DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
Em 24 de fevereiro de 2017, os contribuintes A…, com o NIF … e mulher, B…, com o NIF…, com domicílio fiscal na Rua …, n.º … – …, …-… – Vila Verde (doravante designados por Requerentes ou, individualmente, por Requerente) apresentaram, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro e do artigo 102.º, n.º 1, alínea b), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2014 n.º 2015…, no valor de € 174,82 (cento e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos), mantida pela decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… .
Mais peticionam os Requerentes a condenação da Requerida na restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios.
Síntese da posição das Partes
a. Dos Requerentes:
Os Requerentes sustentam o pedido de anulação da liquidação de IRS do ano de 2014 nos seguintes fundamentos:
1. O Requerente encontra-se registado pela atividade com o CAE 43340 – pintura e colocação de vidros, com enquadramento no Regime Simplificado de Tributação, embora apenas exerça aquela primeira atividade;
2. No anexo B da declaração de IRS referente aos rendimentos do ano de 2014, o Requerente assinalou, no quadro 3A – campo 11, o Código CAE 43340 e, no quadro 4A – campo 443 (Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores), rendimentos no valor de € 8 650,00;
3. Não obstante terem justificado a divergência que lhes foi comunicada pela AT, foram posteriormente notificados da intenção de lhes ser feita correção ao anexo B, pela inclusão dos rendimentos no quadro 4A – campo 440 (Rendimentos de atividades profissionais previstas na Tabela do artigo 151.º, do CIRS), o que veio a acontecer;
4. Da referida correção resultou a liquidação impugnada, decorrente da aplicação do coeficiente de 0,75, previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b) do Código do IRS, aos rendimentos da categoria B auferidos pelo Requerente, em vez do coeficiente de 0,10, constante da sua alínea e);
5. Não se encontrando a atividade exercida pelo Requerente prevista na Tabela anexa ao Código do IRS, verifica-se um erro de qualificação, na aplicação do coeficiente de 0,75, assim como um erro de quantificação da matéria coletável decorrente dessa aplicação;
6. Pelo que deve ser anulada a liquidação de IRS de 2014 e substituída por outra que contemple a aplicação do coeficiente de 0,10 aos rendimentos da categoria B, auferidos pelo Requerente;
7. Tendo os Requerentes procedido ao pagamento da dita liquidação, têm direito à restituição da quantia paga, requerendo ainda que lhes sejam pagos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária, por erro imputável aos serviços da AT.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, alegando, em síntese:
1. O Requerente, à data de 2014/12/31, exercia a atividade de “Pintura e colocação de vidros”, com o CAE 43340, cujos rendimentos declarou como rendimentos da categoria B, no quadro 4A, campo 443, do anexo B, por entender que a atividade exercida não se enquadrava nos campos anteriores;
2. Sob a epígrafe “Rendimentos da categoria B”, o artigo 3.º, nº 1, alínea b), do CIRS, na redação em vigor à data dos factos, estabelecia que:
“1 – Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
(…)
“b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de caráter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior”;
3. O quadro 4A do anexo B destina-se a declarar rendimentos brutos decorrentes do exercício de atividades profissionais, comerciais e industriais ou de atos isolados dessa natureza, tal como são definidos nos artigos 3.º e 4.º, do CIRS;
4. O campo 443 destina-se à declaração de “rendimentos da categoria B não incluídos nos campos anteriores”, designadamente, a prestação de serviços que por força do artigo 4.º, do CIRS, sejam enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIRS, desde que não previstos nas alíneas a) a d) e primeira parte da alínea e) do n.º 2 do art. 31.º desse diploma legal, ou seja, rendimentos “decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária”, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIRS.;
5. Não era esta a situação do Requerente que, de acordo com o Processo Administrativo exercia, em 31/12/2014, uma atividade de prestação de serviços, prevista na CAE;
6. O campo 440, com o descritor “Rendimento de atividades profissionais previstas na Tabela do art.151.º do CIRS e/ou na CAE”, destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício por conta própria de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, do CIRS ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria 1011/2001 de 21/08;
7. A este respeito são claras as instruções de preenchimento dos modelos de impressos destinados ao cumprimento da obrigação declarativa prevista no n.º 1 do art. 57.º do CIRS, constantes da Portaria nº 276/2014, de 26 de dezembro;
8. No que se refere ao ano de 2014, a inscrição dos rendimentos tem repercussões na escolha do coeficiente para determinação do rendimento tributável, nos termos do n.º 2 do artigo 31.º, do CIRS, já que à inscrição dos rendimentos no campo 440 corresponde o coeficiente de tributação de 0,75, enquanto para rendimentos inscritos no campo 443, o coeficiente a aplicar é de 0,10;
9. Pelos motivos expostos, mantém-se integralmente válida a liquidação corretiva de IRS, relativa ao ano de 2014.
As Partes prescindiram da realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, tendo o processo prosseguido com alegações escritas sucessivas, nas quais foram reiteradas as posições assumidas mas peças processuais iniciais.
II. SANEAMENTO
1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 28 de abril de 2017, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1 MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:
A – Factos Provados
1. O Requerente declarou o início da atividade com o Código CAE 43340 – Pintura e colocação de vidros, em 13 de março de 2012, atividade que exerceu no ano de 2014 (Doc. 2 junto à PI e PA);
2. Em 25 de maio de 2015, os Requerentes apresentaram, por via eletrónica, a declaração modelo 3 de IRS do ano de 2014, na qual foi incluído um anexo B – (Regime simplificado), referente aos rendimentos da categoria B auferidos pelo Requerente no exercício da atividade indicada (declaração n.º …-… -…) – Doc. 4 junto à PI e P A);
3. No referido anexo B foram indicados, no quadro 1, os campos 01 (Regime Simplificado de Tributação) e 03 (Profissionais, Comerciais e Industriais) e, no quadro 4A, o campo 443 (Rendimentos da Categoria B não incluídos nos campos anteriores), a quantia de € 8 650,00;
4. Em 7 de julho de 2015, o Requerente foi notificado pela AT de uma divergência na declaração apresentada, segundo a qual “O tipo de rendimentos empresariais e profissionais declarados pelo NIF … no(s) respetivos(s) campo(s) do(s) anexos(s) B, não é compatível com os códigos de atividade declarados ou em que esteve inscrito segundo o cadastro da Autoridade Tributária” (Doc. 6 junto à PI e PA);
5. O Requerente justificou a divergência, nos seguintes termos: “Por força do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do CIRS, os serviços de construção civil, enquadram-se no conceito de actividade comercial e industrial, sendo, por isso no regime simplificado de tributação de IRS tributados pelo coeficiente de 10% (alínea e do n.º 2 do artigo 31º do CIRS). Assim, os valores dos rendimentos de serviços prestados de construção civil devem ser declarados no campo 443 da M3 de IRS …” (Doc. 6 junto à PI e P A);
6. Pelo ofício n.º … do Serviço de Finanças de…, de 8 de novembro de 2015, foi o Requerente notificado para o exercício do direito de audição sobre a intenção de a AT proceder à correção do Anexo B, pela transferência para o campo 440 do quadro 4A do valor dos rendimentos inscritos no campo 443 do mesmo quadro (Doc. 7 junto à PI e PA);
7. Em 4 de dezembro de 2015 foi emitida, em nome dos Requerentes, a liquidação de IRS n.º 2015…, relativa aos rendimentos do ano de 2014, na qual foi apurado o imposto a pagar de € 174,82, com data limite de pagamento em 18 de janeiro de 2016 (Doc. 8 junto à PI);
8. Os Requerentes pagaram o imposto liquidado, em 16 de dezembro de 2015 (Doc. 10 junto à PI);
9. Em 16 de maio de 2016, foi apresentada a reclamação graciosa n.º …2016…, no âmbito da qual o Requerente apresentou, a pedido da AT, as faturas n.ºs 8, 9, 10 e 11, emitidas no ano de 2014, das quais consta provirem as mesmas de “Serviços presados de mão d` obra” (faturas 8, 10 e 11) e “Pintura” (fatura 9), juntas a fls. 27 e seguintes da reclamação graciosa, incluída no PA;
10. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Senhora Diretora de Finanças de Braga, de 24 de novembro de 2016, sendo a decisão notificada ao Requerente através do ofício n.º … da Divisão de Justiça Tributária, da Direção de Finanças de Braga, de 28 de novembro de 2016, rececionado pelo destinatário em 30 de novembro de 2016. (Doc. 1 junto à PI e PA).
B – Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
III.2 DO DIREITO
1. A questão decidenda
A questão que cumpre ao tribunal arbitral decidir reporta-se à aplicação dos coeficientes previstos no n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação em vigor em 2014, aos rendimentos da categoria B, auferidos pelo Requerente Marido, naquele ano, no exercício da atividade com o CAE 43340 – Pintura e colocação de vidros, da qual depende a legalidade da liquidação impugnada.
Defende a AT que os rendimentos auferidos pelo contribuinte se enquadram na previsão do artigo 3.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS, devendo ser-lhes aplicado o coeficiente de 0,75, previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e declarados no campo 440 do quadro 4A do anexo B, conforme disposto na Portaria n.º 264/2014, de 26 de dezembro; por seu turno os Requerentes alegam que a atividade a tributar se enquadra na alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º, do Código do IRS, devendo ser declarados no campo 443 do quadro 4ª do anexo B, com aplicação do coeficiente de 0,10, previsto no artigo 31.º, n.º 2, alínea e), do mesmo Código, na redação à data dos factos.
Trata-se, pois, de proceder à interpretação das normas jurídicas em confronto, tendo em conta que as normas fiscais se interpretam de acordo com as regras gerais de hermenêutica jurídica, contidas no artigo 9.º, do Código Civil, embora com as especificações constantes dos n.ºs 2 a 4 do artigo 11.º, da Lei Geral Tributária (LGT).
2. Do direito aplicável
À data dos factos, eram as seguintes as redações em vigor para as normas invocadas por cada uma das Partes:
Artigo 3.º, n.º 1, do Código do IRS:
“Artigo 3.º - Rendimentos da categoria B
1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior; (Redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro)
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
(…)”
Artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRS:
“Artigo 4.º - Atividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias (Redação dada pela Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro)
1 - Consideram-se atividades comerciais e industriais, designadamente, as seguintes:
(…)
f) Construção civil;
(…)”
Artigo 31.º, n.º 2, do Código do IRS:
“Artigo 31.º - Regime Simplificado
1 – (…)
2 – Até à aprovação dos indicadores mencionados no número anterior, ou na sua falta, o rendimento tributável é obtido adicionando aos rendimentos decorrentes de prestações de serviços efetuados pelo sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o montante resultante da aplicação dos seguintes coeficientes:
a) 0,15 das vendas de mercadorias e produtos, bem como das prestações de serviços efetuadas no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas;
b) 0,75 dos rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º;
c) 0,95 dos rendimentos provenientes de contratos que tenham por objeto a cessão ou utilização temporária da propriedade intelectual ou industrial ou a prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, dos rendimentos de capitais imputáveis a atividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, do resultado positivo de rendimentos prediais, do saldo positivo das mais e menos-valias e dos restantes incrementos patrimoniais;
d) 0,30 dos subsídios ou subvenções não destinados à exploração;
e) 0,10 dos subsídios destinados à exploração e restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores. (Redação dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro)
(…)”
Portaria n.º 249/2014, de 26 de dezembro – instruções de preenchimento – Anexo B:
“Campo 440 - Destina-se à indicação dos rendimentos auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços que tenha enquadramento na alínea b) do n.º 1 do art. 3.º do CIRS, independentemente da atividade exercida estar classificada de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE), do Instituto Nacional de Estatística, ou de acordo com os códigos mencionados na tabela de atividades aprovada pela Portaria n.º 1011/2001, de 21 de agosto, incluindo a atividade com o código “1519 – Outros prestadores de serviços”.
(…)
Campo 443 – Destina-se à indicação dos restantes rendimentos da categoria B, designadamente, as prestações de serviços que por força do art. 4.º do Código do IRS sejam enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art. 3.º do referido código, desde que não previstos nas alíneas a) a d) e primeira parte da alínea e) do n.º 2 do art. 31.º deste código e, assim, não incluídos nos campos anteriores deste quadro”
Resulta do probatório supra que o Requerente vinha a exercer, desde 2012, a atividade económica com o Código CAE 43340, que também exerceu em 2014.
Este, de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE Rev. 3), aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 381/2007, de 14 de novembro, insere-se na Secção F – Construção; Divisão 43 – Atividades especializadas de construção; Grupo 433 – Atividades de acabamento em edifícios; Classe 4334, Subclasse 43340 – Pintura e colocação de vidros.
A atividade de construção [civil] encontra-se expressamente prevista no artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Código do IRS, como consubstanciando uma das “Atividades comerciais e industriais, agrícolas, silvícolas e pecuárias”.
Encontrando-se o Requerente enquadrado no regime simplificado de tributação, a determinação do rendimento tributável da categoria B é apurado, por aplicação aos rendimentos brutos daquela categoria, de um dos coeficientes previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação em vigor para o ano em causa.
A AT entende que o coeficiente aplicável para determinação do rendimento tributável é o de 0,75, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, com os fundamentos de que a atividade por aquele prosseguida consiste de prestação de serviços, ainda que conexa com uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e, como tal, enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º, daquele Código e ainda para as instruções de preenchimento do anexo B, constantes da Portaria n.º 249/2014, de 26 de dezembro.
Por sua vez, os Requerentes sustentam que o coeficiente aplicável é de 10%, previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, uma vez que a atividade exercida tem natureza comercial, industrial ou agrícola e não se enquadra na lista anexa ao artigo 151.º, do Código do IRS.
Ora vejamos:
As faturas 8, 9, 10 e 11, emitidas pelo Requerente Marido no ano de 2014 e juntas ao P. A., titulam prestações de serviços (mão-de-obra).
O Código do IRS não contém a definição do que seja prestação de serviços; apenas o artigo 4.º, n.º 1, do Código do IVA a define, de forma residual, ao dispor que “São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.”
Por seu turno, o artigo 1154.º, do Código Civil, define o contrato de prestação de serviço, como sendo “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
E, finalmente, dispõe o artigo 230.º, n.º 6, do Código Comercial que são comerciais as empresas singulares ou coletivas que se propuserem “Edificar ou construir casas para outrem com materiais subministrados pelo empresário”.
Assim, face às normas citadas e ao teor das faturas emitidas pelo Requerente, estamos em crer que a sua atividade se reconduza a uma prestação de serviços, ainda que conexa com a atividade da construção, a enquadrar, portanto, na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º, do Código do IRS.
Contudo, de tal conclusão não se segue que, sem mais, seja aplicável à determinação dos seus rendimentos da categoria B, do ano em causa, o coeficiente de 0,75, a que se referia a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pois o mesmo apenas tinha aplicação aos “rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º”.
Será, pois, o coeficiente de 0,10, a que se referia a parte final da alínea e) do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação já citada, o aplicável à situação em análise, dado que este se destinava ao apuramento do rendimento tributável relativo aos “restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”, como é o caso dos autos.
Nem a tal obstam as instruções de preenchimento do anexo B, aprovadas pela Portaria n.º 249/2014, de 26 de dezembro, por esta não poder derrogar uma norma que lhe é hierarquicamente superior, como é a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que introduziu a redação do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, aplicável à situação dos autos.
Concluindo-se pelo erro de quantificação do rendimento tributável subjacente à liquidação impugnada, não poderá a mesma subsistir, devendo ser substituída por outra em que o rendimento tributável da categoria B seja apurado com base no coeficiente constante da alínea e) do n.º 2 do artigo 31.º, do Código do IRS, na redação em vigor para o ano de 2014.
3. Do pedido de juros indemnizatórios e moratórios
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
No caso em apreço, não podendo manter-se a liquidação impugnada, terá de reconhecer-se o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios, por a mesma enfermar de erro exclusivamente imputável à Administração Tributária.
4. Questões de conhecimento prejudicado
Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Não se afigurando necessárias ao julgamento da causa, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas pelas Partes, nomeadamente as relacionadas com a alegada discriminação das empresas individuais face às empresas de pessoas coletivas, bem como com a eficácia das Circulares da AT.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se:
-
Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2014 emitida em nome dos Requerentes, determinando-se a sua anulação e substituição por outra, em que os rendimentos da categoria B sejam apurados por aplicação do coeficiente estabelecido pelo artigo 31.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRS, na redação em vigor à data do facto tributário;
-
Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 174,82 (cento e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 306,00 (trezentos e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 28 de julho de 2017.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.