Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 727/2016-T
Data da decisão: 2017-09-05  IRC  
Valor do pedido: € 4.708.434,57
Tema: IRC - dedução fiscal de menos-valia resultante de transmissão onerosa de partes de capital (artigo 23.º, n.º 5 do CIRC) - segunda liquidação adicional - audição prévia
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Acórdão Arbitral

 

Os árbitros José Baeta de Queiroz, presidente, Gustavo Lopes Courinha e João Menezes Leitão, vogais, que constituem o presente Tribunal Arbitral, acordam:

 

I. Relatório

 

1. A…, S.A., pessoa coletiva n.º…, com sede em…, Apartado …, …-… …, na qualidade de sociedade dominante do GRUPO B… sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (adiante designada como Requerente), apresentou em 06.12.2016, ao abrigo do disposto no artigo 2.º e no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações posteriores (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a seguir RJAT), pedido de pronúncia arbitral em matéria tributária, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), com vista à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016, do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, de 5 de agosto de 2016, todos praticados por referência ao exercício de 2012, do que resultou o valor a pagar de €4.708.434,57.

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, em conformidade com o previsto nos artigos 5.º, n.º 3, al. b), 6.º, n.º 2, al. b), 10.º, n.º 2, al. g) e 11.º, n.º 2 do RJAT, a Requerente designou como árbitro Gustavo Lopes Courinha.

 Nos termos do n.º 3 do artigo 11.º do mesmo RJAT, a Requerida indicou como árbitro João Menezes Leitão.

Os árbitros designados pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 6.º, n.º 2, al. b) e 11.º, n.º 6 do RJAT, com observância do prescrito pelo artigo 3.º, n.º 2, al. b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, designaram, por acordo, José Baeta de Queiroz como Árbitro-Presidente.

Em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, e conforme comunicação do Senhor Presidente do CAAD, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 6.03.2017.

 

3. No pedido de pronúncia arbitral (a seguir petição inicial ou PI), a Requerente peticiona (cfr. o petitório final) que seja “anulado o ato de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016, o ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e a correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, de 5 de agosto de 2016, todos praticados por referência ao exercício de 2012” pelos seguintes motivos (que se transcrevem do referido petitório final da PI):

por violação do artigo 23.º, n.º 5 do código do IRC por não estarmos perante uma operação tributária, nos termos da norma mas perante uma transmissão onerosa;

por violação do artigo 73.º da lei geral tributária, por sem prejuízo do acima exposto, estarmos perante uma presunção ilidível;

por violação dos artigos 13.º, 18.º e 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo do acima exposto, desrespeitando os princípios da liberdade de gestão fiscal, igualdade, capacidade contributiva, proporcionalidade, proibição do excesso;

por violação do artigo 13.º do regime jurídico da arbitragem tributária;

por violação do artigo 63.º, n.º 4 da lei geral tributária”.

Mais pede, consequentemente, que se determine “o reembolso à Requerente do valor indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor”.

 

4. A AT, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, apresentou resposta (a seguir abreviadamente R.), em que, por exceção, alegou a inimpugnabilidade do ato, com base em caso decidido/caso resolvido, e, por impugnação, peticionou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários impugnados.

 

5. Por despacho do Presidente do Tribunal Arbitral, foi agendada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT para o dia 23.5.2017, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, C… e D…, e da testemunha arrolada pela requerida, E…, e se procedeu à produção de alegações orais pelas partes, tudo conforme ata constante dos autos.

  Em conformidade com o n.º 2 do artigo 18.º do RJAT foi designado o dia 6.9.2017 para a prolação da decisão final.

 

II. Saneamento

 

6. O Tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é competente para julgar o pedido de pronúncia arbitral (artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT), as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março) e encontram-se devidamente representadas.

 

7. Foi invocada pela Requerida a exceção de caso decidido/resolvido relativamente à impugnabilidade da liquidação sub judice, cuja apreciação, por se conexionar com o vício invocado pela Requerente quanto à violação, por tal liquidação, do artigo 13.º do RJAT e depender da fixação da factualidade relevante, se realizará na sequência do julgamento da matéria de facto.

 

8. Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e de que cumpra conhecer de modo preliminar, pelo que se encontra o processo em condições de ser proferida decisão final.

 

III. Questões a decidir

 

9. Em termos gerais, a materia decidendi, conforme se extrai das peças processuais das partes, prende-se com apurar a legalidade dos atos de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016, de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e de demonstração de acerto de contas n.º 2016…, de 5 de agosto de 2016, que tiveram na sua base uma correção aritmética à matéria tributável de IRC de 2012 assente na aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 23.º do Código de IRC (na redação vigente ratione temporis), relativamente a menos-valia apurada com a transmissão onerosa de partes de capital, no montante de €17.691.831,71.

 

10. Em termos específicos – e tendo presente que, como é sabido, embora não tenha que analisar todos os argumentos que as partes invocam para sustentar a respetiva posição, incumbe ao Tribunal resolver as questões submetidas à sua apreciação, isto é, os problemas concretos que, tendo em conta o pedido, a causa de pedir e as exceções invocadas, é chamado a decidir no quadro do litígio, sem prejuízo de a resposta dada a alguma questão poder prejudicar o conhecimento e apreciação de outras –, para além da matéria excetiva atinente à invocação pela Requerida de caso decidido/resolvido já acima identificada, são as seguintes as questões a resolver, atentos os vícios de violação de lei imputados pela Requerente aos atos impugnados:

i) qualificação jurídica da liquidação de IRC n.º 2016 … impugnada nestes autos;

ii) preterição do direito de audição prévia previsto no art. 60.º, n.º 3 da Lei Geral Tributária (a seguir LGT);

iii) inadmissibilidade da liquidação sub judice nos termos do artigo 13.º, n.ºs 1 e 3 do RJAT em face da impugnação pela Requerente junto do CAAD em março de 2016 de primeira liquidação adicional de IRC relativa ao ano de 2012;

iv) infração do artigo 23.º, n.º 5 do Código do IRC (a seguir CIRC) por não estar preenchido o requisito da existência de uma transmissão onerosa;

v) infração do artigo 73.º da LGT por se estar perante uma presunção implícita ilidível;

vi) ilegalidade da liquidação impugnada por permitir, injustificadamente, diferente tratamento de idênticas operações no contexto de um grupo de sociedades ou na sua ausência, com infração do princípio da igualdade consagrado pelo art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (a seguir também CRP);

vii) infração dos artigos 13.º e 104.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (a seguir também CRP), por desrespeito dos princípios da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real, da proporcionalidade e da proibição do excesso;

viii) infração do artigo 63.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (a seguir também CPPT);

ix) reembolso do imposto pago e juros indemnizatórios.

 

IV. Decisão da matéria de facto e sua motivação

 

10. Examinada a prova documental produzida, quer a que foi apresentada com a PI[1], quer a que resulta do procedimento administrativo (que, indevidamente, não se mostra paginado) junto aos autos (a seguir PA), onde se inclui o Relatório de Inspeção Tributária (abreviadamente RIT), datado de 30.3.2015, relativo ao Grupo (igualmente junto como doc. n.º 8 à PI), e o RIT individual, datado de 26.12.2014, relativo à Requerente (igualmente constante como Anexo II ao doc. n.º 8 junto à PI), e apreciados os depoimentos testemunhais prestados, o Tribunal julga provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos:

 

I. A Requerente deduziu ao seu lucro tributável, na declaração de rendimentos de IRC – Mod. 22 relativa ao exercício de 2012, o montante de €17.691.831,71 correspondente a menos-valia fiscal que considerou gerada com a entrega da participação de 100% detida no capital social da F…, SA à G… SGPS, SA, detida em 100% pela Requerente, como forma de realizar o aumento de capital desta sociedade (referência constante do RIT de 26.12.2014 junto a fls. do PA e como Anexo II ao doc. n.º 8 junto à PI, pp. 7-8, resultante de indicação da própria Requerente, bem como factualidade reconhecida no art. 152.º da PI).

 

II. A Requerente foi objeto, por força da Ordem de Serviço n.° OI2014… de 17.4.2014, de procedimento de inspeção interna, relativo ao exercício de 2012, do qual resultou o RIT datado de 26.12.2014, sancionado por despacho de 30.12.2014 no mesmo aposto (com o seguinte teor: “Concordo com as conclusões do relatório”), que foi notificado pelo Ofício n.º … de 31.12.2014 (cfr. documento a fls. do PA e Anexo II ao doc. n.º 8 junto à PI).

 

III. O referido RIT, conforme documento a fls. do PA e Anexo II ao doc. n.º 8 junto à PI, refere o seguinte, que releva aqui transcrever (págs. 4, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 18 e 19):

I.4.1. CORREÇÕES AO NÍVEL DA MATÉRIA COLETÁVEL - IRC

I.4.1.1 Menos valia resultante de transmissão onerosa de partes de capital: 17.691.831,71 Euro

A A… SA deduziu lucro tributável, 17.691.831,71 Euro, correspondente a menos-valia fiscal queconsiderou gerada com a transmissão onerosa de partes de capital de uma associada a outra sociedade detida em 100% e que por isso se encontra em relação especial. Os gastos apurados comesta operação não são fiscalmente dedutíveis nos termos do n.° 5 do art. 23.° do CIRC (...).

I.4.2.  IMPOSTO EM FALTA-AUTOLIQUIDAÇÃO DE IRC

I.4.2.1. Regime Fiscal de Apoio Investimento (RFAI): 5.637.538,95 Euro

No campo 355 da declaração Mod.22 de 2012 a empresa invoca indevidamente o direito a crédito fiscal nos termos da al. b) do n.° 2 do art. 90.° do CIRC no valor de 5.637.538,95 Euro relativamente a RFAI e não dedutível em razão de:

I.4.2.I.I. Regime Fiscal de Apoio Investimento (RFAI) realizado em 2012: 16.714,16 Euro

 (...)

I.4.2.1.2. Regime Fiscal da Apoio ao Investimento (RFAI) - reporte de períodos anteriores: 5.620.824,79 Euro

(...)

II.1. CREDENCIAL E PERÍODO EM QUE DECORREU A AÇÃO

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014… de 2014-04-17, realizou-se procedimento de inspeção interna. (...).

III.1 CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL

III.1.1 Menos valia com transmissão onerosa de partes de capital: 17.691.831,71 Euro

Situação identificada

A empresa na declaração de rendimentos de IRC - Mod 22 reportada ao período de 2012 considerou, para efeitos da determinação do lucro tributável um ajustamento ao resultado contabilístico, a dedução de 17.691.831,71 Euro (Quadro 07, Campo 355) a titulo de menos-valia fiscal realizada com a entrega da participação na F…, SA (…) para realização do aumento de capitai da G… SGPS SA.

O valor deduzido resulta dos seguintes cálculos:

 

Valor declarado

Valor realização

258.878.091,69

 

 

Custo de aquisição inicial

378.432.618, 65

Custo de aquisição reembolsado

 

Custo de aquisição à data da operação

378.432.618, 65

Coeficiente de desvalorização monetária

1,04

Custo de aquisição atualizado

393.569.923, 40

 

 

Menos-valia fiscal apurada

-134.691.831,71

Dividendos distribuídos como reservas

117.000.000.00

Dividendos distribuídos

 

Total dividendos sujeitos ao art. 51º

117.000.000.00

 

 

Menos-valia fiscal, n.° 4 do art. 45°

-17.691.831,71

Questionada a empresa quanto à natureza da operação que gerou a menos-valia declarada quanto aos valores considerados nos cálculos e quanto ao enquadramento fiscal que considerou para a operação, a empresa indicou sucintamente que:

a. operação em análise

A operação que originou a menos-valia fiscal que a empresa considera dedutível consistiu na entrega da participação de 100% detida na F…, SA à G… SGPS, SA como forma de realizar o aumento de capital daquela sociedade.

b. valores recebidos da participada

Na aplicação do disposto no n.° 4 do art.º 45.° do CIRC, a empresa considera agora:

b1. Estar em falta dividendos distribuídos pela F… SA nos últimos 4 anos no valor de 12.000.000,00 Euro a título da distribuição do resultado de 2011 e;

b2. Ter indevidamente considerado como dividendos distribuídos o valor de 117.000.000 Euro recebidos na sequência da libertação do excesso de capital após redução do capital da sociedade por redução do valor nominal das ações ocorrida em 2012, e que considera agora corresponder à devolução do capital investido e não à distribuição de resultados.

Em resumo, em resultado das operações ocorridas no período de 2012 com a participação de 100% no Capital Social que a H…, SA da F…, SA, a primeira considerou na determinação do seu lucro tributável, uma perda fiscal de 17.691.837,71 Euro que pretende ver corrigida para o valor de 122.691.831,71 Euro após a análise que agora faz das mesmas operações.

Quanto ao enquadramento fiscal da operação, a empresa considera:

>  Ser inaplicável a limitação da menos valia realizada em 50% prevista no n.º 5 do art. 45.º do CIRC, porque a perda apurada corresponde à variação de justo valor da participação na F…, SA entre o momento em que a mesma foi reconhecida (em resultado da cisão da H…, SA) e o momento da entrada em espécie no capital da G… SGPS, SA, uma vez que em ambos os momentos o valor da participação é dado por uma avaliação independente.

Sendo uma variação do justo valor e em conformidade com decisão do CAAD (processo n.° 108/2013-T) as variações de justo valor de investimentos financeiros não pode ser objeto daquela limitação.

> Ser inaplicável a limitação imposta a perdas com a transmissão onerosa de partes de capital a sociedades relacionadas porque AT já afastou do conceito de bens adquiridos a entidades relacionadas, os bens recebidos como realização de capital em espécie, por se interpretar que esta operação não se qualifica como uma aquisição por parte da empresa que recebe os bens, entende a empresa que também para o cedente a entrega dos bens não pode qualificar-se como uma transmissão onerosa.

Nesse sentido não estaria verificado um dos pressupostos base à aplicação do n.º 5 do art. 23.° do CIRC.

(...)

Da análise

Conforme atrás indicado a empresa declarou como gasto fiscal de 2012 uma menos-valia realizada com a entrega de ações representativas de 100% do capital social da F…, SA como forma de realizar o aumento do capital da sua associada, detida em 100%, G… SGPS, SA que calculou em 17.691.837,71 Euro e que pretende ver corrigida para o valor de 122.691.831,71 Euro, considerando que aquele gasto não se apresenta limitado pelo disposto no n.° 5 do art. 23.° do CIRC.

A análise do impacto fiscal desta operação terá assim que seguir duas fases:

> Num primeiro momento, avaliar se a perda constitui gasto fiscal elegível nos termos do artigo 23.° do CIRC, designadamente no que se refere ao disposto no seu n.° 5;

> Num segundo momento, e caso se verifique a elegibilidade do gasto, importa quantificar o mesmo tendo em consideração o regime aplicável às menos-valias com partes de capital.

i. Quanto à sujeição ao regime do n.° 5 do art. 23.° do CIRC

A aplicação da norma supra citada decorre do preenchimento cumulativo de duas condições:

[1] de que os gastos tenham sido suportados com «a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título porque se opere»

[2] e que a transmissão seja feita a «a entidades com as quais existam relações especiais nos termos do n.° 4 do artigo 63.°, ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação».

Importa assim testar o preenchimento de cada uma destas condições.

Relativamente à primeira condição temos que avaliar se a operação em causa constitui uma transmissão onerosa a qualquer título; se essa operação tem por objeto partes de capital e se o gasto considerado decorre dessa operação.

Ora o gasto considerado pela empresa foi apurado com a entrega de ações representativas do capital de uma associada para a realização de um aumento de capital de outra sociedade pelo que não restam dúvidas que a operação que gerou o gasto tem por objeto partes de capital.

Resta então determinar se a entrega das ações para realização de um aumento de capital constitui uma transmissão onerosa para os efeitos que esta norma visa, sendo de sublinhar que é este o preenchimento deste conceito que a empresa contesta. (...)

Assim:

- Quanto à existência de transmissão

Conforme já indicado, a operação que esteve na origem do gasto inscrito pela H… na determinação do seu lucro tributável constituiu na entrega de ações representativas do Capital Social da F… à G… SGPS.

Não há assim dúvida quanto à passagem de um ativo da esfera jurídica da H… para a G… SGPS, passagem essa que se qualifica como transmissão.

- Quanto à onerosidade da operação para a H…

Na esfera da H… existe o sacrifício patrimonial que consiste no destaque daqueles seus ativos e simultaneamente, aufere a vantagem de manter a posição de acionista único da G… SGPS da qual resulta expectavelmente a existência de benefícios económicos futuros (condição necessária ao reconhecimento contabilístico do ativo nos termos da normalização contabilística vigente).

Em resumo, considera-se demonstrado que a entrega de ações de uma sociedade para a realização do aumento de capital de outra sociedade constitui uma transmissão onerosa de partes de capital e que os gastos deduzidos na determinação do lucro tributável como menos-valia realizada decorrem dessa transmissão, estando assim verificado o preenchimento da primeira condição exigida para a aplicação do n.° 5 do art. 23.° do CIRC.

Relativamente à segunda condição temos que avaliar se a existem relações especiais entre a entidade transmitente das partes de capital e a entidade que beneficia da sua entrega.

A operação teve como intervenientes a H…, SA e a G… SGPS, SA sendo que a primeira era detentora da totalidade do capital da segunda, quer antes, quer após o aumento do Capital Social da última.

Nos termos da al. a) do n.° 4 do art. 63.° do CIRC, considera-se que existem relações especiais entre duas entidades se uma entidade deter, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto.

Neste caso, verificando-se que a H…, SA detinha à data da operação 100% do capital da sociedade para quem transmite a propriedade das ações da F…, não restam dúvidas que a operação em causa foi realizada entre duas entidades relacionadas.

Em resumo, estando demonstrado que:

> o gasto fiscal em análise decorre de uma operação com partes de capital;

> a operação, entrega de ações para realização de um aumento de capital, constitui uma transmissão onerosa;

> Existem relações especiais entre a entidade que transmite e a entidade que recebe as partes de capital;

> A operação em causa está sujeita ao regime do n.° 5 do artigo 23.° do CIRC, pelo que qualquer gasto apurado não é elegível como componente negativa do lucro tributável.

Complementarmente, não podemos deixar de referir que não acompanhamos a interpretação dada pela empresa aos diferentes conceitos fiscais e que estiveram na origem do cálculo da menos-valia fiscal supra analisada e menos ainda da interpretação que conduz a se passar de 17.691.837,71 Euro para uma menos-valia realizada de 122.691.837,71 Euro pelos motivos que seguida se apresentam de forma resumida:

a) Pela indevida aplicação dos coeficientes de desvalorização monetária ao custo de aquisição uma vez que à data de alienação (16 de Outubro de 2012) não tinham decorrido pelo menos dois anos desde a data de aquisição (30 de novembro de 2010), cfr dispõe n.º 1 do art. 47.° do CIRC;

Assim, e tendo por base os valores declarados (e que não incluem 12.000 000,00 Euro de dividendos recebidos) teríamos que a menos-valia realizada seria de 2.554.526.36 Euro,

b) Admitindo-se como hipótese de estudo que o montante recebido, na sequência da distribuição da reserva criada com a redução do valor nominal das ações da F… (117.000.000,00 Euro) não são objeto de tributação por corresponderem ao reembolso do investimento realizado - como defendeu a empresa durante o procedimento de inspeção, então o seu valor teria que ser deduzido ao custo de aquisição considerado no cálculo da menos valia, temos que após a aplicação do n.° 3 do art. 45.° do CIRC, não existia qualquer menos-valia;

c) Se por outro lado a empresa mantivesse a posição que considerou nos seus cálculos iniciais, em que considerou aquele valor como dividendos recebidos e não tributados por aplicação do artigo 51.° do CIRC, para efeitos do ajustamento previsto no n.° 4 do art. 45.° do CIRC havia a considerar-se 129.000.000,00 Euros de dividendos recebidos nos últimos quatro anos (4x365 dias) e não tributados pelo art. 51.° do CIRC temos que após a aplicação do n.° 3 do art. 45.° do CIRC, não existia qualquer menos-valia.

Assim conclui-se que, por aplicação do n.° 5 do art. 23.° do CIRC, é indevida a dedução de 17.691.837,71 Euro apurada com a transmissão onerosa de partes de capital da H… para a sua participada em 100%, G… SGPS. (...)

IX - DIREITO DE AUDIÇÃO

No cumprimento do disposto nos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (...) e do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (...) foi a sociedade notificada, através do nosso ofício n.º…, de 2014-12-02, por carta registada com aviso de receção, para exercer no prazo de 15 dias o direito de audição sobre as correções propostas no projeto de relatório.

A H… apresentou o Direito de Audição por escrito que deu entrada nestes serviços no dia 18 de dezembro de 2014 com o n.º…, relativamente às correções propostas no Projeto de Relatório que seguidamente se resumem e se analisam:

IX.1 Menos-Valia resultante da transmissão onerosa de partes de capital

A H… SA, cfr parágrafos 4 ° e 5.° da sua exposição indica que:

a)  Não contesta a correção à matéria tributável de IRC sem prejuízo de o vir a fazer em sede de reclamação graciosa, em função da avaliação que fará dos argumentos invocados pela AT no Projeto de Correções para fundamentar a sua decisão.

b)  Considerando que “a AT baseia a sua fundamentação no n.° 5 do art.° 23° do Código do IRC solicita "que a AT fundamente a sua posição igualmente quanto ao enquadramento da operação nos termos dos art.°s 45° e 47° do Código do IRC"

Relativamente ao solicitado pela H… importa referir que:

1. A fundamentação constante do Projeto de Relatório demonstra que a operação decorrente da qual a H… reconheceu uma menos-valia de 17.691.837,71 Euro, nos termos do art° 46.° do Código do IRC, verifica os pressupostos para aplicação do disposto no n.º 5 do art. 23.° do Código do IRC.

2. É de resto essa a fundamentação que a H… pondera analisar para uma eventual reclamação graciosa, não podendo AT nesta fase reformular a fundamentação objeto de audição prévia.

3. Contudo, conforme de resto resulta demonstrado na fundamentação do ponto III.1.1. do Projeto de Relatório da Inspeção considera-se demonstrado que a operação da entrada de partes de capital para a realização do aumento de capital constitui uma transmissão onerosa de partes de capital e por isso objeto do disposto no art. 46.° do Código do IRC sendo, face ao enquadramento no n.° 5 do art. 23.° do Código do IRC, inútil qualquer avaliação quanto aos cálculos considerados pela H… .

Face ao exposto, mantém-se a correção proposta que assim se torna definitiva”.

 

IV. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.° 0I2014…, de 2014-11-18, realizou-se ação de inspeção interna, de âmbito parcial, ao IRC do grupo I… SA, referente ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) do exercício de 2012, efetuada (cfr. RIT de 30.3.2015, n.º II.2., p. 5) “com o objetivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, preconizado no artigo 69.° e seguintes do Código do IRC, do grupo I… referente ao período de 2012 e de fazer refletir no lucro tributável do grupo as correções efetuadas pela Administração Fiscal, em resultado de procedimentos de inspeção concluídos até à presente data, na declaração Modelo 22 de IRC de cada uma das sociedades que o integram”, do qual resultou o RIT de 30.3.2015 junto a fls. do PA e como doc. n.º 8 à PI, sancionado por despacho no mesmo aposto (com o seguinte teor: “Concordo”).

 

V. No RIT indicado no ponto anterior consignou-se o seguinte, no que para aqui releva (pp. 6, 8, 9, 10):

III.1. CORREÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL - IRC

O grupo apresentou, conforme declaração entregue em 2014-12-01, identificada com o n.° …-… -…, Matéria Coletável no valor de 154.921.780,49 Euro, sendo esta declaração o documento base de análise à presente ação inspetiva.

De acordo com o n.° 1 do art.º 70.° do CIRC “o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo”. Desta forma, havendo alterações aos resultados fiscais declarados pelas sociedades pertencentes ao grupo, o lucro tributável do grupo terá que ser ajustado no mesmo montante. (...)

III.1.1 Correções à Matéria Coletável decorrentes de correções efetuadas à Sociedade dominante H…, SA: 17.691.831,71 Euro

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2014… de 2014-04-17, realizou-se o procedimento de inspeção interna, relativo ao período de 2012, à sociedade H…, SA. (...)

Na sequência da referida ação inspetiva, foram identificadas correções efetuadas em termos individuais à sociedade acima mencionada que se fixaram no montante total de 17.691.831,71 Euro, discriminado da seguinte forma:

Menos valia resultante de transmissão onerosa de partes de capital

A H… SA deduziu lucro tributável, 17.691.831,71 Euro, correspondente a menos-valia fiscal que considerou gerada com a transmissão onerosa de partes de capital de uma associada a outra sociedade detida em 100% e que por isso se encontra em relação especial. Assim, os gastos apurados com esta operação não são fiscalmente dedutíveis nos termos do n.° 5 do art.º 23.° do CIRC, corrigindo-se o Lucro Tributável do grupo com os fundamentos constantes do ponto III.1.1.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório (Anexo II). [RIT acima mencionado no n.º III dos factos provados].

III.2. IMPOSTO EM FALTA-AUTOLIQUIDAÇAO DE IRC

(...) O total de correções proposto ao nível do cálculo do imposto do grupo no período, na sequência das conclusões da inspeção à sociedade do grupo e não consideradas na declaração indicada, ascende a 6.522.927,95 Euro, que se passa a discriminar:

III.2.1. Regime Fiscal de Apoio Investimento (RFAI): 5.637.538,95 Euro

(...) No campo 355 da declaração Mod. 22 de 2012 a sociedade H… SA invocou indevidamente o direito a crédito fiscal nos termos da al. b) do n.° 2 do art.º 90.° do CIRC no valor de 5.637.538,95 Euro relativamente a RFAI e não dedutível em razão de:

III-2.1.1 Correções ao cálculo do imposto decorrente de correções efetuadas à sociedade dominante H…, SA: 16.714,16 Euro

Na sequência da referida ação inspetiva, foram identificadas correções ao cálculo de Benefícios Fiscais dedutíveis à coleta de IRC em termos individuais à H… SA que se fixaram no montante total de 16.714,16 Euro, por dedução indevida à coleta de IRC, a título do benefício fiscal previsto no “Regime Fiscal de Apoio ao Investimento Realizado em 2009“ (RFAI) (...) por no cálculo do benefício fiscal não ter considerado a exclusão do investimento realizado na atividade de produção de energia em conformidade com a informação vinculativa que lhe foi prestada e como determina o n.° 1 do artigo 2.° da Lei n.° 10/2009.

Assim, corrige-se o benefício fiscal dedutível nos termos da al. b) do n.° 2 do art. 90.° do Código do IRC na declaração do grupo com os fundamentos constantes do ponto III.2.1.1 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório. (Anexo II) [RIT acima mencionado no n.º III dos factos provados].

III-2.1.2 Correções ao cálculo do Imposto decorrente de correções efetuadas à sociedade dominante H…, SA: 5.620.824,79 Euro

Na sequência da referida ação inspetiva, foram identificadas correções ao cálculo de Benefícios Fiscais dedutíveis à coleta de IRC em termos individuais à H… SA que se fixaram no montante total de 5.620.824,79 Euro, por dedução indevida à coleta de IRC, incluído no campo 355 - Benefícios fiscais do quadro 10 da declaração de rendimentos, a titulo de RFAI de períodos anteriores a 2012 como resulta da informação inscrita no Anexo D da Modelo 22.

Assim, corrige-se o beneficio fiscal dedutível nos termos da al. b) do n.° 2 do art..º 90.° do Código do IRC na declaração do grupo com os fundamentos constantes do ponto III.2.1.2 do Relatório de Inspeção que se anexa e é parte integrante do presente Relatório. (Anexo II) [RIT acima mencionado no n.º III dos factos provados].

III - 2.2 Resultado da Liquidação: 885.389,00 Euro

(...) Das verificações efetuadas na presente inspeção resulta demonstrado que o lucro tributável apurado pelo grupo nos termos do n.° 1 do art.º 70.° do CIRC, na sua declaração de rendimentos submetida pela sociedade dominante, se apresenta influenciado dos seguintes benefícios fiscais a considerar no cálculo do limite a que se refere o artigo 92.° do CIRC:

a. Relativamente à Majoração de donativos: 188.651,72 Euro.Somatório dos campos 406 do Anexo D de cada sociedade que integra o RETGS

b. Relativamente aos donativos: 708.148,50 Euro.Somatório das contas SNC 6882 Donativos de cada sociedade que integra o RETGS

c. Relativamente a majoração das quotizações: 289.249,43 Euro.Somatório dos campos 407 do Anexo D de cada sociedade que integra o RETGS

d. Relativamente à majoração de depreciações por reavaliação fiscal: 2.747.416,95 Euro. Valor calculado tendo por base o somatório dos valores inscritos por cada sociedade que integra o RETGS no campo 720 da declaração de rendimentos Mod. 22 de IRC no total de 1.831.611,30 Euro.Considerando que o valor acrescido corresponde a 40% do acréscimo do gasto com depreciações não aceite fiscalmente nos termos da al. a) do n.° 2 do artigo 15.° do Decreto Regulamentar n.° 25/2009, temos que o acréscimo total do gasto fiscal com depreciações por reavaliações fiscais foi 4.579.028,26 Euro do qual 60% correspondente a um beneficio fiscal (2.747.416,95 Euro). (...)

Resulta assim demonstrado que a coleta de IRC apurada após as deduções das al. a) e b) do n.° 2 do art.º 90° do CIRC, considerando os impactos das correções ao Lucro Tributável do Grupo e ao RFAI dedutível no período descritos neste Relatório, se calculada sem o efeito dos benefícios fiscais não enumerados no n.° 2 do art.° 92° do CIRC é de 32.279.140,77 Euro sendo que 90% do seu valor ascende a 29.051.226,69 Euro, superior em 885.389,00 Euro ao valor apurado com o efeito dos benefícios fiscais.

Em conclusão, na determinação do Imposto de IRC a pagar pelo grupo I… com referência ao período de 2012, está em falta o montante de 885.389,00 Euro correspondente à parte em que a liquidação de imposto é inferior à que se apura nos termos do n.° 1 do artigo 92° do CIRC.”.

 

VI. No exercício do direito de audição que efetuou em relação ao projeto do RIT do Grupo, que veio a resultar no RIT indicado no ponto antecedente, a Requerente declarou (vd. art. 4.º), relativamente à correção à matéria coletável de IRC proposta relativamente à menos-valia resultante de transmissão onerosa de partes de capital no montante de € 17.691.831,71 o seguinte: “No que respeita à correção à matéria coletável do IRC, a H… optou, por, nesta fase, não contestar a mesma, sem prejuízo de o vir a fazer em sede de reclamação graciosa ou impugnação judicial ou arbitral” (cfr. documento de exercício do direito de audição, com data de entrada de 13.3.2015, a fls. do PA).

 

VII. A Requerente foi notificada, em janeiro de 2016, da liquidação adicional de IRC n.º 2015…, relativa ao exercício de 2012, emitida em 17.12.2015, da qual resultou o decréscimo do valor a reembolsar para € 15.690.554,99, a liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, emitida em 21.12.2015, no valor de € 353.616,86, bem como da demonstração de acerto de contas n.º 2015…, emitida em 21.12.2015, do que resultou  imposto e juros a pagar no valor de € 6.876.544,81 (cfr. o documento n.º 9 junto à PI).

 

VIII. Conforme resulta do respetivo teor (vd. doc. n.º 9 junto à PI), a referida liquidação adicional de IRC n.º 2015… procedeu à alteração do quantitativo relativo à dedução )  o montante de €154.921.780,49(or (vd. doc. n.º 9 junto à coleta de benefícios fiscais (de € 27.841.616,79 para € 22.204.077,84) e aos elementos daí dependentes, mas não refletiu qualquer alteração à matéria coletável declarada no montante de € 154.921.780,49.

 

IX. A não inclusão da correção à matéria tributável de 17.691.831,71 Euro e consequente alteração de € 154.921.780,49 para € 172.613.612,20 deveu-se ao facto de o formulário submetido para efeitos da elaboração do Documento de Correção Único consequente das conclusões do procedimento inspetivo não ter refletido, no campo correspondente, a correção relativa à matéria tributável, mas apenas a correção relativa ao imposto, incongruência que veio a ser detetada por outro funcionário em consulta efetuada ao procedimento (depoimento testemunhal de E…).

 

X. As referidas liquidação adicional de IRC n.º 2015…, liquidação de juros compensatórios n.º 2015… e demonstração de acerto de contas n.º 2015 … (vd. supra n.º VII) foram objeto do pedido de pronúncia arbitral, que correu os seus termos sob o número de processo n.º 191/2016-T, no qual foi proferida a decisão que se mostra junta aos autos pelo requerimento da Requerente de 1.3.2017.

 

XI. Pelo Ofício n.º…, datado de 14.7.2016, emitido pela Divisão de Inspeção a Empresas Não Financeiras II (DIEFII), da Unidade dos Grandes Contribuintes, e remetido à Requerente, epigrafado “Correção de erro na elaboração do documento de correção referente ao procedimento inspetivo ao grupo I… (atualmente A…) no período de 2012”, foi a Requerente notificada do seguinte que se transcreve (cfr. doc. n.º 4 junto à PI):

“Informa-se que, no cumprimento da OI 2014… desta Unidade Orgânica foi realizado um procedimento inspetivo incidente sobre a determinação do IRC apurado pelo Grupo I… no período de 2012, propondo-se um conjunto de correções no Projeto de Relatório de Inspeção, das quais foi notificada a H… SA (...), em 26 de fevereiro de 2015(...).

Em resposta ao oficio referido veio a H…, SA exercer por escrito o seu direito de audição (...) em que identifica as correções presentes no Projeto de Relatório de Inspeção e, expressamente, indica a sua intenção de, nessa fase, não contestar o aumento do Lucro Tributável em 17.691.831,71 Euro.

Para conclusão do procedimento inspetivo foi elaborado o Relatório de Inspeção e notificada a H… SA, em 17 de dezembro de 2015 (...) onde se consideram como finais as seguintes correções aos valores declarados pelo grupo:

a) Aumento do Lucro Tributável em 17.691.831,71 Euro, passando assim de 154.921.780,49 Euro para 172.613.612,20 Euro;

b) Diminuição da dedução de benefícios à coleta de IRC e, 5.637.538,95 Euro passando de 27.841.616, 79 Euro para 22.204.077, 84 Euro;

c) Fixação do imposto a acrescer a título de resultado da liquidação em 885.389,00 Euro em vez de zero declarado pelo grupo.

Contudo, na elaboração do Documento de Correção Único (DCU) com o n.º 2015-…-… que deu origem à liquidação n.º 2015-…-…-…por lapso, não foi incluída a correção ao Lucro Tributável, no montante de 17.691.831,71 Euro.

Prevê o art.º 174.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), com a epígrafe “Retificação dos atos administrativos” que: “1 - Os erros de cálculo e os erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos, podem ser retificados, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do ato. 2 - A retificação pode ter lugar oficiosamente ou a pedido dos interessados, produz efeitos retroativos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do ato retificado.”

Assim, no sentido de retificar as situações supra referidas as quais se enquadram na previsão daquele art.º 174.º do CPA, será elaborado um novo Documento de Correção único (DCU) de forma refletir a situação tributária que resulta das correções consideradas no Relatório de Inspeção notificado ao grupo I… em 17 de dezembro de 2015.

Face ao exposto fica(m) por este meio notificado(s) de que será emitida uma nova liquidação em que será incluída a correção ao Lucro Tributável no montante de 17.691.831,71 Euro, passando assim de 154.921.780,49 Euro para 72.613.612,20 Euro, dando assim cumprimento à parte final do art. 174.º do CPA “A retificação (...) produz efeitos retroativos e deve ser feita sob a forma e com a publicidade usadas para a prática do ato retificado”.

 

XII. O ofício indicado no ponto antecedente não foi precedido de notificação para exercício de audição prévia da Requerente (alegação constante dos artigos 3.º e 113.º da PI não controvertida conforme artigos 60.º, 61.º e 117.º da R.).

 

XIII. A Requerente foi notificada em 8.8.2016, por acesso à caixa postal eletrónica (conforme docs. n.ºs 5, 6 e 7 juntos à PI) do ato de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 3.8.2016, com indicação de importância corrigida de matéria coletável de € 154.921.780,49 para € 172.613.612,20, no montante de € 17.691.831,71, e indicação de valor a reembolsar de € 10.982.120,42 (cfr. doc. n.º 1 junto à PI), do ato de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, com indicação do valor de € 639.093,50 (cfr. doc. n.º 2 junto à PI), e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, de 5 de agosto de 2016, com saldo apurado de € 4.708.434,57 e data limite de pagamento no dia 3.10.2016 (cfr. doc. n.º 3 junto à PI), referentes ao exercício de 2012.

 

XIV. A liquidação adicional de IRC n.º 2016… referida no ponto antecedente não foi precedida de notificação para exercício de audição prévia da Requerente (alegação constante dos artigos 1.º, 108.º e 109.º da PI não controvertida conforme artigos 60.º, 61.º e 117.º da R.).

 

XV. Dada a pendência do processo de execução fiscal n.º …2016…, a Requerente aderiu em 7.11.2016 ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3.11, na modalidade de pagamento integral, conforme Termo de Adesão n.º…, junto no doc. n.º 11 à PI, tendo procedido ao pagamento do valor de € 4.422.957,93 em 10.11.2016, conforme doc. n.º 12 junto à PI.

 

11. Não foram alegados ou manifestados outros factos com relevo para a decisão de mérito que tenham ficado por provar.

 

12. A convicção do Tribunal sobre os factos dados como provados resultou do exame dos documentos carreados para os autos, das informações não impugnadas constantes dos RIT, do depoimento testemunhal indicado e do reconhecimento de factos ou do seu carácter não controvertido, tudo conforme se especifica nos pontos da matéria de facto acima enunciados.

Refira-se no que concerne aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Requerente, C… e D…, que exerceram funções de âmbito contabilístico no Grupo B…, e que foram indicados à matéria alegada nos artigos 35.º, 36.º, 102.º, 103.º, 108.º e 109.º da PI (conforme ata da reunião de 23.5.2017 de inquirição de testemunhas, constante dos autos), que os mesmos não assumiram relevo probatório autónomo para a decisão de facto, porquanto se limitaram essencialmente a confirmar os factos objeto dos n.ºs IV, V, VII e VIII do probatório (declarando designadamente que tinham verificado que uma das correções propostas no RIT não tinha sido liquidada), factos esses que foram dados como provados com base nos documentos acima especificados.

O depoimento de E…, coordenador de equipa de inspeção tributária na Unidade dos Grandes Contribuintes desde 2013, que revelou conhecimento direto e descreveu a matéria em causa, mostrando-se credível, foi considerado para a prova do facto referido no n.º IX.

 

V. Do Direito

No seguimento do ofício…, datado de 14 de julho de 2016, foi emitida uma (segunda) liquidação adicional relativa ao ano de 2012, corretiva da liquidação n.º 2015…, de 17 de dezembro de 2015: trata-se da liquidação n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016, ora em crise;

Nos fundamentos daquele ato – doravante, “nova liquidação adicional” – informa-se que “na elaboração do Documento de Correção Único (DCU) com o n.º 2015-… -… que deu origem à liquidação n.º 2015-…-…-…, por lapso, não foi incluída a correção ao Lucro Tributável”, pelo que se procedeu à correspondente “retificação” desta última - doravante, “antiga liquidação adicional” - nos termos do artigo 174.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), com os correspondentes “efeitos retroativos”;

A respeito desta liquidação, alega, a título prévio, a Requerente:

Em primeiro lugar, que não existe uma verdadeira retificação capaz de produzir efeitos retroativos, pelo que não existe suporte legal para a nova liquidação adicional capaz de retroagir a dezembro de 2015;

Em segundo lugar, que a existir algum erro, não poderia ser suprido por meio de uma retificação por aplicação do artigo 174.º do CPA;

Em terceiro lugar, que tal liquidação adicional – uma vez qualificada enquanto um ato de liquidação independente – consubstancia uma nova inspeção externa;

Em quarto lugar, que, por se tratar de um ato que introduz uma modificação na antiga liquidação adicional, carece de ser objeto do exercício do direito de audição prévia quanto à sua própria existência, in casu, quanto ao fundamento da sua invocação;

Em quinto e último lugar, que foram violados prazos especiais de caducidade para proferir ou alterar o conteúdo do ato contestado na instância arbitral, estabelecidos no artigo 13.º/n.º 3 do RJAT.

Natureza jurídica da nova liquidação adicional

Julgamos que grande parte do rol argumentativo expendido pela Requerente pressupõe a análise da natureza jurídica da nova liquidação adicional.

Com efeito, tendo-se a situação jurídico-fiscal do contribuinte consolidado no primeiro ato de liquidação adicional – a antiga liquidação adicional – não pode, sem mais, tal liquidação adicional ser modificada nos seus termos, não só por razões de manifesta exigência de estabilidade da relação fiscal (a Requerente já havia, inclusivamente, pago o valor da antiga liquidação adicional à data da emissão da nova liquidação adicional), mas especialmente porque é esse o pressuposto de todo o sistema procedimental tributário: a existência de uma só liquidação adicional, ato definitivo que condensa e aglutina todo o percurso inspetivo e que estabiliza em termos tendencialmente definitivos a relação fiscal. 

Aliás, ainda que implicitamente, a própria AT vem reconhecer a unicidade da liquidação adicional enquanto pressuposto do procedimento tributário, quando alega precisamente ter ocorrido uma violação, pela Requerente, da regra da impugnação unitária: não tendo, supostamente, a Requerente contestado a antiga liquidação adicional quanto à matéria da menos-valia fiscal, ficaria inibida de agora o fazer aquando da impugnação da nova liquidação adicional.

Por isso, desde já se adianta que, acaso a qualificação da nova liquidação adicional seja a de um ato de simples retificação – tal como sustenta a AT no presente caso – nenhum vício (ao menos, dos primeiros quatro alegados pela Requerente) pode ser assacado à mesma ou obstar à integral produção dos seus efeitos.

Na verdade, tratando-se de uma verdadeira retificação, não só se logra o mencionado efeito retroativo (porquanto o ato retificador se integra no ato retificado), como não se impõe o recurso ao procedimento especial do artigo 95.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cujos termos parecem claramente concebidos para procederem da iniciativa do contribuinte ou, pelo menos, não prejudicarem o contribuinte.

Apenas a exigibilidade de audição prévia será, porventura, discutível nessa eventualidade, como veremos adiante.

Suposta Retificação

Sucede, todavia, que não é possível qualificar de natureza retificadora o teor do ato administrativo consubstanciado na liquidação n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016 – a nova liquidação adicional não configura, manifestamente, uma simples retificação.

Com efeito, o recurso à figura da retificação tal como concebido pelo artigo 174.º n.º 1 do CPA demanda a verificação de “erros de cálculo e erros materiais na expressão da vontade do órgão administrativo, quando manifestos” (sublinhado nosso).

É evidente, quer para a doutrina quer para a jurisprudência administrativa (ou civilista, diga-se de passagem), que o aditamento de um montante de € 17.691.831,71 ao lucro tributável do ano de 2012 não se subsume no conceito de “manifestos erros materiais ou de cálculo”. 

Os erros manifestos a que se refere aquela disposição são precisamente aqueles que, nos termos gerais do artigo 249.º do Código Civil, são “revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita” e que, por isso mesmo, dão “direito à rectificação desta.

É, precisamente, o facto de o erro ser auto-evidente – ser imediatamente apreensível pelo seu destinatário – que faz com que possa ser livremente retificável: o ordenamento jurídico, muito compreensivelmente, não tutela a posição jurídica dos destinatários (neste caso, a Requerente) que se devia aperceber do notório lapso incorrido pelo declarante (neste caso, a AT).

Ora, qualquer declaratário normal colocado na posição da Requerente estaria impossibilitado, pela simples análise do primeiro ato de liquidação adicional – a antiga liquidação adicional –, de imediatamente concluir no sentido da existência de um lapsus calami.

Impõe-se recordar, a este respeito, que sendo as atividades de inspeção e liquidação atribuídas a órgãos diferentes da AT – o ato de liquidação adicional de imposto da competência da Senhora Diretora-Geral (órgão superior da AT), o ato de inspeção da responsabilidade das equipas inspetivas – também não é evidente qualquer erro notório pela própria contraposição entre o Relatório Inspetivo e a antiga liquidação adicional.

Convém, nesta linha, sublinhar que a liquidação pode refletir integral ou, apenas, parcialmente as alterações propostas e constantes do Relatório Inspetivo; este simples facto invalida, por si só, a invocação da existência de um “manifesto erro” que justificasse uma intervenção de mera correção por parte da AT.

Não é, por isso, de uma qualquer retificação que a nova (segunda) liquidação adicional versa. E tal não é desprovido de consequências.

Socorrendo-nos da vítrea descrição de Freitas do Amaral, diremos que: “Se os erros de cálculo ou os erros materiais forem manifestos – isto é, óbvios, evidentes, ostensivos – aplica-se um regime especial, bastante expedito, previsto e regulado no artigo 148.º (atual, 174.º) do CPA: se pelo contrário os erros de expressão não forem manifestos – ou seja, forem encobertos, duvidosos, difíceis de detetar –, a rectificação segue o regime geral da revogação, mais moroso e apertado.” – vd. (por todos) Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo – Volume II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 512.

Assim sendo, como bem alega a Recorrente, não nos encontramos diante de um caso de retificação, facto de compromete por si só o procedimento administrativo adotado e, por conseguinte, a nova liquidação adicional aqui contestada, que assim, porque desprovida de fundamento, fica viciada em resultado da violação da lei de suporte aplicável e, naturalmente, pelo subsequente incumprimento das formalidades exigidas.

E isto já admitindo que tal nova liquidação adicional, mesmo que legalmente permitida (o que se analisará de seguida), não afrontaria o princípio fundamental da segurança jurídica, que rege o todo o procedimento administrativo e tributário; o que sempre seria, em qualquer caso, muito duvidoso.

Admitindo, ainda, que a emissão da antiga liquidação adicional não extinguiu já o próprio procedimento administrativo inspetivo (nos termos do artigo 127.º do CPA)[2], o que exigiria um novo procedimento especialmente para o efeito – e note-se, a este respeito, o forte argumento de a própria relação jurídico-fiscal firmada pela antiga liquidação adicional se ter extinto por via do respetivo cumprimento (através do respetivo pagamento realizado pela Requerente) –, cabe, então, equacionar a natureza jurídica aplicável à intervenção da AT conducente à emissão da nova liquidação adicional.

Alteração/Substituição

Ora, e ao invés do sustentado pela AT, julgamos que seria antes adequado e aplicável in casu o regime (naturalmente, mais garantístico para o contribuinte) da alteração/substituição de ato administrativo, o qual segue, ex vi artigo 173.º n.º 1 do CPA, as regras do regime da revogação administrativa, vertido nos artigos 165.º e seguintes do mesmo diploma, aplicáveis ao procedimento tributário por remissão do artigo 2.º alínea d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Com efeito, ocorre uma alteração/substituição sempre que o órgão administrativo altera a disciplina jurídica de uma determinada situação da vida regulada por um ato administrativo prévio através de um novo ato “cujos efeitos de Direito são parcialmente (alteração) ou totalmente (substituição) distintos dos do acto alterado ou substituído.” - Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo – Volume II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, p. 468.

Vertendo ao caso, constata-se que é isso, precisamente, que sucede; a Senhora Diretora-geral utiliza a nova liquidação adicional para modificar a antiga, aditando € 17.691.831,71 ao lucro tributável do ano de 2012, em linha com a proposta inicialmente não acolhida constante do Relatório Inspetivo, cujo teor foi, entretanto, entendido passar a ser de subscrever integralmente.

Estamos assim em condições de concluir que a AT, não estando (em abstrato) porventura impedida de modificar o ato tributário – corrigindo os supostos erros (mesmo os não manifestos) incorridos no decurso da emissão da antiga liquidação adicional –, teria de o fazer com o devido respeito por algumas garantias do administrado/contribuinte que o regime jurídico da alteração/substituição expressamente outorga.

Retomando novamente os ensinamentos de Freitas do Amaral, bem se compreende a razão de ser da rigidez do regime legal: “…quer a alteração quer a substituição de actos administrativos se aproximam bastante, em termos práticos, da revogação… . Por essa razão se percebe que o legislador tenha acautelado expressamente a hipótese de elas (a alteração e a substituição) ocorrerem em fraude à lei, ou seja, serem utilizadas pelo órgão administrativo como meio de tornear as regras da revogação e, nomeadamente, as regras que conferem especial protecção aos actos constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos.” -  Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo – Volume II, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2011, pp. 468-9.

Aliás, autores há que chegaram a negar, inclusivamente, a especialidade da alteração/substituição face à revogação, considerando uma grande proximidade das figuras, o que ajuda a explicar, igualmente, a opção do legislador – José Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, 2.ª edição, Coimbra, 1985.

Vejamos então se, em concreto, é possível o recurso à alteração/substituição e aos termos procedimentais em que a mesma deve ter lugar, de modo a apurar se a nova liquidação adicional é, ainda, passível de aproveitamento, apesar de o fundamento da mesma ser manifestamente inadequado.

E, logo quanto aos termos em que a mesma é permitida – os quais teriam, em qualquer caso, de ser expressamente invocados pela AT (e não o são), o que vicia o ato por falta de fundamento – se vislumbra que nenhuma das hipóteses legais habilitantes se demonstra verificada.

Com efeito, estamos em crer que nenhuma das possibilidades dadas pelo artigo 167.º do CPA se encontra preenchida, no presente caso; é especialmente evidente que, tratando-se de atos constitutivos de direitos (veja-se a amplíssima noção legal de “atos constitutivos de direitos”, constante do n.º 3 daquele normativo[3]) – a fixação dos termos da relação fiscal, por meio da antiga liquidação adicional – não estamos diante nenhum caso excecionado pelas alíneas do n.º 2 daquela disposição legal.

Inexiste, assim, qualquer sustento legal (ao menos, evidente) à intervenção modificativa pretendida pela AT, por meio da emissão da nova liquidação adicional.

Mas mesmo que, por hipótese abstrata, assim não sucedesse, logo se constata que os vícios alegados pelo Requerente inquinam irremediavelmente o ato modificativo emitido pela AT.

O primeiro desses vícios respeita à produção temporal dos respetivos efeitos jurídico-fiscais.

Estão em causa os efeitos retroativos pretendidos pela AT no recurso à figura da “rectificação”, tal qual alegado nos fundamentos da nova liquidação adicional, constantes do ofício…, de 14 de julho de 2016.

Na verdade, como notoriamente resulta do regime legal do CPA que regula os atos administrativos de revogação (aplicável remissivamente aos atos de alteração/substituição): “Por regra, a revogação apenas produz efeitos para o futuro, mas o autor da revogação pode, no próprio ato, atribuir-lhe eficácia retroativa quando esta seja favorável aos interessados ou quando estes concordem expressamente”.

Ora, nenhuma das duas hipóteses se pode dar por verificada no presente caso: nem a nova liquidação adicional é (objetivamente) favorável aos requerentes, nem estes concordaram com ela.

Assim sendo, afastada que está a ambicionada retroatividade, também por aqui surge inquinado o novo ato de liquidação, quanto aos efeitos que pretendeu obter, com a subsequente invalidade. 

Em segundo lugar, o mesmo se diga a respeito da formalidade essencial da audição prévia, imposta pela regra de equiparação de formalidades decorrente do artigo 170.º do CPA: tal formalidade, sendo exigida para o ato alterado/substituído, é imediata e igualmente exigida para o ato alterador/substitutivo.

Aliás, e em qualquer caso, sendo o ato alterador/substitutivo um autêntico ato administrativo, mesmo na ausência de tal disposição, sempre ficaria o respetivo procedimento sujeito ao exercício de audiência prévia do contribuinte/interessado, nos termos gerais do artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 121.º do CPA. 

E a esta prescrição legal não é possível escapar, opondo que a Requerente já se manifestara em sede de Relatório Inspetivo, simultaneamente, sobre o teor de ambas as liquidações adicionais (a antiga [de 2015] e a nova [de 2016]), com apoio no n.º 3 do artigo 60.º da LGT.

É que é a própria admissibilidade (possibilidade legal) da nova liquidação adicional, como bem se vê pelo teor da PI, que está aqui verdadeiramente em causa; trata-se de saber se a AT pode emitir, ainda que dentro do prazo legal de caducidade, uma segunda (mas que bem podia ser uma terceira, quarta ou quinta) liquidação adicional, sem que o contribuinte seja tido em consideração sobre os respetivos fundamentos e termos.

E tal não consta (nem poderia constar nunca) do RIT sobre o qual a Requerente exerceu audição, o qual pressupõe um único ato de liquidação adicional.

Tal questão é, por si só, merecedora de uma análise nova – traduz um elemento novo vertido no procedimento carecido da emissão de opinião pelo contribuinte interessado, que se depara com uma decisão que lhe é amplamente desfavorável, ao resultar numa acrescida ablação patrimonial, sem que sobre a possibilidade legal da própria existência da mesma possa ser ouvido.

Tal audição prévia nunca foi diligenciada; e a preterição desta formalidade essencial inquina, também ela, o ato alterador/substitutivo em que se traduz a nova liquidação adicional de IRC do ano de 2012. 

Do exposto resulta, desde logo, a improcedência da exceção aduzida pela AT, porquanto o ato aqui impugnado não é o que foi apreciado no processo nº 191/2016-T, e a sua ilegalidade não resulta dos fundamentos atinentes ao mesmo ato, mas à impossibilidade legal da prática dos atos posteriores, aqui escrutinados.

Resulta, também, que o novo ato de liquidação adicional encontra-se manifestamente viciado pelo vício de violação de lei, sendo por isso sancionado com a respetiva invalidade.

Prejudicada fica, consequentemente, a apreciação dos demais vícios imputados ao ato pela Requerente.

O pedido de anulação da liquidação de juros compensatórios procede também, já que eles só seriam devidos se tivesse havido dilação na liquidação do imposto imputável ao contribuinte (artigo 35º nº 8 da LGT), quando o que se apurou é que foi ilegal a liquidação.

Igual sorte tem o pedido de juros indemnizatórios, pois o erro constatado pelo tribunal arbitral é de todo imputável aos serviços da AT, ao efetuarem a liquidação quando tal não era permitido – artigos 24º nº 5 do RJAT, 43º nº 1 da LGT e 61º do CPPT.

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que se decide, por maioria, julgar integralmente procedente o pedido e, em consequência, anular  os atos de liquidação adicional de IRC n.º 2016…, de 3 de agosto de 2016, de liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2016…, de 5 de agosto de 2016, todos praticados por referência ao exercício de 2012, condenando a Requerida a restituir o imposto deles resultante, acrescido de juros indemnizatórios contados desde o indevido pagamento até efetivo reembolso.

 

VII. VALOR DO PROCESSO E CUSTAS

 

Não obstante, no caso, e por força por força do disposto nos artigos 22º nº 4 e 12º nº 3 do RJAT e 5º nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), não haja necessidade de fixar o montante das custas nem a sua responsabilidade, não deixa de valer a disposição imperativa do artigo 97º-A nº 1 do CPPT, ex vi artigo 29º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e 3º do RCPAT, segundo a qual o valor do processo é igual ao da importância liquidada cuja anulação se pretende.

Irreleva, pois, que o pagamento efetuado pelo sujeito passivo seja inferior, como aconteceu no caso, por ter sido feito ao abrigo do PERES.

Corrige-se, consequentemente, o valor da causa para € 4.708.434,57 (quatro milhões, setecentos e oito mil, quatrocentos e trinta e quatro euro e cinquenta e sete cêntimos), em lugar dos € 4.442.957,93 indicados pela Requerente, ainda que sem consequência na taxa de arbitragem devida.

 

 

Lisboa, 5 de  setembro  de 2017.

 

Notifique-se.

 

Os árbitros

 

 

 

José Baeta de Queiroz

 

 

 

Gustavo Lopes Courinha

 

 

 

João Menezes Leitão

(vencido, conforme voto anexo, que integra a presente decisão)

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

I) O caso material sub judice. A aplicação do n.º 5 do art. 23.º do CIRC (desconsideração fiscal da menos-valia resultante de transmissão onerosa de partes de capital a entidade relacionada)

 

1. A matéria substantiva em apreciação nos presentes autos, conforme se observa da factualidade provada (vd. factos provados n.ºs I, III, V, XIII), prende-se com uma liquidação adicional de IRC relativa a uma correção ao lucro tributável de 2012 da Requerente respeitante à dedução fiscal de uma menos-valia no montante de €17.691.831,71 gerada com a transmissão onerosa de partes de capital a uma sociedade associada detida a 100%.

Tal correção ao lucro tributável promovida pela AT, conforme Relatórios de Inspeção Tributária individual e de grupo mencionados nos n.ºs II, III, IV e V da decisão de facto, é absolutamente vítrea em termos de subsunção do caso à competente previsão legal do Código do IRC, a saber, o segmento normativo do art. 23.º, n.º 5 do CIRC (na redação aplicável ratione temporis), segundo o qual: “Não são (...) aceites como gastos do período de tributação os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º (...)”, porquanto:

 - a Requerente declarou como gasto fiscal de 2012 uma menos-valia, que calculou em €17.691.837,71, realizada com a entrega de ações representativas de 100% do capital social da F…, SA como forma de concretização de um aumento do capital da G… SGPS, SA, por si detida em 100%;

- G… SGPS, SA, para quem foram transmitidas as ações representativas da totalidade do capital social da F…, SA, atento o facto de ser detida a 100% pela Requerente, constitui uma entidade com a qual esta possui relações especiais, nos termos da al. a) do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC (na redação vigente à data), que dispõe que “considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra”, o que se reputa verificado entre: “Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 10% do capital ou dos direitos de voto”;

-  a entrega de ações representativas do capital de uma sociedade para realização de um aumento de capital de outra sociedade constitui uma transmissão onerosa de partes de capital, por tal contribuição de bens implicar a transferência da titularidade das participações sociais na F…, SA para a sociedade G… SGPS, SA delas beneficiária, como entrada de capital, mediante contrapartida, dado que ao sacrifício patrimonial resultante da alienação das participações sociais na F…, SA corresponde a vantagem patrimonial da aquisição de uma nova participação social na sociedade G…SGPS, SA equivalente ao montante do respetivo aumento do capital social.

Deste modo, é límpida a concretização no caso da consequência de direito resultante da estatuição do n.º 5 do art. 23.º do CIRC: a não aceitação, para efeitos fiscais, da menos-valia de €17.691.837,71, apurada pela Requerente com a alienação da participação social na F…, SA, não podendo, pois, tal gasto ser assumido como componente negativa do lucro tributável.

 

2. Acrescente-se, já agora, que a tranquilidade da subsunção jurídica desta situação tributária em face do art. 23.º, n.º 5 do CIRC não é suscetível de ser perturbada com os argumentos, manifestamente inóspitos, que são aduzidos sobre: i) não estar preenchido o requisito da existência de uma transmissão onerosa; ii) a norma do art. 23.º, n.º 5 consubstanciar uma presunção implícita ilidível; iii) tal disposição permitir, sem justificação, diferente tratamento de idênticas operações no contexto de um grupo de sociedades ou na sua ausência.

Relativamente ao primeiro argumento, para além daquilo que já acima se consignou e da convocação do disposto no art. 46.º do CIRC, não é necessário particular desenvolvimento, visto que o único elemento fornecido para arrimo de tal (não) caracterização é uma interpretação conferida ao conceito de “aquisição” para os efeitos do art. 32.º, n.º 3 do EBF que se encontra num despacho da DGCI de 19.11.2009. Como, consabidamente, iura novit curia (n.º 3 do art. 5.º do Código de Processo Civil e n.º 2 do art. 2.º do RJAT), é bastante notar que o Tribunal não está constrangido pelas apreciações e qualificações jurídicas erróneas realizadas pelas partes processuais – ou pela AT no âmbito de distintas e antecedentes resoluções administrativas. De qualquer modo, ex abundantia, sempre se convoque esclarecedoramente PAULO DE TARSO DOMINGUES, “O regime das entradas no Código das sociedades comerciais” in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, ano 3 (2006), p. 673-723 (p. 676): “a noção de entrada correspond[e] à contribuição patrimonial do sócio para a sociedade que se destina ao pagamento das participações sociais que adquire, i. é, entrada social é a contribuição patrimonial que o sócio se obriga a realizar e a entregar à sociedade como contraprestação das participações sociais que subscreve” e PINTO FURTADO, Curso de Direito das Sociedades, 5.ª ed., Coimbra, 2004, p. 107: “A entrada é uma prestação que tem como contraprestação a parte, quota ou ação. Não é, por conseguinte, uma alienação ou oneração a título gratuito, uma liberalidade, mas um ato dispositivo a título oneroso”.

Quanto à ideia de que o n.º 5 do art. 23.º do CIRC contém uma presunção implícita ilidível, é suficiente atentar no texto do enunciado legal em questão (“Não são (...) aceites como gastos do período de tributação...”) para se concluir, de modo inteiramente distinto, que se trata antes de uma norma que demanda uma exigência geral e incondicional de aplicação. A elucidação do teor normativo deste preceito está, aliás, perfeitamente feita pelos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.2.2009, proc. n.º 0862/08 e de 8.1.2014, proc. n.º 0437/13, que explicitaram devidamente que tal preceito “estatui, sem mais, a não-aceitação «como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de capital social» para entidades com as quais haja «relações especiais»” e que a “desconsideração fiscal das menos-valias ou das variações patrimoniais negativas resultantes da transmissão onerosa de partes de capital entre entidades relacionadas foi o remédio encontrado pelo legislador para prevenir – negando-lhes relevo fiscal - práticas evasivas conhecidas e recorrentes tendentes à diminuição artificial do lucro tributável das entidades dominadas, e que, precisamente porque tais práticas são conhecidas e recorrentes, se optou pura e simplesmente por lhes retirar qualquer relevo fiscal, independentemente da ponderação das concretas condições da operação”. Adite-se também que nunca se deve confundir o que são razões de política legislativa com o instrumento técnico das presunções legais. Bem esclareceu, assim, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 753/14, que: “Poderia dizer-se que o regime legal assenta na ideia de que as operações efetuadas nessas circunstâncias têm uma finalidade puramente fiscal e não económica. Mas essa poderá ser a razão de política legislativa que levou o legislador a declarar indedutíveis os custos realizados nesse tipo de transações. Não há aqui uma presunção em sentido próprio. A norma não permite presumir um qualquer facto tributário, a partir da ocorrência de transações de partes de capital entre empresas em relação de grupo, que o sujeito passivo pudesse contraditar através de um procedimento de prova. Limita-se a desqualificar como custo os resultados negativos que provenham dessas transações. Certo é que essa desqualificação pode determinar um aumento do imposto a liquidar por virtude de não ser possível refletir na matéria coletável as perdas imputáveis à operação. Mas essa é a necessária decorrência de um mecanismo legal de funcionamento automático que incide sobre os critérios de dedutibilidade dos custos ou perdas. Tratando-se de um critério legal de apuramento da matéria coletável, e não de um facto tributário presumível que seja imputável ao sujeito passivo, não tem cabimento a admissão da prova em contrário”.

Por fim, a alegação de que tal disposição implica um injustificado diferente tratamento de idênticas operações no contexto de um grupo de sociedades em relação a situações de inexistência de grupo societário representa simplesmente o uso prepóstero do princípio da igualdade, tendo em conta que este princípio implica tratar por igual o que é essencialmente igual e diferentemente o que é essencialmente diferente em atenção à medida da diferença. Ora, se há algo assente no campo fiscal (como o releva toda a vasta dogmática sobre as implicações fiscais das atuações desenvolvidas entre entidades relacionadas e sobre preços de transferência) é que não são idênticas, pelo contrário são bem distintas, as situações e possibilidades das sociedades inseridas em grupos societários (da empresa plurissocietária, pois) em comparação com as entidades independentes (cfr. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, “A tributação dos grupos de sociedades”, in Fiscalidade, n.º 45, Janeiro-Março de 2011, pág. 25 que se reporta às “situações de elisão, evasão e fraude fiscal, que poderão possuir relevantes projeções na regulação tributária dos grupos societários, tendo em conta o jogo proporcionado no respetivo planeamento fiscal pela sua típica estrutura jurídica policêntrica e pela submissão dos respetivos componentes a uma estratégia empresarial unitária”). Vale, por isso, para o caso o que se apreciou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 139/2016: “não pode afirmar-se que a Recorrente está, a qualquer luz, numa situação igual ou equivalente à de uma sociedade que realize transações sobre partes sociais fora daquelas “relações especiais”, atenta a razoabilidade de, neste contexto, prevenir operações de evitação fiscal”.

 

3. Na sequência do que se vem de expor, no que concerne ao ajuizamento ratione constitutionis desta norma, em atenção ao mencionado cariz geral, incondicional e automático da sua aplicação, não se pode senão subscrever o que foi decidido pelo Tribunal Constitucional no já citado acórdão n.º 753/14 – depois de se observar que: “o legislador parece ter considerado (...) que as perdas resultantes de transmissão de partes de capital entre empresas relacionadas não são normalmente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, permitindo-se prevenir, do mesmo passo, o risco de criação artificiosa de menos-valias, com o consequente efeito de evasão fiscal, e prover ainda à dificuldade de verificação, por parte Administração Tributária, da existência de um efetivo interesse económico na transação (para o que não bastaria a mera demonstração de que foram praticados os valores de mercado)”, afirma-se o seguinte: “Perante o efetivo risco de regulação tributária nos grupos societários por efeito de uma estratégia de transferência de capital social entre empresas, a não dedutibilidade dos gastos apurados nessas transações mostra-se justificada pela relevância dos interesses que determinam a restrição” concluindo-se, pois, que: “Não se verifica nestes termos a invocada violação do direito à tributação segundo o lucro real ainda que por referência ao princípio da proporcionalidade”. Tratou-se, aliás, de orientação que já tinha recebido acolhimento na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo acima citada: “tal faculdade não está vedada ao legislador nem pela Lei Fundamental (artigo 104.º da Constituição) nem pelos princípios do Direito Europeu, designadamente o da proporcionalidade e da necessidade, pois que, não sendo embora essa a regra, admite-se que normas anti-abuso específicas possam legitimamente traduzir-se - em casos que oferecem especial risco do ponto de vista da erosão das bases tributáveis -, na indedutibilidade de determinadas componentes negativas do lucro, ou seja, na sua irrelevância para efeitos fiscais” (acórdão de 8.1.2014, proc. n.º 0437/13).

 

4. Nestes termos, afigura-se hialino, em termos de Direito fiscal material, que a apreciação do caso concreto perante a normatividade legal aplicável (não desconforme sub specie constitutionis), conduz a identificar como única solução juridicamente adequada a indedutibilidade da menos-valia definida pela Requerente com a transmissão das ações representativas de 100% do capital social da F…, SA para a G… SGPS, SA, e, consequentemente, como fundada e legal a correção à matéria coletável promovida pelos Relatórios de Inspeção Tributária individual e de grupo reportados nos pontos n.ºs II, III, IV e V do probatório.

 

II) A segunda liquidação adicional impugnada

 

5. A clareza do enquadramento da matéria no ponto de vista do seu tratamento jurídico-tributário material surge envolvida na situação sub judice pela particularidade formal da correção ao lucro tributável respeitante à dedução da menos-valia com a transmissão onerosa de partes de capital no montante de €17.691.831,71 promovida pelos Relatórios de Inspeção Tributária individual e de grupo não ter sido objeto de uma inicial liquidação adicional, porquanto se verificou que foi emitida uma primeira liquidação adicional, relativa a diminuição da dedução de benefícios à coleta de IRC e de fixação de imposto a título de resultado da liquidação, e só numa autónoma – e segunda – liquidação adicional se incluiu o aumento do lucro tributável em €17.691.831,71 resultante daquela correção (cfr. os factos provados n.ºs VII, VIII e XIII).

 

6. Em face desta segunda liquidação adicional, a decisão que fez vencimento operou um enquadramento jurídico que julgo alheado das conceções e soluções específicas do ordenamento jurídico-tributário, de cujas previsões legais pouco rasto há no discurso desenvolvido, o qual se orientou, antes, por uma inadequada convocação do Código do Procedimento Administrativo (CPA).

Desde logo, deve-se ter sempre presente, como bem lembra a Requerente na sua PI (art. 52.º), que “o Código de Procedimento Administrativo (...) é de aplicação meramente subsidiária, segundo resulta do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária”. Por isso, a invocação de preceitos do CPA, como critério normativo de decisão de relações jurídico-tributárias, só pode fazer-se em atenção a casos omissos em face das normas próprias do Direito Tributário ou a normas de aplicação geral a todos os procedimentos (cfr. art. 2.º do CPA), sob pena de se infringir a relação de especialidade entre o Direito Tributário e o Direito Administrativo ou, se se quiser, entre o procedimento tributário como procedimento administrativo especial, objeto das regras específicas próprias da Lei Geral Tributária (LGT), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e dos “demais códigos e leis tributárias” (cfr. art. 2.º, als. a) e b) da LGT) e o procedimento administrativo comum, disciplinado pelo CPA. Ora, o Código do IRC e a Lei Geral Tributária contêm dispositivos específicos atinentes às liquidações adicionais, que foram incompreensivelmente desprezados pela decisão que fez vencimento.

Por isso, cabe imediatamente dizer que não penso que se possa acolher a ideia apresentada na decisão que fez vencimento da aplicação in casu do regime da “alteração/substituição de ato administrativo, que segue ex vi art. 173.º n.º 1 do CPA as regras do regime da revogação administrativa, vertido nos artigos 165.º e seguintes do mesmo diploma, aplicáveis ao procedimento tributário por remissão do artigo 2.º al. d) do Código de Procedimento e Processo Tributário”, como se não existisse disciplina especial respeitante a liquidações adicionais.

Sobrevém que a aplicação, assim feita, à liquidação impugnada, dessa disciplina do art. 173.º do CPA, com a remissão para o regime da revogação administrativa – que constitui uma manifestação de competência dispositiva, que cabe distinguir perfeitamente, particularmente em atenção ao novo CPA, da anulação administrativa (cfr. art. 165.º, n.ºs 1 e 2 do CPA) –, designadamente do disposto no art. 167.º, n.ºs 2 e 3 do CPA, significa que se considera possível, em Direito Fiscal, em relação a uma liquidação de imposto, a sua alteração/substituição/revogação “por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, o que tenho por inadmissível (cfr. para lá do teor literal indistinto do art. 79.º da LGT, o próprio art. 167.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPA, que estabelece que não podem ser objecto de revogação administrativa em sentido técnico os atos praticados no exercício de poderes vinculados, em cumprimento de imperativos legais, como são os atos de liquidação de impostos).

 

7. Antes de explicitar melhor esta discordância básica com a decisão que fez vencimento, afiguram-se convenientes algumas considerações relativamente aos respetivos fundamentos.

Principio por dizer que a apreciação realizada quanto à rejeição da qualificação da segunda liquidação adicional, impugnada nestes autos, como ato de retificação (art. 174.º do CPA) me parece, desde logo, ociosa: por um lado, porquanto ambas as partes, no âmbito das suas peças processuais, ainda que discutindo tal matéria, afastaram essa caracterização relativamente à liquidação de IRC impugnada, qualificando-a corretamente como “liquidação adicional” (cfr. arts. 2.º, 4.º, 51.º a 93.º da PI e arts. 34.º a 51.º da R.); por outro lado, porquanto, se bem leio o Ofício reproduzido no n.º XII do probatório, ao qual se deve imputar a colocação desta questão da retificação, esta figura é reportada ao DCU (“na elaboração do Documento de Correção Único (DCU) com o n.º 2015-… -… que deu origem à liquidação n.º 2015-…-…-…por lapso, não foi incluída a correção ao Lucro Tributável, no montante de 17.691.831,71 Euro”). Como o objeto do presente processo são os atos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios sindicados, parece-me irrelevante discutir, no que lhes concerne, a figura do ato administrativo secundário do tipo retificativo em atenção ao pressuposto ostensivo do regime da rectificação dos erros de cálculo ou materiais (cfr. art. 174.º, n.º 1 do CPA).

De qualquer modo, sempre noto que não penso ser curial, para afastar o cariz manifesto do erro material, apelar ao argumento meramente hipotético, sem ligação com os factos, de a liquidação poder refletir integral ou parcialmente as alterações propostas e constantes do Relatório Inspetivo – é que, precisamente, como resulta do probatório (n.ºs II e IV), na situação sub judice verificou-se que as conclusões dos RIT individual e de grupo foram sancionadas integralmente pelos despachos neles aposto, pelo que, manifestamente, a não inclusão da correção ao lucro tributável promovida pelos RIT nunca poderia constituir uma divergência fundamentada face às respetivas conclusões (cfr. art. 63.º, n.º 1 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPIT). Por isso, atendendo às circunstâncias em que a primeira liquidação adicional foi feita, que decorre dos RIT indicados (cfr. factos provados n.ºs II, III, IV e V), não se vê como não fosse notório para a Requerente, perante a contraposição entre os RIT e a primeira liquidação adicional, a errónea omissão nesta da correção à matéria coletável (vd. factos provados n.ºs VII e VIII).

Mas, como acima se disse, esta temática não é particularmente significativa. É que, se o cariz ostensivo do erro material releva para a aplicação do “regime especial, bastante expedito, previsto e regulado no artigo 174.º do CPA” (DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. II, 3.ª ed., Coimbra, 2016, p. 415), isso não sequencia – ao contrário do que se pressupõe na decisão que fez vencimento ao considerar que o facto de não se tratar de um caso de retificação nos termos do art. 174.º do CPA compromete a nova liquidação adicional – que os erros materiais não manifestos não tenham que ser “retificados”. Como observa, com inteira razão, FREITAS DO AMARAL (ob. cit., p. 415): “a Administração, uma vez detetado um erro de cálculo ou um erro material, tem o dever jurídico de o retificar: não faria sentido que pudesse contemporizar com o erro, o que aliás logo permitiria presumir qualquer forma de conivência ilícita com o particular destinatário do ato”.

Sucede, simplesmente, que o erro material, ainda que não ostensivo, possui em sede de legislação sobre tributação do rendimento um outro regime aplicável – justamente a realização de uma liquidação adicional.

 

8. É agora altura de trazer para o caso a específica normatividade fiscal pertinente a que a decisão que fez vencimento não atendeu.

Determina a al. c) do n.º 2 do art. 99.º do CIRC, epigrafado Liquidação adicional, o seguinte: “A Direcção-Geral dos Impostos procede ainda à liquidação adicional, sendo caso disso, em consequência de: c) Erros de facto ou de direito ou omissões verificados em qualquer liquidação”.

A liquidação adicional, na caracterização clássica de ALBERTO XAVIER, Conceito e Natureza do Ato Tributário, Coimbra, 1972, pp. 126 a 129, é uma espécie de ato tributário secundário “pelo qual a Administração, verificando que mercê de omissão foi definida uma prestação inferior à legal, fixa o quantitativo que a esta deve acrescer para que se verifique uma absoluta conformidade com a lei. (...) o ato adicional não revoga o ato tributário viciado: porque se trata de uma nulidade simplesmente parcial, a lei mantém todos os efeitos ao ato primitivamente praticado, limitando-se a exigir que a administração, pela prática de um novo ato, titule juridicamente o excedente ou diferença que não fora previamente objeto de declaração. Longe de o destruir, o novo ato “adiciona-se” ao primeiro, concorrendo ambos para a definição da prestação legalmente devida”.

A liquidação adicional pressupõe, pois, uma liquidação anterior do mesmo imposto e ocorre sempre que, por qualquer motivo, designadamente erro material, se verifica o apuramento de coleta inferior à legalmente devida. A diferença objeto da liquidação adicional, precisamente, adiciona-se à liquidação antecedente, a qual não é substituída, mas complementada, resultando das duas liquidações de imposto a prestação tributária devida. Como se observa no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18.5.2011, proc. n.º 0153/11: “a liquidação adicional não é mais do que a correção de uma liquidação deficiente em consequência de erros ou omissões, que tanto podem ser da responsabilidade dos serviços como dos contribuintes. O seu objetivo é apenas apurar a diferença de imposto de forma que ao contribuinte seja exigido, no total, importância igual à que resultaria de liquidação efetuada de uma só vez”.

Pois bem, sempre que, evidentemente dentro do prazo de caducidade (cfr. arts. 45.º da LGT e 101.º do CIRC), a Administração constata que é exigível imposto superior ao liquidado, está vinculada a proceder a uma liquidação adicional (cfr. os dizeres da al. c) do n.º 2 do art. 99.º do CIRC), em ordem a que o sujeito passivo suporte o imposto que é devido nos exatos termos e medida da previsão legal pertinente.

A admissibilidade de uma segunda liquidação adicional em relação a anterior liquidação adicional é, pois, um dado reconhecido e imposto pelo nosso ordenamento tributário, pois, competindo, por imperativo legal, à AT efetuar a liquidação do imposto que corresponda exatamente aos respectivos pressupostos legais e de facto, se detecta a existência de um erro de que resulte uma prestação inferior à legalmente devida, exige-se-lhe, igualmente por imperativo legal, o cumprimento do dever de o corrigir, emitindo o ato tributário pertinente. Outra solução chocaria com o princípio da legalidade da atuação administrativo-tributária, afectaria o princípio da indisponibilidade do crédito tributário e acarretaria uma violação do princípio da igualdade, pois permitiria a certos contribuintes, com base em lapsos administrativos, conseguir uma situação mais vantajosa do que outros contribuintes em idênticas condições relativamente aos quais não se verificaram tais lapsos, ou em face de contribuintes cumpridores que escrupulosamente obedeceram à lei, facultando ainda os maiores abusos.

Destaque-se, a este propósito, o que foi julgado pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2.10.2002, proc. n.º 01091/02, em atenção à norma geral do art. 78.º da LGT e ao disposto no então art. 81.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do CIRS (cuja redação coincide substancialmente com a al. c) do n.º 2 do art. 99.º do CIRC), que decidiu “que a Administração Fiscal pode fazer várias liquidações adicionais, como no caso dos autos (isto é, quando as liquidações anteriores tenham sido feitas com base em erro de facto ou de direito de que resulte prejuízo para o Estado), desde que dentro do prazo de caducidade do direito de liquidar. É que, para além do valor da segurança jurídica a curto prazo, há que ter presente que a Administração Fiscal está constitucionalmente sujeita aos princípios da legalidade, da justiça, da igualdade e da imparcialidade (artigo 266°, 2, da CRP)”.

É, assim, incorreta a ideia acolhida pela decisão que fez vencimento de que a situação jurídico-fiscal do contribuinte fica consolidada com um primeiro ato de liquidação adicional, que não pode ser modificado, por razões de exigência de estabilidade da relação fiscal, e que constitui pressuposto do sistema procedimental tributário uma só liquidação adicional. Pelo contrário, para além do próprio n.º 1 do art. 63.º do RCPIT se reportar no plural aos “actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório”, impõe-se destacar que constitui princípio atualmente bem radicado no nosso ordenamento jurídico-tributário o de que “não é possível falar-se de uma estabilização definitiva do ato tributário sem que todos os prazos da sua reclamação, impugnação judicial, de revisão e de recurso contencioso estejam esgotados" – vd., para além do acórdão do STA de 2.10.2002, já acima citado, o acórdão de 20.3.2002, proc. n.º 026580 que destaca que: “Permitindo a lei a revisão do ato tributário, não é possível falar-se de uma estabilização definitiva dos efeitos do ato tributário sem que todos os prazos da sua reclamação, impugnação judicial, de revisão e de recurso contencioso estejam esgotados”). Na verdade, a estabilidade do ato tributário, seja na perspectiva da esfera patrimonial do contribuinte, seja na perspectiva do erário público, não pode ser sustentada nos termos de uma formulação abstracta ou de uma premissa conceptual (como o pressupõem as considerações apresentadas na decisão que fez vencimento), mas é o resultado de regimes normativos. Ora, a este respeito assume peso decisivo o regime da revisão dos atos tributários objecto do art. 78.º da LGT, cujo n.º 1 prevê: “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços” – precisamente, da revisão oficiosa pode resultar a anulação total ou parcial da liquidação do imposto, quando esteja em causa uma prestação tributária superior à que decorre da lei, mas também pode resultar uma liquidação adicional, quando esteja em causa uma prestação tributária inferior à legal, que pode advir de um erro de facto, material ou operacional.

 

9. Não julgo, assim, no que concerne aos fundamentos acima expostos, que a segunda liquidação adicional em causa nos autos padeça de impossibilidade legal da sua prática, pois ela legitima-se diretamente no disposto na al. c) do n.º 2 do art. 99.º do CIRC, dado representar um erro de facto ou material a omissão de uma correção ao lucro tributável (cfr. n.ºs VII, VIII, IX e XIII do probatório), que era exigida pela pertinente previsão legal do n.º 5 do art. 23.º do CIRC, conforme concluído pelos RIT elaborados e devidamente sancionados, correção essa sobre a qual a Requerente se pode pronunciar (cfr. n.ºs III e VI do probatório), sendo certo, atento o facto provado n.º XIV, para além do disposto no n.º 3 do art. 60.º da LGT, que a não dedutibilidade da menos-valia em causa e a legalidade da correção correspondente constitui, como se demonstrou no ponto I) desta declaração de voto, a única solução legalmente adequada ao caso (cfr. art. 163.º, n.º 5, als. a) e c) do CPA).

 

10. Eis os motivos pelos quais me aparto da posição que fez vencimento.

 

 

 

João Menezes Leitão

 

 

 

 

 

 



[1] Esclareça-se que a numeração a seguir indicada dos documentos juntos com a PI é a que resulta destes próprios documentos e não das indicações constantes da PI que se mostram equivocadas.

[2] Como a própria AT parece de certo modo admitir, na sua Contestação, quando alega, por exceção, o princípio da impugnação unitária, vertido no artigo 54.º do CPPT, o qual pressupõe precisamente a existência de um (e só um) único ato tributário, o qual condensa todo o teor procedimental. E, assim sendo, o procedimento de correção do lucro tributável de 2012 culminaria na antiga liquidação adicional.

[3] Já no antiquíssimo Código de Processo das Contribuições e Impostos se esclarecia no respetivo artigo 3.º que: “Os actos tributários, praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria, são definitivos quanto à fixação dos direitos do contribuinte…”.