Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 21/2017-T
Data da decisão: 2017-07-28  IRS  
Valor do pedido: € 35.546,98
Tema: IRS - Mais-Valias – Reinvestimento - Domicílio Fiscal
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DECISÃO ARBITRAL

I.          RELATÓRIO

Em 4 de janeiro de 2017, os contribuintes A… e B…, casados, com os NIF … e …, respetivamente, residentes na …, n.º…, … (doravante designados por Requerentes ou, individualmente, por o/a Requerente) apresentaram, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2014 com o n.º 2015…, no valor de € 35 546,98 (trinta e cinco mil, quinhentos e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos), sustentada pela decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… .

Mais peticionam os Requerentes a condenação da Requerida na restituição das quantias pagas (valor da liquidação impugnada e acrescido da execução fiscal no âmbito da qual o imposto foi pago), com acréscimo de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT).

Síntese da posição das Partes

a.    Dos Requerentes:

Os Requerentes sustentam o pedido de anulação da liquidação de IRS do ano de 2014 nos seguintes factos e argumentos:

1.    Está em causa a recusa da AT em reconhecer aos Requerentes o direito à exclusão das mais-valias por reinvestimento do valor da venda da habitação própria e permanente, previsto no artigo 10.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino;

2.    A alienação da sua anterior habitação própria e permanente ocorreu em 17 de novembro de 2014 e, em 24 de novembro de 2014, o reinvestimento de parte do valor de realização na aquisição de outro imóvel, que os Requerentes afetaram à habitação própria e permanente do seu agregado familiar, desde finais de novembro de 2014;

3.    Em 2 de maio de 2015, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS, na qual declararam o reinvestimento de parte do valor de realização, sendo posteriormente notificados de divergências no preenchimento da declaração, que foram mantidas pela AT, apesar de documentalmente justificadas;

4.    Não tendo os Requerentes procedido à substituição da declaração, como lhes foi sugerido, os serviços da AT elaboraram declaração oficiosa, com eliminação do valor pretendido reinvestir na aquisição da nova morada, do valor referente a “despesas e encargos” e correção do valor de aquisição do imóvel alienado;

5.    Das correções introduzidas pela AT resultou a liquidação ora impugnada, contra a qual a Requerente apresentou, em 29 de fevereiro de 2016, reclamação graciosa e que, não tendo sido paga atempadamente, deu origem à abertura de processo de execução fiscal, no âmbito do qual foi efetuado o pagamento da quantia de € 37 027,68, em 31 de agosto de 2016;

6.    A AT fundamentou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa no facto de o Requerente não ter comunicado a alteração do domicílio fiscal para a nova morada tendo, posteriormente, comunicado a mudança de residência para Angola;

7.    Alega ainda a AT que a Requerente não tem direito a beneficiar do regime do reinvestimento, por para tal ser relevante a situação do agregado familiar e um dos elementos que o compõem ter alterado o domicílio para uma morada diferente da do imóvel relativamente ao qual o reinvestimento foi efetuado;

8.    Ora, os números 5 e 6 do artigo 10.º, do Código do IRS, não condicionam a validade do referido benefício à comunicação de alteração do domicílio fiscal, prevista no artigo 19.º, n.º 3, da LGT, mas tão só à residência permanente;

9.    Não pode a AT deixar de reconhecer o direito dos contribuintes à exclusão da tributação das mais-valias quando, apesar de não terem comunicado a alteração do domicílio fiscal, provem que à data dos factos constitutivos do seu direito substantivo tinham residência habitual no local em questão;

10.    Existindo, no caso dos autos, prova suficiente daquele direito, a liquidação objeto do presente pedido, e atos subsequentes, incorrem em violação dos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º, do Código do IRS.

Concluem os Requerentes com o pedido de declaração da ilegalidade dos atos impugnados (liquidação de IRS, de 9.12.2015, no montante de € 35 546,98 e decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016…) e sua consequente anulação, com a condenação da Requerida ao reembolso do imposto liquidado em excesso, incluindo juros compensatórios e moratórios e demais acréscimos que lhes foram impostos, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios.

b.   Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), alegando, em síntese:

1.    Em causa está a tributação dos rendimentos auferidos pelos Requerentes em 2014, a título de mais-valias, referentes à alienação, em 17 de novembro de 2014, da fração autónoma que haviam destinado a habitação própria e permanente;

2.    Na declaração de IRS entregue em 2 de maio de 2015, os Requerentes declararam a alienação da fração autónoma, pelo valor de € 345 000,00; a sua aquisição, em agosto de 2012, por € 212 450,00 e o reinvestimento da quantia de € 310 000,00 na compra, em 24 de novembro de 2014, de outro imóvel destinado a habitação própria e permanente;

3.    Na sequência dos esclarecimentos prestados sobre as divergências assinaladas, foram os Requerentes informados por via eletrónica, de que deveriam substituir a declaração, para correção do valor de aquisição da fração autónoma para € 146 097,79 e eliminação dos valores de reinvestimento, por este depender da afetação do novo imóvel a habitação permanente dos titulares da declaração e que, neste caso, a Requerente apenas alterou o domicílio fiscal em 21 de junho de 2015 e o Requerente alterou o domicílio fiscal para residente no estrangeiro, em 1 de fevereiro de 2015;

4.    A matéria controvertida nos autos restringe-se a apurar se os Requerentes reuniam os requisitos previstos nos n.ºs 5, alínea a) e 6 do artigo 10.º, do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, dado que, em sede de reclamação graciosa, não foram postas em crise as questões relacionadas com o valor de aquisição do imóvel e com as despesas e encargos;

5.    Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º, do Código do IRS, os Requerentes dispunham do prazo de seis meses após o reinvestimento para afetar o imóvel adquirido à sua habitação ou do seu agregado familiar; não o tendo feito, não há lugar ao benefício da exclusão de tributação dos rendimentos de mais-valias.

Pelos motivos expostos, termina a AT por defender a legalidade da liquidação impugnada e a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, com absolvição da Requerida.

 

Tramitação processual

O pedido de pronúncia arbitral deu entrada em 4 de janeiro de 2017, tendo sido aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT, em 20 de janeiro de 2017.

Tendo os Requerentes manifestado intenção de não designar árbitro, foi a signatária nomeada árbitro pelo Exm.º Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º, do RJAT, encargo que aceitou no prazo legalmente previsto, sem oposição das Partes.

O tribunal arbitral foi constituído em 21 de março de 2017.

No dia 8 de junho de 2017, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT, na qual se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes e se definiu a tramitação processual subsequente, designando-se o dia 28 de julho de 2017 para prolação da decisão arbitral.

O processo prosseguiu com alegações escritas sucessivas, nas quais as Partes reiteraram as posições assumidas nas peças processuais iniciais.

 

 

II. SANEAMENTO

1.    O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

2.    As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

3.    O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após análise crítica da prova documental junta à Petição Inicial (PI), dos depoimentos das testemunhas inquiridas, que se revelaram isentos, coerentes e credíveis, e do Processo Administrativo (PA), fixa-se como segue:

A – Factos Provados

1.    Em 17 de novembro de 2017, os Requerentes procederam à alienação, pelo valor de € 345 000,00, da fração autónoma designada pelas letras AX do prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de … sob o artigo…, com o Valor Patrimonial Tributário de € 212 450,00 (Doc. 1 junto à PI);

2.    A referida fração autónoma havia sido adquirida pelos Requerentes por escritura púbica de compra e venda celebrada no … Cartório Notarial de Lisboa, em 29 de maio de 2002, registada a fls. 70 do Livro …-… (cfr. extrato do “detalhe de histórico de prédio urbano”, a fls. 27, do PA), tendo constituído, até à data da alienação, a morada própria e permanente do seu agregado familiar (PI, PA e prova testemunhal), composto por estes e pelo seu filho menor (PI, PA e prova testemunhal);

3.    Em 21 de novembro de 2014, foram pagas pelo Requerente, na Tesouraria de Finanças com o código … (Loures…), as liquidações de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), pela quantia de € 12 840,68 (Doc. 3 junto à PI) e de Imposto do Selo (IS) – verba 1.1, da Tabela Geral, pela quantia de € 2 480,00 (Doc. 4 junto à PI), referentes à aquisição, com destino a habitação e pelo preço de € 310 000,00, do prédio urbano inscrito na matriz da Freguesia de…, concelho de Oeiras, sob o artigo…;

4.    Em 24 de novembro de 2014, por título de compra e venda lavrado na Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras, junto ao qual ficaram arquivados os documentos de pagamento das liquidações de IMT e de IS já indicadas, os Requerentes adquiriram o prédio urbano precedentemente identificado, que declararam destinar-se a habitação própria e permanente (Doc. 2 junto à PI);

5.    Entre a data da compra da nova morada e o final do ano de 2014, os Requerentes adquiriram diversos bens e serviços que lhe foram destinados:

  1. Contrataram serviços de segurança e vigilância (Doc.s 5 e 6 juntos à PI);
  2. Contrataram serviço de fornecimento de água (Doc. 7 junto à PI);
  3. Contrataram serviços de eletricidade e gás (Doc.s 12 a 14 juntos à PI);
  4. Foi instalado, naquela morada, o serviço de televisão por cabo (Doc. 9 junto à PI, em nome do Requerente);
  5. Adquiriram mobiliário que ali lhes foi entregue (Doc.s 10 e 15 juntos à PI);

6.    A partir do final de novembro de 2014, os Requerentes e o filho menor passaram a pernoitar na nova casa, onde passaram a residir, a receber amigos e familiares (prova testemunhal);

7.    Em 1 de fevereiro de 2015, o Requerente comunicou à AT a alteração da sua residência para Angola, tendo-se ausentado para aquele país, em comissão de serviço, com manutenção do seu vínculo laboral em território nacional (prova testemunhal), nomeando a Requerente sua representante fiscal (fls. 30 a 31, do PA);

8.    O Requerente não dispõe de habitação própria em Angola, onde pernoita num quarto arrendado, deslocando-se com frequência a Portugal, para o imóvel adquirido em novembro de 2014 que, desde então, é a sua “casa” (prova testemunhal);

  1. Em 2 de maio de 2015, os Requerentes apresentaram a declaração modelo 3 de IRS referente aos rendimentos de 2014, identificada com o número …-2014-… -…, na qual incluíram o anexo G (Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais), tendo indicado:
  2. No quadro 4: a alienação, em novembro de 2014, pelo valor de € 345 000,00, do prédio urbano inscrito sob o artigo…, fração AX, da freguesia com o código … (…), adquirido em agosto de 2002, pela quantia de € 212 450,00 e, a título de despesas e encargos, a quantia de € 13 573,18;
  3. No quadro 5 (Reinvestimento do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente), campo 506 (Valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito), a quantia de € 345 000,00 e campo 508 (Valor reinvestido no na da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito), a quantia de € 310 000,00;

10.                  Em 21 de junho de 2015, a Requerente comunicou à AT a alteração do seu domicílio fiscal para a morada da nova habitação, sita na…, n.º…, …-… …(fls. 32 e 32 v.º, do PA);

11.                  Posteriormente foram assinaladas divergências no preenchimento do anexo G a cuja justificação, prestada em 1 de setembro de 2015, o Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa … respondeu ao Requerente, por via eletrónica, que deveria “substituir IRS para corrigir Anexo G: Valor aquisição imóvel …/AX é 146.097,79 Euros, conforme escritura aquisição de Maio/2002, arquivada neste Serv. Finanças. (…) Caso não faça as correções, serão feitas oficiosamente (…)” (fls. 24 do PA);

12.                  Não tendo sido substituída a declaração, foi elaborada declaração oficiosa, em 1 de dezembro de 2015 (declaração 25, lote…), com correções ao anexo G, que se traduziram (fls. 25 e 26 do PA):

  1. Na alteração, no quadro 4, do valor e data de aquisição da fração autónoma AX, do prédio urbano inscrito sob o artigo…, da Freguesia…, de agosto para maio de 2002 e de € 212 450,00 para € 146 097,79;
  2. Na eliminação das despesas e encargos inscritos no mesmo quadro, da quantia de € 13 573,18;
  3. Na eliminação, no quadro 5, campos 506 e 508, respetivamente, dos valores de € 345 000,00 e € de 310 000,00, esse último referente à concretização do reinvestimento após alienação, sem recurso ao crédito;

13.                  Em resultado das alterações descritas, foi emitida em nome dos Requerentes a liquidação de IRS n.º 2015…, de 9 de dezembro de 2015, no valor global de € 35 546,98 (PI e PA);

14.                  Em 29 de fevereiro de 2016, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS ora impugnada, instaurada sob o n.º …2016…;

15.                  A reclamação graciosa foi indeferida por despacho da Senhora Chefe de Divisão de Justiça Administrativa, da Direção de Finanças de Lisboa, de 22 de setembro de 2016, notificado aos Requerentes em 6 de outubro de 2016 (registo dos CTT n.º RD…PT e aviso de receção com cópias juntas ao PA);

16.                  De entre os fundamentos da decisão de indeferimento figuram os de que “os contribuintes tinham 6 meses após o prazo de 36 meses (…) para afetar o imóvel objecto do reinvestimento à sua habitação e, estando ainda a decorrer este prazo, o sujeito passivo B (…) alterou o domicílio fiscal para esta morada (…), em 21-06-2015”; (…) “relativamente ao sujeito passivo A (…), também dentro do prazo previsto no n.º 6 do artigo 10º do CIRS, foi comunicada em 01-02-2015, a alteração da sua situação para residente no estrangeiro” (…); “Encontrando-se os requerentes na situação de casados, o que releva para o benefício da exclusão da tributação é a situação do agregado familiar” e “Assim, tendo um dos elementos (sujeito passivo A) que compõem este agregado alterado o seu domicílio para uma morada diferente da do móvel relativamente ao qual foi efetuado o reinvestimento não haverá lugar ao benefício previsto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.”;

17.                  Na falta de pagamento da liquidação de IRS n.º 2015 … dentro do prazo de cobrança voluntária, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º …2016…, no âmbito do qual foi efetuado, em 31 de agosto de 2016, o pagamento da quantia total de € 37 027,68 (incluindo a quantia exequenda de € 35 546,98, juros de mora de € 797,74 e custas de € 628,96).

 

B – Factos não provados

Não se provou o valor dos encargos suportados pelos Requerentes com a alienação, em 17 de novembro de 2014, da fração autónoma identificada nos autos.

 

 

III.2 DO DIREITO

1.    A questão decidenda

Reconduz-se a questão decidenda a saber se, ante a factualidade dada como provada e as normas legais em vigor à data dos factos, os Requerentes podem beneficiar da exclusão da tributação das mais-valias provenientes da alienação do prédio que constituiu a sua anterior habitação própria e permanente, cujo valor de realização reinvestiram, em parte, na aquisição de outro prédio com o mesmo destino.

A Requerida entende que não, embora, para o efeito, apresente fundamentações distintas, em sede de reclamação graciosa e da Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, respetivamente.

Assim, enquanto a decisão da reclamação graciosa se fundamenta em que “os contribuintes tinham 6 meses após o prazo de 36 meses (…) para afetar o imóvel objecto do reinvestimento à sua habitação e, estando ainda a decorrer este prazo, o sujeito passivo B (…) alterou o domicílio fiscal para esta morada (…), em 21-06-2015”; (…) “relativamente ao sujeito passivo A (…), também dentro do prazo previsto no n.º 6 do artigo 10º do CIRS, foi comunicada em 01-02-2015, a alteração da sua situação para residente no estrangeiro” (…); “Encontrando-se os requerentes na situação de casados, o que releva para o benefício da exclusão da tributação é a situação do agregado familiar” e “Assim, tendo um dos elementos (sujeito passivo A) que compõem este agregado alterado o seu domicílio para uma morada diferente da do móvel relativamente ao qual foi efetuado o reinvestimento não haverá lugar ao benefício previsto na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.”; na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral, vem a AT defender que “os Requerentes tinham 6 meses após o reinvestimento para afetar o imóvel adquirido à sua habitação ou do agregado familiar” e “A Requerente (…) alterou o domicílio fiscal, assim afetando o imóvel (…) à sua habitação, em 21-06-2015, mais de 6 meses após a aquisição do mesmo a 24-11-2014”. (…) “Já o Requerente (…), a 01-02-2015, dentro do prazo de 6 meses, comunicou a alteração de domicílio para residente no estrangeiro, (…)”; “Tendo (…) o Requerente (…), alterado de domicílio para residente no estrangeiro, não tendo sequer afetado o imóvel adquirido à sua habitação, seguimos o entendimento de que não haverá direito ao benefício previsto na alínea a), n.º 5, do artigo 10.º do Código do IRS”. (…) “Os Requerentes não cumpriram os pressupostos da alínea a), n.º 6, do artigo 10.º do Código do IRS”.

 

2.    O direito aplicável

À data dos factos, era a seguinte a redação dos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, normas que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias, na situação em análise:

“Artigo 10.º - Mais-Valias

(…)

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a)      Se, no prazo de 36 meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal; 

(…)

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;

(…)”

Para que, no caso concreto dos autos, os Requerentes pudessem beneficiar da exclusão da tributação de mais-valias, tornava-se necessário que:

a)      Quer o imóvel alienado (imóvel de partida), quer o imóvel adquirido (imóvel de chegada) se destinassem a habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”;

b)      Que o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida, para os fins indicados, ocorresse dentro do prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino exclusivo, e,

c)      Que o novo imóvel (imóvel de chegada) fosse afeto a habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos seis meses posteriores ao termo do prazo em que o reinvestimento deveria ser efetuado.

Encontram-se documentalmente provados quer a data da alienação (17 de novembro de 2014) quer o destino a que foi afeto o imóvel de partida (habitação própria e permanente), assim como o cumprimento do prazo para reinvestimento no imóvel de chegada (24 de novembro de 2014).

Os motivos nos quais assenta a recusa da AT em reconhecer o direito dos Requerentes à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias do ano de 2014, provenientes da alienação da sua anterior habitação própria e permanente são, por um lado, o incumprimento do prazo para afetação do imóvel a habitação própria “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” e, por outro, a situação do mesmo agregado familiar, face à ausência do território nacional de um dos seus membros.

Quanto à questão do prazo para afetação do imóvel adquirido a habitação própria e permanente “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, como já se viu, as posições assumidas pela AT na reclamação graciosa e na Resposta, em sede arbitral, são divergentes, embora se centrem, de certa forma, na alteração do domicílio fiscal dos contribuintes para a nova morada: a da Requerente, em 21 de junho de 2015, decorridos mais de seis meses sobre a data do reinvestimento e a do Requerente, que não ocorreu dentro do referido prazo de seis meses, por ter comunicado à AT, em 1 de fevereiro de 2015, a mudança da sua residência para Angola.

Trata-se, no entanto, de uma divergência irrelevante.

Efetivamente, ainda que se admitisse uma interpretação restritiva da norma contida na alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º, do Código do IRS, de modo a entender-se que a afetação do novo imóvel a habitação própria “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar” deveria ocorrer no prazo de seis meses a contar da data do reinvestimento, se ocorrido antes do prazo máximo de 36 meses a que se refere a alínea a) do n.º 5, do mesmo artigo (em sentido contrário parece ir Rui Duarte “Sobre o IRS”, 3.ª Edição, Almedina, 2014, pág. 140, citando a decisão arbitral proferida no processo n.º 61/2012-T), sempre haverá que contar com a alteração do referido prazo, de seis para doze meses, pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, que procedeu à reforma da tributação das pessoas singulares e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2015, encontrando-se aquele primeiro prazo ainda a decorrer.

Tendo a lei nova estabelecido um prazo mais longo, determina o n.º 2 do artigo 297.º, do Código Civil, que este seja igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas que se compute neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.

Assim, e ainda que a comunicação à AT da mudança do domicílio fiscal para a nova habitação fosse condição sine qua non da exclusão da tributação das mais-valias (a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem entendido que não o é, desde que “o sujeito passivo possa demonstrar a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, pelo que não se vê como no caso em apreço em que o n.º 5 do art. 10.º do CIRS nem sequer remete para o conceito de domicílio fiscal se poderia entender que obsta à “habitação permanente” a não comunicação da alteração do domicílio fiscal.” – cfr. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10 de agosto de 2015, processo 06685/13, disponível em www.dgsi.pt), sempre se dirá que a Requerente procedeu àquela comunicação dentro do prazo legalmente estabelecido que, atendendo à alteração já mencionada, introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, à redação da alínea a) do n.º 6 do artigo 10.º, do Código do IRS, apenas terminaria em 24 de novembro de 2015.

Face a quanto vem de dizer-se e da prova testemunhal produzida, conclui-se, portanto, que a Requerente não só fixou a sua residência no imóvel adquirido para esse fim, com o reinvestimento parcial do produto da alienação do imóvel que anteriormente tinha constituído a sua habitação própria e permanente, dentro do prazo legalmente fixado, como comunicou atempadamente à AT a alteração do seu domicílio fiscal para a correspondente morada.

Porém, a AT condiciona ainda o reconhecimento do direito dos Requerentes à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias, reinvestidos na nova morada, à “situação do agregado familiar” presumindo que, pelo facto de o Requerente ter comunicado a alteração de domicílio para residente no estrangeiro, não terá “sequer afetado o imóvel adquirido à sua habitação”.

Como decorre da redação das normas constantes dos n.ºs 5, alínea a) e 6, alínea a) do artigo 10.º, do Código do IRS, aplicável à situação em apreço, haverá lugar à exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias obtidos com a alienação de imóveis “destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”, reinvestidos na aquisição de outro imóvel destinado pelo adquirente “à sua habitação ou do seu agregado familiar”, dentro dos prazos ali previstos.

Não obstante o Código do IRS não conter uma definição de “agregado familiar”, a situação dos Requerentes enquadra-se na previsão do seu artigo 13.º, n.º 3, alínea a), na redação à data dos factos, de acordo com a qual “3 - O agregado familiar é constituído por: a) Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes; (…)”, dispondo ainda o n.º 2 do mesmo artigo 13.º que, “2 – Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direção”.

As pessoas a quem incumbe a direção do agregado familiar são ambos os cônjuges, de acordo com o princípio da igualdade de direitos e deveres, nos termos do artigo 1671.º, do Código Civil, sendo ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto.

Por outro lado, tanto a alínea a) do n.º 5 como a alínea a) do n.º 6, ambos do artigo 10.º, do Código do IRS, estabelecem como pressupostos da exclusão de tributação dos ganhos de mais-valias, que tanto o imóvel alienado como o adquirido se destinem a habitação própria “do sujeito passivo ou do seu agregado familiar”.

Ora, esta disjuntividade expressa pela conjunção “ou” parece admitir que, embora um dos sujeitos passivos não tenha estabelecido, por motivos atendíveis, nomeadamente profissionais, a sua residência no novo imóvel, não fica precludido o direito àquele benefício, se o imóvel no qual foi reinvestido o valor da realização da anterior habitação tiver sido afeto à residência “do seu agregado familiar”.

Assim sendo, e ainda que da prova testemunhal não tivesse resultado, como resultou, a convicção do tribunal arbitral de que o Requerente destinou, efetivamente, o imóvel adquirido à sua habitação própria antes de se ausentar para o estrangeiro, sempre seria de se lhe reconhecer o direito à exclusão da tributação dos rendimentos de mais-valias que deram origem à liquidação impugnada, por aquele imóvel se destinar à habitação dos restantes membros do seu agregado familiar, a mulher, também ela sujeito passivo do imposto, e o filho menor, enquanto dependente.

Em face do exposto, conclui-se que a liquidação de IRS do ano de 2014, aqui impugnada, é ilegal por erro sobre os pressupostos de direito em que assentou, dada a errada interpretação das normas legais aplicáveis.

Há, no entanto, a referir, que a exclusão da tributação dos ganhos de mais-valias a que temos vindo a fazer alusão, não é total, antes apenas parcial, como parcial foi o reinvestimento do valor de realização do imóvel de partida.

De facto, como consta do probatório supra, aquele primeiro imóvel foi alienado pelo valor de € 345 000,00, tendo o novo imóvel destinado a habitação própria dos Requerentes e do seu agregado familiar, sido adquirido por € 310 000,00, havendo que atender ao disposto no n.º 7 do artigo 10.º, do Código do IRS, em que se estabelece que “7 - No caso do reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.º 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondente ao valor reinvestido.”

Tal reinvestimento parcial poderia, à primeira vista, conduzir a uma anulação parcial do ato impugnado, dado que a liquidação é um ato divisível, quer por natureza, por respeitar à liquidação de uma obrigação de natureza pecuniária, quer por definição legal, uma vez que o artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), admite a “procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo”.

Porém, na situação em apreço, entende este tribunal arbitral dever aderir à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que, com a devida vénia se transcreve (cfr. o recente Acórdão do STA, proferido em 28/06/2017, no processo n.º 01129/16, disponível em www.dgsi.pt), e da qual decorre a exigência de anulação integral da liquidação aqui impugnada:

No acórdão datado de 09.07.2014, recurso n.º 01146/13, escreveu-se com interesse: “Consequentemente, e à primeira vista, pareceria que a liquidação deveria ser anulada parcialmente, na parte atinente aos ganhos provenientes da transmissão … atenta a regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina por apelo à divisibilidade desse acto tributário. (Cfr., o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 10/4/2013, no rec. nº 298/12, onde se reafirma a jurisprudência vertida nos acórdãos da Secção, de 12/1/2011, no rec. nº 0583/10, de 12/1/2012, no rec. nº 0965/10, de 10/10/2012, no rec. nº 0533/12 e de 5/12/2012, no rec. nº 0477/12.)

Todavia, não nos parece que tal possa acontecer no presente caso.

É que para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ele é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.

Ora, no caso dos autos, há que ter atenção que estamos perante imposto sobre o rendimento, em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação das taxas gerais correspondentes ao rendimento colectável determinado, taxas que são, em regra, progressivas e não fixas, como acontece com a tributação dos ganhos com a alienação de imóveis por sujeitos passivos residentes, a que são aplicáveis as taxas finais de IRS.

(…)

Pelo que a redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, porque o tribunal não pode substituir a taxa de imposto efectivamente aplicada na liquidação impugnada por outra, isto é, não pode substituir-se à administração tributária na aplicação de outra taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista para tributação em mais-valias.”, cfr. mais recentemente o acórdão datado de 23.11.2016, recurso n.º 039/16.

Também no caso dos autos estamos perante uma situação idêntica à daqueles acórdãos que negaram a anulação parcial do acto, e fizeram-no precisamente por não se poder antever, para já, qual será o efectivo resultado da referida anulação sobre a liquidação efectuada, se se bastará com uma mera operação aritmética de subtração do rendimento àquele que se considerou para efeitos de cálculo do imposto e de determinação das taxas ou se exigirá a reponderação da aplicação de nova taxa de imposto ao rendimento não afectado pela anulação, etc.”.

Pelos motivos apontados, também no caso dos autos não poderá deixar de ser integralmente anulada a liquidação de IRS do ano de 2014, objeto do pedido de constituição do tribunal arbitral.

3.    Da restituição das quantias pagas. Do pedido de juros indemnizatórios.

Para além da declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de IRS do ano de 2014, peticionam ainda os Requerentes a condenação da Requerida na restituição dos valores pagos no âmbito do processo de execução fiscal n.º …2016…, em que se incluem o valor da liquidação impugnada, juros de mora de € 797,74 e custas de € 628,96, pela quantia total de € 37 027,68.

De entre os efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação, a que alude o artigo 24.º, do RJAT, conta-se o da vinculação da AT ao restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

Tal reconstituição da situação existente antes da prática do ato tributário anulado, compreende a restituição de todos os valores indevidamente pagos pelos contribuintes, em que se inclui a restituição do acrescido da execução fiscal no âmbito da qual ocorreu a cobrança coerciva do imposto liquidado, bem como o “pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

No caso em apreço, não podendo manter-se a liquidação impugnada, terá de reconhecer-se o direito dos Requerentes à restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, uma vez demonstrado que tal liquidação enferma de erro imputável à Administração Tributária.

 

IV.                 DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados, decide-se:

a.     Julgar integralmente procedente o pedido de declaração da ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2014, emitida em nome dos Requerentes, determinando a sua anulação;

b.    Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas, incluindo o acrescido do processo de execução fiscal n.º …2016…;

c.    Condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, da LGT.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 35 546,98 (trinta e cinco mil, quinhentos e quarenta e seis euros e noventa e oito cêntimos).

 

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1 836,00 (mil oitocentos e seis euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Lisboa, 28 de julho de 2017.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.