2] Importa referir, sucintamente, que o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial visa aumentar a competitividade das empresas, apoiando o seu esforço em Investigação e Desenvolvimento através da dedução à coleta do IRC das respetivas despesas. O SIFIDE foi criado em 1997 como medida de estímulo à participação do setor empresarial no esforço global de I&D. A experiência resultante da sua aplicação permite concluir que este mecanismo tem contribuído para um incremento efetivo da atividade de I&D por parte das empresas portuguesas. O sistema de incentivo passou por diversas revisões.
O SIFIDE II passou a vigorar a partir de 2011 com a introdução de algumas alterações à legislação que o tornam ainda mais atrativo para as empresas. A Lei do Orçamento do Estado para 2011 – Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterado posteriormente pela Lei 83-C/2013 de 31 de Dezembro, veio instaurar o SIFIDE II, que veio substituir o SIFIDE, com o objetivo de continuar a aumentar a competitividade das empresas, apoiando os seus esforços em I&D. O Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarias II, a vigorar no período de 2013 a 2020, visa apoiar as atividades de Investigação e de Desenvolvimento, relacionadas com a criação ou melhoria de um produto, de um processo, de um programa ou de um de um equipamento, que apresentem uma melhoria substancial e que não resultem apenas de uma simples utilização do estado atual das técnicas existentes.