Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 40/2017-T
Data da decisão: 2017-07-28  IRS  
Valor do pedido: € 1.250,00
Tema: IRS - Regime simplificado – Contribuições Protecção Social
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

1. A…, com o NIF … (doravante apenas designado por Requerente), com domicílio fiscal na Rua …, n.º…, …, no Porto, apresentou, em 13-01-2017, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. O requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, relativa ao ano de 2015 e do acto de indeferimento da reclamação graciosa à mesma referente, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-01-2017.

 

3.1. A requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

3.2. Em 06-03-2017 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 21-03-2017.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o requerente alega, em síntese, o seguinte:

Ter auferido, no ano de 2015, rendimentos do trabalho dependente e profissionais, estes relativos ao exercício de actividade profissional prevista na tabela do CIRS e a outras prestações de serviços.

Tendo apresentado declaração de rendimentos, inseriu, consequentemente, no que ao trabalho independente respeita, no Anexo B ao Modelo 3, 17.500,00 € no campo 403 e 3.598,06 € no campo 04.

Paralelamente declarou no campo 701, do mesmo Anexo B, a quantia de 5.151,00 € respeitante a contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.

Não tendo esta dedução sido aceite pela Administração Tributária e Aduaneira, apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS que lhe foi notificada, tendo em vista a aceitação daquela dedução e consequente rectificação do montante líquido do rendimento auferido como trabalhador independente.

Não se conforma com o despacho de indeferimento proferido naquela reclamação graciosa.

Conclui, por isso, o requerente pela ilegalidade da liquidação objecto do pedido arbitral, bem como do aludido despacho de indeferimento.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:

A possibilidade de dedução das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social apenas poderá suceder se aquelas não tiverem sido deduzidas a outro título.

Tendo o requerente beneficiado, porque obteve rendimentos de trabalho dependente, da dedução para regimes de protecção social ao abrigo do art. 25º do CIRS, fica prejudicada a dedução específica.

A possibilidade de dedução de contribuições obrigatórias para regime de protecção social são pessoais e para os rendimentos de trabalho.

Conclui, por isso, a requerida pela legalidade do acto de liquidação contestado pelo requerente que deverá, assim, ser mantido.

 

6. Por despacho de 01-06-2017, foi dispensada a reunião do artigo 18º do RJAT e, com a anuência das partes, de apresentação de alegações.

 

 

 

II – Saneamento

 

7.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

7.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

7.3. O processo não enferma de nulidades.

 

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

8. Matéria de facto

8.1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas, os seguintes factos:

a)             O requerente apresentou declaração de rendimentos relativa no ano de 2015, tendo declarado, através da Modelo 3, rendimentos do trabalho dependente e rendimentos empresariais;

b)             Declarou no Anexo A, como rendimento de trabalho dependente, 19.894,76 €;

c)             E, no campo 403 do Anexo B, a quantia de 17.500,00 € relativa a rendimentos provenientes do exercício de actividade prevista na tabela do art. 151º do CIRS, com o código 6010, ou seja, advogado;

d)             E a quantia de 3.596,00 €, no campo 404 do mesmo Anexo, relativa a rendimentos de outras prestações de serviços inseridas no CAE 69101, actividades jurídicas;

e)             Inseriu no mesmo Anexo, no campo 701, o montante de 5.151,00 € relativo a contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores;

f)              O requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação de IRS resultante daquela declaração, a qual mereceu despacho de indeferimento que lhe foi notificado por via electrónica, no dia 10-01-2017;

g)             O imposto encontra-se pago, fruto das retenções na fonte efectuadas.

 

8.2. Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida.

 

Inexistem outros factos outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Conforme resulta do pedido arbitral, a única questão submetida à apreciação do tribunal, consiste em apurar se, e em que condições, é admissível a dedução de contribuições obrigatórias para regimes de protecção social aos sujeitos passivos que aufiram rendimentos profissionais enquadrados no regime simplificado de IRS, nos termos do art. 31º do respectivo código.

 

Sustenta o requerente ser admissível tal dedução, ao passo que a requerida entende que, pelo facto daquele ter também auferido rendimentos de trabalho dependente e, por via disso, ter beneficiado da dedução específica prevista no art. 25, n.º 1, al a) do CIRS, lhe está vedada essa possibilidade.

 

Vejamos então:

 

De acordo com o disposto no CIRS, a determinação dos rendimentos profissionais dos sujeitos passivos que, no exercício da sua actividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos dessa categoria de 200.000,00 €, estão sujeitos, salvo opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade organizada, às regras decorrentes do regime simplificado (art. 28º, n.º 1 e 2).

 

O requerente estava enquadrado, no ano de 2015, no regime simplificado de tributação.

 

Pelo que os rendimentos empresariais que obteve foram determinados por aplicação do coeficiente de 0,75, para os rendimentos auferidos enquanto advogado, e de 0,35 para os restantes (art. 31º, n.º 1, b, e c) do CIRS).

 

De acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, os sujeitos passivos que obtenham os rendimentos previstos naquelas duas alíneas, após aplicação daqueles coeficientes “…podem deduzir, até à concorrência do rendimento líquido desta categoria, os montantes comprovadamente suportados com contribuições obrigatórias para sistemas de protecção social, conexas com a actividade em causa, na parte em que excedam 10% dos rendimentos brutos, quando não tenham sido deduzidas a outro título”.

 

A leitura deste artigo, com redacção clara e directa, não nos suscita qualquer dúvida interpretativa, no sentido da aplicação imediata, nos limites ali definidos, da referida dedução.

 

Suscita, todavia, a requerida a dúvida quanto à interpretação da expressão “quando não tenham sido deduzidas a outro título”, para concluir que a dedução a outro título ocorrerá quando o sujeito passivo auferir rendimentos de trabalho dependente e aí beneficiar já da dedução prevista no art. 25º do CIRS, o que ocorreu com o requerente.

 

Diga-se, desde já, que carece de manifesto fundamento tal conclusão, quer por isso não resultar da lei, quer por serem diferentes as razões subjacentes a tais deduções.

 

Com efeito, as contribuições obrigatórias para regimes de protecção social previstas no n.º 2 do art. 31º do CIRS, são apenas as que, como aí se diz, sejam conexas com as actividades em causa.

 

Daí resulta que têm origem e tratamento diverso as deduções para regimes de protecção social previstas no n.º 2 do art. 25º do CIRS e as que, tendo carácter obrigatório, são contempladas no n.º 2 do art. 31º.

 

Com efeito, prevêem-se aqui as contribuições a que o trabalhador independente está obrigado a efectuar para poder desempenhar a respectiva actividade profissional. Que, como está bem de ver, nada têm a ver com as suportadas pelo trabalhador dependente, ainda que este tenha - como sucede com o requerente - simultaneamente rendimentos de natureza profissional.

 

É o que sucede com as contribuições pagas pelo requerente enquanto advogado, face ao disposto no n.º 1 do art. 29º do Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) - aprovado pelo DL 119/2015, de 29 de Junho - quando dispõe que são inscritos obrigatoriamente como beneficiários ordinários todos os advogados e advogados estagiários inscritos na Ordem dos Advogados e todos os associados e associados estagiários inscritos na Câmara dos Solicitadores”

 

Assim, o requerente, pelo facto de exercer a actividade de advogado, teve que efectuar contribuições obrigatórias para a CPAS, as quais estão indiscutivelmente conexas com aquela, não existindo, por isso, qualquer impedimento a que possa deduzir o montante com elas suportado, dentro dos limites legais.

 

Já o mesmo não sucede no que respeita aos outros rendimentos imputados a actividades jurídicas indiferenciadas, enquadráveis no CAE 69101, por não resultar demonstrada a conexão entre as contribuições pagas para a CPAS e a obtenção destes rendimentos.

 

Será, por isso, de deferir o pedido do requerente no que respeita à admissibilidade da dedução das contribuições efectuadas para a CPAS ao rendimento líquido da sua actividade como advogado, mas já não quanto aos rendimentos inseridos no campo 404 do Anexo B da Modelo 3 apresentada, pelo que procederá parcialmente o pedido do requerente.

 

JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Além do reembolso do imposto, pretende o requerente que seja declarado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.

 

Tal direito vem consagrado no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

 

O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

No caso em apreço, é manifesto que ocorreu, de facto, erro imputável à AT na liquidação em crise que por sua iniciativa o praticou sem suporte legal.

 

Pelo que assiste ao requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios relativamente àquele imposto.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

a)      Julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2016…, relativa ao ano de 2015, bem como do acto de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, sendo de admitir a dedução das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social inseridas no campo 701 do Anexo B da Modelo 3 de IRS de 2015, apenas com referência aos rendimentos profissionais declarados no campo 403 da mesma declaração.

b)      Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a reembolsar o requerente do montante do correspondente imposto relativamente à referida liquidação, acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.

c)      Condenar ambas as partes no pagamento das custas do processo, na proporção de 90% pela requerida e 10% pelo requerente.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 1.250,00 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 306,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 28 de Julho de 2017

 

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

 

(António Alberto Franco)