DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1 A…, S.A., titular do número de identificação fiscal …, com sede social na Rua …, n.º…, …, em Lisboa, veio em 10 de Março de 2017, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, n.º 2 do artigo 5.º, n.º 1 do artigo 6.º, e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (adiante, RJAT), em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea d) n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (adiante CPPT) requerer a constituição do tribunal arbitral.
1.2 É Requerida nos autos a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
1.3 O Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou a ora signatária para formar o Tribunal Arbitral Singular, disso notificando as partes, e o Tribunal foi constituído a 23 de Maio de 2017.
1.4 O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato a decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação por ela apresentada e por objecto mediato o lá peticionado, a saber, a anulação, por ilegalidade, do acto de liquidação do Imposto do Selo de 31.12.2014, no montante de € 12.171,00, referente ao exercício de 2014, com fundamento na verba 28.1 da TGIS, referente ao prédio urbano, terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do … (extinta) do concelho de Lisboa, sob o artigo …º, actualmente, sob o artigo ...º da freguesia do … daquele concelho, liquidação e prédio que estão melhor identificados no pedido da Requerente e nos documentos a ele juntos, para os quais aqui se remete.
A Requerente manifesta a sua discordância com o ato de liquidação de imposto em crise, atendendo fundamentalmente a que o prédio sobre o qual incide o imposto não é um prédio para habitação, antes um terreno para construção, insuscetível de ser habitado, e relativamente ao qual não há previsão ou autorização de edificação de apenas prédios - ou frações autónomas de prédio - destinados a habitação, pelo que não se enquadra na previsão da verba n.º 28.1 da TGIS na redação introduzida pelo artigo 194.º da Lei 83-C/2013, de 31.12
Entende, como tal, que as verbas n.ºs 28 e 28.1 da TGIS, na sua redação original, tinham e têm de ser interpretadas no sentido de se aplicarem apenas a prédio imediatamente destinados a habitação e, bem assim, que a alteração introduzida pelo artigo 194.º da Lei 83-C/2013, de 31.12, é inconstitucional, porque violador do princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva que emanam do artigo 13.º e do artigo 204.º da CRP. Considera ainda que a sua aplicação gera uma situação de dupla tributação.
Pelo que conclui que deve ser recusada a aplicação da norma e que o ato de liquidação em crise é ilegal, peticionando a respetiva anulação e o reembolso das quantias pagas, acrescida dos juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações até reembolso efetivo e integral.
1.5 A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA respondeu, defendendo-se por excepção e por impugnação e veio juntar o processo administrativo.
Por exceção, alegou a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a inconstitucionalidade invocada pela Requerente.
Por impugnação, pugnou pela manutenção na ordem jurídica do ato impugnado por entender que o prédio em apreço tem natureza jurídica de prédio com afetação habitacional, pelo que o ato de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral deve ser mantido por consubstanciar uma correta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral, aditada pela Lei 55-A/2012, de 29/12.
Alega, sumariamente, que a verba 28 da TGIS incide sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1.000.000,00, ou seja, incide sobre o valor do imóvel, tratando-se de uma norma geral e abstrata, aplicável de forma indistinta a todos os casos em que se verifiquem os pressupostos de facto e de direito.
Invoca inda o contexto excecional e de evidentes dificuldades que o País, em especial a contas públicas, enfrentavam quando surgiu a verba 28.1 da TGIS, que obrigou a medidas extraordinárias de arrecadação e mais receita fiscal, motivos pelos quais a medida implementada procura buscar um máximo de eficácia quanto ao objetivo a atingir, com o mínimo de lesão para outros interesses considerados relevantes.
No que reporta à alegada inconstitucionalidade da norma, recorda a Requerida que esta já foi objeto de juízo negativo por parte do Tribunal Constitucional.
Mais alega que a Câmara Municipal de Lisboa, a 15-11-2011, emitiu parecer favorável, em resposta à emissão de informação prévia de viabilidade de construção do terreno aqui em escrutínio solicitada pela Requerente (à data com a denominação de B…, S.A.).
Alega, finalmente, que em processo anterior, que correu termos neste CAAD, relativo ao mesmo prédio, a Requerente não colocou em causa a afectação habitacional do prédio, pelo que fazê-lo agora será abuso de direito, sob a forma de venire contra factum proprium.
Termina pugnando pela legalidade da liquidação e pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
1.6 O Tribunal proferiu, a 21 de Junho de 2016, despacho no sentido de se lhe afigurar ser dispensável a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, e convidando as partes a produzir as apresentar as suas alegações (com as quais poderia a Requerente, querendo, responder à matéria de exceção).
1.7 A Requerente apresentou as suas alegações aos 03.07.2017, alegando, em suma, quanto à invocada excepção da incompetência do Tribunal, que, ao contrário do que alega a Fazenda, não pretende seja sindicado nenhum acto de fixação matricial e, no mais, mantendo a sua posição.
1.8 A Requerida veio apresentar alegações aos 05 de Julho de 2017, mantendo a sua posição.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
O processo não sofre de quaisquer vícios que o invalidem.
Está, porém, alegada pela Requerida a incompetência do Tribunal que a verificar-se, conduzirá à absolvição da instância.
Trata-se de questão processual de conhecimento prioritário, nos termos do n.º 1 do artigo 608.º, do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, ex vi do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Vejamos, pois.
A Requerida considera que está fora das competências materiais do Tribunal Arbitral a sindicância e/ou análise de actos de inscrição matricial e, nesse sentido, invoca a referida excepção dilatória.
Sinteticamente, alega que: “Em primeiro lugar – a natureza de um prédio (que é aquilo que mediata ou imediatamente pretende ver aqui questionado o Requerente) não é passível de ser discutida em sede arbitral, para tal existem procedimentos próprios constantes no normativo jurídico-fiscal, ademais, e como já vem ante referido, a natureza do prédio está fixada documentalmente nos autos. Em segundo (2) e último lugar – os factos sobre os quais a Requerente pretende agora questionar, sem que o tenha feito tempestivamente e em sede própria, deixando preludiar todos os prazos que tinha ao seu dispor, estão sedimentados na ordem jurídica.”
Ora, a Requerente não pretende questionar se estamos perante um “terreno para construção”, tal como se encontra inscrito na matriz.
A Requerente também não pretende questionar o valor patrimonial tributário constante da matriz. A Requerente não pretende proceder a uma “sindicância e/ou análise de actos de inscrição matricial”.
A Requerente recusa, sim, que se esteja perante um prédio cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
É, pois, manifesto que o Tribunal Arbitral tem competência face à alínea a) do número 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributaria (adiante RJAT) – para se pronunciar sobre a existência de um prédio cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, ou, noutras palavras, da subsunção dos factos às normas de previsão. Este entendimento é pacífico em diversas decisões do CAAD.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações, julga-se improcedente a invocada exceção da incompetência do Tribunal Arbitral.
4. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
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A Requerente é proprietária prédio urbano, terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia do …, que veio do artigo …º da freguesia do … (extinta), do concelho de Lisboa, sob o artigo …º.;
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O prédio está descrito na matriz como “terreno para construção”;
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Na avaliação do prédio foi aplicado o “tipo de coeficiente de localização: habitação”;
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O prédio tinha, à data da liquidação, o valor patrimonial tributário de €1.217.100,00 €;
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Durante o ano de 2015, a Requerente foi notificada do Imposto do Selo liquidado ao abrigo da Verba 28.1. da TGIS, no montante de € 12.171,00 (doze mil cento e setenta e um euros), mais se indicando como data de liquidação 20.03.2015;
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Em 30.03.2016 a Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a referida liquidação junto do Serviço de Finanças de Lisboa …;
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Em 09.12.2016, a Requerente foi notificada do indeferimento da Reclamação Graciosa
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Em 15.11.2001 foi emitida Informação prévia tendencialmente favorável na sequência de pedido sobre a viabilidade de construção de uma unidade de residências assistidas no referido imóvel;
Factos não provados
Com relevo para a apreciação do mérito da causa, não se provou que no imóvel em causa tivesse sido autorizada, projetada ou prevista qualquer edificação, designadamente, destinada a habitação, facto cuja prova incumbia à Requerida, por constituir facto essencial à integração na norma de incidência real o imposto e ser, portanto, constitutivo do direito a liquidá-lo.
Não foram alegados pelas partes quaisquer outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.
Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
A convicção sobre a matéria de facto fundou-se nas alegações do Requerente e da Requerida não contraditadas pela parte contrária ou, quando contraditadas, sustentadas na análise que o Tribunal fez da prova documental junta quer pelo Requerente quer pela Requerida.
4. MATÉRIA DE DIREITO - QUESTÕES DECIDENDAS
Aos olhos do Tribunal, são as seguintes as questões sobre as quais lhe cumpre decidir:
A) Para efeito da aplicação da aludida verba, se o prédio em causa, terreno para construção, sem construção autorizada ou prevista, está abrangido pela norma de incidência;
B) Se a verba 28.1 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 13 de Dezembro, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária e da capacidade contributiva, devendo, nesse caso, ser recusada a respetiva aplicação, o que retirará suporte legal ao ato de liquidação que, por ilegal, terá de ser anulado.
Cumpre decidir:
A) Se o prédio está abrangido pela norma de incidência:
A sujeição a IS dos prédios com afetação habitacional resultou do aditamento da Verba n.º 28 à TGIS, efetuado pelo artigo 4.º da Lei 55-A/2012, de 29 de outubro, que tipificou os seguintes factos tributários:
“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000,00 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1%
28.2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%”.
A Lei também aditou ao Código do IS o n.º 7 do artigo 23.º, respeitante à liquidação do IS: “tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI”, e o artigo 67.º, n.º 2 que dispõe que “às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o CIMI”.
A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro veio alterar a redação da norma, que passou a ser seguinte: “28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Nos artigos 2.º a 6.º do Código do IMI enumeram-se as espécies de prédios nos seguintes termos:
“Artigo 2.º - Conceito de prédio
1 – Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 – Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afetos a fins não transitórios.
3 – Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.
4 – Para efeitos deste imposto, cada fração autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio.”
“Artigo 3.º - Prédios rústicos
1 – São prédios rústicos os terrenos situados fora de um aglomerado urbano que não sejam de classificar como terrenos para construção, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º, desde que:
a) estejam afetos ou, na falta de concreta afetação, tenham como destino normal uma utilização geradora de rendimentos agrícolas, tais como são considerados para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS);
b) Não tendo a afetação indicada na alínea anterior, não se encontrem construídos ou disponham apenas de edifícios ou construções de carácter acessório, sem autonomia económica e de reduzido valor.
2 – São também prédios rústicos os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano, desde que, por força de disposição legalmente aprovada, não possam ter utilização geradora de quaisquer rendimentos ou só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e estejam a ter, de facto, esta afetação.
3 – São ainda prédios rústicos:
a) Os edifícios e construções diretamente afetos à produção de rendimentos agrícolas, quando situados nos terrenos referidos nos números anteriores;
b) As águas e plantações nas situações a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º.
4 – Para efeitos do presente Código, consideram-se aglomerados urbanos, além dos situados dentro de perímetros legalmente fixados, os núcleos com um mínimo de 10 fogos servidos por arruamentos de utilização pública, sendo o seu perímetro delimitado por pontos distanciados 50 m do eixo dos arruamentos, no sentido transversal, e 20 m da última edificação, no sentido dos arruamentos.
“Artigo 4.º - Prédios urbanos
Prédios urbanos são todos aqueles que não devam ser classificados como rústicos, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.”
“Artigo 5.º - Prédios mistos
1 – Sempre que um prédio tenha partes rústica e urbana é classificado, na íntegra, de acordo com a parte principal.
2– Se nenhuma das partes puder ser classificada como principal, o prédio é havido como misto.”
“Artigo 6.º - Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 – Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 – Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou equipamentos públicos.
4 – Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da exceção do n.º 3.”
É no presente quadro jurídico que importa apreciar a qualificação jurídica do prédio sobre o qual incidiu o imposto em crise.
Dúvidas não existem de que o prédio “terreno para construção”. É uma qualificação que não foi colocada em causa por nenhuma das partes e que resulta do teor da respetiva caderneta predial e do confronto dos citados artigos 2.º, 4.º e 6.º do CIMI aplicável por remissão expressa da norma de incidência aplicada.
Essa norma é a verba 28.1 da TGIS que, recordemos, dispõe o seguinte: 28.1 Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Necessário é, pois, para preenchimento da norma de incidência, que o prédio seja habitacional ou, não o sendo, seja terreno para construção e que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação.
Sendo que sempre se dirá que, nesse caso, que a redação adotada pelo legislador foi infeliz e não deixa claro se a construção terá que ser exclusivamente para habitação e, assim não sendo, se pretende que a base do imposto corresponda ao valor tributário do prédio, ou apenas à parte que seja destinada a habitação (sendo que a respetiva determinação não se nos afigura viável). Não ignora o Tribuna o contexto em que a norma foi produzida, mas nem em contexto de urgência está o legislador dispensado de observar os preceitos Constitucionais, designadamente, o princípio da legalidade no sentido de tipificar com clareza os factos tributários que estão sujeitos a imposto.
O n.º 2 do artigo 5.º do CIMI vem clarificar o que entende por prédios “habitacionais” para efeitos da alínea a) do n.º 1, classificando como tal as construções licenciadas para habitação ou que na falta de licença, tenham esse uso normal, não se está a referir aos terremos para construção, mas às edificações já realizadas que serão habitacionais quando seja esse o uso licenciado pela edilidade ou quando, na falta de licença, seja essa a sua utilização normal. O critério da “utilização normal” na falta de licença não se pode extrapolar com o objetivo de adivinhar as edificações que possam vir a ser feitas nos terrenos para construção, espécie de prédio prevista na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, como parece pretender a Requerida.
Certo que na avaliação do terreno foi utilizado pela AT o coeficiente de localização do tipo habitação, sendo que o sujeito passivo podia, de facto, ter reagido contra a aplicação deste coeficiente, não se tendo demonstrado que o tenha feito.
Não é esse, porém, o critério adotado pelo legislador nem no CIMI nem no Código do Imposto de Selo. O legislador da norma de incidência aqui em causa não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, tão só na respetiva avaliação. Diga-se en passant ainda que sem consequências na decisão do pleito, que nos parece haver erro da AT na utilização de tal coeficiente.
A verba 28.1 da TGIS afigura-se-nos - nessa parte, pelo menos - perfeitamente clara: estão sujeitos a imposto, além dos prédios habitacionais (os da alínea a) do número 1e do n.º 2 do artigo 5,º do CIMI), os terrenos para construção (i.e., a espécie de prédio previsto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo do CIMI), desde que tenha sido autorizada ou esteja prevista construção destinada a habitação (ficando apenas por definir se é total ou parcialmente e, neste último caso, qual é a o valor considerado para efeitos de sujeição a tributação).
Ora, não ficou demonstrado que o terreno para construção em discussão tivesse autorização, projeto ou previsão de edificação prevista para habitação, por forma a estar sujeito a IS nos termos da Verba n.º 28.1 da TGIS.
Prova que, ao contrário do que a Requerida alega, lhe cabia a ela e não à Requerente, e deveria aliás, por ser constitutivo do direito a liquidar, constar da fundamentação do acto de liquidação, que, sem tal fundamentação, está, no nosso entender, viciado, vício sobre o que não nos pronunciaremos por não ter sido levantado pela Requerida.
Parece-nos, portanto, evidente que o prédio, terreno para construção relativamente ao qual não se provou ter autorização ou previsão de construção destinada a habitação, preencha a norma de incidência do imposto que serviu de base à liquidação.
O pedido de informação prévia junto pela Requerente disso não passa – de um pedido de informação prévia. Pedido, ademais, que data de 2011, pelo que nos parece há muito caducado, e, em qualquer caso, note-se, globalmente desfavorável à pretensão da Requerida, de que está prevista construção para habitação.
Finalmente, não há na noma de incidência referência à figura do pedido de aprovação prévia que dele permitisse retirar as consequências que a AR quer retirar.
Sempre se dirá, finalmente, que, ao contrário do que alega a Requerida, no processo que antes correu termos neste CAAD (sem prejuízo de, naturalmente, não fazer caso julgado nem servir de princípio de prova, no nosso entender, quanto ao que agora está em crise), a requerente afirmou taxativamente que “Um terreno para construção não é um prédio com afectação habitacional”, pelo que cai por terra também esse argumento.
Pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações e com este fundamento, se considera anulável o ato de liquidação, por ilegal, por não ser aplicável a verba do artigo 28.1 da TGIS ao prédio sobre o qual incidiu.
Fica prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos demais vícios apontados pela Requerente, designadamente, da invocada inconstitucionalidade da norma.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação supra, decide-se:
Julgar totalmente procedente o pedido da Requerente e, em consequência, anular o ato de liquidação em crise, devendo a Requerida, por efeito da anulação, devolver à Requerente as quantias que esta tenha pago a este título, acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, desde a data do pagamento até efetivo e integral reembolso.
* * *
Fixa-se o valor do processo em 12.171,00€ (doze mil cento e setenta e um euros) de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em 918,00€ (novecentos e dezoito euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo da Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT e 527.º do CPC.
Notifique-se.
Lisboa, aos 6 de Julho de 2017,
O Árbitro,
(Eva Dias Costa)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.