Decisão Arbitral
1. Relatório
Em 16-02-2017, A…, residente na …, n.º…, …, …-… Amadora, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, com o número de identificação fiscal…, doravante designada por Requerente, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do ato tributário de liquidação de Imposto do Selo, verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), relativa ao ano de 2013 e ao imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da união das freguesias de …, …, … e …, concelho de Almada, descrito como terreno para construção.
A Requerente começa por referir que a incidência de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS sobre o mesmo prédio mas em relação ao ano de 2012, já foi apreciada e decidida pelo CAAD, no âmbito do processo n.º 10/2014-T, que decidiu pela anulação da liquidação em causa. A Requerente alega que esta decisão do CAAD forma caso julgado que vincula a AT e imporia a não liquidação de Imposto de Selo para o ano de 2013.
Sobre a incidência de Imposto de Selo sobre o imóvel em causa, a Requerente alega que o enquadramento do terreno para construção na verba 28.1 da TGIS é errado e injustificado, uma vez que o terreno não tem afetação habitacional.
Com efeito, entende a Requerente que a AT incorreu numa errada qualificação do terreno em causa como subsumível ao conceito de prédio com afetação habitacional, verificando-se assim uma errónea qualificação do facto tributário.
A Requerente explana também que a interpretação seguida pela AT é manifestamente inconstitucional.
A norma constante da verba 28.1 da TGIS, no entender da Requerente, seria inconstitucional se fosse interpretada no sentido que o imposto de selo poderia incidir sobre terrenos para construção, na medida em que nos mesmos não exista qualquer construção suscetível de efetiva utilização habitacional. Para a Requerente, tratar-se-ia de uma violação do princípio da legalidade e da tipicidade das normas de incidência tributária, constitucionalmente consagrados no artigo 103º n.º 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
A Requerente termina pedindo a condenação da AT no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT.
Foi designada como árbitro único, em 10-04-2017, Suzana Fernandes da Costa.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1, alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 27-04-2017.
A AT foi notificada para apresentar resposta, no prazo legal para o efeito.
Por requerimento apresentado em 31-05-2017, a AT comunicou a anulação do ato de liquidação sindicado no presente processo, pela Senhora Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT, conforme despacho de 12-04-2017.
De acordo com o referido despacho, “em face do entendimento resultante do Despacho n.º 6/2017-XXI, de 13 de janeiro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, anule-se a liquidação de Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS, ano de 2013, melhor identificada no ponto 1 da informação anexa, com as necessárias consequências legais”.
E no requerimento apresentado pela AT pode ainda ler-se o seguinte: “apenas desde esta alteração (Lei do Orçamento de Estado para 2014) a verba 28.1 da TGIS passou a abranger, de forma expressa, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, devendo, por isso, considerar-se que a norma de incidência da redação anterior à LOE para 2014 não integrava os terrenos para construção”.
No mesmo requerimento, a AT requer que seja julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do alínea e) do artigo 277º do CPC, aplicável por força do artigo 29º do RJAT.
Em 05-06-2017, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerente para se pronunciar em 10 dias, sobre o requerimento apresentado pela AT.
Em 08-06-2017, a Requerente veio aos autos informar que entendia que estava verificada a inutilidade superveniente da lide. A Requerente pediu ainda a condenação da AT no pagamento das custas do processo por ter dado causa aos autos, e a devolução da taxa arbitral paga.
Em 19-06-2017, foi proferido despacho a dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, ao abrigo do disposto nos artigos 16º alínea c) e 19º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis. Foi ainda dispensada a apresentação de alegações pelas partes e designado o dia 07-07-2017 para a prolação da decisão arbitral. Mais se advertiu a Requerente para, até àquela data, proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
Em 21-06-2017, a Requerente juntou aos autos o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
2. Matéria de facto
2. 1. Factos provados:
Analisada a prova documental produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
1. A Requerente A… é cabeça de casal da herança deixada por óbito de B…, com o número de identificação fiscal … .
2. A herança acima identificada era, em 2013, proprietário do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da união das freguesias de …, …, … e …, concelho de Almada, descrito como terreno para construção, e com o valor patrimonial tributário de 1.011.200,00 €.
3. A Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, foi notificada da liquidação de Imposto de Selo da verba 28.1 da TGIS n.º 2014 …, relativa ao ano de 2013 e ao imóvel supra identificado, no valor de 10.112,00 €, a pagar em três prestações (abril, julho e novembro de 2014), conforme cópia junta ao pedido arbitral.
4. A Requerente, na qualidade de cabeça de casal da herança de B…, apresentou reclamação graciosa da liquidação supra identificada, que foi indeferida por despacho de 21-11-2014.
5. E apresentou recurso hierárquico, que foi também indeferido por despacho de 08-07-2016, emitido pela Direção de Serviços do IMT.
6. A Requerente procedeu ao pagamento das três prestações da liquidação de imposto de selo, conforme comprovativos juntos com o pedido arbitral.
7. A Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT, por despacho de 12-04-2017, anulou o ato de liquidação de Imposto de Selo em crise com a seguinte fundamentação: “em face do entendimento resultante do Despacho n.º 6/2017-XXI, de 13 de janeiro, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, anule-se a liquidação de Imposto de Selo – verba 28.1 da TGIS, ano de 2013, melhor identificada no ponto 1 da informação anexa, com as necessárias consequências legais”, conforme requerimento junto aos autos pela AT em 31-05-2017.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
2.2. Fundamentação da matéria de facto provada:
No tocante aos factos provados, a convicção do árbitro fundou-se na prova documental junta aos autos.
3. Matéria de direito:
3.1.Objeto e âmbito do presente processo
Determinada a anulação do ato de liquidação impugnado cabe a este tribunal pronunciar-se sobre o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide apresentado pela Requerida, e do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios apresentado pela Requerente.
3.2. O pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação controvertida: da (in)utilidade da lide
Como se deu conta acima no relatório, pelo requerimento de 31-05-2017, a AT comunicou nos autos, conforme despacho da Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT de 12-04-2017, a anulação do ato de liquidação sindicado no presente processo, propondo, em consequência, a extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide.
Pelo seu requerimento de 08-06-2017, a Requerente refere que entende que se encontra verificada a inutilidade superveniente da lide, e requer que seja decretada a extinção da instância com aquele fundamento, determinando-se a condenação da AT no pagamento das custas do processo, por ter dado causa à lide, com a consequente devolução da taxa arbitral paga.
Impõe-se, então, a este Tribunal verificar a utilidade da apreciação do pedido, formulado pela Requerente no seu pedido de pronúncia arbitral, de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de Imposto de Selo sindicada nestes autos.
Verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância, conforme artigo 277º alínea e) do CPC.
Como referem Lebre de Freitas, João Rendinha, Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 1, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555, a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
Tal como se refere na decisão do CAAD do processo n.º 220/2016-T, “(…) se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide”.
Com efeito, conforme resulta do atrás exposto, o ato tributário de liquidação de Imposto de Selo em crise nestes autos foi objeto de anulação (conforme artigo 79º n.º 1 da LGT), tendo a AT, com o despacho proferido pela Diretora de Serviços da Direção de Serviços do IMT em 12-04-2017, procedido à anulação administrativa do ato tributário.
Decorre desta atuação da AT que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal da liquidação de Imposto de Selo sindicada, ficou prejudicada porquanto a supressão desse ato e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via depois de iniciada a instância, tal como é referido na decisão do CAAD do processo n.º 220/2016-T.
Tal como é mencionado na mencionada decisão do CAAD, “a prática posterior do ato expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objeto a pretensão impugnatória contra elas deduzida”.
Nestes termos, verifica-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação do ato tributário objeto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277º alínea e) do CPC, aplicável por força do artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT.
3.3. Dos juros indemnizatórios
A Requerente refere que procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos, e requer o reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
O artigo 43º n.º 1 da LGT impõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 4 do art. 61.º do CPPT que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.
Nos presentes autos, a anulação do ato de liquidação do Imposto de Selo em causa teve origem no facto da AT ter entendido que a norma de incidência da redação anterior à Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro) não integrava os terrenos para construção. E que, com a alteração da verba 28.1 da TGIS efetuada pela referida Lei, passaram a estar abrangidos pela incidência de Imposto se Selo, de forma expressa, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.
Assim, é inquestionável que haverá lugar a reembolso do imposto pago, por força do disposto no n.º 1 do artigo 43º e do artigo 100º, ambos da LGT, restabelecendo-se, dessa forma, a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, tal como concluem as decisões do CAAD dos processos n.º 152/2016-T e 153/2016-T.
Da mesma forma, entende-se que a ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto de Selo é imputável à AT, que o praticou de forma ilegal, o que não pode deixar de estar interligado com a sua posterior anulação.
Assim sendo, estamos perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à AT, e tem a Requerente direito, de acordo com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, ao reembolso do montante de Imposto de Selo indevidamente pago e aos juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, calculados desde a data do pagamento do imposto, à taxa resultante do n.º 4 do art. 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que serão incluídos, tal como se decidiu na decisão do CAAD do processo n.º 152/2016-T.
4. Decisão
Em face do exposto, determina-se:
a) Julgar extinta a instância no que concerne ao pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto de Selo impugnado nos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277º alínea e) do CPC, aplicável por força do artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT;
b) Julgar procedente o pedido de condenação da AT a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos legais, desde a data em que tal pagamento foi efetuado até à data do integral reembolso do mesmo;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.
5. Valor do processo:
De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 10.112,00 €.
6. Custas:
Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto, de acordo com o disposto na parte final do n.º 3 e no n.º 4 do artigo 536º do CPC, aplicável por força do artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT, lhe é imputável o facto da revogação da liquidação de IMT impugnada que determinou a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido da respetiva anulação e dada a procedência, no mais, do peticionado neste pedido de pronúncia arbitral.
Notifique.
Lisboa, 7 de julho de 2017.
Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.
A juiz arbitro
Suzana Fernandes da Costa