Os árbitros José Baeta de Queiroz (Presidente), Rui Rodrigues e Cristina Aragão Seia, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I - Relatório
1. A…, contribuinte nº…, e B…, contribuinte nº … (adiante designados “Requerentes”), casados, residentes na …, …, em Cascais, vieram, ao abrigo do artigo 2º nº 1, alínea a), e dos artigos 10º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
2. Em tal pedido, solicitam os Requerentes a pronúncia arbitral sobre a legalidade do despacho de 18.10.2016, proferido pelo Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa (doc. 1 junto com pedido arbitral), que indeferiu a Reclamação Graciosa deduzida pelos ora Requerentes, em 14.06.2016, contra a Liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2016 … de 22.03.2016, relativa ao ano de 2010, com data de compensação de 15.04.2016, no montante de € 339.223,32 (trezentos e trinta e nove mil duzentos e vinte e três euros e trinta e dois cêntimos) (doc. 2 junto com pedido arbitral).
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-01-2017.
4. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º e da alínea b) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 06.03.2017 as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
6. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 21-03-2016.
7. Devidamente notificada, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido, defendendo-se apenas por excepção.
8. No dia 26.05.2017, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, havendo lugar à produção de alegações orais pelas partes, que reiteraram e desenvolveram as respetivas posições jurídicas.
9. Foi fixado o dia 24 de Julho para a prolação da decisão final, depois transferida para 21 de Setembro.
10. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4º e 10º, nº 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
11. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e os Requerentes juntaram procuração, encontrando-se, assim, as partes devidamente representadas.
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e foi regularmente constituído.
13. O processo não enferma de nulidades.
II. Matéria de facto
1.1. Factos dados como provados
No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da casa, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Em 13.07.2011, os sujeitos passivos, ora Requerentes, procederam à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 nº …-2010-… -… .
b) Esta declaração deu origem à Liquidação nº 2011…, emitida em 14.07.2011, pelo valor de € 5.771,15, regularizada por pagamento em 23.01.2012.
c) Em 21.01.2011 foi elaborada oficiosamente a declaração Modelo 3 nº …-2010-… -… visando a tributação do montante de € 1.112.873,10 declarado como tendo sido pago pela Secretaria Geral do Ministério das Finanças ao sujeito passivo A, durante o ano de 2010, rendimento enquadrável na categoria G.
d) Esta declaração oficiosa motivou a emissão da liquidação de IRS nº 2011…, nela se apurando o imposto a pagar de € 327.986,50, valor regularizado pelos Requerentes em 30.03.2012, já no curso do processo de execução fiscal nº …2012…, acrescido do valor de € 3.463,97 respeitante a juros de mora e do valor de € 1.144,50 relativo a custas processuais.
e) Em 28.11.2011, os Requerentes entregaram a declaração de rendimentos Modelo 3 de substituição nº …-2010-… -…, relativa a 2010, para inclusão na categoria H e para alteração do rendimento da categoria G por forma a considerá-lo como “importância auferida em virtude da assunção de obrigações de não concorrência”, tendo incidido sobre tal rendimento o valor de imposto de € 183.624,06 resultante da aplicação da taxa de 16.5% sobre o referido rendimento.
f) Do seu tratamento resultou a Liquidação nº 2011…, no montante de € 339.223,32, tendo os Requerentes procedido ao pagamento de € 11.236,82 (€339.223,32 - € 327.986,50), acrescido do montante de € 90,61 respeitante a juros de mora e € 103,06, respeitantes a custas processuais.
g) Por despacho de 20.10.2011 e em cumprimento da Ordem de Serviço OI2011…, deu-se início a uma acção inspectiva externa contra o Requerente, respeitante aos anos de 2008, 2009 e 2010, aberta com o Código PNAIT 12222002 “Acções de Controlo de sujeitos passivos não declarantes”.
h) Em 2012, no curso da acção inspectiva desencadeada contra o Requerente, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa apuraram que o Estado Português lhes pagou, em 23.08.2010, a quantia de € 13.483.166,75 (treze milhões quatrocentos e oitenta e três mil cento e sessenta e seis euros e setenta e cinco cêntimos), a titulo de indemnização.
i) A indemnização por danos provocados pela expropriação de prédio designado por …, inscrito na matriz predial urbana sob os artigos nºs…, …º e …º, da freguesia de … e na matriz predial rústica sob o artigo … da secção E, da freguesia …, foi – lhe paga enquanto cessionário de créditos litigiosos, no âmbito do proc. nº …/02, que correu termos na … Vara de Competência Mista de Sintra, sendo cedentes C… e a D…, proprietários do referido prédio.
j) Os SIT qualificaram o valor auferido pelo Requerente como um benefício financeiro traduzido em rendimento enquadrável na categoria B de IRS, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 3º do CIRS.
k) Com base nesta factualidade, foi emitida, em 31.08.2012, a Liquidação de IRS adicional nº 2012…, no montante de € 5.882.782,02.
l) Não se conformando com ela, os Requerentes impugnaram-na, a 07.01.2013, dando entrada a um pedido de constituição de Tribunal Arbitral junto do CAAD, que correu termos sob o nº 7/2013-T e no qual foi declarada a ilegalidade da liquidação e a sua anulação com fundamento na errónea qualificação de rendimentos.
m) Foi, então, emitida, em 12.12.2014, a Liquidação de IRS nº 2014…, no montante global de € 6.770.549,16 (seis milhões setecentos e setenta mil quinhentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos),
n) Contra a qual os Requerentes apresentaram novo pedido de pronúncia arbitral, que correu termos sob o nº 248/2015-T, no CAAD, e cuja decisão, de 12.01.2016, foi mais uma vez desfavorável à AT, dado que esta não exercera o direito à liquidação no prazo da execução do julgado.
o) Em 16.03.2016, foi elaborada a declaração oficiosa nº …-2010-… -… que deu origem à Liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2016… de 22.03.2016.03, relativa ao ano de 2010, no montante de € 339.223,32.
p) Os Requerentes apresentaram, em 14.06.2016, reclamação graciosa da mesma, reclamação essa que foi indeferida por despacho do Director Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, datado de 18.10.2016.
q) O presente pedido de pronúncia arbitral foi proposto em 13.01.2017.
1.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
1.3. Fundamentação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, bem como nas posições das partes, sendo de referir não emergir dessas posições efetiva discordância relativa à matéria de facto, confinando-se o dissídio à matéria de direito.
II. Do Direito
A questão controvertida nos presentes autos é a da saber se é ilegal, como pretendem os Requerentes, a liquidação de IRS e juros compensatórios n.º 2016…, de 22.03.2016, relativa ao ano de 2010, no montante de € 339.223,32.
Tal ilegalidade resultaria de dois vícios formais – preterição do direito de exercício de audiência prévia e falta de fundamentação de facto e de direito – e de vários substanciais – violação de caso julgado, preclusão, caducidade, e ofensa dos princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade.
A ilegalidade invocada pelos Requerentes não existe para a AT. Para ela, ilegal é, antes, a impugnação do acto de liquidação, por ele não ser contenciosamente sindicável, já que não é lesivo, mas apenas confirmativo de acto anterior, não introduzindo alteração na esfera jurídica dos Requerentes.
A AT aceita, expressamente, a existência do caso julgado e da sua obrigação de acatá-lo, mas pretende tê-lo feito, e admite que a liquidação foi efectuada depois de decorrido o prazo de caducidade.
Porém, para si, nada disso contende com a legalidade do acto, que é uma «(…) liquidação meramente confirmativa/correctiva/de execução, não se projectando na ordem jurídica dos RR como um acto inovatório» - portanto, não lesivo e, consequentemente, não impugnável.
Estamos perante um acto de liquidação do IRS relativo ao ano de 2010.
A inicial declaração de rendimentos dos Requerentes originou uma primeira liquidação, com o nº 2011…, em Julho de 2011, tendo sido pago o IRS apurado.
Na sequência de uma declaração da iniciativa da AT foi elaborada nova liquidação, a segunda, a que coube o nº 2011…, em Novembro de 2011, achando-se também pago o correspondente imposto.
Porque os Requerentes entregaram uma declaração de rendimentos substitutiva, houve lugar a outra liquidação, a terceira, sob o nº 2011…, em Dezembro de 2011, cujo IRS foi pago.
Após uma acção inspectiva externa, os Serviços de Inspecção Tributária apuraram que o Requerente recebera, em 2010, uma quantia não declarada, que consideraram rendimento enquadrável na categoria B de IRS, e efectuaram, em Agosto de 2012 a correspondente liquidação adicional, com o nº 2012… - a quarta.
Esta liquidação foi judicialmente anulada, em 17 de Junho de 2013, no processo 7/2013-T, com fundamento em errónea qualificação de rendimentos.
A AT emitiu, em Dezembro de 2014, a quinta liquidação, nº 2014…, que foi também anulada pelo tribunal arbitral, em 12 de Janeiro de 2016, no processo 248/2015-T, com fundamento em que o direito à liquidação não fora exercido no prazo da execução do julgado.
Foi elaborada nova declaração oficiosa que originou, em Março de 2016, a liquidação de IRS e juros compensatórios ora impugnada, nº 2016... – a sexta.
Cada uma das liquidações referidas, efectuada por, após a anterior, terem sido conhecidos outros rendimentos sujeitos a imposto, antes não considerados, eliminou a anterior.
Assim sucedeu com a liquidação nº 2011…, de Novembro de 2011, que fez desaparecer a nº 2011…, de Julho de 2011, com a nº 2011…, de Dezembro de 2011, que apagou a nº 2011…, de Novembro anterior, e com a 2012…, de Agosto de 2012, que eliminou a nº 2011…, de Dezembro de 2011.
A liquidação nº 2012… de Agosto de 2012, também desapareceu da ordem jurídica por obra da decisão judicial proferida em Junho de 2013 no processo nº 7/2013-T, com base na ocorrência de “erro de quantificação e qualificação” (artigo 99º alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
E a que se seguiu, em Dezembro de 2014, com o nº 2014…, também não subsistiu, anulada que foi pela decisão proferida no processo nº 248/2015-T em 12 de Janeiro de 2016, pela preclusão, face à inexistência de factos novos.
Tem, pois, de concluir-se que a obrigação de imposto sobre o rendimento de 2010 dos Requerentes está por quantificar.
Ora, a Administração, perante a existência do facto tributário – a percepção, em 2010, de rendimentos sujeitos - tem não apenas o direito de liquidar o imposto, como a obrigação de o fazer.
Foi o que entendeu cumprir através da liquidação de Março de 2016, a que coube o nº 2016…, que agora está sob apreciação.
E fê-lo cuidando que com isso executava o julgado de 12 de Janeiro de 2016, e que se limitava a confirmar a liquidação nº 2011…, de Dezembro de 2011, que não foi impugnada, e cujo imposto os Requerentes satisfizeram.
Só que não é possível confirmar ou dar execução a um acto tributário insubsistente, como é o caso da apontada liquidação, desaparecida da ordem jurídica por obra da posterior, que a substituiu.
Por outro lado, a execução do julgado anulatório de 9 de Dezembro de 2016 não podia já passar por um novo acto de liquidação, ainda que outros obstáculos não houvesse.
É que o direito da Administração a liquidar os tributos está sujeito a um prazo de caducidade, findo o qual não mais pode ser exercido – cfr. o artigo 45º da Lei Geral Tributária (LGT).
Este impedimento não só vale para a primeira liquidação, mas também para a eventual reforma, bem como para liquidações adicionais.
E impede, mesmo que a Administração proceda à liquidação sob pretexto de executar um julgado, decorrido que seja o prazo de caducidade.
As decisões judiciais anulatórias de actos de liquidação inserem-se no âmbito de um contencioso meramente anulatório (mesmo que mitigado), de onde resulta que, frequentemente, a sua execução se satisfaz com a devolução do imposto indevidamente pago e dos juros compensatórios, se for caso disso, além da indemnização, consistente, as mais das vezes, em juros indemnizatórios.
Ainda que se possa entender que a completa execução do julgado passa pela prática do acto devido, e que tal acto seria um acto tributário de liquidação, se já decorreu o prazo de caducidade não há acto devido possível, porque insubsiste o direito à sua prática, e a segurança e certeza jurídicas impõem que a situação tributária do sujeito passivo não mais possa ser alterada.
Ora, aceitando expressamente a Requerida que a liquidação em crise, de IRS do ano de 2010, foi efectuada em Março de 2016, após o decurso do prazo de caducidade, ela é, só por isso, ilegal.
Veja-se que a alínea d) do nº 1 do artigo 24º do RJAT impõe à Administração que, anulado o acto de liquidação, liquide conforme a decisão judicial, ou se abstenha de o fazer.
Sabendo-se que a AT não é livre de liquidar ou não liquidar, sendo sua obrigação fazê-lo sempre que haja imposto a quantificar, a segunda parte da norma, ao referir a abstenção de liquidar, abrange os casos em que ou os termos do julgado ou a caducidade do respectivo direito obstem à liquidação.
Mesmo esta possibilidade de liquidar – sempre dentro do prazo de caducidade – não é incontroversa, face ao nº 4 do citado artigo 24º, que proíbe a liquidação na sequência da anulação do acto de liquidação pelo tribunal arbitral sem que haja factos novos. Factos que, no caso, não existem.
De resto, um acto de liquidação não dotado de efeitos externos, incapaz de alterar a esfera jurídica do destinatário, como pretende a requerida ser o caso dos autos, dificilmente se concebe. Seja qual for a posição que se perfilhe sobre a natureza jurídica do acto de liquidação, é seguro que é mediante ele que se fixa o quantum da obrigação de imposto. Sem essa quantificação o imposto - o cumprimento de uma obrigação pecuniária - não pode ser exigido ao sujeito passivo.
Deste modo, sempre que a AT liquida um tributo, o contribuinte fica obrigado a satisfazê-lo espontaneamente ou sujeito à exigência coerciva – situação que não existia antes da liquidação.
Acresce que o exercício do direito à liquidação preclude a possibilidade de a Administração repetir o acto nos mesmos precisos termos. Se já existe um acto tributário de liquidação válido, dotado de definitividade e executoriedade, de nada adianta confirmá-lo; e a sua execução não consiste na sua repetição. Para além do mais, sempre se estaria perante um acto inútil, cuja prática é vedada pelo artigo 57º nº 1 da LGT.
Por outro lado, o acto meramente confirmativo pressupõe a existência de um anterior acto válido, que o confirmativo reafirma.
No caso, não havia qualquer acto de liquidação vigente na ordem jurídica, relativo ao IRS de 2010 dos Requerentes, posto que cada um dos sucessivos actos apagou dessa ordem os anteriores, e os dois últimos foram anulados.
A tudo acresce que já na decisão do processo nº 248/2015-T se fixou que “(…) ocorreu a preclusão processual, o que significa que ficou definitivamente vedada à Autoridade Tributária a concretização de uma nova liquidação em substituição da anterior, a não ser que tivessem surgido factos novos, o que manifestamente se não verificou (…)”; “(…) a ocorrência da preclusão processual apenas permite que seja praticado um acto tributário em substituição do anterior se ocorrerem factos supervenientes”.
Perante tão clara afirmação, não se vê como poderia pretender-se que a liquidação agora em causa respeita o julgado e, menos, que o novo acto haja sido praticado em execução dele.
O que acaba de se dizer constitui claro vício de violação de lei, seja pela caducidade do direito à liquidação, seja pela preclusão e, porque tanto basta para tutelar o direito dos Requerentes, dispensa-nos de apreciar os demais vícios imputados à liquidação.
III. Decisão
De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral, por maioria:
a) Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a liquidação nº 2016…, de 22 de Março de 2016, e com ela a decisão de indeferimento da respectiva reclamação graciosa;
b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.
IV. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 339.223,32, nos termos do artigo 305º, nº 2 do CPC e 97º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
V. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 5.814,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4º, nº 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 08 de Agosto de 2017
Os Árbitros,
(José Baeta de Queiroz)
(Rui Rodrigues)
vencido, com declaração de voto em anexo
(Cristina Aragão Seia)
Voto de vencido
Dissinto da posição que fez vencimento pelas razões que passo a enunciar:
Entendo que a liquidação impugnada consubstancia um ato confirmativo, e não inovatório, sendo que o ato confirmado, ou seja, a liquidação n.º 2011…, de 28 de novembro de 2011 (a 3.ª), no montante de 339 223,32 €, foi objeto de repristinação automática e silente, por efeito da decisão anulatória da liquidação que a substituiu (a 5.ª, de 23 de dezembro de 2014), proferida no Processo n.º 248/2015-T do CAAD, tendo em vista, deste modo, a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o ato ilegal.
Com efeito, a liquidação de 28-11-2011 (a 3.ª), foi substituída pela de 10-09-2012 (a 4.ª), e esta, depois, pela de 23-12-2014 (a 5.ª), mas aquela, a 3.ª, não foi sindicada pelo que se consolidou na ordem jurídica.
Deste modo, nos termos dos artigos 100.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 173.º/1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), ocorreu a reposição silente do statu quo ante, ou seja, o ressurgimento da 3.ª liquidação (a 3.ª), por efeito automático da sentença anulatória proferida naquele processo.
É a seguinte a redação do artigo 100.º da LGT: «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.
Por sua vez refere o n.º 1 do artigo 173.º do CPTA: “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo ato administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um ato administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele ato, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter atuado”.
Sobre esta questão pode ver-se J. C. Vieira de Andrade, in «A Justiça Administrativa», Lições, Almedina, 13.ª edição, 2014, pág. 343:
«O dever de pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito, reconstituindo a situação sem a ilegalidade, é desencadeado pela sentença, mas decorre de determinações do direito substantivo – não é imprescindível portanto, para justificar o dever de reconstituição, a inclusão no conteúdo da sentença anulatória da decisão sobre os direitos dos particulares em face da Administração».
E ainda Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in «Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos», Almedina, 3.ª edição revista, 2010, pág. 1115: «Na verdade, uma vez anulado (ou declarado nulo ou inexistente) um acto administrativo, sem que o tribunal tenha sido chamado, no âmbito do próprio processo impugnatório, a pronunciar-se sobre os aspectos complementares a que se refere p artigo 47.º, n.º 2, nem por isso a Administração deixa de ficar constituída no dever de extrair as devidas consequências da pronúncia emitida pelo tribunal. Diz-se tradicionalmente que a Administração fica constituída no dever de executar a sentença de anulação, querendo, com isso, dizer-se que ela fica constituída no dever de dar corpo à modificação operada pela sentença, praticando actos jurídicos e realizando as operações materiais necessárias para colocar a situação, tanto no plano do Direito, como no plano dos factos, em conformidade com a modificação introduzida».
Em abono desta interpretação podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos:
Acórdão do STA de 14-07-2008 (Processo n.º 047693A);
Acórdão do STA de 30-01-2007 (Processo n.º 040201A);
Acórdão do STA de 29-11-2005 (Processo n.º 01855/02);
Acórdão do TCAN de 22-02-2013 (Processo n.º 00393-A/2002); e
Acórdão do TCAN de 30-09-2004 (Processo n.º 00037/04).
Demonstrado o ressurgimento na ordem jurídica da liquidação de 28-11-2011, ou seja, do ato confirmado, entendo que o ato impugnado é confirmativo daquele uma vez que se mostram reunidos os respetivos pressupostos, a saber, cfr. acórdão do TCAN de 26-06-2008 (Processo n.º 01113/06.0BEBRG):
a) Que o ato confirmado (liquidação de 28-11-2011) seja lesivo;
b) Que tal ato tivesse sido do conhecimento do interessado; e
c) Que entre o ato confirmado e o ato confirmativo haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão.
Para Marcello Caetano, in «Manual de Direito Administrativo, I vol., pág. 452, «Quando um novo acto se limita a confirmar outro acto anterior que seja executório, sem nada acrescentar ou tirar ao seu conteúdo, a confirmação equivale a mandar executar esse acto ou prosseguir a sua execução. De forma que o acto confirmativo não tem força executória própria: não tira, nem põe nas situações criadas pelo acto confirmado. Toda a obrigatoriedade e o vigor coercivo resultam do acto executório confirmado».
Também Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a pág. 361 da obra citada de que são autores, referem: «O regime de inimpugnabilidade destes atos decorre da necessidade de garantir o objetivo da consolidação dos atos anuláveis pelo decurso do prazo de impugnação sem que esta haja sido deduzida e surge, por isso, associado a considerações de estabilidade e segurança jurídicas».
Neste sentido podem ver-se, entre outros, os seguintes arestos:
Acórdão do STA de 28-10-2010 (Processo n.º 0390/10);
Acórdão do STA de 21-05-2008 (Processo n.º 0796/07);
Acórdão do STA de 06-03-2008 (Processo n.º 01011/07);
Acórdão do STA de 23-06-2004 (Processo n.º 01679/03);
Acórdão do STA de 29-04-2003 (Processo n.º 0363/03);
Acórdão do STA de 22-01-1992 (Processo n.º 013062);
Assim, tratando-se, como entendo tratar-se, de um ato confirmativo, o mesmo é inimpugnável nos termos do artigo 53.º/1 do CPTA, por se limitar a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em ato administrativo anterior (3.ª liquidação).
Nestes termos, decidiria pela procedência da exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato impugnado, prevista no artigo 89.º/4-al. i) do CPTA, invocada pela AT, com a consequente absolvição da instância nos termos dos artigos 278.º/1-al. e), 576.º/2 e 578.º do Código de Processo Civil.
São estas as razões pelas quais não pude subscrever a decisão que fez vencimento.
Lisboa, 08-08-2017.
Rui Rodrigues