Acordam os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), António Martins e Américo Brás Carlos, reunidos no Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório
1.A…, SA., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, …, …, …, …-… Covilhã;
1.1.B…, SA., pessoa coletiva n.º…, com sede na …, n.º…, … e … e …, …Viana do Castelo;
1.2.C…, SA., pessoa coletiva n.º…, com sede no …, …, … …, Madeira;
1.3.D…, SA., pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua …, s/n, … … Açores,
Doravante “Requerentes” vêm, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária-RJAT) apresentar pedido de pronúncia arbitral imediatamente sobre o indeferimento das reclamações graciosas quanto aos atos de autoliquidação de IRC referentes ao ano de 2013 e mediatamente sobre a legalidade dos referidos atos de autoliquidação de IRC, na parte em que não foi computado o benefício fiscal designado por Crédito Fiscal Extraordinário para o Investimento (CFEI), aprovado pela Lei n.º 49/2013, de 16 de julho.
O pedido é apresentado em coligação de autores e em relação aos diferentes atos de indeferimento, expresso (nos dois primeiros casos) e tácito (nos restantes) de reclamações graciosas apresentadas pelas Requerentes (doc n.º 4).
3. 1.No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, igualmente do RJAT, o Requerente designou como Árbitro o Exmo Senhor Prof. Doutor António Martins.
3.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-12-2016.
33.Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do TJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Exmo Senhor Prof. Doutor Américo Brás Carlos.
3.4.Por acordo, os árbitros nomeados pelas partes indicaram para presidir a este Tribunal Arbitral a Conselheira Dr.ª Maria Fernanda dos Santos Maçãs que, no prazo aplicável, aceitou o encargo.
3.5.Em 20-02-2017, as partes foram notificadas dessa designação, nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, nada tendo objetado ou requerido.
3.6.Em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 09-03-2017.
3.7.Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral as Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:
a) Indevidamente a AT entendeu que os actos de autoliquidação em causa não padeciam de qualquer erro ou irregularidade uma vez que os investimentos realizados em imóveis classificados contabilisticamente como propriedades de investimento não preencheriam a definição de activo fixo tangível constante da NCRF 7 e, assim, não beneficiariam do CFEI.
b) Por este motivo, as reclamações graciosas apresentadas foram objecto de indeferimento sem que, em concreto, a AT atendesse às características específicas da actividade desenvolvida pelas Requerentes e à utilização, à função económica e à essencialidade na prossecução daquela actividade dos imóveis por estas detidos, sendo que o exame da AT haveria de ter partido de uma perspectiva económico-funcional e sistemática do sistema de normalização contabilística e não de uma óptica parcialmente literalista dos conceitos contabilísticos em questão, totalmente inidónea para reflectir a intenção do legislador ao consagrar o CFEI.
c) As Requerentes não deixaram, porém, de efectuar os referidos investimentos em 2013, tendo apresentado tempestivamente as correspondentes declarações Modelo 22 e efectuado o pagamento do imposto que das mesmas resultou, sem que, nessas mesmas declarações, tivesse sido computado o benefício fiscal referido, que agora se propugna.
d) As Requerentes dedicam-se exclusivamente à exploração dos centros comerciais de que são proprietárias, e fazem parte do Grupo E… .
e) Trata-se, em todos os casos, de centros comerciais bem implantados e conhecidos das populações locais, que, como é público e notório, desempenham um papel relevante na economia das áreas em que se inserem e, que têm, em geral, mostrado grande resiliência, justificando uma contínua aposta na sua remodelação e expansão.
f) Aproveitando a sua inserção num Grupo de empresas dedicado exclusivamente à criação, edificação, promoção e gestão de centros comerciais, a actividade das Requerentes não se traduz no mero arrendamento de espaços, de “paredes nuas”, em edifícios comerciais; mas compreende um conjunto multifacetado de serviços conexos com a cedência de espaços comerciais, tanto a montante, começando pela concepção desses espaços e pela definição dos respectivos sortidos (tennant-mix) como a jusante, na prestação de serviços de segurança e arquitectura e ainda de parceiro financeiro.
g) Durante o ano de 2013, as Requerentes levaram a cabo investimentos muito vultuosos, consistentes, basicamente, em remodelações dos activos existentes, em expansões físicas dos próprios centros comerciais, acrescentando, em qualquer dos casos, muito valor ao seu património, gerando actividade na economia e, bem assim, contribuindo, com a sua parte, para a criação de emprego.
h) A actividade desenvolvida pelas Requerentes no que toca à gestão dos centros comerciais reveste-se de um carácter eminentemente activo, não se resumindo à mera cedência de espaços para exploração comercial por terceiros. Com efeito, as Requerentes e as outras sociedades do universo E…:
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monitorizam continuamente a actividade dos seus centros comerciais, analisando, numa base recorrente, os seus principais indicadores operacionais, como sejam o tráfego e o volume de vendas, de forma a percepcionar se a sua oferta se adapta constantemente às necessidades dos seus visitantes;
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elaboram estudos de mercado com vista a aferir o nível de satisfação dos clientes/visitantes, de modo a, se necessário, repô-lo em níveis desejáveis;
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gerem activamente o tennant-mix, procurando manter a diversidade e introduzindo novos conceitos que dinamizem a oferta comercial;
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nos momentos de maior incerteza económica, incentivam os lojistas a ocupar espaços nos centros comerciais, através da comparticipação de parte do seu investimento;
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elaboram diagnósticos de investimento, que permitam identificar as acções necessárias para garantir uma utilização racional do espaço e dos recursos;
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identificam oportunidades de expansão, que permitam aumentar a área bruta locável e introduzir novos conceitos, actividades e marcas;
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esforçam-se por renovar periodicamente a imagem dos espaços, adaptando-os às novas tendências e tendo como fim último o aumento do conforto dos visitantes;
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com o objectivo de responder às necessidades específicas dos consumidores, desenvolvem e executam acções promocionais dedicadas, visando incentivar as visitas dos utilizadores finais, aumentando o seu envolvimento e confiança no espaço comercial; exemplo disso é a recente aposta na instalação de parques infantis em diversos centros comerciais para melhor acompanhar as tendências do consumidor e potenciar a sua experiência no acto de compra.
i) Ou seja, os centros comerciais das Requerentes são espaços unos, que obedecem a uma racionalidade própria, e não aglomerados atomizados de estabelecimentos comerciais sem qualquer conexão entre si; antes oferecem um produto aos consumidores, consistente num espaço comercial onde podem encontrar desde correios, a lojas do cidadão, passando pelas lojas e pelos espaços de lazer.
j) O centro comercial tem igualmente clientes imediatos que geram receitas que nada têm que ver com os espaços comerciais stricto sensu: os utentes dos espaços de lazer ou outros e os anunciantes que pagam por anunciar nos “mupis” e outros espaços de publicidade disponibilizados nos seus centros comerciais.
k) Esta orientação da actividade das Requerentes para o visitante do centro comercial tem uma expressão particularmente evidente nos “contratos de utilização de espaço em centro comercial”, sob os quais se estabelece um compromisso mútuo do lojista com a respectiva proprietária que se traduz, para aquele, na sujeição à política comercial e de gestão delineada para o centro comercial e, para esta, muitas vezes, na assunção do sucesso ou insucesso do negócio do primeiro. Traços indeléveis desse compromisso são, v.g., as seguintes estipulações contratuais:
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Os chamados fit-out ou comparticipações da proprietária na construção, adaptação das lojas de maior atractividade, como sejam as grandes cadeias internacionais como a … ou a …;
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A fixação de rendas variáveis dependentes do volume de vendas dos lojistas;
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Obrigatoriedade de os projectos de obras realizadas pelos lojistas nas suas lojas terem de ter prévia aprovação dos arquitectos das Requerentes;
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Insusceptibilidade de transmissão da sua posição contratual por parte dos lojistas sem prévia autorização das Requerentes;
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Necessidade de colaboração dos lojistas na política global de marketing delineada pelas Requerentes para os centros comerciais.
l) O que vem de expor-se confirma não só que os centros comerciais estão afectos e constituem a própria “exploração” das Requerentes, como também que essa exploração é dinâmica, focada no visitante do centro comercial e porventura mais comprometida com este cliente final do que a maioria das actividades puramente de retalho desenvolvidas pelos retalhistas tradicionais, as quais, paradoxalmente, não suscitam dúvidas (quando exercidas em instalações por eles ocupadas) quanto à aplicabilidade do incentivo fiscal que neste pedido de pronúncia arbitral se analisa.
m) Em 2013 foi publicada a Lei nº 49/2013, de 16 de Julho (doravante, “LCFEI”), onde se consagrou um crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI) que se traduz numa dedução à colecta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em activos afectos à exploração que fossem efectuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013 e que não superassem € 5.000.000,00 por sujeito passivo.
n) No plano subjectivo, as Requerentes observam na íntegra as condições enunciadas no artigo 2º da LCFEI para beneficiar desta benesse fiscal.
o) Já no plano material, isto é, no que concerne especificamente ao tipo e natureza dos investimentos elegíveis para o cômputo do benefício, teríamos de estar em presença de activos (cfr. artigo 4º):
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Afectos à exploração;
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Adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2014;
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Que sejam activos fixos tangíveis, activos biológicos ou activos intangíveis, incluindo não só patentes como outros tipos de propriedade industrial como marcas, alvarás e outros direitos assimilados; e
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Não sejam susceptíveis de utilização na esfera pessoal, o que será o caso das despesas com a construção, aquisição, reparação e ampliação de edifícios quando afectas a actividades produtivas ou administrativas.
p) À partida estariam reunidas as condições de elegibilidade dos investimentos das Requerentes à luz do CFEI:
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As Requerentes cumprem, como já se elucidou, todas as condições subjectivas de acesso ao regime;
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Foram realizados investimentos no período desde 1 de Junho de 2013 a 31 de Dezembro do mesmo ano;
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Trata-se de investimentos em activos fixos, corpóreos (tangíveis, na acepção “física” do termo) que foram integralmente afectos a actividades produtivas ou administrativas das Requerentes; mais: foram afectos à única actividade exercida pelas Requerentes.
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Não são susceptíveis de serem utilizados para fins privados;
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Entraram em funcionamento ou utilização até 31 de Dezembro de 2014.
q) Mas, contra o estatuído no 9º do Código Civil, por remissão do artigo 12º da LGT, não foram ponderados e convocados à tarefa interpretativa, nomeadamente os elementos sistemático e teleológico, numa demonstração de indiferença total pelos desígnios extra-fiscais do benefício em causa (cit. Castanheira Neves, Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, BFDUC, Coimbra Editora, 2011, pp 104 e 105).
r) Do ponto de vista contabilístico, as despesas de investimento em quaisquer dos centros comerciais detidos pelas Requerentes têm, na verdade, sido reconhecidas como “propriedades de investimento” nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) nº 11, não se achando por isso escrituradas como “activos tangíveis”.
s) Todavia, ao contrário do que a mesma classificação parece denotar, à aparente dicotomia formal activo tangível/propriedade de investimento, não subjaz uma mesma dicotomia substancial; por outras palavras: apesar de destinadas a serem escrituradas como propriedades de investimento (cfr. cópia do balanço de uma das sociedades do grupo), as despesas de investimento nos seus centros comerciais já efectuadas e a efectuar pelas Requerentes preenchem, em substância, a definição de activo tangível, para além de, como já vimos, corresponderem fielmente à ratio legis da LCFEI.
t) Na verdade, uma leitura um pouco mais atenta das normas em causa revela que o âmbito material das propriedades de investimento apresenta uma clara área de intersecção com a categoria dos activos tangíveis, na exacta medida em que estes podem, do mesmo modo, ser dados em locação, sendo, como logo se verá, o critério de distinção entre os activos que se quedam pela classificação como activos tangíveis e os que são passíveis de reconhecimento naquela primeira categoria a circunstância de serem ou não ocupados pelo dono.
u) Sob a égide do Plano Oficial de Contabilidade (POC), os centros comerciais detidos pelas Requerentes subsumiam-se claramente na Classe 4 de imobilizações, conta # 42, que integrava os “elementos tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano” (Cfr. Notas Explicativas).
v) O traço distintivo entre esta conta e a conta # 414 (“investimentos em imóveis”) era bem vincado: esta última englobava as edificações urbanas que não estivessem afectas à actividade operacional da empresa, ao passo que a primeira abarcava os “edifícios fabris, comerciais, administrativos e sociais”, o que significa que, com toda a probabilidade, se o POC se houvesse mantido em vigor até ao período relevante, a LCFEI englobaria no núcleo de investimentos elegíveis os bens do imobilizado corpóreo, categoria na qual figurariam os centros comerciais das Requerentes.
w) O que veio a suceder no domínio do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), instituído pela Lei nº 10/2009, de 10 de Março, reforça essa convicção. Na sua versão original, este incentivo, dirigido embora essencialmente ao sector produtivo, abrangia quaisquer investimentos em imobilizado corpóreo, incluindo construção, reparação e ampliação de edifícios e outras construções desde que afectos a actividades fabris ou administrativas (cfr. al. a) do nº 2 do artigo 2º).
x) Mais recentemente, este benefício fiscal foi objecto de um aprofundamento e de uma prorrogação, tendo sido integrado no Código Fiscal do Investimento (Decreto-Lei nº 82/2013, de 17 de Junho). No entanto, no que respeita aos activos fixos corpóreos, o legislador parece ter querido deixar o seu âmbito intocado, ao ter apenas actualizado a terminologia relevante em consonância com o SNC; assim, onde se lia “activo imobilizado corpóreo” lê-se agora “activos fixos tangíveis”.
y) Ou seja, muito embora não seja fácil imaginar, no contexto produtivo, uma propriedade de investimento afecta à exploração (ao contrário do que sucede com os centros comerciais), esta tradução para a nova linguagem contabilística sem qualquer ressalva quanto às propriedades de investimento denuncia que o legislador do RFAI terá reconduzido integralmente aquele conceito primitivo (activo imobilizado corpóreo) a este mais recente (o de activo fixo tangível).
z) Já o legislador do IRC, que empreendeu uma extensa adaptação deste imposto ao SNC, ter-se-á apercebido da singularidade contabilística das propriedades de investimento, mas, quando se tratou de prever a depreciação de todos estes activos não previu regime distinto para os activos fixos tangíveis e para as propriedades de investimentos contabilizadas ao custo histórico que, com carácter sistemático, sofram perdas de valor resultantes da sua utilização pelo decurso do tempo (cfr. nº 1 do artigo 29º do CIRC).
aa)Esta disposição é ainda complementada pelo nº 2 do artigo 1º do Decreto-Regulamentar nº 25/2009, de 14 de Setembro, segundo o qual as depreciações só são consideradas a partir da entrada em funcionamento ou utilização daquelas mesmas propriedades de investimento sujeitas a deperecimento e activos fixos tangíveis, o que inculca que, no IRC, as propriedades de investimento com aquelas características e os activos fixos tangíveis merecem, em princípio, um tratamento paritário.
bb) Na realidade, se atentarmos na definição de activo fixo tangível constante do parágrafo 6 da NCRF 7 logo percebemos a razão desta homogeneidade de tratamento: “activos fixos tangíveis são itens tangíveis que: (a) sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos; e (b) se espera que sejam usados durante mais do que um período.”
cc) Perante esta definição, é evidente que, quando vista isoladamente – isto é, sem ter em conta o disposto na NCRF 11 ‑ a NCRF 7 imporia a classificação dos centros comerciais das Requerentes como activos fixos tangíveis, seja porque o uso das fracções dos centros comerciais é cedido aos lojistas, seja porque os correspondentes contratos de cedência de exploração ou de uso arrastam consigo um feixe de serviços associados ao próprio centro comercial e que são assegurados pelas Requerentes (segurança, arquitectura, limpeza, marketing), ou ainda porque o próprio centro comercial pode ser encarado, per se, como um produto ou serviço global que é oferecido aos lojistas e que, para alguns (as lojas-âncora), pode mesmo incluir uma comparticipação financeira no negócio.
dd) Bem vistas as coisas, esta abrangência da noção de activo fixo tangível confere-lhe, em substância, justamente o cariz de uma categoria geral dentro da classe dos activos, da qual as propriedades de investimento serão um tipo especial, que congrega os activos fixos tangíveis que reúnam certas características.
ee) Esta inferência não procede, é certo, de uma ordenação expressa na lei contabilística das propriedades de investimento como subcategoria da categoria de activos fixos tangíveis, mas sim da exegese lógica do dito par. 6 da NCFR 7 quando este alude a “arrendamento” nos termos latos em que o faz; se uma propriedade de investimento não é ocupada pelo dono (tal como aludido na NCFR 11) é porque se acha locada ou devoluta e por isso e porque as normas contabilísticas são Direito e, como tal, são interpretadas de harmonia com os cânones jurídicos, do ponto de vista da sua ratione juris não pode deixar de subsumir-se na definição de activo fixo tangível.
ff) Já, segundo a NCRF 11, propriedade de investimento é um terreno, um edifício ou parte de ambos detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para (a) uso na produção e fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas, ou (b) venda no curso ordinário do negócio.
gg) A propriedade de investimento que, sendo detida pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira está destinada a uso na produção e fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas designa-se propriedade ocupada pelo dono (cfr. par. 5) e é precisamente este critério – o da ocupação pelo dono – que funda, de acordo com o revisor oficial de contas das requerentes e, em geral, com a opinião de todas as empresas do grupo das denominadas “F…” de auditoria, a contabilização dos centros comerciais como propriedades de investimento e não como activos fixos tangíveis.
hh) Esse juízo tem o seu arrimo essencial no enunciado do par. 9 da NCRF 11 que circunscreve, por delimitação negativa, um conjunto de situações de propriedades que não podem ser escrituradas como propriedades de investimento, estabelecendo, em concreto, que as propriedades ocupadas pelo dono são de levar à conta de activos fixos tangíveis.
ii) O que daqui se poderia inferir, em conjugação com o facto de o rendimento e a actividade das proprietárias dos centros comerciais se traduzirem essencialmente na obtenção de algo semelhante a rendas – a contrapartida da cedência do uso de espaços comerciais ‑, seria que as propriedades arrendadas pelo seu dono, independentemente de constituírem o fulcro da actividade das suas titulares e da natureza activa dessa actividade – por contraposição com um tipo de arrendamento de “paredes nuas” tipicamente passivo – seriam sempre de qualificar como propriedades de investimento.
jj) Mas, se observarmos melhor, não se pode extrair essa ilação a partir das regras da hermenêutica jurídica, porquanto não é lícito deduzir da circunstância de as propriedades ocupadas pelo dono não poderem configurar propriedades de investimento que todas as propriedades que o não sejam hajam forçosamente de ostentar esta última classificação, sobretudo se se tratar de propriedades através das quais seja manifesto que o seu titular presta outros serviços (como é o caso dos centros comerciais).
kk) A dificuldade de classificação dos centros comerciais, é, assim, manifesta e tem sido geradora de controvérsia. De um dos lados dessa controvérsia, a Comissão de Normalização Contabilística (CNC) vem sustentar, numa questão colocada por uma empresa (a denominada FAQ 16, publicada no site da CNC) que uma entidade que detenha imóveis para rendimento, seja ou não essa a sua principal actividade, deve, no correspondente tratamento contabilístico, observar o disposto na NCRF 11 – propriedades de investimento.
ll) A NCRF 11 deve ser entendida como um regime especial em relação ao regime geral e residual da NCRF 7 para imóveis arrendados, tal como, por exemplo, o regime do arrendamento urbano é um regime especial da locação; ora, um bem sujeito ao primeiro não perde, por esse facto, a sua natureza geral de bem locado, tal como uma propriedade de investimento, por sê-lo, não deixa de constituir um activo fixo tangível.
mm) O entendimento de que as propriedades de investimento são um subtipo dos activos tangíveis vem aparentemente sufragado na recente proposta de Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 (370/2016, de 13 de Outubro), -a qual prevê, no tocante ao nº 10 do artigo 48º do CIRC que “não são suscetíveis de beneficiar deste regime as propriedades de investimento, ainda que reconhecidas na contabilidade como ativo fixo tangível.”
nn) Se o legislador não está vinculado ao reconhecimento contabilístico quando o reconhecimento contabilístico traduz uma veste formal que não corresponde ao substrato material que o legislador quer proteger ou fomentar, não estará, do mesmo modo, espartilhado perante um tratamento formal de um activo que não permite uma vantagem fiscal cuja fruição o seu substrato material e função reclamam.
oo) A sobredita posição da CNC – que, convém ressalvar, não reveste qualquer valor legal – tem sido rebatida entre nós pela Prof. Ana Rodrigues (Professora de Contabilidade da Universidade de Coimbra e Membro da Comissão da Reforma do IRC de 2014), a qual, defende, em relação aos imóveis arrendados como actividade principal da locadora, que:
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O arrendamento no âmbito da actividade principal de uma entidade constitui uma verdadeira prestação de serviços (cfr. p. 7, doc. nº 11);
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“Se a letra da norma comporta alguma indeterminação, permite, todavia, que apelando à substância económica se possa e deva classificar adequadamente as propriedades (imóveis). Assim, se a letra da norma não impede essa classificação mais substancial dos ditos bens, pois o sentido a atribuir-lhe deve ser o que se revelar mais adequado para prosseguir o fim que se quis assegurar com este preceito. A ratio da norma não podia ser aquela que foi acolhida na FAQ, atendendo a que o arrendamento pode constituir uma verdadeira actividade económica (pag. 7)”;
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“Justifica-se, pois perceber a incoerência das disposições normativas tanto da NCRF 11, como da IAS 40, pois se a actividade principal da entidade for a locação de máquinas, estas são reconhecidas como activos fixos tangíveis. Se essa actividade principal for o arrendamento operacional de imóveis não devem estes ter a mesma classificação contabilística que no caso anterior? Fará sentido que neste último caso esses bens devam ser considerados propriedades de investimento e já não activos fixos tangíveis?”.
pp) Esta tese, que distingue entre a obtenção de rendas a título de actividade principal (preconizando a contabilização dos correspondentes activos como tangíveis) e como mero investimento financeiro acessório, é acolhida na própria NCRF 11, quando no seu parágrafo 7 se dispõe que: “As propriedades de investimento são detidas para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades. Por isso, uma propriedade de investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos por uma entidade. Isto distingue as propriedades de investimento de propriedades ocupadas pelo dono.”; ora, os únicos activos e a fonte geradora de fluxos de caixa para as requerentes são os centros comerciais, pelo que estes não são, materialmente, suas propriedades de investimento.
qq) Trata-se de uma querela doutrinal que tem sido, sem dúvida, alimentada pela fluidez de conceitos da NCRF 11, que é admitida na própria norma, nomeadamente nos parágrafos 11 a 14.
rr) Na NCFR 11 reconhece-se que a aproximação à noção de propriedade ocupada pelo dono – e portanto, à classe dos activos tangíveis – será tanto maior quanto maior for a importância da componente de serviços prestados pelo locador para além da locação, admitindo-se, por exemplo, que um hotel possa ser contabilizado como sendo “ocupado pelo dono”, na medida em que nele se prestem esses outros serviços de forma substancial.
ss) A similitude da situação dos hotéis com a dos centros comerciais é inegável e já foi reconhecida pelos nossos tribunais superiores e pela própria AT no domínio do IVA, ao discernirem claramente, para fins da definição do perímetro da isenção em IVA das locações, um contrato de arrendamento de “paredes nuas” de um contrato de cedência de espaço em centro comercial no qual a sua índole mista é o dado mais saliente, justificando a sujeição plena deste a IVA (cfr. Processo: nº 2783, despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director - Geral, em 2011-12-20).
tt) Na mesma linha se têm posicionado os nossos tribunais superiores, ao distinguirem claramente aquilo que é um arrendamento de “paredes nuas” da exploração activa de um imóvel com um conjunto de serviços associado, sem os quais a utilização do espaço se torna inútil, por não servir o fim a que se destina (cfr., por todos, Acórdão do TCAS, Proc. 06375/13, de 05/07/2013).
uu) Nos centros comerciais, os fluxos de caixa são sobretudo gerados pelos montantes cobrados a título de cedências de espaço aos lojistas – que compreendem valores fixos e valores variáveis, que constituem verdadeira “participação no negócio do lojista”, algo nos antípodas do mero arrendamento e valorização de capital –, sendo os montantes cobrados a título de prestações de serviço (segurança, limpeza, etc.) complementares daqueles fluxos.
vv) Pese embora a cedência dos espaços das lojas, não se pode, em bom rigor, dizer que os centros comerciais não são ocupados pelo dono: é ele que define horários, gestão, segurança, sortido de lojas; é ele que ocupa as áreas dedicadas ao lazer e entretenimento; é a ele que incumbe publicitar o centro comercial.
ww) Daí que, ainda que fosse decisivo para o benefício do CFEI que os centros comerciais fossem ocupados pelas Requerentes – o que não se concede – a verdade é que eles só seriam propriedades de investimento se o volume de serviços prestados fosse insignificante em relação ao acordo como um todo (cfr. par. 11, NCRF 11), o que, como é manifesto, não é o caso.
xx) De tudo o que vem dito as Requerentes concluem que:
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O reconhecimento contabilístico dos investimentos num centro comercial como elementos de uma propriedade de investimento não pode conduzir à sua exclusão do âmbito do CFEI se os mesmos forem afectos à exploração e, em substância, cumprirem o propósito do mesmo CFEI e puderem ser qualificados como activos fixos tangíveis;
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Os centros comerciais das Requerentes preenchem não só substancial como também literalmente a definição de activos fixos tangíveis;
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Os centros comerciais devem ser entendidos como activos integrados na categoria geral de activos fixos tangíveis, mesmo que a sua sujeição à disciplina contabilística especial das propriedades de investimento pudesse ser defensável;
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Por constituírem a actividade principal das Requerentes, os centros comerciais situam-se na zona de fronteira entre a contabilização nos termos da NCRF 11 e nos termos da NCRF 7;
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No plano fiscal, o legislador, a doutrina e a jurisprudência, têm distinguido os centros comerciais pelo cariz misto das prestações de serviço que neles se realizam (na determinação do seu estatuto para efeitos de IVA e IMI, por exemplo);
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Um activo não será propriedade de investimento se: a) não gerar fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos por uma entidade, b) os serviços prestados ao ocupante de uma propriedade não forem insignificantes em relação ao acordo de ocupação como um todo (cfr. NCRF 11);
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O CFEI é aplicável aos investimentos efectuados pela Requerente entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro do mesmo ano que cumpram as demais condições do correspondente diploma.
yy) A inacessibilidade ao CFEI pelas Requerentes devido à sobredita contabilização dos investimentos como propriedades de investimento é ilegal e inconstitucional por violação do princípio da igualdade (art. 6º do EBF e art. 104º da CRP) e potencialmente geradora de distorções do espírito deste benefício fiscal e da sã concorrência entre empresas que actuam no mesmo mercado, prosseguem actividades afins e competindo pelo mesmo público-alvo e incumpre, ainda, o princípio jus-tributário e contabilístico da prevalência da substância sobre a forma.
4.1. As Requerentes terminam pedindo:
“(…) a anulação dos actos de indeferimento de reclamações graciosas cuja apreciação da legalidade aqui se requer, bem como dos actos de autoliquidação de IRC supra identificados, na parte em que, indevidamente, não consideraram o benefício fiscal a que as Requerentes tinham direito”;
“Ordenando-se o reembolso do imposto daí resultante;
“O pagamento de juros indemnizatórios pela privação do montante de imposto indevidamente pago pelas Requerentes desde a data de apresentação das reclamações sub judice até à data do reembolso do imposto que seja devido.”
5. A autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou processo instrutor, invocando em síntese, o seguinte:
a) As razões de facto e de direito invocadas pelas Requerentes estão longe de fundamentar/sustentar qualquer das pretensões formuladas, as quais devem improceder, desde logo, por razões de mérito, pelo que se defende por impugnação nos termos que se seguem.
b) A Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, estabeleceu um Crédito Fiscal Extraordinário (CFEI).
c) O diploma define no seu artigo 2.º o âmbito de aplicação subjectivo e estabelece no n.º 1 do artigo 3.º que o beneficio fiscal a conceder corresponde a uma dedução à colecta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em activos afectos à exploração, que sejam efectuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013.
d) Consideram-se, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, despesas de investimento em activos afectos à exploração, as relativas a:
- Activos fixos tangíveis (AFT); e
- Activos biológicos que não sejam consumíveis (ABP)
adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de Janeiro de 2014.
e) Verifica-se, assim, e de acordo com o normativo indicado, que para efeitos do CFEI só relevam os investimentos em activos afectos à exploração, considerando-se como tais os relativos a AFT (e não todos, veja-se as exclusões dos n.ºs 5, 6 e 7 do art. 4.º) e os ABP.
f) O legislador fiscal adoptou terminologia contabilística para definir o tipo de investimentos relevantes no âmbito do CFEI.
g) Na classe de investimentos ficaram excluídos os investimentos financeiros, as propriedades de investimento, os activos intangíveis (sendo alguns relevantes para o CFEI – vide n.º 2 do art. 4.º) e os activos não correntes detidos para venda, não usufruindo estes investimentos do benefício do CFEI.
h) De acordo com o informado e sancionado superiormente no pedido de informação vinculativa n.º 5596, os investimentos em imóveis afectos à actividade de exploração de centros comerciais são classificados como propriedades de investimento.
i) A NCFR 11, define, no seu parágrafo 5, propriedade de investimento como sendo a propriedade (terreno ou edifício, parte de um edifício ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas ou para venda no curso ordinário do negócio.
j) A definição contabilística do conceito de propriedade de investimento atende unicamente ao objectivo da detenção dos imóveis (obter rendas ou para valorização de capital ou para ambas as finalidades).
k) A definição adoptada não atendeu à actividade desenvolvida pela entidade de acordo com o objecto social da entidade, quer seja no âmbito da actividade principal ou secundária.
l) A Comissão de Normalização Contabilística, entidade competente para emissão de pareceres em matéria contabilística em Portugal, emitiu uma FAQ 16 na qual refere sobre este assunto que “ uma entidade que detenha imóveis para rendimento, seja ou não essa a sua principal actividade, deve, no correspondente tratamento contabilístico, observar o disposto na NCRF 11.”
m) Os centros comerciais são considerados propriedades de investimento dado que o que releva nos contratos celebrados com os ocupantes dessas propriedades é a cedência de espaço, sendo que os serviços que lhes são prestados são pouco significativos em relação ao total do contrato.
n) Assim, no caso particular dos centros comerciais, o investimento em imóveis é classificado contabilisticamente como propriedade de investimento de acordo com o estabelecido na NCRF 11, não preenchendo a definição de AFT constante da NCRF 7.
o) Pelo que se sufraga o entendimento constante da informação vinculativa nº 5596, o qual mereceu o despacho de concordância de 15 de Outubro de 2013 da Subdirectora Geral, com competências delegadas na área dos impostos sobre o rendimento, no qual se concluiu que: “Tendo em conta que o benefício fiscal contido no CFEI não inclui os investimentos efectuados em propriedades de investimento, os investimentos efectuados pelo G…, não podem aproveitar do regime previsto no CFEI”.
p) Entende-se pois que as despesas de investimento efectuadas não reúnem os pressupostos do artigo 4.º da Lei n.º 49/2013, para concessão do benefício, não merecendo qualquer censura as decisões postas em crise pelos Requerentes, podendo com as mesmas não se concordar, todavia, as mesmas respeitam as disposições fiscais aplicáveis ao caso em questão, bem como os princípios contabilísticos subjacentes.
q) Só assim se pode garantir a segurança jurídica e a igualdade entre todos os cidadãos, bem como o cumprimento do princípio da legalidade, ao qual a AT está adstrita, ao abrigo da sua missão de prossecução do interesse público, enquanto defesa da receita tributária do Estado.
r) Nestes termos, as liquidações subjudice, como decorre de toda a exposição, estão de acordo com a lei vigente e a tributação encetada não viola, antes concretiza, a tributação pelo rendimento real, falecendo integralmente as razões e argumentos expendidas pela Requerente em prol da, por si, ambicionada pretensão de anulação dos actos tributários em causa.
s) Quanto ao direito a juros compensatórios invocado pelos Requerentes, improcedendo o pedido principal, terá forçosamente que improceder o pedido de juros; e mesmo que, sem prescindir, os actos tributários fossem anulados – os quais foram praticados pelos requerentes - o cômputo dos juros indemnizatórios teria como termo inicial a data em que ocorreu a decisão que indeferiu a reclamação graciosa e, nunca, o momento indicado pela Requerente no seu pedido (cit. Jorge Lopes de Sousa, em Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Áreas Editora, Lisboa, 2010, pág. 52).
5.1. A Requerida termina requerendo que o presente pedido de pronúncia arbitral seja julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, seja absolvida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
6. Em 14 de Maio de 2017 foi proferido despacho do seguinte teor:
“1. Por não haver razões que a justifiquem, o Tribunal dispensa a realização da primeira reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que faz ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplicidade e a informalidade deste (cfr. artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT;
2.Defere-se o pedido de produção de prova apresentado pelo Sujeito Passivo no que se refere estritamente aos artigos mencionados;
3.Defere-se o pedido de alteração ao rol de testemunhas substituindo-se a testemunha incialmente arrolada, Drª H…, pelas seguintes testemunhas:
I…, Head of Asset Management do Grupo E…, com domicílio Profissional; …, …, Apartado …/…-… Maia Portugal;
J…, Head of Asset Management do Grupo E…, com domicílio Profissional; …, …, Apartado …/…-… Maia Portugal;
4. Para efeitos de realizaçao da audiência de julgamento designa-se (ao abrigo do artigo 18.º do RJAT) o dia 5 de Junho pelas 10,00 horas;
3.Na reunião proceder-se-á à inquirição de testemunhas, as quais deverão ser apresentadas pelo Sujeito Passivo;
5.Na reunião será fixada a data para alegações escritas, a menos que as partes optem por alegações orais;
6. Defere-se o pedido de junção aos autos de parecer técnico.
Do presente despacho, notifiquem-se ambas as partes.”
7.No dia 5 de junho de 2017 teve lugar a audiência de julgamento, onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. No final da audiência a Requerente e a Requerida foram notificadas para apresentarem alegações escritas em prazos sucessivos e foi fixado o dia 9-09-2017 para o efeito de prolação da Decisão Arbitral.
8. Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando no essencial os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais.
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Saneamento
9. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Como vimos, o pedido de pronúncia arbitral é apresentado em coligação de autores e em relação aos diferentes atos de indeferimento, expresso e tácito das reclamações graciosas apresentadas pelas Requerentes, quanto aos atos de autoliquidação de IRC relativos ao ano de 2013.
De acordo com o disposto no n.º1 do artigo 13.º do RJAT, a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação dos mesmos princípios ou regras de direito, o que se verifica no caso sub judice.
Termos em que a referida cumulação de pedidos bem como a coligação de autores não oferecem qualquer censura.
O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de nulidades.
Não foram suscitadas exceções.
Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Mérito
III.1. Matéria de facto
10. Factos provados
10.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões de mérito suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
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As Requerentes dedicam-se exclusivamente à exploração dos centros comerciais de que são proprietárias, e fazem parte do Grupo E…, o maior operador de centros comerciais em Portugal;
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As localizações dos centros comerciais detidos ou explorados pela E… estendem-se de norte a Sul do País, de Viana do Castelo (B…) ao Algarve (K…), abrangendo ainda o arquipélago da Madeira e o arquipélago dos Açores;
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No seu conjunto, os centros comerciais da E… em Portugal representavam, a 31/12/2012, uma área bruta locável total de 616.506 m2, correspondentes a 1.967 lojas, e um investimento global de 900 milhões de euros, empregando um total aproximado de 23.950 pessoas;
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Durante o ano de 2013, e tendo em vista o triénio 2014-2016, as Requerentes levaram a cabo investimentos visando remodelações dos ativos existentes, em expansões físicas dos próprios centros comerciais, gerando atividade na economia e contribuindo para a criação de emprego (a expansão do k…, por exemplo, gerou, em 2013, mais 100 postos de trabalho diretos)- doc n.º 7 junto pelas Requerentes;
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Os referidos investimentos ascenderam, respetivamente, a €197.955,55, €195.130,80, €48.742,01 e €35.746,66 (docs n.º 8 e 9, juntos pelas Requerentes);
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A exploração dos centros comerciais compreende a criação, edificação, promoção e gestão de centros comerciais;
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A atividade das Requerentes não se traduz no simples arrendamento de espaços, de "paredes nuas", em edifícios comerciais;
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A atividade grupo E… não se esgota na mera construção de um espaço comercial, na colocação junto do público das respetivas frações para utilização e na subsequente gestão do condomínio daí resultante;
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A atividade das Requerentes compreende um conjunto de serviços conexos com a cedência de espaços comerciais, tanto a montante, começando pela conceção desses espaços e pela definição dos respetivos sortidos (tennant-mix) como a jusante, na prestação de serviços de segurança e arquitetura e ainda, por vezes, de parceiro financeiro;
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Nas empresas do universo E…, a atividade das proprietárias/operadoras reflete uma abordagem integrada ao negócio dos centros comerciais, compreendendo um conjunto de atividades relacionadas com o seu desenvolvimento, detenção e gestão, com vista a proporcionar não um simples conjunto de espaços comerciais, mas sim um espaço integrado dotado de uma racionalidade e vida próprias;
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As atividades desenvolvidas pelo Grupo E… precedem a própria construção do centro comercial, iniciando-se com estudos de mercado que visam definir os universos populacionais que se pretende que o centro comercial venha servir e os locais mais adequados para a respetiva implantação;
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Os estudos de mercado avaliam as necessidades das populações locais no que respeita à oferta comercial (hábitos de consumo e perfil dos consumidores), necessidades essas que determinam a combinação de atividades e de lojistas que os centros comerciais irão oferecer;
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Procura-se que esta combinação seja diversa, mas equilibrada, abarcando os sectores da moda, restauração, produtos para o lar e lazer (onde se incluem complexos de cinemas, food courts, e outros serviços de lazer), sem esquecer a crescentemente importante componente de serviços (ex. loja do cidadão, correios, farmácias, bancos, health clubs, etc.), que permitam conferir aos empreendimentos a necessária vertente de polo de conveniência, de elevado valor para os consumidores finais;
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Uma vez definida a combinação de atividades e lojistas, inicia-se o projeto de arquitetura, que distribui aquelas atividades pelo espaço disponível, tendo em conta as exigências técnicas deste tipo de empreendimentos. Em paralelo, inicia-se o processo de procura e negociação com lojistas locais, nacionais e internacionais, que permitam concretizar a oferta comercial pré-definida;
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No momento de pré-abertura, são levadas a cabo ações de marketing que permitem comunicar devidamente com a população local/regional a oferta a disponibilizar;
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A gestão dos centros comerciais também atende à importância do visitante/ consumidor/ anunciante como cliente "mediato" do proprietário e também imediato (nomeadamente no tocante às outras áreas comuns);
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A atividade de gestão efetivada pelas Requerentes e as outras sociedades do universo E… compreende : i) monitorizar continuamente a atividade dos seus centros comerciais, analisando os seus principais indicadores operacionais, como sejam o tráfego e o volume de vendas, de forma a percecionar se a sua oferta se adapta constantemente às necessidades dos seus visitantes; ii) elaborar estudos de mercado com vista a aferir o nível de satisfação dos clientes/visitantes, de modo a, se necessário, repô-lo em níveis desejáveis; iii) gerir ativamente o tennant-mix, procurando manter a diversidade e introduzindo novos conceitos que dinamizem a oferta comercial; iv) incentivar, nos momentos de maior incerteza económica, os lojistas a ocupar espaços nos centros comerciais, através da comparticipação de parte do seu investimento; v) elaborar diagnósticos de investimento, que permitam identificar as ações necessárias para garantir uma utilização racional do espaço e dos recursos; vi) identificar oportunidades de expansão, que permitam aumentar a área locável e introduzir novos conceitos, atividades e marcas; vii) esforçar-se por renovar periodicamente a imagem dos espaços, adaptando-os às novas tendências e tendo como fim último o aumento do conforto dos visitantes; viii) desenvolver e executar ações promocionais dedicadas, com o objetivo de responder às necessidades específicas dos consumidores, visando incentivar as visitas dos utilizadores finais, aumentando o seu envolvimento e confiança no espaço comercial, como, por exemplo, a recente aposta na instalação de parques infantis em diversos centros comerciais para melhor acompanhar as tendências do consumidor e potenciar a sua experiência no ato de compra;
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A exploração dos centros comerciais é dinâmica e focada no visitante dos mesmos, como resulta, entre outras ações, a disponibilização de cheques ou cartões-prenda utilizáveis em qualquer loja dos centros comerciais das requerentes e, mais recentemente, da plataforma digital "Promofans”, cujo propósito é o de, mediante negociação entre as proprietárias dos centros comerciais (negociação essa conduzida centralmente pelas empresas do Grupo E… que prestam os denominados serviços de property management) e os lojistas, oferecer importantes descontos aos respetivos utentes;
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A orientação da atividade das Requerentes para o visitante do centro comercial tem uma expressão particularmente evidente nos "contratos de utilização de espaço em centro comercial", sob os quais se estabeleceu um compromisso mútuo do lojista com a respetiva proprietária que se traduz, para aquele, na sujeição à política comercial e de gestão delineada para o centro comercial e, para esta, muitas vezes, na assunção do sucesso ou insucesso do negócio do primeiro;
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Traços marcantes daqueles contratos são, por exemplo, as seguintes estipulações contratuais: i) Os chamados fit-out, ou comparticipações da proprietária na construção, adaptação das lojas de maior atratividade, como sejam as grandes cadeias internacionais como a … ou a … (lojas…);ii) A fixação de rendas variáveis dependentes do volume de vendas dos lojistas; iii) A obrigatoriedade de os projetos de obras realizadas pelos lojistas nas suas lojas terem de ter prévia aprovação dos arquitetos das Requerentes; iv) A insusceptibilidade de transmissão da sua posição contratual por parte dos lojistas sem prévia autorização das Requerentes; v) A necessidade de colaboração dos lojistas na política global de marketing delineada pelas Requerentes para os centros comerciais;
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As Requerentes apresentaram as correspondentes declarações Modelo 22 tempestivamente e efetuaram o pagamento do imposto que das mesmas resultou sem que, nessas mesmas declarações, tivesse sido computado qualquer benefício fiscal.
10.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
10.3. Fundamentação da matéria de facto
O julgamento da matéria de facto tomou por base a apreciação da posição assumida pelas Partes, a prova documental (onde se inclui o processo administrativo) e o parecer junto aos autos.
Foi igualmente tida em conta a análise crítica da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento [em especial no que se refere ao enquadramento, esclarecimento e desenvolvimento dos factos constantes nos pontos g) a t) do probatório].
As testemunhas depuseram, no essencial, de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação.
III.2. Matéria de Direito
III.2.1. Apreciação da legalidade das autoliquidações
III.2.1. A) A questão
O presente pedido de pronúncia arbitral é formulado por um conjunto de entidades, em coligação, em relação a diferentes atos de indeferimento de reclamações graciosas por aquelas apresentadas quanto aos atos de autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2013, tendo por referência o contexto específico de desenvolvimento da sua atividade e o âmbito de aplicação do regime jurídico do CFEI.
Como vimos, as reclamações graciosas que foram objeto de indeferimento (expresso e tácito) prendem-se com a mesma questão jurídica atinentes ao âmbito de aplicação do CFEI, com entidades que desenvolvem, em termos gerais, a mesma atividade de gestão e exploração de centros comerciais e cujos ativos se encontram qualificados, para efeitos contabilísticos, como propriedades de investimento.
Esta mesma questão é agora formulada em pedido de pronúncia arbitral único por não se conformarem as Requerentes com o teor das decisões da AT, no sentido da não aplicação do CFEI aos investimentos realizados em ativos registados como propriedades de investimento.
Em termos sintéticos podemos dizer que a AT, partindo de uma leitura literal das disposições legais aplicáveis, alega que «[o] legislador fiscal adotou terminologia contabilística para definir o tipo de investimentos relevantes no âmbito do CFEI». Segundo a AT, os atos de autoliquidação não padecem de qualquer erro ou irregularidade uma vez que os investimentos realizados em imóveis classificados contabilisticamente como propriedades de investimento não preenchem a definição de ativo fixo tangível constante da NCRF 7 e, assim, não beneficiariam do CFEI.
As Requerentes alegam, por este motivo, que as reclamações graciosas foram objeto de indeferimento sem que, em concreto, a AT atendesse às características específicas da atividade por elas desenvolvida e à utilização, à função económica e à essencialidade na prossecução daquela atividade dos imóveis por estas detidos.
Para as Requerentes o exame da AT haveria de ter partido de uma perspetiva económico-funcional e sistemática do sistema de normalização contabilística e não de uma ótica parcialmente literalista dos conceitos contabilísticos em questão, inidónea para refletir a intenção do legislador ao consagrar o CFEI.
Concluem as Requerentes que o resultado interpretativo a que se chega após uma análise um pouco mais detida do que a mera fixação no nomen juris na contabilidade dos ditos ativos reclama uma decisão distinta, atendendo quer à própria definição de ativo tangível no SNC que determina a inclusão dos ativos aqui em causa nessa categoria, quer, num plano mais elevado, à forma de interpretação da lei tributária no que aos benefícios fiscais concerne, ao princípio constitucional da igualdade, da proteção da concorrência e ao princípio jus-tributário e contabilístico da prevalência da substância sobre a forma.
Vejamos.
III.2.1.A)1. Breve excurso histórico–contabilístico sobre as propriedades de investimento (PI)
III.2.1.A)1.1. Ao tempo do POC
Ao tempo do Plano Oficial de Contabilidade (POC), na versão consagrada pelo Decreto-Lei nº 410/89, estabelecia-se o seguinte (subl. do tribunal):
“Classe 4 - Imobilizações
Esta classe inclui os bens detidos com continuidade ou permanência e que não se destinem a ser vendidos ou transformados no decurso normal das operações da empresa, quer sejam de sua propriedade, quer estejam em regime de locação financeira.
41 - Investimentos financeiros:
Esta conta integra as aplicações financeiras de carácter permanente.
414 - Investimentos em imóveis:
Engloba as edificações urbanas e propriedades rústicas que não estejam afectas à actividade operacional da empresa.
(…)
42 - Imobilizaçôes corpóreas:
Integra os imobilizados tangíveis, móveis ou imóveis, que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinem a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano. Inclui igualmente as benfeitorias e as grandes reparações que sejam de acrescer ao custo daqueles imobilizados.
(…)
422 - Edifícios e outras construções:
Respeita aos edifícios fabris, comerciais, administrativos e sociais, compreendendo as instalações fixas que lhes sejam próprias (água, energia eléctrica, aquecimento, etc.).
Refere-se também a outras construções, tais como muros, silos, parques, albufeiras, canais, estradas e arruamentos, vias férreas internas, pistas de aviação, cais e docas.
423 - Equipamento básico:
Trata-se do conjunto de instrumentos, máquinas, instalações e outros bens, com excepção dos indicados na conta 425 «Imobilizações corpóreas - Ferramentas e utensílios», com os quais se realiza a extracção, transformação e elaboração dos produtos ou a prestação dos serviços.
Como se observa, no POC, na classe 4, dos ativos de longo prazo, distinguiam-se “imóveis” que se definiam como “edificações urbanas e propriedades rústicas que não estejam afectas à actividade operacional da empresa” dos “edifícios e outras construções” que eram imobilizações corpóreas, afetas à atividade operacional.
Os edifícios afetos à exploração não integravam o conceito de imóveis no sentido contabilístico, designando-se antes como “edifícios e outras construções”, sendo parte integrante do imobilizado corpóreo, que compreendia bens de longo prazo afetos à atividade corrente ou operacional das entidades. Distinguiam-se, assim, na conta 41.4, os ativos não afetos à exploração e substancialmente equivalentes ao que hoje se designa por PI.
III.2.1.A)1.2. O surgimento do conceito de propriedades de investimento
Numa lógica de separar, no balanço, terrenos e edifícios que fossem adquiridos com fins extraexploração, i.e., como aplicação passiva de fundos, e não para serem geridos no contexto da atividade operacional ou corrente das empresas, comecemos por analisar o que o Statement of Standard Accounting Practice (SSAP) No. 19., intitulado “Accounting for investment properties”, emitido em 1981 (dava o POC, criado em 1977, os primeiros passos) pelo Institute of Chartered Accountants of England and Wales, refere sobre tal conceito.
Com efeito, na p. 4- Explanatory note, atribui-se ás PI as seguintes características:
“A different treatment is, however, required when a significant proportion of the fixed assets of an enterprise is held nor for consumption in the business operations but as investments, the disposal of which would not materially affect any manufacturing or treading operations of the enterprise.”
Ou seja, e traduzindo livremente, trata-se de ativos não usados nas operações ou nos negócios correntes da empresa e cuja “alienação não afeta as operações de produção ou de comércio da entidade alienante”. São em suma, na sua génese, equiparados a investimentos de carteira, que são detidos com fins rentistas ou de especulação.
Em comentário a tal conceito, escrevem G. Holmes e A. Sugden, “Interpreting company reports & accounts”, London , Prentice Hall, 1999, p.60 que “Under SSAP 19- “Investment propertites” (i.e., properties held as disposable investments rather than for use in a manufacturing or comercial process…), vincando pois o traço geral das PI, que é a sua não afetação a uma atividade industrial ou comercial, e sim constituindo investimentos alienáveis em qualquer momento porque adquiridos para outros fins que não a atividade de exploração.
Por seu turno, a International Accounting Standard (IAS) 40, criada em 2000, onde se inspira a NCRF 11- “Propriedades de investimento”, define:
“Investment property is property (land or a building—or part of a building—or both) held (by the owner or by the lessee under a finance lease) to earn rentals or for capital appreciation or both, rather than for:
(a) use in the production or supply of goods or services or for administrative purposes;
or (b) sale in the ordinary course of business.”
Por fim, a NCRF 11- Propriedades de investimento, dispõe que:
Propriedade de investimento: é a propriedade (terreno ou um edifício — ou parte de um edifício — ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:
(a) Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas;
Ou
(b) Venda no curso ordinário do negócio.
Do quadro normativo exposto retira-se que os normativos contabilísticos, entre os quais o SNC, quiseram distinguir certos ativos (imóveis e terrenos) que não se relacionam com a atividade operacional das entidades - antes configurando bens que se podem alienar sem afetar a exploração das empresas detentoras - daqueles ativos do mesmo tipo que, estando reconhecidos no acervo patrimonial, têm um objetivo ligado à exploração e se integram na atividade operacional.
Esta distinção terá, por via de regra, uma correspondência económica que lhe subjaz. Por exemplo, se uma fábrica de sapatos adquire um terreno com vista à sua valorização e venda, tal terreno não é um ativo afeto à exploração. Se essa mesma fábrica adquire um edifício de escritórios para arrendamento a profissionais, também este bem não será um ativo afeto à atividade normal (que é a produção e venda de sapatos). Trata-se, em ambos os exemplos, do que se designa de ativos geradores de rendimentos obtidos de forma passiva, por investidores “rentistas”, e não pelo seu uso operacional ou de exploração ativa.
A situação é mais complexa quando a atividade normal ou operacional de uma entidade é constituída pelo arrendamento de espaços comerciais e pela prestação de serviços conexos com carácter de relevância ou como sendo significantes no contexto do negócio. Atenta a factualidade dada como provada, a atividade operacional das Requerentes aponta, precisamente, para o seu enquadramento nesta situação, como passamos a demonstrar.
III.2.1.A)2. Classificação, no plano material e contabilístico, dos ativos e investimentos em causa
Do ponto de vista material, a resposta a esta questão passa por dilucidar um ponto essencial, que é o de saber se os ativos e investimentos das Requerentes são bens ou direitos afetos a uma finalidade lateral ou secundária relativamente à sua atividade, tendo uma natureza rentista ou especulativa, ou se, ao contrário, suportando a sua atividade operacional, são ativamente geridos e constituem a sua fonte regular e contínua de rendimento e fluxos de caixa.
À data dos factos, o SNC, na respetiva NCRF 7- “Ativos fixos tangíveis” dispunha que: “Activos fixos tangíveis: são itens tangíveis que:
(a) Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e
(b) Se espera que sejam usados durante mais do que um período.”
Um ativo fixo tangível tem como traço distintivo o seu uso na produção ou exploração dos bens e serviços no decurso das operações correntes ou operacionais de uma entidade. Partindo deste conceito, verifica-se que, no caso dos autos, os investimentos realizados pelas Requerentes nos centros comerciais cumprem o requisito essencial de constituírem meios factos à exploração.
Com efeito, resulta da matéria de facto dada como provada, entre o mais, que a atividade das Requerentes se inicia muito antes da construção dos centros comerciais, através da realização de estudos de mercado para que a localização e clientela se ajustem aos lojistas e clientes que vierem a usar os espaços.
A construção do centro é feita tendo em vista a maximização das receitas, traduzindo escolhas arquitetónicas que não são típicas de propriedades de investimento que apenas visam o arrendamento do tipo “paredes nuas” em espaços com uma configuração padrão e, em regra, sem adaptação específica ás necessidades negociais dos ocupantes.
A escolha dos ocupantes das lojas, no caso em apreço, é feita de forma seletiva, podendo até existir co-investimento, em lojas âncora, configurando uma política segundo a qual a exploração dinâmica, e não passiva, dos centros constitui a atividade regular ou operacional das Requerentes.
Os critérios de substituição dos lojistas são discutidos numa base partilhada, e não numa relação típica de senhorio-arrendatário, uma vez que à E… interessa perceber as razões do êxito ou fracasso dos lojistas, dado deles depender a continuada e rentável atividade de exploração.
Por outro lado, a atividade desenvolvida pelas Requerentes, no que toca à gestão dos centros comerciais, reveste-se de um carácter ativo, não se resumindo à mera cedência de espaços para exploração comercial por terceiros.
Com efeito, ficou também provado que, no contexto dessa atividade de gestão, as Requerentes e as outras sociedades do universo E…: i) monitorizam continuamente a atividade dos seus centros comerciais, analisando os seus principais indicadores operacionais, como sejam o tráfego e o volume de vendas, de forma a percecionar se a sua oferta se adapta constantemente às necessidades dos seus visitantes; ii) elaboram estudos de mercado com vista a aferir o nível de satisfação dos clientes/visitantes, de modo a, se necessário, repô-lo em níveis desejáveis; iii) gerem ativamente o tennant-mix, procurando manter a diversidade e introduzindo novos conceitos que dinamizem a oferta comercial; iv) incentivam, nos momentos de maior incerteza económica, os lojistas a ocupar espaços nos centros comerciais, através da comparticipação de parte do seu investimento; v) elaboram diagnósticos de investimento, que permitam identificar as ações necessárias para garantir uma utilização racional do espaço e dos recursos; vi) identificam oportunidades de expansão, que permitam aumentar a área locável e introduzir novos conceitos, atividades e marcas; vii) esforçam-se por renovar periodicamente a imagem dos espaços, adaptando-os às novas tendências e tendo como fim último o aumento do conforto dos visitantes; viii) com o objetivo de responder às necessidades específicas dos consumidores, desenvolvem e executam ações promocionais dedicadas, visando incentivar as visitas dos utilizadores finais, aumentando o seu envolvimento e confiança no espaço comercial; exemplo disso é a recente aposta na instalação de parques infantis em diversos centros comerciais para melhor acompanhar as tendências do consumidor e potenciar a sua experiência no ato de compra.
Também a fixação de rendas variáveis, em função de um negócio para o qual contribuem a L… e o lojista, é outro traço de uma empresa (L…) que não se vê como desligada do negócio, esperando passivamente a renda ou a subida de preço do espaço para alienar os imóveis. Ao contrário, existe até, em determinados casos, uma lógica de partilha de risco, em que as Requerentes procuram uma gestão de ativos que sustente o negócio e consolide a sua posição competitiva.
No plano material, estamos, assim, longe das características técnico-económicas atrás referidas e apontadas ao conceito designado por Propriedades de Investimento (PI).
Com efeito, recorde-se que estas são definidas e caracterizadas como ativos fora da atividade normal ou de exploração das entidades, gerando rendimentos e fluxos de caixa independentes da atividade operacional e cuja alienação não põe em causa a continuidade do negócio principal. Ora, no plano material, os traços apontados de implantação e gestão dos centros comerciais afastam-se da lógica económica das PI, uma vez que a atividade operacional ou corrente da E… não é outra senão a da exploração regular de centros.
Em suma, repete-se que, no caso vertente, os investimentos das Requerentes nos centros comerciais cumprem o desiderato de constituírem os seus meios afetos à exploração[1]. Resulta igualmente demonstrado que não é pelo facto de gerarem rendas que tal as exclui de serem, em substância, os ativos que servem de base, ou subjazem, à exploração normal e corrente do respetivo negócio.
Materialmente, tais centros são, pois, ativos tangíveis que são usados no decurso regular do negócio, daqui lhes advindo uma substancial aproximação e consequente equiparação aos ativos fixos tangíveis, usados na produção regular de bens ou serviços.
Com efeito, como se afirma no parecer junto aos autos, da autoria da Prof.ª Ana Maria Rodrigues, “no que se refere às Propriedades de Investimento (PI) a NCRF 11, no seu parágrafo 7 dispõe que: "As propriedades de investimento são detidas para obter rendas ou para valorizacão do capital ou para ambas as finalidades.” Por isso, uma propriedade de investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros activos detidos por uma entidade. Isto distingue as propriedades de investimento de propriedades ocupadas pelo dono”.
No mencionado parecer sublinha-se que do “ponto de vista normativo contabilístico, a noção de propriedade de investimento remete para a propriedade (terreno ou edifício, parte de um edifício ou ambos) detida (pelo dono ou pelo locatário numa locação financeira) para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades, e não para:
“a) Uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou
b) Venda no curso ordinário do negócio (§5 da NCRF 11 e §3 da IAS 40)”.
Como se sublinha no parecer que estamos a seguir, segundo o § 7 da IAS 40, e também segundo o disposto na NCRF 11, as propriedades de investimento são detidas para obter rendas ou para valorização do capital ou para ambas as finalidades. Uma propriedade de investimento gera fluxos de caixa altamente independentes dos outros ativos detidos por uma entidade.
Estas características distinguem as PI das propriedades ocupadas pelos proprietários. Neste último caso (propriedades ocupadas pelo dono), os imóveis permitem a produção ou fornecimento de bens ou serviços (ou o uso de propriedades para finalidades administrativas), e geram fluxos de caixa que são atribuíveis não apenas às propriedades, mas também a outros ativos usados no processo de produção ou de fornecimento de bens e serviços. As PI são, assim, ativos afetos a uma atividade que não constitui o objeto social da entidade, mas representa uma atividade secundária ou não principal. A autora conclui que: “Aplicando o disposto no §7 da IAS 40 (…)[2] aos imóveis detidos pelo grupo E…, sempre se concluirá que estes imóveis lhes permitem prestar serviços quando associados a todos os outros ativos operacionais da entidade. Esses imóveis não geram fluxos de caixa independentes dos outros ativos detidos por essas entidades”.
E aquela autora conclui mais adiante que “(…) os investimentos efetuados em imóveis afetos à atividade de exploração de centros comerciais deviam ser classificados como ativos fixos tangíveis e não como PI”, pois cabem “literal e materialmente, na noção lata de “ativo fixo tangível” constante da NCRF 7”.
Com efeito, no caso dos autos, como sublinham as Requerentes, os únicos ativos e a fonte geradora de fluxos de caixa para as requerentes são os centros comerciais, pelo que estes não são, segundo o critério do citado §7, materialmente, Propriedades de Investimento. Neste sentido, nos artigos 128.º e 129.º da Petição pode ler-se: “Ou seja, para as proprietárias dos centros comerciais, os activos que eles consubstanciam são o principal e tendencialmente o único veículo de produção de fluxos de caixa. Não há dúvida que num centro comercial como os das Requerentes, os fluxos de caixa não são, de modo algum, atribuíveis apenas aos activos locados: são atribuíveis à unidade comercial que é o centro como um todo e às suas componentes para além das fracções, nomeadamente, áreas de lazer, food-courts, sanitários, parques de estacionamento, instalações de segurança, instalação sonora comum, recursos humanos afectos à gestão do centro como um todo, elementos decorativos exteriores às fracções, elementos arquitectónicos distintivos, nome, logótipo e marca do próprio centro comercial.”
Por outro lado, a natureza passiva do contratante (senhorio), que em nada ou pouco contribui para a gestão do seu investimento, limitando-se a transferir o controlo do edifício para o arrendatário é determinante para a classificação contabilística como propriedade de investimento.
No caso em apreço há inúmeros indícios probatórios de o controlo ser exercido, neste caso concreto dos centros comerciais aqui analisados, pela L… . Como se pode ler no parecer junto aos autos “(…) quem define que dias, quantas horas o espaço está aberto ao público é o dono do edifício em concreto e não o utilizador do espaço (arrendatário).Uma lojista não pode em nenhuma circunstância sublocar o espaço a um terceiro, não pode mudar a firma e manter o contrato sem que antes obtenha autorização expressa do dono do edifício (…) qualquer decisão central sobre o dito imóvel passa necessariamente pelo locador e não pelo locatário. Não há qualquer controlo do lojista sobre a gestão da sua loja, pois tem de obedecer aos critérios definidos pelo dono. Assim, fácil é concluir que o controlo de facto da totalidade do espaço é da responsabilidade do locador.”
Aplicando as disposições atrás mencionadas aos imóveis detidos pelo grupo E… concluir-se-á, como se refere no dito parecer, que “Todos estes indícios permitem concluir segundo os cânones da normalização contabilística em vigor que os centros comerciais poderiam ser entendidos como ativos fixos tangíveis”.
Na verdade, os imóveis em causa permitem-lhes prestar serviços quando associados a todos os outros ativos operacionais da entidade. Tais imóveis não geram fluxos de caixa independentes dos outros ativos detidos por essas entidades e não exibem um traço marcante das PI. Bem ao invés, os seus traços económicos têm uma tradução contabilística mais próxima dos ativos fixos tangíveis.
Como sublinham as Requerente os únicos ativos e a fonte geradora de fluxos de caixa são os centros comerciais, pelo que estes não são, segundo o critério do citado §7, materialmente, Propriedades de Investimento.
Por outro lado, ainda de acordo com os §§ 11 e 12 da NCRF 11, quando a componente de prestação de serviços for significativa, pode considerar-se que a propriedade é “ocupada pelo dono” – sendo este caso aproximado aos centros comerciais aqui analisados.
Os mencionados nos parágrafos (subl . do tribunal) nessa NCRF 11 dispõem como se segue:
“§11 — Em alguns casos, uma entidade proporciona serviços de apoio aos ocupantes de uma propriedade que ela detenha. Uma entidade trata tal propriedade como propriedade de investimento se os serviços forem insignificantes em relação ao acordo como um todo. Um exemplo é quando o dono de um edifício de escritórios proporciona serviços de segurança e de manutenção aos locatários que ocupam o edifício.
§12 — Noutros casos, os serviços prestados são significativos. Por exemplo, se uma entidade possui e gere um hotel, os serviços proporcionados aos hóspedes são significativos para o acordo como um todo. Por isso, um hotel gerido pelo dono, é uma propriedade ocupada pelo dono e não uma propriedade de investimento.
§13 — Pode ser difícil determinar se os serviços de apoio são ou não tão significativos que uma propriedade não se qualifique como propriedade de investimento. Por exemplo, o dono de um hotel por vezes transfere algumas responsabilidades a terceiros segundo um contrato de gestão. Os termos de tais contratos variam grandemente. Num extremo do espectro, a posição do dono pode, em substância, ser a de um investidor passivo. No outro extremo do espectro, o dono pode simplesmente ter procurado fora funções do dia a dia, embora ficando com significativa exposição a riscos de variações nos fluxos de caixa gerados pelas operações do hotel.”
Na NCFR 11 reconhece-se que a aproximação à noção de propriedade ocupada pelo dono será tanto maior quanto maior for a importância da componente de serviços prestados pelo locador para além da locação, admitindo-se, por exemplo, que um hotel possa ser contabilizado como sendo “ocupado pelo dono”, na medida em que nele se prestem outros esses outros serviços de forma substancial.
De acordo com essas disposições normativas, quando os serviços fornecidos pelo detentor (L…) fossem insignificantes em relação ao acordo como um todo é que os imóveis deveriam ser reconhecidos como propriedades de investimento.
Acontece que, no caso em apreço, mostra-se que os serviços que as Requerentes prestam são essenciais ao negócio, e estão muito longe de ser insignificantes ou fracamente relevantes. A prova documental e testemunhal mostrou que existe até co-investimento das Requerentes com alguns importantes locatários dos espaços (as lojas âncora); ou seja, existe uma gestão pró ativa das lojas, não se verificando a simples administração passiva, típica de um mero investidor rentista.
Em suma, os imóveis em causa tinham, por isso, condições para serem classificados como ativos fixos tangíveis e não como propriedades de investimento, pois eles são os ativos indispensáveis para o exercício da atividade principal das Requerentes; e, dentro da categoria dos AFT, deviam os mesmos ter sido classificados como “equipamentos básicos”, porquanto é essa a função dos imóveis utilizados pelas Requerentes, ao permitirem desenvolver a sua atividade principal, dando cumprimento ao seu objeto social.
Por tudo o quanto vai exposto, impõe-se concluir que os centros comerciais em causa caem no âmbito de aplicação da NCRF 7, quer atendendo ao texto literal da norma, quando define ativos fixos tangíveis como sendo os detidos para uso ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros ou para fins administrativos, nos termos latos em que o faz, quer à substancia económica dos ativos em causa (atendendo aos critérios atrás referidos de controlo da locação e de importância significativa da componente de “serviços” do contrato).
Na verdade, este resultado é o que decorre de uma interpretação conjugada e teleologicamente orientada das nomas da NCRF 7 e da NCRF 11, que ultrapasse alegadas desconexões decorrentes da interpretação estritamente literal desta última sobre (sobre o conceito de propriedade de investimento), quando a realidade substancial e económica dos ativos se lhe opõe. Recorde-se que a própria norma afasta do conceito de PI o seu uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços.
Na interpretação de normas contabilísticas com relevância jurídico fiscal não pode o intérprete “deixar de atender à substância económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente” (cfr. o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 07918/14, de 19.02.2015).
Da definição de propriedades de investimento defendida pela Requerida resulta que estas são inevitavelmente adquiridas para fins laterais à atividade normal, e gerando, consequentemente, rendas passivas e acessórias à atividade operacional, ou esperando-se até a elevação especulativa dos preços destes ativos para então os alienar. Dito de outra forma, as PI são ativos que nunca se incorporam na exploração normal, na atividade corrente, sendo-lhes atribuída uma natureza de investimentos passivos, porventura não suscetíveis de gerar emprego ou crescimento económico.
No caso em apreço, tal está claramente afastado da realidade material das coisas, tendo-se provado que estamos perante ativos afetos à exploração, que desempenham a mesma função dos ativos fixos tangíveis abrangidos pela norma da NCRF 7, termos em que a sua classificação e integração nesta última norma não é obstacularizada por uma interpretação da NCRF 11 que atenda à realidade económica e substancial.
Do ponto de vista da unidade e coerência do sistema de NCRF e atendendo à substância económica dos bens (ou seja, dado o relevo contabilístico dos centros comerciais como principal exploração e fonte de receitas das Requerentes e ainda como polos da sua atividade de prestação de serviços), impõe-se uma interpretação conjugada das referidas normas e teleologicamente orientada pela substancia económica dos ativos, que permita a recondução dos centros comerciais das Requerentes nos ativos fixos tangíveis da NCRF 7.
III.2.1.A)3. O regime do Crédito Fiscal para Investimento (CFEI) previsto na Lei 49/2013
Em 2013 foi publicada a Lei n.° 49/2013, de 16 de Julho (doravante, "LCFEI"), onde se consagrou um crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI) que se traduz numa dedução à coleta de IRC no montante de 20% das despesas de investimento em ativos afetos à exploração que fossem efetuadas entre 1 de Junho de 2013 e 31 de Dezembro de 2013 e que não superassem € 5.000.000,00 por sujeito passivo. Esta dedução seria feita até à concorrência de 70% da coleta do IRC apurada em 2013.
A lei rezava assim, na parte que aqui importa:
“Artigo 3.º
Incentivo fiscal
1 — O benefício fiscal a conceder aos sujeitos passivos referidos no artigo anterior corresponde a uma dedução à coleta de IRC no montante de 20 % das despesas de investimento em ativos afetos à exploração, que sejam efetuadas entre 1 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013
Artigo 4.º
Despesas de investimento elegíveis
1 — Para efeitos do presente regime, consideram -se despesas de investimento em ativos afetos à exploração as relativas a ativos fixos tangíveis e ativos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado de novo e que entrem em funcionamento ou utilização até ao final do período de tributação que se inicie em ou após 1 de janeiro de 2014.
2 — São ainda elegíveis as despesas de investimento em ativos intangíveis sujeitos a deperecimento efetuadas nos períodos referidos nos n.os 1 e 4 do artigo 3.º, designadamente: a) As despesas com projetos de desenvolvimento; b) As despesas com elementos da propriedade industrial, tais como patentes, marcas, alvarás, processos de produção, modelos ou outros direitos assimilados, adquiridos a título oneroso e cuja utilização exclusiva seja reconhecida por um período limitado de tempo.”
Questão essencial que releva para o caso é a determinação do tipo de despesas de investimento a atender como elegíveis para efeitos do mencionado diploma.
O artigo 3.º da Lei 49/2013 elege, como regra, para beneficiar do CFEI as despesas de investimento em ativos afetos à exploração, no entanto, quando procede à sua concretização específica no artigo 4.º da mesma Lei, dispõe-se que somente ativos tangíveis, intangíveis e biológicos não consumíveis se consideram ativos afetos à exploração.
Conforme defende a AT, o legislador fiscal do CFEI adotou terminologia contabilística para definir o tipo de investimento relevante, o que remete o preenchimento dos conceitos técnicos contabilísticos utilizados para a respetiva fonte, ou seja, tais conceitos têm de ser interpretados em conformidade com as normas que os consagram, em especial, no que se refe ao conceito de ativo fixo tangível da NCRF 7.
Do cruzamento entre a NCRF 7 e a NCRF 11 resulta, como vimos, que esta última se refere às PI em sentido estrito adquiridas para fins extraexploração, laterais à atividade normal, e gerando, consequentemente, rendas passivas e acessórias à atividade operacional, ou esperando-se até a elevação especulativa dos preços destes ativos para então os alienar. Afastadas, assim, da aplicação do CFEI estarão as PI enquanto ativos que nunca se incorporam na exploração normal, na atividade corrente, sendo-lhes atribuída uma natureza de investimentos passivos, porventura não suscetíveis de gerar emprego ou crescimento económico.
No caso em apreço, como se provou nos autos, a classificação dos centros comerciais como PI está claramente afastada da realidade material das coisas.
Entendendo-se, como ficou demonstrado, que os edifícios que constituem os centros comerciais das Requerentes devem ser entendidos como ativos fixos tangíveis abrangidos pela NCRF 7, não podem os mesmos deixar, em caso algum, de ser consideradas ativos afetos à exploração para efeitos do CFEI.
No tocante à finalidade extra-fiscal relevante que este regime tributário excecional há-de forçosamente evidenciar (cfr. artigo 2.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, "EBF") é patente que se pretendia dar um contributo fiscal atrativo para a efetiva realização de investimentos eventualmente planeados pelos sujeitos passivos de IRC para 2013. Porém, estes investimentos poderiam ser adiados, em face da conjuntura económica muito adversa que o país atravessava, e o CFEI procurava que tal não acontecesse, para que o crescimento económico se não deteriorasse ainda mais.
Com efeito, na exposição de motivos que precede o texto legal pode ler-se (subl. do tribunal):
“Proposta de Lei n.º 148/XII
Exposição de Motivos
A política fiscal reveste uma posição de destaque enquanto instrumento de competitividade. Salienta-se que as regras de tributação direta incidentes sobre as empresas ocupam neste contexto um lugar primordial, uma vez que, em função do seu impacto nas escolhas dos agentes económicos, estas são consideradas especialmente relevantes para promover o investimento e a internacionalização das empresas.
Em conformidade, contribuindo para o sucesso do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro para Portugal, e com o objetivo de promover a competitividade e o emprego, o Governo compromete-se com uma estratégia dirigida a estimular fortemente o investimento direto em Portugal, já em 2013.
Neste contexto, a presente proposta de lei introduz no ordenamento jurídico português um Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento (CFEI) com o objetivo de produzir um forte impacto no nível de investimento empresarial. “
Os quadros 1 e 2 e a figura 1, abaixo, mostram a razão de ser da lei: a forte quebra que o investimento sofreu em Portugal no período em causa e a necessidade de incrementar o crescimento económico (medido, como se sabe, pela taxa de variação real do PIB) e o emprego.
Quadro 1
Evolução da taxa de crescimento real do PIB em Portugal 2011-2013
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2011
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2012
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2013
|
Taxa de cresc. real do PIB
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- 1,8%
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- 4,0%
|
- 1,1%
|
Fonte: PORDATA
Quadro 2
Evolução da taxa de crescimento real do investimento em Portugal 2011-2013
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2011
|
2012
|
2013
|
Taxa de cresc. real do investimento(FBCF)
|
-13,6%
|
-19,2%
|
-5,9%
|
Fonte: PORDATA«
Figura 1
Evolução do investimento em diversos países da EU
Não restam dúvidas de que, quanto ao CFEI, se trata de circunstâncias em que se procurava incentivar investimentos de exploração (e não especulativos); e as condições de um tempo económico-social em que se tentava inverter a forte quebra do investimento nacional e do PIB.
Os investimentos das Requerentes enquadram-se claramente nesta linha de interpretação. Estamos, como vimos, perante centros comerciais bem implantados e conhecidos das populações locais, que desempenham um papel relevante na economia das áreas em que se inserem.
Assim sendo, atento ao tipo de atividade, relevo económico-social, tipo de investimentos que as Requerentes efetuaram e pelo emprego criado, tudo numa conjuntura económica de grande dificuldade, é de concluir estarmos perante ativos de investimento que enquadram e justificam a aplicação do CFEI.
Concluímos, assim, que, além da interpretação literal, também a interpretação teleologicamente adequada das normas da NCRF 7 e da NCRF 11 de modo a classificar os centros comerciais afetos à exploração na NCRF 7 vai ao encontro das características e finalidades do CFEI – 2013.
III.2.1.A)4. Da relevância da classificação contabilística
As Requerentes contabilizaram os ativos afetos à exploração como propriedades de investimento com o fundamento principal de uma política interpretativa seguida internacionalmente pelos seus auditores.
Todavia, tais ativos são, em substância, elementos tangíveis de exploração, ou ativos operacionais, cabendo na definição da NCRF 7, pelo que as Requerentes dispunham de margem de flexibilidade interpretativa suficiente para contabilizar os elementos como ativos fixos tangíveis.
Impõe-se, assim, indagar em que medida a classificação contabilística, plasmada nas demonstrações financeiras, deve obstar a que um tribunal indague e decida com base na realidade material dos fenómenos em causa.
Em primeiro lugar, importa ter em consideração que não estamos sem sede da determinação do lucro tributável, mas sim da dedução à coleta de um determinado benefício fiscal (CFEI).
À data dos factos, rezava assim o artigo 17.º do CIRC:
Artigo17.º
Determinação do lucro tributável
1 — O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, os excedentes líquidos das cooperativas consideram-se como resultado líquido do período.
3 — De modo a permitir o apuramento referido no n.º 1, a contabilidade deve:
a) Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste Código;
b) Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se dos das restantes.
Não pode concluir-se deste artigo que exista, para o caso dos autos, um sentido determinístico-fiscal resultante de uma dada classificação contabilística. É que, no caso, não estamos sequer a tratar de lucro tributável, como consta da designação do dito artigo. Estamos antes a tratar de uma dedução à coleta de um determinado benefício fiscal (CFEI). Mas nem é este o aspeto essencial da questão. e inserem-se seguramente nos motivos, atrás citados, que determinaram a criação do CFEI. A questão contabilística poderá até ser secundarizada, face ao propósito ou função dos ativos em causa e ao seu confronto com a razão de ser da lei.
Decisiva nesta questão é, porém, a jurisprudência do STA[3] firmada em acórdão recente (17-06-2015), no Processo 01426/14, que decidiu, quanto à questão de saber se a classificação contabilística de certas operações é determinante para os respetivos efeitos fiscais, nos termos seguintes:
“Estamos, agora, perante uma questão de qualificação jurídica do negócio que, como é sabido, não tem de resultar do nomen juris que as partes lhe atribuíram, mas antes dos elementos que as manifestações de vontade dos intervenientes na criação e actuação da situação revelem sobre a sua real natureza.
Como se pode depreender da leitura atenta da sentença recorrida, chegou-se aí à conclusão de que se estava perante um contrato de mútuo e não de suprimentos “…porquanto os empréstimos aí referidos foram qualificados e contabilizados como tal pelas partes contratantes….” e a “…relevância da qualificação jurídica e do tratamento contabilístico realizado pelos contratantes, isto é, pela impugnante enquanto mutuante e pelos mutuários, assume um significado crucial para a qualificação jurídica civil, comercial e tributária do contrato em causa”
Como já anteriormente se referiu é ao juiz que incumbe, face aos factos trazidos aos autos pelas partes, indagar, interpretar e aplicar as regras de direito, cfr. artigo 5º, n.º 3 do NCPC.
O mesmo não está sujeito às alegações das partes e às interpretações e subsunções jurídicas que as mesmas fazem dos factos e das normas legais aplicáveis.
Já vimos que não foi isto que se fez na sentença recorrida, o Sr. Juiz a quo apoiou-se unicamente na qualificação jurídica que as partes contratantes atribuíram ao negócio ao inscreve-lo em termos contabilísticos como se de um contrato de mútuo se tratasse.
Ora, a inscrição de tal negócio na contabilidade, quer para efeitos puramente contabilísticos, quer para efeitos fiscais, não permite que daí se conclua pela sua qualificação jurídica, só a análise dos seus próprios termos é que permite chegar a tal conclusão.
Ou seja, face aos elementos de facto contantes dos autos não se pode deixar de afirmar que o contrato de “empréstimo” em questão se trata de um verdadeiro contrato de suprimento regulado pelo disposto nos artigos 243º e ss. do Cód. das Sociedades Comerciais, independentemente do modo como as partes o inscreveram nas suas contabilidades ou foi qualificado para efeitos fiscais no âmbito da determinação da matéria colectável para efeitos de IRC.
Conclui-se, assim, que também nesta parte procede o recurso que nos vinha dirigido.”
Desta jurisprudência resulta que uma certa classificação contabilística não deve impedir o tribunal de atender à realidade material ou substancial das coisas e indagar a efetiva natureza das coisas e não apenas à sua veste contabilística. Tanto mais que as regras contabilísticas assentam em larga medida em expectativas, juízos de valor ou previsões.
Em suma, por tudo quanto aqui se refere, entende-se que a forma de contabilização de certos ativos não é, no caso, argumento definitivo.
Termos em que, pelas razões expostas julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à pretensão de declaração de ilegalidade dos indeferimentos (expressos e tácitos) das reclamações graciosas, relativas à ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC de 2013, na parte em que não consideraram o benefício fiscal CFEI e, nesta sequência, anulam-se os despachos de indeferimento, bem como as autoliquidações (anulação parcial).
III.2.1.B) Vícios prejudicados
Procedendo o pedido de pronúncia arbitral com base no vício de ilegalidade por erro de direito quanto às disposições normativas aplicáveis, que assegura efetiva e estável tutela dos direitos das Requerentes, fica prejudicado o conhecimento dos outros vícios que são imputados aos atos tributários em causa, incluindo o alegado vício de violação de lei por aplicação de lei inconstitucional alegado pelas Requerentes.
Na verdade, decorre do estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios, no artigo 124.º do CPPT, que julgado procedente um vício que obste à renovação do ato impugnado, não há necessidade de se apreciar os outros que lhe sejam imputados. Se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios seria indiferente a ordem pela qual o seu conhecimento se fizesse.
III.3. Quanto ao pedido de reembolso da quantia paga e respetivos juros indemnizatórios
Como ficou dito, as Requerentes pedem o reembolso do imposto, bem como os respetivos juros indemnizatórios pela privação do imposto indevidamente pago.
O direito a reembolso do imposto indevidamente pago e respetivos juros indemnizatórios, no âmbito das autoliquidações, foi objeto de análise, entre outros, no acórdão no acórdão arbitral 208/2015-T, cuja doutrina por com ela concordarmos nos limitamos a segui no caso em análise, com as devidas adaptações.
Nos casos de pagamento indevido de imposto, o contribuinte tem direito a ser reembolsado, como decorre do preceituado nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
No caso dos autos, como ficou dito, há pagamento de imposto indevido quanto às partes das autoliquidações em que o pedido de pronúncia arbitral procede.
Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.
No caso em apreço, os impostos indevidamente pagos foram autoliquidados, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não teve qualquer intervenção na prática do acto em que se baseou o pagamento, sendo à própria Requerente que é imputável a sua prática.
Como se pode ler no acórdão que vimos seguindo, “Por isso, quanto ao acto de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.
“No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.
“Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção ( [4] )”.
Assim sendo, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão das reclamações graciosas, começaram a contar juros indemnizatórios.
Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).
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Decisão
Termos em que acorda o presente Tribunal em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à pretensão de declaração de ilegalidade dos indeferimentos (expressos e tácitos) das reclamações graciosas, relativas à ilegalidade parcial das autoliquidações de IRC de 2013, na parte em que não consideraram o benefício fiscal CFEI e, nesta sequência,
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Anular os respetivos despachos de indeferimento;
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Anular parcialmente as autoliquidações relativas ao IRC de 2013, na parte impugnada;
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Condenar a Autoridade Tributária e aduaneira a pagar às Requerentes o montante do imposto pago acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, contados a partir da data em que se completou o prazo de decisão das reclamações graciosas, à taxa legal supletiva, até integral reembolso.
-
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 95.515,00.
Notifique.
Lisboa, 8 de Setembro de 2017
Os árbitros,
Fernanda Maçãs (presidente)
António Martins
Américo Brás Carlos, vencido, conforme declaração que junta.
Declaração de voto
Votei contra o Acórdão, pelas razões que passo a indicar.
1. A interpretação das leis em face do artigo 9º do Código Civil
Toda a interpretação da lei está limitada pelo mínimo de correspondência verbal na sua letra e pela presunção de acerto e adequada expressão do pensamento do legislador[5].
Entendo que o Acórdão não respeita as regras da interpretação constantes dos nºs 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil (CC) e os limites aí consagrados.
A no Acórdão designada «interpretação teleologicamente adequada ou orientada», ao restringir o âmbito expressamente definido da NCRF-11 e ao ampliar os âmbitos da NCRF-7 e do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 49/2013 (CFEI) para fora dos legal e expressamente tipificados, incumpre, como se verá, os imperativos de interpretação da lei constantes dos mencionados preceitos do art. 9º do CC. Os quais impõem que:
«2- Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3- Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.»
2. A consideração dos imóveis onde estão instalados os centros comerciais como Propriedades de Investimento (PI) ou como Ativos Fixos Tangíveis (AFT).
Os Requerentes qualificaram e contabilizaram - e continuam a qualificar e a contabilizar - os centros comerciais como Propriedades de Investimento (PI), tendo a Requerida considerado correcta tal qualificação e contabilização.
Ao invés do Acórdão, entendo que a qualificação que para efeitos da contabilização dos activos é consistentemente efectuada pelas empresas não é uma «mera roupagem exterior» ou «veste contabilística» que, por «não atender à substância económica dos activos», possa ser afastada por uma interpretação que atenda «à utilização, à função económica e à essencialidade na prossecução da actividade dos imóveis detidos». É que as regras de qualificação inerentes à contabilização vigentes em Portugal impõem já a consideração da «substância económica dos ativos» e da «realidade material ou substancial das coisas». Para além dos princípios constantes da «Estrutura Conceptual» do Sistema de Normalização Contabilística (SNC) vigente, como o da «Relevância» e o da «Materialidade» (v. §§ 26 a 30 da Estrutura Conceptual)», também o § 35 da mesma Estrutura Conceptual consagra expressamente o princípio da «Substância sobre a forma», impondo com isso que os factos a representar «sejam contabilizados e apresentados de acordo com a sua substância e realidade económica». A aplicação destas regras é imperativa e a sua não aplicação traduz-se na prática de um acto ilícito sujeito à coima prevista no nº 1 do art.14º, do D.L. 158/2019, de 13 de Julho).
Acresce à relevância dos citados princípios constantes da Estrutura Conceptual do SNC que, no caso dos autos, a NCRF-11 (reconhecendo que pode não ser fácil a classificação de um activo como propriedade de investimento) continha à data dos factos no seu §14 o seguinte normativo: «É necessário juízo de valor para determinar se uma propriedade se qualifica como uma propriedade de investimento. Uma entidade desenvolve critérios a fim de que possa exercer esse juízo de valor de forma consistente de acordo com a definição de propriedade de investimento e com a relacionada orientação nos parágrafos 7 a 13. O parágrafo 77(c) exige que uma entidade divulgue estes critérios quando a classificação for difícil.». Ora perante tal imposição e a densidade normativa destes preceitos do SNC, não se me afigura legítima a conclusão de que a contabilização levada a cabo pelas empresas possa considerar-se uma «mera roupagem exterior» ou «veste contabilística» que não atende à substância económica dos activos.
Foi certamente depois de ponderar, em substância, a natureza dos seus centros comerciais que as Requerentes e todo o grupo económico em que se inserem, reconheceram e continuam reconhecendo contabilisticamente estes como PI (v. art. 75º e segs. e §99º e segs. da petição inicial). Contabilização essa, que goza da presunção de verdade concedida aos «dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita» nos termos do artigo 75º da LGT. Presunção de verdade que não é posta em causa pela Requerida, uma vez que concorda com o escriturado pelas Requerentes, podendo concluir-se que não há, aliás, neste processo, qualquer conflito a dirimir entre as partes no que respeita a tal classificação. Nem os Requerentes, nem a Requerida em ponto algum das suas pretensões defendem que os centros comerciais não devem ser contabilizados como PI.
No caso sub judice, o cuidado da análise que a distinção entre as PI e os AFT que normativamente é exigida também não legítima a conclusão de que aquelas estão contidas nestes, como conclui o Acórdão.
O que as Requerentes defendem (v. §78º da petição inicial) é que «o âmbito material das propriedades de investimento apresenta uma clara área de intersecção com a categoria dos activos tangíveis». Note-se, todavia, que isso não transforma as PI em AFT.
Que a classificação contabilística de alguns activos como PI ou como AFT coloca dificuldades é verdade e intui-se do próprio normativo contabilística (v. §§ 9 a 15 da NCRF-11), mas é evidente que o legislador distinguiu conceptualmente as PI regidas pela NCRF-11 dos AFT regidos pela NCRF-7. A opção pela distinção contabilística entre PI e AFT é, aliás, muito antiga, como se conclui verificando que o IASB aprovou a Norma Internacional de Contabilidade (IAS) 40 – Investment Property[6], distinguindo-a da IAS 16- Property, Plant and Equipment[7] e consagrando vários §§ com o título «Need for a Separate Standard» à explicação do objetivo de tal distinção, como se pode ver em «Basis for Conclusions on IAS 40 Investment Property».
Sobre a questão do reconhecimento contabilístico dos centros comerciais como PI ou como AFT, em função da menor ou maior importância dos serviços prestados face à locação do espaço, o Acórdão decidiu também que «os serviços que as Requerentes prestam são essenciais ao negócio, e estão muito longe de ser insignificantes ou fracamente relevantes», concluindo que «os imóveis em causa tinham, por isso, condições para ser classificados como ativos fixos tangíveis e não como propriedades de investimento».
Também não subscrevo esta decisão, desde logo porque nada legitima desconsiderar o juízo de significância dos serviços prestados em face da locação do espaço e do contratado como um todo que foi (e é) consistentemente feito pelas próprias Requerentes e por todo o grupo económico em que estão inseridas. As Requerentes registaram tais imóveis como PI, porque, precisamente, conhecedoras dos §§11 e 12 da NCRF 11, consideraram que os serviços não eram suficientemente significativos em «relação ao acordo (com os lojistas) como um todo». Caso contrário, não o teriam feito.
Esta ponderação pelas Requerentes só pode presumir-se cuidadosa por se tratar de um grande grupo económico e porque há várias e diferentes consequências no registo e na mensuração das PI e dos AFT. Recordo que a classificação contabilística não é livre como supra referido, e a não observância das regras do SNC preenche um tipo contraordenacional.
Tal como as Requerentes, também entendo que no cômputo do contrato com os lojistas analisado como um todo, o arrendamento é o objeto central do contrato, em torno do qual são prestados serviços. A ideia dos serviços conexos não desvirtua o arrendamento, nem numa perspetiva civilista (v. art. 1109º do CCivil) nem numa perspetiva fiscal (v. art. 8º, nº 2, a) e b) do CIRS). É a locação do espaço que determina o próprio impulso negocial e verdadeiramente condiciona todo o acordado. Ainda que tais contratos se considerassem contratos mistos, sempre tal contrato, por força da «teoria da absorção»[8] se reconduziria à parte preponderante, que é neste caso o arrendamento da loja.
Note-se, ainda, que a maioria dos serviços que o Acórdão indica como prestados pelos Requerentes aos lojistas não são exclusivos dos donos dos centros comerciais, sendo em regra também prestados pelo locador no exemplo expresso de PI escolhido no §11 da NCRF-11 – os edifícios de escritórios para arrendamento. Quem constrói ou adquire um imóvel para arrendamento em fracções para escritórios realiza também todo o trabalho de prospecção e adaptação com vista a assegurar a sua futura rentabilidade, assim como leva a cabo os serviços de manutenção, vigilância, segurança de todo o edifício e de organização e gestão das partes comuns, bem como de valorização do imóvel de modo a permanecer comercialmente atrativo. O co-investimento com algumas lojas - as lojas-âncoras - referido no Acórdão não é na economia da NCRF-11 um serviço, nem me parece suficiente para o considerar significativo no todo contratualizado com os lojistas dos centros comerciais. Na linha da FAQ 16 da CNC, considero que os serviços prestados pelos locadores dos centros comerciais são, por comparação com a cedência do espaço, pouco significativos em relação ao total do contratado.
Concluindo, no que a este ponto respeita, entendo, sem margem para dúvidas, que os centros comerciais das Requerentes foram por si corretamente qualificados como PI, porque, atenta a sua substância, é essa a única qualificação a que os normativos relevantes dão guarida. E só os normativos contabilísticos vigentes são idóneos para tal qualificação.
3. Têm os investimentos em PI direito ao CFEI?
O nº 1 do artigo 3º da Lei nº 49/2013 (CFEI) criou um crédito fiscal aplicável a «despesas de investimento em ativos afectos à exploração que sejam efetuadas entre 1 de junho e 31 de dezembro de 2013». Por seu lado, o nº 1 do artigo 4º da mesma Lei enumerou expressa e claramente quais as despesas de investimento em ativos afetos à exploração que podem usufruir do referido incentivo fiscal. A lei, na parte que releva para a decisão, diz: «Para efeitos do presente regime (entenda-se, do dito CFEI) consideram-se despesas de investimento em activos afetos à exploração as relativas a activos fixos tangíveis e activos biológicos que não sejam consumíveis, adquiridos em estado novo (…)». Verifica-se, assim, que só despesas de investimento em ativos afetos à exploração podem usufruir do CFEI, mas não todas. Caso contrário, a Lei ter-se-ia ficado pelo nº 1 do artigo 3º, porque não faria sentido a enumeração constante do nº 1 do seu artigo 4º.
Não posso, assim, subscrever a premissa do Acórdão, de que a afetação de um ativo à exploração ou «activo operacional» é condição suficiente para beneficiar do CFEI. É que «activos afectos à exploração» há-os de vários tipos e o legislador, não podendo deixar de os conhecer a todos (v. art. 9º, nº 3 do CC), concedeu o incentivo fiscal a uns e a outros não. No caso, para efeitos do âmbito material do incentivo, enumerou os AFT e os Ativos Biológicos não consumíveis (ABNC) e não enumerou as PI.
Sem o mínimo de correspondência na letra da lei, entendeu o Acórdão que, no referido nº 1 do artigo 4º da Lei nº 49/2013 se devem compreender também os activos classificados como PI, essencialmente porque «tais ativos são, em substância, elementos tangíveis de exploração, ou ativos operacionais, cabendo na definição da NCRF 7, pelo que as Requerentes dispunham de margem de flexibilidade interpretativa suficiente para contabilizar os elementos como ativos fixos tangíveis.».
Ora já se viu que atendendo à substância e em face do normativo contabilístico, os imóveis onde estão instalados os centros comerciais são PI, como aliás corretamente as Requerentes qualificaram e vêm qualificando. E, ao invés do que decidiu o Acórdão, as Requerentes não dispunham de margem de flexibilidade interpretativa suficiente para contabilizar os elementos como AFT. É que devendo, nos termos da legislação contabilística, como vimos, ser os centros comerciais reconhecidos como PI, e, portanto, sujeitos à disciplina da NCRF-11, nunca podiam ser reconhecidos como AFT. É a própria NCRF-7-Activos Fixos Tangíveis, ao definir o seu âmbito, que o impede quando dispõe no § 2 «Esta norma deve ser aplicada na contabilização de activos fixos tangíveis excepto quando uma outra Norma exija ou permita um tratamento contabilístico diferente». E, no caso, há outra norma que exige uma contabilização diferente: a NCRF-11-Propriedades de Investimento.
Além disso, o Acórdão viola o disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 9º do CC, também porque:
a) Considera que o legislador fiscal, delimitando o incentivo fiscal aos AFT e aos ABNC e não o concedendo às PI, não usou os conceitos com o sentido contabilístico consagrado no SNC, quando se verifica que
(i) esta terminologia não existia antes do SNC;
(ii) alguns anos antes, através do DL nº 159/2009, de 13 de Julho, o legislador alterara o «Código do IRC e legislação complementar» expressamente «por forma a adaptar as regras de determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos às NIC-Normas Internacionais de Contabilidade», assim estabelecendo a expressa distinção entre PI e AFT sempre que quis falar de ambos os activos (vg. as redações ao tempo do art. 46º, nº 1, al. a) e do art. 48º n º 1, do CIRC) e não reconduzindo ambos os ativos ao conceito de AFT, como decidiu o Acórdão;
b) Sem a exigida correspondência verbal na letra da lei, estendeu o incentivo fiscal às PI, servindo-se de conceitos que já não determinam o reconhecimento e qualificação dos activos, como «activo imobilizado», vigente no revogado POC mas agora inexistente no SNC;
c) Fundamenta a decisão no argumento segundo o qual as PI poderiam ser materialmente AFT e, portanto, teriam acesso ao benefício fiscal, ignorando que na mesma linha de pensamento, também se poderia dizer o mesmo dos ABNC; e, não obstante, o legislador fiscal, tal como o do SNC, distinguiu os ABNC dos AFT e concedeu-lhes expressamente o incentivo. Coisa que não fez com as PI, porque, conhecendo a sua existência, (não parece poder haver outra conclusão) não as quis beneficiar.
d) Ao considerar no âmbito do CFEI uma realidade não tipificada na lei – as PI - desrespeitou o princípio da legalidade tributária e o seu corolário da obrigação de tipificar, também vigente em matéria de benefícios fiscais (art. 103º, nº 2 da CRP).
Tudo visto, pelas várias razões acima indicadas, deveriam ter sido indeferidas as pretensões das Requerentes. E, por isso, votei contra o Acórdão.
Lisboa, 8 de setembro de 2017
O Árbitro
Américo Brás Carlos
[1] Esta mesma linha, de que os ativos afetos à atividade normal ou de exploração consubstanciam ativos fixos tangíveis, se defende num dos manuais de referência da Contabilidade Financeira em Portugal. Ver A. Borges, A. Rodrigues e R. Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, Lisboa, Áreas Editora, 2010, p. 782, sobre a conta “43.2- Edifícios e outras construções”. As PI são aí expressamente referidas como integrando os bens que não estão afetos à atividade operacional.
[2] Em nota de rodapé a Autora refere que usa indiferentemente a NCRF 11 ou a IAS 40 por as duas normas serem praticamente idênticas. Ver nota (5), p. 6 do Parecer.
[3] Ver em : http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/65fa8319d556fa2480257e6d002de4c5?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,01426%2F14#_Section1
( [4] ) ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:
«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».
[5] v. Américo Fernando Brás Carlos, in Impostos-Teoria Geral, Almedina, 5ª edição, p. 197: «Não existe um sentido extensivo ou restritivo da lei (…) O intérprete não amplia nem restringe o conteúdo da lei».
[6] Que é a base explícita da NCRF-11.
[7] Que é a base explícita da NCRF-7.
[8] Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, p. 59.