Decisão Arbitral
Requerente: A…
Requerida: AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e ADUANEIRA (“AT”)
I.RELATÓRIO
1.A… (doravante a Requerente), contribuinte nº …, com sede no …, apresentou, no dia 26 de Abril de 2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral para obtenção de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida), com vista à anulação da liquidação nº …, de IRC e respectiva demonstração de acerto de contas com referência ao exercício de 2011, no montante total de 152.000,87 €.
2.O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.
3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram designados árbitros, o Juiz Conselheiro Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa, como Presidente, o Dr. José Manuel Aurélio dos Santos e o Dr. José Coutinho Pires, como vogais, que comunicaram, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4.O Tribunal foi constituído em 01 de Julho de 2013, em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT.
5.Em 27 de Setembro de 2013, pelas 14.30 horas, teve lugar na sede do CAAD, a reunião dos árbitros e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18º do RJAT.
6. Na sobredita reunião, depois de ouvidas as partes, pelo Tribunal Arbitral foi, além do mais, proferido o seguinte despacho:
“ Por se afigurar não haver factos relevantes necessitados de prova documental, o tribunal decide não proceder, por ora, à inquirição das testemunhas arroladas, sem prejuízo de ulteriormente vir a entender essa diligência necessária, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros, como se consagra nas alíneas c) e e) do artigo 16º da RJAT”. (cfr. acta da reunião)
7. Consultadas as partes, o Tribunal decidiu dispensar a produção de alegações finais.
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Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, e com relevo:
(i)- “Em cumprimento da Ordem de Serviço nº … foi efetuada pelos Serviços de Inspecção da Autoridade Tributária um ação inspetiva externa ao exercício de 2011 da impugnante, em resultado da qual foram promovidas correções ao montante de IRC liquidado pela impugnante” (cfr. artigo 4º do pedido de pronúncia arbitral)
(ii)- “Não concordando com parte das correcções propostas, a Requerente exerceu, no dia 13 de janeiro de 2013, o direito de audição (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral)
(iii)- (…) “os argumentos aí apresentadas pela Requerente não foram acolhidos pelos Serviços da Autoridade Tributária no Relatório Final de Inspecção Tributária […] do qual foi notificada no dia 1 de fevereiro de 2013” (cfr. artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral)
(iv)- “Em face das correcções espelhadas no referido Relatório de Inspeção, em 2013-02-13, foi emitida a demonstração de liquidação de IRC nº ..., relativa ao exercício fiscal de 2011, no montante total de € 152.000.87, incluindo juros compensatórios.” (cfr. artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral)
(v)- “A Requerente efectuou o pagamento devido no dia 2013-04-12 (…)” (cfr. documento nº 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral)
(vi)- “A Requerente não aceita a correção relativa à tributação autónoma de encargos dedutíveis referentes ao estacionamento de viaturas ligeiras de passageiros dos seus trabalhadores (…) no valor de €149.156,68” (cfr. artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral)
(vii)- “A A… é uma transportadora aérea maioritariamente internacional que se dedica … à actividade de transporte aéreo regular de passageiros, suas bagagens e carga, que desenvolve segundo padrões de qualidade e fiabilidade internacionalmente reconhecidos a partir de uma frota extremamente moderna” (cfr. artigo 13º do pedido de pronúncia arbitral)
(viii)-“Está enquadrada no IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal sendo um sujeito passivo que realiza operações tributáveis nos termos gerais.” (cfr. artigo 14º do pedido de pronúncia arbitral)
(ix)-“(…) a A… incorreu em custos / gastos com as rendas de locação (de) espaço de estacionamento para viatura dos seus trabalhadores, cuja indispensabilidade e comprovação não foi posta em causa pela inspeção tributária, tendo os mesmos sido pacificamente aceites à luz do artigo 23º do CIRC.” (crf. Artigo 26º do pedido de pronúncia arbitral)
(x)-“ Todavia, embora aceites como gasto, tais encargos foram sujeitos a tributação autónoma, ao abrigo do artigo 88º do CIRC, com a qual a Requerente se não conforma”. (cfr. artigo 27º do pedido de pronúncia arbitral)
(xi) -“Pelo que o objecto do presente recurso é a tributação autónoma desses encargos com rendas de locação de espaços de estacionamento de viaturas ligeiras de passageiros propriedade do seu pessoal navegante e de cabine - € 1.491.566,75 (cujo valor base foi aceita como custo /gasto do exercício… à luz do artigo 23º do CIRC”. (cfr. artigo 28º do pedido de pronuncia arbitral)
(xii)- “ A A... não concorda com tal liquidação por entender que o artigo 88º do CIRC visa tributar autonomamente os encargos com viaturas da própria empresa, mas já não os encargos com viaturas dos seus trabalhadores”. (cfr. artigo 30º do pedido de pronuncia arbitral)
Conclui pelo pedido de anulação do acto de liquidação de IRC supra identificado e devolução do respectivo imposto e acréscimos pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
A AT, na sua resposta, alegou sinteticamente o seguinte, correspondendo, no essencial, à análise a que procedeu no Relatório de Inspecção Tributária:
(a) -“Ao abrigo de procedimento inspectivo encetado ao abrigo da ordem de serviços nº … concluíram os serviços inspectivos que “o sujeito passivo registou como gastos do exercício um total de € 1.491.566,75 relativos a encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, que não incluiu para efeitos do apuramento da tributação autónoma”. (cfr. artigo 8º da resposta)
(b)- “Os referidos encargos, exaustivamente identificados no documento que constitui o ANEXO I ao relatório inspectivo, têm como descritivo, designadamente: “cartão parque”; “Avenças de estacionamento”; “Lugares de estacionamento”; “Parking”; “Garagem”; “Cartões estacionamento”; “Taxas estacionamento viaturas”; “Estacionamento”; “Parking services”; “Rent –a – car”; “Parking automóvel” e “Portagens”. (cfr. artigo 9º da resposta)
(c)”Foram fornecedores dos serviços em causa, entre outros: “…”: “….”; “…”; “…”; “…”; “…;” “…”; “…”; “ …”; “… “;”…”; “…”; “ …”; “…”….” (cfr. artigo 10º da resposta)
(d) – “ Concluiu-se - ( …) que os aludidos encargos – todos relacionados com viaturas - decorrem de alugueres, portagens e estacionamento de viaturas próprias e de terceiros e foram efectuados ao serviços e no interesse do sujeito passivo” (cfr. artigo 11º da resposta)
(e) – “Pese embora tenha exercido direito de audição em face do projecto de relatório inspectivo, a Requerente nada disse sobre esta concreta correcção (descrita sob o ponto III. 1.1.1.1.1) tendo apenas informado “que a correcção constante do ponto III. 1.1.1.2 do Projecto de Relatório foi objecto de regularização voluntária”. (cfr. artigo 12º da resposta)
(f) – “Consequentemente, “Nos termos do nº 3 do artigo 88º do CIRC verifica-se que é devido o IRC relativo à Tributação autónoma a 10% dos referidos encargos, no valor de € 149.156,69”” (cfr. artigo 13º da resposta)
Conclui pela improcedência do pedido arbitral e pela sua absolvição dos pedidos formulados pela Requerente.
II. SANEAMENTO
8.O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2º nº 1 alínea a) e 30º, nº 1 do RJAT.
9.As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4º e 10º nº 2 do indicado diploma, e artigo 1º da Portaria nº 112-A72011, de 22 de Março).
10.O processo não enferma de nulidades que o invalidem.
11.Não há questões prévias, nem excepções a conhecer.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Perante a posição assumida pelas partes, com base no processo administrativo apenso e perante a prova documental junta aos autos, e a apreciação que das mesmas fez o Tribunal, fixa-se a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:
1.A Requerente é uma sociedade que se dedica à actividade de transporte aéreo regular de passageiros, suas bagagens e carga.
2. Está enquadrada em IRC no regime geral de determinação do lucro tributável e, em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, sendo um sujeito passivo que realiza operações tributáveis, nos termos gerais.
3. Foi alvo de um procedimento inspectivo de carácter externo e de âmbito parcial, em sede de IRC, que incidiu sobre o exercício de 2011, iniciado em 01 de Outubro de 2012 e concluído em 24 de Dezembro de 2012 (cfr. relatório da inspecção tributária, consubstanciado sob o documento nº 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
4. A Requerente registou no período de 2011, o montante de 1.491.566, 75 €, relativos a encargos suportados com alugueres (rent-a-car), portagens e estacionamento das suas viaturas e dos seus funcionários.
5. Tais custos foram considerados como indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, de conformidade ao estatuído no artigo 23º do CIRC.
6. Em resultado da inspecção levada a cabo, entendeu a AT estar-se perante encargos passíveis de tributação autónoma, a coberto do disposto no artigo 88º do CIRC, à taxa de 10% sobre o indicado valor de 1.491.566,75 €.
7. Tendo apurado ser devido o IRC relativo à tributação autónoma no montante de 149.156,68 € (com acréscimo dos correspectivos juros compensatórios).
8. Resulta do processo administrativo apenso que os custos referidos, no montante de 1.491,566,75€, respeitam a despesas ocorridas com estacionamentos, aluguer de viaturas e portagens.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existe matéria de facto não provada, relevante para a decisão da causa.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
-A questão que é objecto do presente processo, enquadrada pela matéria de facto fixada, é a de saber se sobre os custos ocorridos pela Requerente com viaturas incide tributação autónoma, à taxa de de 10% sobre o valor contabilizado, e se a mesma encontra suporte no nº 3 do artigo 88º do CIRC, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 55/2010, de 31 de Dezembro de 2010, com entrada em vigor em 01 de Janeiro de 2011.
-Reconduz-se, pois, o thema decidendum às (i) tributações autónomas, e (ii) à interpretação a conferir ao artigo 88º do CIRC (questão essencialmente de direito, portanto)
(i) -As tributações autónomas de IRC, incidentes sobre determinados encargos de sujeitos passivos de IRC, devem ser entendidas como pagamentos independentes da existência ou não de matéria colectável, e interpretadas como um pagamento de IRC (ou IRS) independentemente da existência ou não de matéria colectável, constituindo uma excepção no que respeita à tributação das pessoas colectivas de acordo com o lucro apurado.
-A origem no ordenamento jurídico – fiscal português de tais tributações remonta a 1990, com a publicação do Decreto –Lei nº 192/90, de 9 de Junho, onde se explicitava, concretamente sob o nº 4 do seu artigo 4º, e para o segmento que nos importa, que:
“ consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e o imposto municipal sobre veículos”.
-Esta norma e de uma forma geral, o regime das tributações autónomas, veio a ser objecto de diversas alterações, nomeadamente através de sucessivas modificações quer das taxas, quer da sistematização e redacção às mesmas conferida, nos respectivos códigos sobre os impostos sobre os rendimentos, ou seja quer no CIRC, quer no CIRS.
-Com a “Reforma da Tributação do Rendimento”, aprovada pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, o decreto introdutor das “tributações autónomas”, foi revogado, aditando-se ao CIRC o artigo 69º A) – hoje correspondente ao artigo 88º -, onde para além da manutenção da incidência destas às despesas não documentadas, se estendeu a tributação autónoma às despesas de representação e às despesas com viaturas.
-O artigo 69º A), então aditado, e com particular destaque para o seu nº 3, dizia o seguinte:
3- São tributadas autonomamente a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola”
Podendo ler-se no seu nº 4:
“Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”
-A evolução normativa relativamente à tributação autónoma tem vindo a abranger realidades diversas, como desde logo decorre dos diversos números do actual artigo 88º, subsistindo, todavia, na óptica do legislador, a ratio da sua criação.
-Preocupações de combate à fraude e à evasão fiscal (desde logo enunciadas no preâmbulo da Lei nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro) e razões de simplicidade e eficácia na arrecadação fiscal determinaram que o legislador onerasse equitativamente todos os contribuintes cem certos tipos de despesas.
-O Tribunal Constitucional, convocado a pronunciar-se sobre diversas situações relacionadas com a tributação autónoma (que aqui não são chamadas), tem vindo a pronunciar-se acerca da tributação autónoma, de forma genérica, no sentido de que:
“Com este tipo de tributação teve-se em vista, por um lado incentivar os contribuintes a ela sujeitos a reduzirem tanto quanto possível as despesas que afectem negativamente a receita fiscal, e, por outro lado, evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição camuflada de lucros, sobretudo de dividendos que, assim, apenas ficariam sujeitos ao IRC enquanto lucros da empresa, bem como combater a fraude e evasão fiscais que tais despesas ocasionem não apenas em relação ao IRS ou IRC, mas também em relação às correspondentes contribuições, tanto das entidades patronais como dos trabalhadores, para a segurança social.”
“Contrariamente ao que acontece na tributação dos rendimentos em sede de IRS e IRC, em que se tributa o conjunto de rendimentos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso tributa-se cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a tributação autónoma apurada de forma independente do IRC que é devido em cada exercício, por não estar directamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e, por isso, passível de tributação”.
- Igualmente se extraindo do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que “o legislador criou as taxas de tributação autónoma com vista a penalizar a realização de determinada despesas uma vez que devem ser tributadas na pessoa/empresa que suporta o respectivo custo (…)”
- As características da tributação autónoma conduzem-nos assim à clássica distinção ente impostos periódicos e impostos de obrigação única, cujo facto gerador de pagamento se produz de modo instantâneo, configura-se isolando, criando sobre o contribuinte uma obrigação de pagamento de natureza avulsa e não regular.
“Na tributação autónoma, o facto tributário que dá origem ao imposto é instantâneo: esgota-se no ato de realização de determinada despesa que está sujeita a tributação (embora o apuramento do montante de imposto, resultante da aplicação das diversas taxas de tributação aos diversos atos de realização de despesa considerado, se venham a efectuar no fim de um determinado período tributário). Mas o facto de a liquidação do imposto ser efectuada no fim de um determinado período não transforma o mesmo num imposto periódico, de formação sucessiva ou de carácter duradouro”.
- A doutrina que tem vindo a debruçar-se sobre esta questão da tributação autónoma, no essencial, não diverge da que dimana da jurisprudência constitucional sumariamente transcrita.
- Neste sentido, Saldanha Sanches (com referência ao então artigo 81º nº 3), escreveu o seguinte:
“ Neste tipo de tributação, o legislador procura responder à questão reconhecidamente difícil do regime fiscal de despesas que se encontram na zona de intersecção da esfera pessoal e da esfera empresarial, de modo a evitar remunerações em espécie mais atraentes por razões exclusivamente fiscais ou de distribuição oculta de lucros. Apresenta a norma uma característica semelhante à que vamos encontrar na sanção legal contra custos não documentados, com uma subida da taxa quando a situação do sujeito passivo não corresponde a uma situação de normalidade fiscal. Se na declaração do sujeito passivo não há lucro, o custo pode ser objecto de uma valoração negativa: por exemplo, temos uma taxa de 15% aplicada quando o sujeito passivo teve prejuízos nos dois últimos exercícios e foi comprada uma viatura ligeira de passageiros por mais de € 40.000 (artigo 81º, nº 4).
Com esta previsão o sistema mostra a sua natureza dual, com uma taxa agravada de tributação autónoma para certas situações especiais que se procura desencorajar, como a aquisição de viaturas para fins empresarias ou viaturas em princípio, demasiado dispendiosas quando existem prejuízos. Cria-se, aqui, uma espécie de presunção de que estes custos não têm uma causa empresarial e, por isso, são sujeitos de uma tributação autónoma. Em resumo, o custo é dedutível, mas a tributação autónoma reduz a sua vantagem fiscal, uma vez que, aqui, a base de incidência não é um rendimento líquido, mas sim, um custo transformado – excepcionalmente – em objecto de tributação”
- Estar-se-á, segundo Rui Morais, perante “uma tributação que incide sobre certas despesas dos sujeitos passivos, as quais são havidas como constituindo factos tributários”
“O objectivo parece ser o de tentar evitar (atenuando ou anulando a “vantagem delas resultante em IRC”) que, através dessas despesas, o sujeito passivo utilize para fins não empresariais bens que geraram custos fiscalmente dedutíveis: ou que sejam pagas remunerações a terceiros com evasão aos impostos que seriam devidos por estes. A realização de tais despesas implica um encargo fiscal adicional para quem nelas incorre porque a lei supõe que, assim, outra pessoa deixa de pagar imposto”
-O breve excurso através da génese e finalidades do regime da tributação autónoma revela-se de central importância para a correcta interpretação da sua conformação enquanto instituto distinto de outras formas de tributação, em sede de IRC, e conduzirá à melhor interpretação a conferir aos números 3 e 5 do artigo 88º do CIRC na sua actual redacção.
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- A questão que subjaz aos presentes autos é a tributação autónoma, que incidiu sobre as despesas relacionadas com “viaturas ligeiras de passageiros” (da Requerente), que comprovadamente foram indispensáveis à realização dos seus proveitos, à luz do que prescreve o artigo 23º no 1º do CIRC (cfr. processo administrativo apenso, artigo 26º do pedido de pronuncia arbitral e artigo 20º da resposta da AT).
Em concreto a taxa aplicável de 10% sobre as despesas em que a Requerente incorreu no montante de 1.491.566,75 €.
Pois bem,
(ii) -O nosso ordenamento jurídico fixa, sob o artigo 88º do IRC, várias taxas de tributação autónoma, distinguindo, fundamentalmente as aplicáveis a despesas não documentadas (chamadas “despesas confidenciais”) das relacionadas (para o que nos importa nos presentes autos) com “viaturas ligeiras de passageiros “.
ARTIGO 88º
Taxas de tributação autónoma
“3- São tributadas autonomamente à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos subjectivamente e que exerçam, a título principal, actividade da natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas cujo custo de aquisição seja igual ou inferior ao montante fixado nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 34º, motos ou motociclos, excluindo os veículos movidos exclusivamente a energia eléctrica.”
“5- Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.”
- Conforme decorre dos articulados das partes, estamos perante diversa interpretação a conferir aos citados normativos que, brevitatis causa, se conduzem ao seguinte:
-A Requerente defende que a tributação autónoma subjacente – e à luz da interpretação que confere ao artigo 88º - se reconduz aos encargos com viaturas da própria empresa e já não quando as mesmas pertençam a terceiros. E
- A requerida, AT, desvaloriza a relação de propriedade das viaturas, pugnando pela tributação autónoma, independentemente da titularidade destas, valorizando o facto de que a tributação autónoma competir à entidade que ocorreu nas despesas que lhe estão na origem.
Vejamos pois:
- Parece poder concluir-se que o nº 3 do artigo 88º do CIRC sujeita à tributação autónoma à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados pelos sujeitos que incorreram nos mesmos.
- Sendo esse o sentido literal do normativo: são tributados autonomamente à taxa de 10% os encargos efectuados ou suportados por sujeitos passivos não subjectivamente isentos e que exerçam, a título principal atividade da natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros (…).
Ora,
- Não soçobrarão dúvidas que os encargos, no assinalado montante de 1.491.566,75 €, foram suportados pela Requerente, tendo sido, inclusivamente, considerados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23º do CIRC.
- Igualmente não se descortinam razões para que seja outra a interpretação a conferir ao nº 3 do artigo 88º do CIRC.
- A génese e escopo das tributações autónomas, não levarão a outro sentido que não seja o de que competirá ao sujeito passivo, que suportou / efectuou as despesas que estão na sua origem, ser igualmente sujeito daquelas, independentemente da bondade ou objectivos que presidiram à sua realização.
- No caso em apreço, não obstante a Requerente não ter - em abono da sua tese - apresentado prova documental, concernente à propriedade das viaturas (que alega serem propriedade de terceiros) que estiveram na origem da despesa, tal facto revelar-se-ia perfeitamente inócuo.
- O que efectivamente está em causa é o sujeito passivo que suportou ou efectuou as despesas relacionados com as viaturas, e, como já dito, esse sujeito foi a Requerente.
- E é esse o sujeito passivo em sede de tributação autónoma.
- Poder-se-ia ainda argumentar que os encargos em causa (à excepção das rendas ou alugueres) e, concretamente as ocorridas com “portagens” e “estacionamento/parqueamento”, não encontram guarida, na densificação a que procede o nº 5 do artigo 88º do CIRC.
- Aí se diz, com efeito, que:
“Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, nomeadamente, depreciações, rendas ou alugueres, seguros, manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização”
- Tratar-se-á de uma enumeração meramente exemplificativa (para a qual concorre desde logo o advérbio “nomeadamente”), a consentir na sua inclusão normativa outros encargos conexos com a utilização de viaturas e desde logo as decorrentes, nomeadamente, de portagens e/ou estacionamento ou parqueamento.
V. DECISÃO
Termos em que acordam, neste Tribunal Arbitral Colectivo, julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente, quanto à ilegalidade da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, com referência ao exercício de 2011, bem assim e como consequência, improcedente o pedido formulado relativo a juros indemnizatórios.
VALOR DO PROCESSO:
De harmonia com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), 97º A) nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 152.000,87 €.
CUSTAS:
A cargo da Requerente, nos termos dos artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
NOTIFIQUE
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelos árbitros.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
O Árbitro Presidente
(Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa)
O Árbitro Vogal
(José Manuel Aurélio dos Santos)
O Árbitro Vogal e Relator
(José Coutinho Pires)
Lisboa, 25 de Novembro de dois mil e treze