DECISÃO ARBITRAL
O Árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 25 de Novembro de 2016, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A…, contribuinte nº…, com sede na Rua …, …, ..., B…, contribuinte nº…, residente na Rua…, …, …, C…, contribuinte nº…, residente na …, nº…– “B, …, …, requereram a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IMI, com o nº…, e referente aos prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos … e…, no valor de €134,54, no que concerne ao 1º Requerente, com o nº…, e referente aos prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos … e…, no valor de €157,72, no que concerne ao 2º Requerente e com o nº…, referente aos prédios inscritos na matriz urbana sob os artigos … e … (este último em compropriedade), no valor de €415,58 no que concerne ao 3º Requerente, ascendendo ao total de € 704,89 (setecentos e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), relativos ao ano de 2015, e melhor identificados na petição inicial apresentada pelos Requerentes, e que aqui se dão por articulados e reproduzidos, para todos os efeitos legais, os quais respeitam a prédios propriedade dos Requerentes, sitos no Centro Histórico de Guimarães.
Mais requerem a condenação da Requerida à restituição das quantias indevidamente pagas e que lhes seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios sobre todas as quantias pagas.
1.3. Os Requerentes apresentaram o seu pedido com o fundamento de que, tratando-se de imóveis sitos no Centro Histórico de Guimarães (conforme certidões emitidas pelo Município de Guimarães), foram classificados pela Unesco como fazendo parte de um conjunto considerado Património da Humanidade. Ora, alegam os Requerentes que, de acordo com a Lei nº107/2001, os bens culturais incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos, os bens qualificados como de interesse nacional. Por outro lado, um bem classificado como de interesse nacional é designado como monumento nacional quer se trate de um local, edifício ou conjunto. E, finalmente, de acordo com o artigo 44º do EBF os prédios classificados como monumento nacional estão isentos de IMI, sendo tal isenção de carácter automático. Por tudo isto, carecendo os actos sub judice de vício de forma.
1.4. A AT defende que o pedido sub judice deveria ser julgado improcedente. Desde logo, e por excepção, defende-se dizendo que a acção arbitral não é o meio processual adequado para aquilo que entende ser a pretensão dos Requerentes: o reconhecimento da isenção prevista no artigo 44º do EBF. Pelo que entende a Requerida que o Tribunal Arbitral deve abster-se de reconhecer parcialmente o pedido.
1.5. Em decorrência directa da mesma linha de argumentação, suscita a Requerida a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, estando fora da sua jurisdição as questões referentes ao reconhecimento de isenções fiscais.
Alega ainda a Requerida que ao 1º Requerente faltará capacidade judiciária e que a procuração forense que junta à petição inicial não identifica convenientemente o subscritor da mesma, o que constituiria uma excepção dilatória conducente à absolvição da instância.
Por impugnação, defende-se a Requerida dizendo que discorda da classificação dada pelos Requerentes aos imóveis sub judice e que, da mesma, não se poderia em qualquer caso retirar as conclusões pretendidas pelos Requerentes. Alega a Requerida ainda que o Centro Histórico de Guimarães “não possui a classificação de Património Mundial da Unesco …dado que se trata de “…uma mera inscrição numa lista do Comité do Património Mundial”. Assim, entende a Requerida que, no limite, estamos perante uma designação como Monumento Nacional mas não perante uma classificação como tal. E sobre este tema aduz ainda a Requerida um conjunto de argumentos e deduções melhor expressas na sua Resposta e nas suas Alegações.
Ambas as partes apresentaram as suas alegações, de forma sucessiva. Foi dispensada a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, por não existir necessidade de apresentação adicional de prova.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
A Requerida, na sua defesa, sustenta existir incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o reconhecimento de benefícios fiscais, requerendo que o tribunal se abstenha de apreciar quaisquer questões relativas ao reconhecimento da isenção prevista no artigo 44º do EBF.
A alegada incompetência do Tribunal Arbitral decorre, segundo a Requerida, do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, que permite concluir que “não estão abrangidos no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral o conhecimento da matéria relativa ao reconhecimento de isenções tributárias”.
Tendo em vista a decisão sobre esta excepção arguida pela Requerida, entende o Tribunal que o objeto dos autos não é uma questão de reconhecimento de uma isenção, mas sim uma questão de uma isenção objetiva, prevista na lei, a que a Requerente considera ter direito, e que foi desconsiderada pela Requerida, alias inicialmente reconhecida e posteriormente revogada, daqui resultando a prática dos atos de liquidação de IMI ora impugnados.
Assim, improcede a excepção e julga-se este Tribunal materialmente competente para dirimir o litígio.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Relativamente à alegação efectuada pela Requerida de que o 1º Requerente não teria capacidade judiciária, discorda este tribunal dessa conclusão. A procuração forense junta à petição inicial é assinada por C… que, de acordo com documento junto pelos Requerentes, é Presidente da Administração do 1º Requerente, através de provisão concedida pelo D…, cabendo ao órgão de que é presidente, de acordo com a referida provisão, a missão de gerir os bens móveis e imóveis da A… . Ora, este é um acto de gestão corrente dos imóveis da A…, pelo que se considera estar verificada a capacidade de representação de C… e a capacidade judiciária do 1º Requerente.
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevância para a decisão de mérito, o Tribunal considera provada a seguinte factualidade:
1) Os Requerentes eram à data proprietários dos imóveis anteriormente melhor identificados;
2) Os Requerentes foram notificados das liquidações de IMI relativas a esses imóveis, tendo efectuado o pagamento do imposto;
3) Os imóveis beneficiaram no passado da isenção de IMI ao abrigo do artigo 44º do EBF, a qual foi revogada pela Requerida com efeitos a partir de 2015.
4) Os imóveis em questão estão localizados e fazem parte do denominado Centro Histórico de Guimarães, o qual faz parte da lista do património Mundial da Unesco e está designado como monumento nacional enquanto Conjunto. No aviso 15171/2010 declara-se que foi incluído na lista indicativa do Património Mundial da UNESCO o conjunto conhecido por Centro Histórico de Guimarães, localizado nas freguesias de … e … e …, concelho de Guimarães, distrito de Braga. No mapa anexo ao referido aviso delimita-se “a área inscrita na Lista do Património Mundial – Monumento Nacional”.
Factos não provados
Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, os quais não se tenham provado.
4. DO DIREITO
Fixada a matéria de facto, importa conhecer a matéria de direito suscitada pelas partes.
Conforme supra identificado, a questão decidenda prende-se com a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de IMI, relativos ao ano de 2015, sobre os imóveis acima melhor identificados, propriedade dos Requerentes.
Defesa por Impugnação
De acordo com o disposto na alínea n) do n° 1 do art.° 44.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam isentos de IMI: "os prédios classificados como monumentos nacionais e os prédios individualmente classificados de interesse público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
Esta disposição remete, nomeadamente, para a Lei de Bases para a Protecção e Valorização do Património Cultural (Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro), que estabelece que os bens imóveis podem ser classificados de interesse nacional, interesse público ou interesse municipal e especificamente nas categorias de Monumento, Conjunto e Sítio.
Mas vejamos. De acordo com o artigo 15º da Lei 107/2001, de 8 de Setembro:
"1 - Os bens imóveis podem pertencer às categorias de monumento, conjunto ou sítio, nos termos em que tais categorias se encontram definidas no direito internacional, e os móveis, entre outras, às categorias indicadas no título VII.
2 - Os bens móveis e imóveis podem ser classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal.
3 - Para os bens imóveis classificados como de interesse nacional, sejam eles monumentos, conjuntos ou sítios, adoptar-se-á a designação «monumento nacional» e para os bens móveis classificados como de interesse nacional é criada a designação «tesouro nacional».
4 - Um bem considera-se de interesse nacional quando a respectiva protecção e valorização, no todo ou em parte, represente um valor cultural de significado para a Nação.
(...)"
No Aviso nº 15171/2010, publicado no Diário da República, II Série de 30 de Julho de 2010, emitido ao abrigo do nº 3 do art. 72º do Decreto-Lei 309/2009, de 23 de Outubro, declara-se que foi incluído na lista do Património Mundial da Unesco o conjunto conhecido por Centro Histórico de Guimarães, localizado nas freguesias de … e … e …, concelho de Guimarães, distrito de Braga. No mapa anexo ao referido aviso delimita-se “a área inscrita na Lista do Património Mundial – Monumento Nacional”.
O art. 15º, nº7, da Lei 107/2001 refere expressamente que "os bens culturais imóveis incluídos na lista do património mundial integram, para todos os efeitos e na respectiva categoria os bens qualificados como de interesse nacional".
Por fim, conforme consta do artigo 15º da Lei 107/2001 e do art. 3º do Decreto-Lei 309/2009, um bem classificado como de interesse nacional é designado como "monumento nacional", independentemente de se tratar de um único edifício, conjunto ou sítio, sendo claro que os imóveis que compõem o conjunto ou sítio são abrangidos por essa classificação.
Ora, é esse naturalmente o caso dos imóveis do Centro Histórico de Guimarães. O Centro Histórico de Guimarães é património protegido de interesse nacional e visto como um todo, enquanto Conjunto.
Em face da Lei 107/2001, os imóveis em questão são hoje de interesse nacional, e não de interesse meramente público ou municipal, sendo consequentemente classificados como monumentos nacionais.
O facto de poderem coexistir prédios individualmente classificados, em caso de delimitação de um conjunto ou de um sítio, nos termos do art. 56º do Decreto-Lei 309/2009, apenas tem relevo provisório para delimitar a zona de protecção desse imóvel até à publicação da classificação do conjunto ou do sítio.
Face a este enquadramento, voltemos ao artigo 44º do EBF. Ora, o artigo sub judice refere duas realidades que trata de forma distinta. Por um lado, estabelece que estão isentos de imposto municipal sobre imóveis os prédios classificados como monumentos nacionais. Sem mais. Por outro lado, estabelece igualmente uma isenção do mesmo imposto para os prédios individualmente classificados como de interesse público ou de interesse municipal.
É nosso entendimento que não querendo o legislador fazer uma distinção entre imóveis classificados como monumento nacional e aqueles classificados como de interesse público ou municipal, exigindo a estes últimos uma classificação individual, não o teria feito. Mas o certo é que essa distinção resulta clara da letra da lei.
Por esse motivo se compreende que o artigo 44º do Estatuto dos Benefícios Fiscais distinga entre "prédio classificado como monumento nacional" e "prédio individualmente classificado como de interesse público ou municipal", só exigindo a individualização em relação a estas duas últimas categorias, não já à dos prédios de interesse nacional.
Entendemos que não colhe também o argumento de que alguns autores defendem uma interpretação restritiva das isenções aos imóveis classificados no intuito de excluir dos benefícios atribuídos em sede de IMI ou IMT todas as situações em que não tenha ocorrido um procedimento ou acto de classificação individual como monumento nacional, imóvel de interesse público ou municipal.
A verdade é que foi nesse sentido alterado o artigo 6º g) do Código do IMT pela Lei 55-A/2010, de 31 de Dezembro, levando a que a isenção tenha deixado de abranger "as aquisições de prédios classificados como de interesse nacional, de interesse público ou de interesse municipal, ao abrigo da Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro" para passar apenas a contemplar apenas "as aquisições de prédios individualmente classificados como de interesse nacional, de público ou de interesse municipal, nos termos da legislação aplicável".
Sucede, porém, que o legislador não alterou no mesmo sentido os benefícios fiscais em sede de IMI, apesar de ter procedido à modificação da redacção do próprio art. 44º do EBF, continuando a sua alínea n) a exigir a classificação individual para atribuição da isenção apenas no caso dos imóveis de interesse público ou municipal, mas não fazendo tal exigência para os monumentos nacionais.
Antes pelo contrário, a norma do nº5 do artigo 44º, na redacção que lhe foi atribuída pela Lei 3-B/2010, de 28 de Abril, dispõe expressamente que "a isenção a que se refere a alínea n) do nº. 1 é de carácter automático, operando mediante comunicação da classificação como monumentos nacionais ou da classificação individualizada como imóveis de interesse público ou de interesse municipal (…)". Entendemos assim ser claro que a intenção do legislador foi dispensar a classificação individualizada para efeitos de isenção de IMI aos monumentos nacionais, apenas a exigindo em relação a imóveis de interesse público ou de interesse municipal.
O argumento de que o uso do termo “monumento nacional” nesta norma tem um intuito diferente do uso que à mesma expressão se dá na Lei 107/2001 e no Decreto-Lei 309/2009, não colhe dado que não se vê qual outra fonte poderia ter a interpretação do termo no artigo 44º do EBF.
Ora, em resumo:
- estando o Centro Histórico de Guimarães incluído na lista do património mundial, enquanto Conjunto;
- referindo expressamente a Lei 107/2001 que os bens imóveis incluídos nessa lista são, para todos os efeitos e na respectiva categoria (Conjunto), classificados como de interesse nacional;
- referindo a mesma lei e o Decreto-Lei 309/2009 que um bem imóvel classificado como de interesse nacional é designado como “monumento nacional”;
- aplicando-se todo este racional ao Centro Histórico de Guimarães;
- referindo-se o nº1 alínea n) do artigo 44º do EBF a “monumento nacional” desconhecendo-se qualquer outra fonte de interpretação do termo para além das acima referidas;
Considera-se manifesto que os imóveis sub judice beneficiam da referida isenção, sendo assim ilegais as liquidações de IMI aqui impugnadas, na parte a que a tais imóveis se referem, devendo ser restituído aos Requerentes o imposto que foi pago.
Dos Juros Indemnizatórios
Os Requerentes peticionam a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, previstos nos artigos 43.º da Lei Geral Tributária e 61.º do Código do Procedimento e Processo Tributário.
É claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal, padecendo de uma errada interpretação (e, logo, aplicação) das normas jurídicas ao caso concreto.
Consequentemente, os Requerentes têm direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
5. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação que se deixa exposta, decide este tribunal arbitral:
1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação de IMI referentes aos imóveis melhor identificados nos autos, no que se refere ao ano de 2015;
2. Julgar procedente o pedido de reembolso da importância paga pelos Requerentes, acrescida dos respectivos juros indemnizatórios até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
* * *
Fixa-se o valor do processo em € 704,89 (setecentos e quatro euros e oitenta e nove cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º do CPC.
O montante das custas é fixado em € 306 (trezentos e seis euros) ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, e suportadas pela Requerida, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 24 de Julho de 2017
O Árbitro
(Maria Antónia Torres)
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.