Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 43/2017-T
Data da decisão: 2017-07-18  IRC  
Valor do pedido: € 4.501,91
Tema: IRC –– Artigo 56.º do Código do IRC; Artigo 41.º do Código do IRS - Dever de fundamentação.
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

 

A Árbitro Dra. Filipa Barros (árbitro singular), designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 22 de Março de 2017, acorda no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade “A…” (doravante designada por Requerente), pessoa colectiva n.º…, com morada fiscal no … … Número …, …-… …, estando abrangida pelos serviços periféricos locais do Serviço de Finanças de … (Algarve), vem, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto‑Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime da Arbitragem em Matéria Tributária) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a V. Exa. que se digne ordenar a constituição de Tribunal Arbitral para se pronunciar sobre a ilegalidade dos atos tributários de liquidação adicional do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativos aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, formalizados  respectivamente (i) pela demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016…, de 21 de Janeiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como pela respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, estas duas de 25 de Janeiro de 2016, (ii) pela demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 21 de Janeiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como pela respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, ambas de 26 de Janeiro de 2016 e (iii) pela demonstração de liquidação de IRC n.º 2016…, de 21 de Janeiro de 2016, demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2016…, bem como pela respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2016…, as duas de 27 de Janeiro de 2016.

                 A Requerente pede ainda a declaração da ilegalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentado com vista à declaração de ilegalidade e anulação das referidas liquidações tributárias, no valor total de € 4.501,91, à luz do disposto no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

                

                 Como ponto prévio a Requerente considera que não foi cumprido o dever de fundamentação pela AT quer por ausência de pronúncia dos motivos subjacentes à tomada de decisão no âmbito do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) quer em sede de Reclamação Graciosa, na qual a AT não se pronunciou sobre os argumentos apresentados pela Requerente.

                 Acresce que a AT veio alterar radicalmente a sua argumentação inicial, invocando novos vícios, designadamente que as despesas incorridas pela Requerente não são enquadráveis nos termos do artigo 36.º n.º5 alínea b) do Código do IVA, embora não tenha solicitado quaisquer documentos para justificar as correções promovidas.

                 Neste sentido, a Requerente considera contrário à Lei e ao artigo 268.º da CRP que a AT promova uma correção ao apuramento do imposto a pagar com base numa determinada argumentação e que, após o sujeito passivo apresentar a sua defesa, os serviços alterem discricionariamente a sustentação da correção promovida, não fazendo qualquer referência à argumentação inicial.

                 Finalmente, a AT não notificou a Requerente dos corretos meios de defesa e dos prazos para impugnação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa, tendo apenas feito referência a um preceito legal que se encontra revogado.

                 Quanto ao pedido principal a Requerente argumenta que sendo uma entidade não residente, sem estabelecimento estável em território português, os rendimentos deverão obedecer ao disposto no artigo 56.º do Código do IRC, ou seja, “são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”. Nota que auferiu rendimentos prediais em Portugal, tendo sido erradamente desconsideradas um conjunto de despesas apresentadas relativas aos exercícios de 2012, 2013 e 2014.

                 Segundo defende, as despesas em causa deverão ser aceites, por estarem devidamente documentadas, enquadrarem-se no conceito de despesas de manutenção e de conservação, sendo tais despesas essenciais à obtenção do rendimento produzido pelo imóvel, pois sem as mesmas não seria possível manter a habitabilidade, exploração e rentabilização do mesmo. Assim, apoiando-se na doutrina e na jurisprudência considera que tais despesas deverão ser dedutíveis ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS.

                 Além do referido a Requerente não concorda com a tese defendida no RIT segundo a qual, para efeitos de dedução se deveria ter aplicado um coeficiente de proporcionalidade às despesas dedutíveis nos termos do artigo 41.º do Código do IRS tendo por base o número de dias de arrendamento do imóvel, o que implicaria a impossibilidade de deduzir quaisquer despesas fora do período em que o imóvel está arrendado. Ora, segundo a Requerente tal tese não tem qualquer base legal, impondo-se a anulação de todos os atos de liquidação que lhe estão associados.

                  

                 No dia 20 de Janeiro de 2017, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro.

                 Assim, nos termos e para os efeitos do disposto do nº 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foi designado árbitro do Tribunal Arbitral Singular a signatária, que comunicou, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 22 de Março de 2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

                 A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta por impugnação, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 Começando por referir-se à alegada falta de fundamentação e à fundamentação  a posteriori dos atos de liquidação, apoiando-se na jurisprudência, refere que o ato está devidamente fundamentado quando, a motivação aduzida, se mostra apta a revelar a um destinatário normal as razões de facto e de direito que determinam a decisão, habilitando-o a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade, bastando para atingir tal desiderato uma fundamentação sucinta mas que seja clara, concreta, congruente e que se mostre contextual. Ora, no caso concreto, não pode deixar de se concluir que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance da liquidação sobre a qual recai o presente pedido de pronúncia arbitral, tal como resulta do próprio exercício jurídico-argumentativo que faz no seu extensíssimo excurso, revelando ter percebido os pressupostos concretamente levados em conta pelo autor do ato de liquidação. Por outro lado, ainda que se entendesse que o ato padecia de qualquer omissão de fundamentação, o que não se concede, a Requerente teria sempre ao seu dispor o procedimento previsto no art.º 37.º do CPPT.

                 Ora, não tendo a Requerente lançado mão daquela faculdade conferida pela lei, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que eventualmente padecia ficou sanado.

                 Relativamente ao pedido principal, refere a Requerida que para efeitos de tributação em sede de categoria F do Código do IRS, haverá que atender ao rendimento líquido obtido, isto é, ao rendimento global obtido, deduzido das despesas e encargos suportados para produzir os rendimentos prediais englobados e para manter integra a fonte produtora de rendimentos, ou seja, o imóvel em causa, o que implica a existência de uma correspondência e proporcionalidade dos encargos e despesas suportadas. Assim, entende a Requerida que não são de aceitar todos e quaisquer encargos suportados pela Requerente, porquanto, nos períodos em que o imóvel não esteve ocupado, não havendo produção de rendimento predial, não existirá consequentemente rendimento bruto a que possa ser deduzido o encargo suportado, nem seria possível apurar um rendimento liquido sujeito a tributação em sede de Categoria F do Código do IRS.

                 Neste sentido, as despesas de manutenção, conservação e imposto pago deverão ser proporcionalmente consideradas tendo por base os períodos em que o imóvel esteve ocupado e nessa medida gerou rendimentos prediais. Só através da consideração do coeficiente de ocupação é possível à AT estabelecer uma adequação e proporcionalidade entre os rendimentos prediais ilíquidos e os encargos e despesas dedutíveis para efeitos da categoria F do IRS para assim obter os rendimentos prediais líquidos. Por conseguinte, está em causa não só a natureza das despesas suportadas, mas também a sua quantificação, concluindo pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

                 10cessivas no prazo de

5 dias.omo gasto fiscal ao abrigo do previsto no artigo 28.º n.º 1 alrAtendendo a que, no caso, não se verificava qualquer das finalidades que legalmente lhe estão cometidas, e tendo em conta a posição tomada pelas partes, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c), 19.º e 29.º n.º 2 do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, a 9 de Maio de 2017 dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para apresentação de alegações escritas sucessivas no prazo de 10 dias. 

                 As partes optaram por não apresentar alegações escritas.

 

II. SANEAMENTO DO PROCESSO

                

       O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º n.º 1, alínea a), 5.º e 6º, n.º 1, do RJAT.

       As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março).

      

       O processo não enferma de nulidades.

 

 

III. FUNDAMENTAÇÃO

 

1. Factos dados como provados

 

          Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos no âmbito do processo administrativo, o pedido de pronúncia arbitral e na resposta apresentada pela AT, nos termos seguidamente indicados.

 

1)      A Requerente é um sujeito passivo não residente, sem estabelecimento estável, tendo iniciado a sua atividade em Portugal em 01-01-2002;

2)      A Requerente encontra-se enquadrada no CAE 68200 correspondendo à atividade de “arrendamento de bens imobiliários”;

3)      Para efeitos de IVA, a Requerente encontra-se registada no regime de isenção previsto no artigo 9.º do Código do IVA;

4)      Em sede de IRC a Requerente enquadra-se no regime geral de determinação do lucro tributável;

5)      Com referência aos anos de 2012, 2013 e 2014, a Requerente é proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, localizado em …, lote …-…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Loulé, sob o artigo…, fração B;

6)      A 17 de Setembro de 2015, no âmbito da Ordem de Serviço n.º OI2015…/…/…, foi efectuada uma ação inspectiva interna à Requerente relativa aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, de âmbito parcial em IRC, respeitante aos procedimentos adoptados em sede de apuramento deste imposto;

7)      A inspeção foi determinada por despacho de 18-09-2015 emitido pela Diretora de Finanças Adjunta de Faro; 

8)      Em 23 de Dezembro de 2015, a Requerente foi notificada do Projeto de Conclusões de Inspeção Tributária (Projeto de Conclusões), mediante o qual os serviços da AT propuseram as seguintes correções em sede de IRC:

 

                    

 

9)      A Requerente optou por não exercer o respectivo direito de audição prévia sobre o Projeto de Conclusões; 

10)  Em 18 de Janeiro de 2016, através do Ofício n.º …, a Requerente foi notificada do RIT dando conta das correções, conforme ilustra a tabela no ponto 7 supra;

11)  Nos termos do referido relatório, o qual se dá por integralmente reproduzido, as correções propostas fundamentam-se nos seguintes termos “No anexo 2 despesas enquadráveis no artigo 41º do CIRS estão identificadas as despesas susceptíveis de serem dedutíveis aos rendimentos prediais. As restantes despesas mencionadas nas faturas, não são dedutíveis, quer quando o descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços suportado, quer quando se trata de despesas correntes e não despesas de manutenção e conservação.

Tratando-se de um imóvel arrendado durante alguns períodos as despesas dedutíveis deverão ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento, ou seja 74 em 2012, 77 em 2013 e 97 em 2014, conforme se conclui do Anexo 1 daqui resultando:”

 

  

12)  Em 21 de Janeiro de 2016, a Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC, tendo posteriormente sido notificada das demonstrações de liquidação de juros compensatórios e das correspondentes demonstrações de acerto de contas, relativas aos exercícios de 2012, 2013 e 2014, as quais correspondiam às correções decorrentes da ação inspectiva realizada;

13)  Em 2 de Março de 2016, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto e respectivos juros compensatórios pese embora não tenha concordado com as correções levadas a cabo em sede de IRC;

14)  Nos anos de 2012, 2013 e 2014, a Requerente declarou rendas recebidas e despesas relacionadas com o imóvel nos seguintes termos:

 

15)  O Imóvel encontra-se registado para o exercício da atividade de Alojamento Local sob o n.º …/09, de 17 de Junho de 2019, junto da Câmara Municipal de …;

16)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas pela sociedade B... Ltd.;

17)  Em 01 de Julho de 2007 a Requerente celebrou um “Contrato de Administração de Propriedade” com a B… Ltd, nos termos do qual “a administradora administra nos termos e no interesse do proprietário acima identificado sendo responsável pela manutenção do imóvel em boas condições, organizando os serviços de limpeza e manutenção de todas as áreas, jardins e piscina, mediante o recebimento de uma quantia mensal a acordar entre as partes tendo em conta as características do imóvel em questão”;

18)  A faturação dos serviços de manutenção relativos ao “Contrato de Administração da Propriedade” ocorre por períodos mensais;

19)  No âmbito dos serviços de manutenção relativos ao “Contrato de Administração da Propriedade” são faturados valores, designadamente, de mão de obra, deslocações, materiais, reparações, serviços de limpeza e de lavandaria;

20)  As faturas emitidas pela B... Ltd. encontram-se apoiadas em documentos complementares explicativos das mesmas;

21)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas por C…;

22)  Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Bloco: … -A, apartamento …” “A reparação da arca de madeira maciça que está na sala, colocando mais dobradiças para reforço da porta e um elevador novo, mão-de-obra”;

23)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas por D…, Lda.;

24)   Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Mão de Obra e Deslocações” preço €25,30”, “Materiais” preço € 4,13;

25)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais trabalhos implicaram a reparação de autoclismo e a substituição de lâmpadas de teto que se encontravam fundidas;

26)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas pelo fornecedor E…;

27)   Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Mão de Obra” e o respectivo preço;

28)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais trabalhos implicaram a reparação de um autoclismo que se encontrava a pingar;

29)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas pelo fornecedor F…, Lda.;

30)  Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Verificação e Teste de funcionamento da máquina de lavar loiça, mão-de-obra e deslocação”;

31)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas pelo fornecedor “G…”;

32)  Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Material eléctrico”;

33)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais trabalhos implicaram a reparação de um aquecedor de parede e a substituição da resistência elétrica;

34)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas de manutenção e conservação faturadas pelo fornecedor “H…”;

35)  Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Changing the top of the Wooden box …-AB …”;

36)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais trabalhos implicaram “a substituição da tampa da arca de madeira maciça por a mesma ser demasiado pesada e as dobradiças e o elevador de suporte não aguentarem com o peso;”

37)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas as despesas faturadas pelo fornecedor “ I…, Lda.;

38)  Do descritivo da fatura consta o seguinte: “Reparação da Instalação de Gás, conforme folha de obra n.º…; Inspeção a Instalações de Gás”;

39)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais trabalhos implicaram a reparação da instalação de gás, e a inspeção às instalações de gás, de onde resultou a emissão do respectivo certificado de inspeção emitido pelo Instituto Tecnológico de Gás;

40)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas despesas faturadas pelos fornecedores “J… S.A.” e “K…”;

41)  Das faturas consta respectivamente o seguinte: J…: serviço de Fornecimento de Eletricidade, e K…- fornecimento de água, tarifa de saneamento, tarifa de recolhas de resíduos sólidos e limpeza, tarifa de qualidade de infra-estruturas e ambiente;

42)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas despesas faturadas pelo fornecedor “L…, Sucursal em Portugal”.;

43)  As faturas deste fornecedor respeitam ao pagamento de um prémio de seguro para cobertura de riscos sobre o imóvel;

44)  No âmbito das correções propostas foram desconsideradas despesas faturadas pelo fornecedor “M…”;

45)  Do descritivo das faturas emitidas por este fornecedor consta o seguinte: “Tarifa de serviços do resort, não membro”;

46)  Dos documentos anexos à fatura resulta que tais despesas correspondem aos seguintes serviços: segurança e assistência em primeiros socorros, utilização de serviço de receção, clube de proprietários, recolha de lixo porta a porta, assoreamento da praia, serviço de controlo de qualidade do resort;

47)  A A AT realizou correções a outras despesas não dedutíveis, as quais no exercício de 2012 ascenderam a €75,18 e no exercício de 2014 a €332,33;

48)  No ano de 2012 o imóvel esteve ocupado 74 dias, no ano de 2013 a ocupação atingiu 77 dias e 97 dias em 2014;

49)  A Requerente apresentou reclamação graciosa tendo sido notificada do projeto de relatório para exercer direito de audição ao abrigo do disposto no artigo 60.º da LGT;

50)  No ponto 6 do projeto de indeferimento da reclamação graciosa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, refere-se nomeadamente o seguinte: “consideram-se documentalmente provadas as despesa suportadas por faturas emitidas nos termos legais, ou seja fatura que cumpra os requisitos previstos no art. 36.º, n.º 5 do CIVA, nomeadamente quanto à obrigatoriedade de mencionar a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados (alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º CIVA)”;     

51)  A Requerente optou por não exercer o direito de audição do projeto de indeferimento da reclamação graciosa;   

52)  Em 17 de Outubro 2016 a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa;

53)  Em 13 de Janeiro de 2017, a Requerente deduziu o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo (cfr. requerimento electrónico ao CAAD).

 

 

2.    Factos não provados

 

       Não se constataram factos com relevo para a apreciação da matéria que não se tenham provado.

 

3.    Motivação

           

       Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

       Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

       Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º n.º 7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

4.    Matéria de Direito

 

       Nos presentes autos está em causa, por um lado, a apreciação do vício de forma por falta de fundamentação dos atos tributários praticados pela AT, e, por outro lado, a análise do vício de violação de lei por ofensa do disposto no artigo 41.º do Código do IRS, em resultado da não aceitação dos valores inscritos na declaração modelo 22 dos exercícios de 2012, 2013 e 2014, a título de despesas dedutíveis no valor de € 4.501,91 aos rendimentos prediais – rendimentos da categoria F – obtidos pela Requerente em Portugal em resultado do arrendamento de um prédio urbano situado neste território.

 

A)    Questão Prévia - falta de fundamentação

 

       Vem a Requerente considerar, que a AT não cumpriu o dever de fundamentação da sua decisão, relativamente à não aceitação da dedução de um conjunto de despesas de manutenção e conservação do seu imóvel, ao abrigo do artigo 41.º do Código do IRS.

       Assim, argui, por um lado, que a fundamentação constante do RIT é manifestamente obscura e insuficiente, vício este que se repete quando a AT não se pronuncia sobre os argumentos apresentados pela Requerente em sede de reclamação graciosa, omitindo qualquer explicação factual ou jurídica relativamente à conclusão de que as despesas apresentadas não se incluem no conceito de despesas de manutenção e de conservação. Da mesma forma, a decisão da AT é totalmente omissa no que toca à motivação para a consideração da dedução das despesas incorridas com base num critério de proporcionalidade, não sendo feita qualquer alusão ao enquadramento legal que suporta o entendimento oferecido pela AT.

       Por fim, a Requerente considera surpreendente que a AT invoque em sede de  reclamação graciosa argumentos novos relativamente aos invocados em sede de RIT, ao afirmar que “o sujeito passivo deduziu despesas suportadas por faturas que não cumprem o determinado na alínea b) no n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, e como tal não podem ser aceites para efeitos fiscais, nomeadamente não podem ser aceites para efeitos do disposto no artigo 41.º do CIRS”.

       Atendendo ao vício de falta de fundamentação, a Requerente pede a anulação dos atos de liquidação de IRC referentes aos exercícios de 2012, 2013, 2014, bem como as respectivas liquidações de juros.

       De acordo com Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa “No que concerne à fundamentação, a Constituição da República Portuguesa garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os atos administrativos (conceito em que se inserem os atos tributários face ao preceituado no artigo 120.º[1] do CPA) que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.º n.º 3 da CRP). No n.º4 do mesmo artigo 268.º garante-se aos interessados a impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos, independentemente da sua forma, que lesem os seus direitos ou interesses legalmente protegidos[2], o que reforça a consagração do dever de fundamentação dos atos decisórios de procedimentos tributários e dos atos tributários plasmado no artigo 77.º da LGT. A exigência constitucional e legal de fundamentação visa permitir aos interessados saber quais os fundamentos de facto e de direito que estão na base da conduta da entidade administrativa com vista a aceitar a legalidade do ato praticado pela entidade administrativa ou impugnar o mesmo. Como referem os Autores acima citados “ (…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.”[3]

       A fundamentação do ato administrativo deverá assim obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser lógica.

       Para que a fundamentação possa ser considerada suficiente terá de ser compreensível para um destinatário médio, o que exige clareza nas razões de facto e de direito apresentadas.

       A compreensibilidade do destinatário médio, postado numa situação concreta, será, pois, o critério adequado para aquilatar da suficiência da fundamentação.

       Na esteira da vasta jurisprudência do STA sobre a matéria, o ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do ato de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.[4]

       A fundamentação de um ato administrativo também não pode ser contraditória ou incongruente, o que se verificará sempre que são invocadas razões de facto ou de direito que entre si se desdizem ou se revelam incompatíveis, discordantes ou incoerentes.

       No que concerne à decisão do procedimento tributário dispõe o artigo 77.º n.º1 da LGT que deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

      

       No caso subjudice está em causa a invocada falta de fundamentação do RIT e do próprio despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela Recorrente, no qual, além do mais, foi acrescentado um fundamento inteiramente novo para indeferir a pretensão da Requerente, consubstanciado na alegada violação do artigo 36.º n.º 5 do Código do IVA.

       Ora, começando pelo RIT verifica-se que são manifestamente insuficientes os fundamentos aduzidos pela AT para suportar as correções efetuadas. Com efeito, entende o Tribunal que não foram identificadas minimamente as razões de facto nem tão pouco as razões de direito que motivaram as correções propostas relativamente aos períodos de imposto supra referidos.

       A AT limitou-se a apresentar um quadro onde numa das colunas insere o descritivo da fatura que titula a prestação de serviços ou o fornecimento de materiais, noutra coluna o nome do respectivo fornecedor e uma coluna intitulada “Despesas enquadráveis no artigo 41.º do CIRS”. Ora, nesta coluna, algumas das despesas identificadas merecem enquadramento legal no artigo 41.º do Código do IRS, enquanto outras se encontram excluídas, sem, contudo, se proceder a uma explicação que clarifique qual o vício concreto que é imputado à despesa, e quais os motivos que levaram à respectiva exclusão.

       Note-se que segundo o relatório existem vários motivos susceptíveis de desqualificar as despesas da Requerente como elegíveis para efeitos do artigo 41.º do Código do IRS:

i)       O  descritivo não permite enquadrar o bem/prestação de serviços;

ii)     Por se tratarem de despesas correntes;

iii)               Por não se enquadrarem no conceito de despesas de manutenção e de conservação.

 

       Assim, da análise ao referido anexo 2 não é possível divisar que critérios são utilizados pela AT para aceitar ou rejeitar a dedução fiscal de uma determinada despesa pois em despesas de natureza semelhante são aplicados enquadramentos diferentes, por exemplo nas faturas de  “manutenção de piscina e jardim”, aceita-se o valor suportado enquanto se rejeitam os valores inscritos nas faturas relativas a “manutenção da moradia”. Da mesma forma, a AT aceita a dedutibilidade de uma fatura relativa à “reparação de frigorífico” mas rejeita uma fatura de “verificação e teste de funcionamento de máquina de lavar louça”. 

       Ora, a fundamentação do RIT peca não só por insuficiência, mas também por obscuridade e incongruência, ao não concretizar os factos e as normas jurídicas aplicáveis a situações que apesar de semelhantes merecem, segundo a AT, um enquadramento distinto, não se podendo considerar legítima uma atuação que comprometa a susceptibilidade de reação adequada do contribuinte.

       Adicionalmente, resulta do RIT que por se tratar de um imóvel arrendado durante apenas alguns períodos do ano “tais despesas deveriam ser consideradas proporcionalmente tendo por base o número de dias do arrendamento”. Note-se que tal afirmação é proferida sem a indicação de qualquer raciocínio ou quadro jurídico de apoio, que permita, com razoável clareza, concluir pela legitimação da decisão na lei em vigor. 

       Ora, uma coisa é a AT pronunciar-se em moldes sucintos relativamente a cada uma das correções propostas, outra é não apresentar os elementos mínimos que permitam compreender quais os motivos justificativos da desconsideração das despesas, sendo a Requerente colocada à mercê da necessidade de esgrimir argumentos para todas as razões e enquadramentos legais equacionáveis, não porque seja conhecedora do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido no ato de liquidação, mas porque, se não o fizesse comprometeria irremediavelmente o seu direito constitucional de defesa. 

       Acresce que em sede reclamação graciosa veio a AT invocar pela primeira vez que as faturas apresentadas pela Requerente para suportar a dedução das despesas realizadas no imóvel não cumpriam os requisitos constantes no artigo 36.º n.º 5 alínea b) do Código do IVA.

       De acordo com o probatório (pontos 6 e 7) a inspeção realizada à Requerente encontrava-se credenciada pela Ordem de Serviço OI2015…/…/… assinada em 17/09/2015, sendo de âmbito parcial em IRC, com extensão aos anos de 2012, 2013 e 2014. Não tendo havido alteração ou alargamento do âmbito inspectivo a Requerente não podia saber que a inspeção contemplaria não só correções em sede de IRC, como também a análise das prestações adquiridas à luz do disposto no Código do IVA.

       Por conseguinte, a AT ao invocar novos argumentos na fase de resposta à reclamação graciosa apresentada pela Requerente, sendo estes diretamente relacionados com impostos não abrangidos pelo âmbito da inspeção, nomeadamente o IVA, viola não só o princípio de que a fundamentação deve integrar-se no próprio ato e ser contemporânea deste, como também o disposto nos artigos 14.º e 15º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira.

       Acresce referir que também o projeto de decisão da reclamação graciosa pura e simplesmente ignora os argumentos apresentados pela Requerente quanto à necessidade de identificação dos vícios que são concretamente imputados às despesas cuja dedução é colocada em causa, não se expressando sobre as razões de facto e de direito subjacentes ao entendimento administrativo consubstanciado no indeferimento da pretensão da Reclamante, impondo-se, para este efeito, uma identificação mínima, mas concreta, dos motivos da AT relativamente a cada uma das despesas ou pelo menos por grupos de despesas.

       Com efeito, face a um conjunto diverso de despesas apenas se sabe, em termos genéricos, que a AT não aceita a respectiva dedutibilidade por um, por alguns ou por todos os motivos supra aludidos.

       Note-se que sem o mínimo de sustentação legal e factual, foram também realizadas correções a “outras despesas não dedutíveis”, as quais no exercício de 2012 ascenderam a €75,18 e no exercício de 2014 a €332,33, sendo impossível aferir o quadro legal e factual em tais despesas foram desconsideradas para efeitos de IRS e discutir a legalidade dos argumentos da AT.

       Da mesma forma, não é possível determinar em que quadro legal se inscreve a conclusão de que as despesas da Requerente deverão ser objeto de dedução proporcional ao número de quartos e noites alugadas (sublinhado nosso) sendo certo que segundo o RIT, a Requerente desenvolve uma atividade de arrendamento de imóveis, isenta em sede de IVA. Ora, face ao carácter equívoco de tais afirmações, impõe-se, no mínimo, questionar o enquadramento normativo e contextual considerado pela AT para realizar as correções propostas no RIT.

       Conforme se dá nota no acórdão da Secção do Contencioso Administrativo proferido em 27/05/2003, no proc. n.º 1835/02, “tem sido entendimento deste Supremo Tribunal Administrativo que, na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado – cf. p. ex., os acórdão de 28.02.02, rec. 48.071, de 28.10.99, rec. 44.051 (respectivo apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42.212 (Apêndice, pág. 4263), de 7.5.98, rec. 32.694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30.218 (Apêndice, pág. 828). Mais do que isto, tem sido dito que em sede de fundamentação de direito, dada a funcionalidade do instituto da fundamentação dos actos administrativos, ou seja, o fim meramente instrumental que o mesmo prossegue, se aceita um conteúdo mínimo traduzido na adução de fundamentos que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, possibilitem a referência da decisão a um quadro legal perfeitamente determinado - cf. acórdão pleno de 25.5.93, rec. 27.387 (Apêndice, pág. 309) e acórdãos em subsecção de 27.2.97, rec. 36.197 (Apêndice pág. 1515) e supra citados acórdãos de 7.5.98, rec. 32.694 e de 28.10.99, rec. 44.051)”.

       Orientação que, aliás, foi acolhida pelo Pleno daquela Secção,[5] afirmando-se que o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram.

       Donde decorre que, mesmo perante esta corrente jurisprudencial, que sufragamos sem reservas, só em casos muito particulares se pode concluir que um ato se encontra fundamentado de direito apesar da ausência de indicações quanto ao enquadramento legal do ato praticado pela AT. E tal só acontece quando, como se explica, naquele acórdão de 27/05/2003, se mostrem verificadas duas condições:

-       A primeira é a de que se possa afirmar, inequivocamente, perante os dados objectivos do procedimento, qual foi o quadro jurídico tido em conta pelo autor do ato (sublinhado nosso);

-       A segunda é a de que se possa concluir que esse quadro jurídico era perfeitamente conhecido ou cognoscível pelo destinatário, hipotizando-se que o seria por um destinatário normal na posição em concreto em que aquele se encontra.

       A segunda condição não funciona sem a primeira, pois esta integra-a. Se não se sabe qual o quadro jurídico efetivamente tido em conta pelo autor do ato, jamais pode ser realizada; e, por isso, é irrelevante que o destinatário possa saber, e até saiba, qual o quadro jurídico que deveria ter sido considerado. O destinatário não se pode substituir nem ao ato nem ao autor do ato. A fundamentação é requisito do ato. E o destinatário tem o direito de saber qual o quadro jurídico que foi levado em consideração, ao abrigo de que regime legal entendeu o autor do ato praticá-lo.

       Por conseguinte, o destinatário do ato tem de ficar a saber qual foi a situação de facto ponderada, qual o direito escolhido e o modo como ele foi interpretado e aplicado ao caso concreto.

            Assim, em regra, uma fundamentação que se limite a apontar uma norma jurídica, ou um conjunto normativo, acrescentando que a situação de facto não cabe na sua previsão, é incompleta, quer ao não identificar aquela situação de facto, quer ao não patentear a interpretação dada à lei, ou seja, a razão por que se considera que a situação real diverge da prevista na norma.[6]

            Ora, conforme referimos, na situação sub judice, a AT ficou-se pela mera identificação da norma jurídica que entendeu útil, afirmando que algumas das despesas apresentadas pela Requerente não cabiam na respetiva previsão, com base em vários argumentos genéricos possíveis, sem especificar a que despesas concretas estava a aludir, como se lhe impunha face à indeterminabilidade e vagueza daquele termo, e sem dizer quais as razões por que entendia que as despesas por si referidas não estavam abrangidas pela dita norma. De resto, veio adicionar o argumento da dedução proporcional face a uma suposta “taxa de ocupação” num imóvel enquadrado na atividade de arrendamento isenta e não sujeita para efeitos de IVA. Ora, afirmações soltas, equívocas e confusas não se afiguram bastantes para satisfazer a obrigação de fundamentar, sendo certo que estamos perante normas legais – o artigo 41.º do Código do IRS e o artigo 36.º n.º 5 do Código do IVA (este apenas invocado a posteriori) – que não são absolutamente lineares e que, portanto, são suscetíveis de diferentes interpretações.

       Destarte, a Requerente ficou sem saber como lutar contra o ato tributário que lhe era desfavorável, o que dizer em desabono dos seus fundamentos, vendo-se compelida a contrariar razões que não sabia, mas tão só supunha, estarem subjacentes ao decidido pela AT. Efetivamente, a simples menção de que algumas despesas apresentadas pela Requerente consubstanciam deduções indevidas, ainda que acompanhada da invocação do dispositivo legal subjacente, por encerrar um discurso conclusivo, não permite dar a conhecer a um contribuinte médio e com uma capacidade normal de entendimento a totalidade das razões que justificam um determinado ato com um certo conteúdo decisório. Nem se diga, pelo facto de a Requerente ao longo do pedido de pronúncia arbitral não se ter limitado a invocar a falta de fundamentação dos atos tributários e ter expendido múltiplos considerandos a propósito das despesas por si apresentadas e até sobre a interpretação que considera correta das normas legais aplicáveis, que com isso ela demonstrou ter tido perfeito conhecimento da fundamentação dos atos tributários postos em crise. É que, como é fácil de verificar, sem prejuízo de arguir o vício consistente na falta de fundamentação, a Requerente mais não fez do que tecer considerações sobre as razões que, do seu ponto de vista, justificam o acerto do conteúdo da declaração de rendimentos por si apresentada e, como tal, justificam a sua discordância com o facto de a AT a ter corrigido. Esta atitude é perfeitamente compreensível se tivermos presente que os fundamentos subjacentes aos atos tributários impugnados são insuficientes, obscuros e ininteligíveis.     

            Por esta ordem de razões, é de concluir que os atos tributários em causa estão inquinados com o vício de forma consistente na falta de fundamentação, o que implica a respetiva anulação nos termos dos artigos 133.º, a contrario, e 135.º do CPA, e artigo 77.º n.º 1 da LGT, que se determinará a final.

 

B)    Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito

      

       Atento o decidido quanto ao arguido vício de forma por falta de fundamentação dos atos tributários impugnados, fica prejudicado o conhecimento dos vícios substanciais que a Requerente lhes assaca, ou seja, dos erros de direito que lhes são imputados, os quais não serão pois objecto de apreciação e decisão.

 

C)    Do direito a juros indemnizatórios

 

            A Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT, os quais, lhe são devidos quando existe erro imputável aos serviços que tenha determinado o pagamento indevido do imposto e respectivos juros compensatórios, como se verificou no caso dos autos.

       Cumpre apreciar e decidir.

            Os n.ºs 1, alínea b), e 5 do artigo 24.º do RJAT preceituam o seguinte:

            “1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso:

            (…)

b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito;

5 - É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”

       Por seu turno, a norma constante do artigo 100.º da LGT estatui o seguinte:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

            Importa ainda convocar a norma do artigo 43.º da LGT, epigrafada “Pagamento indevido da prestação tributária”, a qual determina o seguinte:

            “1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

            2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

          3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

       4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

       5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.”

           

       No caso concreto, importa atendermos, particularmente, ao disposto no n.º 1 do citado artigo 43.º, o qual estabelece que os juros indemnizatórios são devidos quando, havendo erro imputável aos serviços, resulte desse erro “pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

            De notar, desde logo, que ali se refere erro e não vício, o que inculca que o que se pretende relevar são os erros sobre os pressupostos de facto ou de direito que levaram a AT a uma ilegal definição da situação jurídica tributária do contribuinte, não considerando os vícios formais ou procedimentais que, embora ferindo de ilegalidade o ato, não implicam, necessariamente, uma errónea definição daquela situação.

            Assim, o vício de forma por falta de fundamentação – que, in casu, conduzirá à anulação dos atos tributários impugnados – não se inclui no âmbito do requisito do erro imputável aos serviços gerador do direito a juros indemnizatórios, pois não se concretiza em defeituosa apreciação de factualidade relevante ou em errada aplicação das normas legais, não impedindo, aliás, a AT de renovar a substância do ato.  

            Os juros indemnizatórios têm, efetivamente, a sua justificação na necessidade de compensar o contribuinte pela indisponibilidade do capital de que ficou despojado por força da ilegal exigência de imposto feita pela AT, assim incursa no que comummente se entende ser uma responsabilidade civil extracontratual.

       No entanto, se o ato tributário tem de ser anulado, por ilegal, mas essa ilegalidade não se traduz numa errada definição da situação tributária, isto é, se da ilegalidade do ato não emerge, como consequência fatal, o injustificado da exigência do imposto liquidado, então, não pode falar-se nem em lesão patrimonial, nem em prejuízo, nem em responsabilidade, nem, consequentemente, em reparação por via da indemnização.

       No caso concreto, após a prolação desta decisão arbitral ficará a saber-se, apenas, que há um vício formal dos atos de liquidação adicional de IRC relativos ao ano de 2012, 2013, 2014 que os torna ilegais e, portanto, anuláveis. Mas já não se ficará a conhecer se o mesmo ato definiu mal – isto é, com erro – a situação jurídica tributária da Requerente, ou seja, se esta, ao pagar o que pagou, pagou o que não devia ter pago, merecendo ser indemnizada por ter ficado desprovida da quantia satisfeita em resultado daquela liquidação adicional de IRS. 

       Ademais, perante a anulação da dita liquidação adicional de IRS que será ditada por esta decisão arbitral, a AT poderá praticar novo ato de igual conteúdo, exigindo o mesmo imposto, sem que se lhe imponha corrigir qualquer erro de facto ou de direito, nem concluir de maneira diferente. Pode, pois, a AT tomar os mesmos factos e o mesmo direito e concluir da mesma maneira, desde que elimine o vício verificado por esta decisão arbitral, fundamentando devidamente os respetivos atos tributários. O que demonstra com meridiana clareza que não pode falar-se, por ora, numa lesão a merecer reparação traduzida em juros indemnizatórios.

       Neste contexto, impõe-se concluir que não tem a Requerente direito aos peticionados juros indemnizatórios, por ausência dos necessários substratos fáctico e de direito.     

    

IV. DECISÃO

      

     Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

–     Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral na parte em que é peticionada a anulação dos atos tributários impugnados, por vício de forma por falta de fundamentação;

–     Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, absolvendo-se a Requerida do mesmo;

–     Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 4.501,91, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi julgado procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 18 de Julho de 2017

 

A Árbitro

 

 

(Filipa Barros)

 



[1] Atual artigo 148.º do CPA

[2] In “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.º Edição – Encontro da Escrita 2012, pág. 675.

[3] In “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, 4.º Edição – Encontro da Escrita 2012, pág. 675.

[4] Vide entre outros acórdãos do STA de 21.06.2017, processo n.º 068/17, de 26.03.2014, recurso 1674/13, de 23.04.2014, recurso 1690/13, de 20.11.2016, recurso 545/15 e do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 07.06.2017, recurso 723/15.

[5] Vide Acórdão do STA de 25/03/93, no proc. n.º 27387.

[6] Vide neste sentido Decisão Arbitral n.º 394/2014 de 29 de Dezembro.