Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 85/2013-T
Data da decisão: 2014-04-21  IRC  
Valor do pedido: € 82.143,85
Tema: Amortizações
Versão em PDF

Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro de Vaz e Dr. Amândio Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-06-2013, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A…, (adiante designada Requerente), pessoa coletiva n.º …, com sede na …, requereu, em 19 de abril de 2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), tendo em vista a:

(i)  Anulação da Reclamação Graciosa e por consequência da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, relativos ao exercício de 2008, na parte contestada, com todas as consequências legais;

(ii)  Condenação da Requerida na devolução à Requerente do imposto (IRS, juros e derrama) excessivo e indevido, no montante de € 82.143,85, acrescido de juros de lei, desde a data de pagamento, 03-07-2012, até ao integral reembolso;

(iii)  Condenação da Requerida nas custas do processo.

 

  1. Em 3 de outubro de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação, tendo esta sido indeferida por despacho de 21-03-2013 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças …;

 

  1. Em consequência, a ora Requerente solicitou, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, a constituição do tribunal arbitral.

 

  1. No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

  1. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o colectivo de árbitros ora signatários, notificando as partes.

 

  1. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

  1. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

 

Alegações da Requerente

 

7.1    O pedido circunscreve-se apenas a uma parte das correcções efetuadas pela Autoridade Tributária relativas às “amortizações que excederam a quota máxima”, descritas no anexo I do Doc. n.º 5 da reclamação graciosa, que se dividem nas seguintes categorias homogéneas:

Descrição

Período

Código

Taxa

Taxa aplicada pela AT

Diferença a acrescer

Edifícios industriais

2002 a 2008

2020

10%

5%

€ 51.114,98

Fornos

2006 e 2007

0850

33,33% e 50%

14,28%

€115.317,61

Ferramentas e utensílios

2008

0865

33,33%

33,33%

€112.251,87

TOTAL

 

 

 

 

278.684,46

 

7.2    A B… (agora A…, na sequência de fusão) dedica-se à produção e comercialização de embalagens de vidro para a indústria alimentar e de bebidas.

7.3    A estrutura física da fábrica é composta por um forno (e seus acessórios na linha de produção) que labora em contínuo a elevadas temperaturas e intenso desgaste. Terá em regra um período de vida de 8 anos (7 anos segundo a tabela anexa ao DR nº 2/90, por amortização anual de 14,28% - código 0850).

7.4    Para aumento do período de vida útil, optou por fazer obras de beneficiação e reparação nos fornos e instalações industriais.

7.5    Quanto aos fornos, em 2006 e 2007, a ora Requerente decidiu efetuar grandes reparações no forno em fim de ciclo para permitir que funcionasse até 2008, inclusive.

7.6    Assim, as grandes reparações e beneficiações efetuadas em 2006 foram amortizadas em 3 anos (33,33% ao ano) para se esgotaram no final do período de vida útil do forno (2008); as grandes reparações e beneficiações efetuadas em 2007 forma amortizadas em 2 anos para se esgotarem no final da vida útil do forno (2008).

7.7    Relativamente aos edifícios industriais, de 2002 a 2008, a Requerente realizou grandes reparações e beneficiações, ainda que soubesse que não ficaria naquele edifício por mais de 20 anos.

7.8    Em conformidade, por prudência e adesão à realidade, amortizou-os à taxa de 10% ao ano, o dobro da taxa anual prevista no Decreto-Regulamentar n.º 2/90.

7.9    As obras descritas correspondem a “grandes reparações e beneficiações” nos termos previstos na al a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90: “as que aumentem o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem”.

7.10  Estas reparações devem ser amortizadas, não de acordo com as percentagens da Tabela Geral, mas “com base no correspondente período de utilidade esperada” (al. c) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90).

7.10  Acrescenta-se ainda que no tratamento de registo contabilístico as reparações e beneficiações estão devidamente identificadas e comprovadas, ao contrário do referido pela Autoridade Tributária.

7.11  No que se refere às “Ferramentas e Utensílios” adquiridos em 2008, a ora Requerente amortizou-as á taxa de 33% ao ano, de acordo com o critério de quota anual, nos termos dos artigos 30.º n-.º 6 do Código do IRC e 7.º do Decreto-Regulamentar.

7.13  O legislador deixa à liberdade do contribuinte a opção pelo regime de duodécimos ou da quota anual, desde que o faça para o mesmo grupo de bens, pelo que a correção efetuada é ilegal, por violação de lei e errónea interpretação dos factos relevantes.

7.14  Em conclusão, a ora Requerente amortizou os investimentos em causa nos termos legais.

7.15  Ainda que assim não se entenda, a verdade é que o ato tributário limita-se a uma mera questão de especialização exercícios, pois o valor do imposto pago no longo prazo é exatamente igual.

7.16  Com efeito, como a Requerente sempre teve resultados fiscais positivos, o efeito de pagamento de menos imposto em 2008 seria compensado pelo pagamento de mais imposto nos anos seguintes.

7.17  De acordo com a jurisprudência, aceita-se a inscrição de um custo fiscal num exercício diverso do que lhe diga respeito se tal não resultar de um comportamento voluntário ou intencional, o que sucedeu no caso dos autos: “a amortização dos fornos e instalações industriais foi feita com base na interpretação e aplicação do conceito aberto de grandes reparações e beneficiações o qual remete para o “período de utilidade esperada” (artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90)”.

7.18  Mesmo admitindo a improcedência dos argumentos expostos, sempre seriam ilegais aos juros compensatórios porque estes só são devidos se estiver em causa “um juízo de censura ou de culpa do contribuinte nessa conduta” (Ac. do STA de 16/12/2012, Proc. 0587/10 e Ac. STA de 0325/08, de 19/11/2008), o que não aconteceu.

 

8.   Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

Resposta da Requerida

 

8.1    Na resposta, a Requerida alega, quanto aos edifícios industriais e fornos, que, conforme se disse no relatório de inspecção, de acordo com o n.º 2 do artigo 22º do Decreto-Regulamentar n.2/90, no mapa de amortizações e integrações “devem constar os elementos do activo imobilizado, descritos por grupos homogéneos, com excepção dos edifícios de construções e viaturas ligeiras de passageiros, os quais devem ser discriminados elemento a elemento e, conforme notas explicativas ao preenchimento do mapa modelo 32.1 devem ser inscritas as grandes reparações e beneficiações em linha diferente, a seguir ao bem a que se reportam, bem como deve ser indicado em coluna própria (coluna “e”) o número de anos e utilidade esperada das grandes reparações e beneficiações.”

8.2    No caso, após a análise do mapa modelo 32.1 constatou-se que o mapa ou não identifica as grandes reparações ou beneficiações ou não associava qual o equipamento que tais investimentos pretendiam valorizar, pelo que andou bem a inspecção ao corrigir o montante que se impunha.

8.3    Verificou-se ainda que todas as rubricas que indicavam grandes reparações ou beneficiações enquadravam-se no código 2020 – Edifícios industriais, sem indicação do período de vida útil esperada, sendo na maioria, amortizadas à taxa de 10%, o dobro da taxa máxima fiscal, independentemente do ano em que ocorreram, o que demonstram não existir qualquer correlação entre a beneficiação e a utilidade esperada da unidade industrial.

8.4    Sem a indicação do período de vida útil esperado, não pode ser ultrapassada a taxa máxima fiscalmente prevista.

8.5    Em relação às “Ferramentas e Utensílios”, resulta dos mapas modelo 32.1 do dossier fiscal da Requerente o preenchimento da coluna “c” relativa ao mês do início de utilização, o que faz presumir – tal como previsto nas notas explicativas do mapa modelo 32.1 – que o contribuinte optou pela amortização por duodécimos.

8.6    Ora, na reclamação graciosa não é junto qualquer elemento que contrarie a posição adoptada em sede de inspecção tributária.

8.7    Por fim, alega a Requerida que são sempre devidos juros compensatórios quando houver “culpa por parte do contribuinte e essa culpa existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo” (Cf. Recurso n.º 22612, de 23/09”2008, do STJ.”

8.8    Isto é, há culpa sempre que a actuação do sujeito passivo integre a hipótese de qualquer infracção tributária.

 

9. No dia 10 de setembro de 2013, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

9.1       Após audição das partes, o Tribunal decidiu pronunciar-se sobre o valor do pedido na decisão final.

9.2       Foi a Requerente notificada para indicar os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais incidirá a inquirição das testemunhas arroladas.

 

  1. No dia 30 de outubro de 2013, em reunião realizada no CAAD, foram ouvidas as testemunhas … e … e  arroladas pela Requerente no pedido inicial.
    1. Por acordo das partes, fixou-se o prazo de 5 dias sucessivos para a apresentação de alegações escritas.

 

Nada mais tendo sido arguido ou requerido, cumpre, agora, proferir decisão.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

Factos dados como provados:

  1. A sociedade B… dedica-se à produção de embalagens de vidro para a indústria alimentar e de bebidas.
  2. Durante os anos de 2002 a 2006, realizou obras de beneficiação e reparação de nos edifícios industriais, identificados no mapa de amortizações com o código “2020 – Edifícios Industriais”, tendo procedido à aplicação de uma taxa de amortização de 10%;
  3. Durante o exercício de 2008, adquiriu um conjunto de ferramentas e utensílios de uso específico, tendo procedido à respetiva amortização anual. No mesmo período utilizou o regime de duodécimos para outros itens do activo imobilizado (pp. 46 e 47 do PA).
  4. A Requerente foi objeto de uma liquidação adicional de IRC n.º …, no valor total de 116.774,60, incluindo os juros compensatórios de 11.699,33 (…);
  5. Em 29 de junho de 2012, a sociedade B… extinguiu-se por fusão, com a sua incorporação na A....
  6. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios em 3 de julho de 2012.
  7. Em 3 de outubro de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação, tendo esta sido indeferida por despacho de 21-03-2013 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças ...;

 

Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos e declarações das partes e testemunhas (não contestados ou impugnados), não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

Factos dados como não provados

 

Contrariamente às beneficiações dos edifícios, identificadas com o código “2020 Edifícios Industriais”, as alegadas beneficiações nos fornos não foram identificadas no Mapa de Reintegrações e Amortizações.

Caberia, assim, à Requerente identificar e descrever as beneficiações em causa e comprovar a sua realização, mediante a apresentação dos documentos que as comprovem.

Ora, do pedido de pronúncia arbitral e alegações subsequentes não resulta qualquer prova documental ou outra que permita ao tribunal tomar conhecimento das obras feitas.

 

Questões a decidir:

  1. Os investimentos nos fornos e edifícios industriais reconduzem-se ao conceito de “grandes reparações e beneficiações” nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 25/2009 e, caso a resposta seja afirmativa, quais as taxas de amortização fiscalmente aceites?
  2. No cálculo da amortização, pode o contribuinte utilizar o método anual para as ferramentas e utensílios, ainda que tenha sido utilizado o método dos duodécimos noutros activos imobilizados adquiridos no mesmo ano?
  3. São devidos pela Requerente juros indemnizatórios?

***

III. DECISÃO:

A matéria de facto é a que esta transcrita supra.

O tribunal é competente e as partes são legítimas.

 

  1. Amortização dos custos com “grandes reparações e beneficiações”

Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRC, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/01, de 3 de julho, em vigor à data dos factos, são aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.

O processo de amortização e reintegração (ou na terminologia actual do Código do IRC, as depreciações e amortizações) visa cumprir o princípio da periodização (especialização dos exercícios), balanceando os rendimentos e gastos obtidos com a utilização de activo. Como refere FREITAS PEREIRA, “as amortizações e reintegrações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela vida útil.” (FREITAS PEREIRA, A Periodização do Lucro Tributável, CTF, 1988, p. 157).

A regra de ouro do regime fiscal das depreciações e amortizações é a fixação administrativa do período de vida útil do activo através das taxas de amortização definidas na tabela anexa ao Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro.

Neste sentido, o n.º 1 do artigo 30.º do CIRS, em vigor à data, determinava que Para efeitos de aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização, definidas no decreto regulamentar que estabelecer o respetivo regime…

 

No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, acrescenta que “No caso de utilização do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando aos valores mencionados no nº 1 do artigo 2.º as taxas fixadas nas tabelas anexas ao presente diploma, aplicando-se as taxas genéricas mencionadas na tabela II apenas quando, para os elementos do activo imobilizado dos ramos de actividade de que se trate, não estejam fixadas taxas específicas na tabela I.”

Há, no entanto, situações não previstas nas tabelas anexas ao Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, que o legislador considerou que “as taxas de reintegração e amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objetivamente deveria ter sido estimado”, nomeadamente, no caso, entre outros, de “Grandes reparações e beneficiações” (al. c) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro).

 

Esclarece-se ainda na al. a) do n.º 5 do mesmo artigo que consideram-se “Grandes reparações e beneficiações - as que aumentem o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem”.

 

No caso concreto, conforme referido supra, não tendo sido provado quais os investimentos realizados nos fornos, não pode o presente tribunal qualificar essas obras/reparações e aferir se as taxas de amortização podem ser diferentes daquelas previstas para os próprios fornos.

 

No caso dos edifícios industriais, as amortizações foram identificadas com o código “2020 – Edifícios Industriais” e amortizadas à taxa de 10%, a que corresponde um período de vida útil de 10 anos.

 

Da descrição apresentada, estes investimentos efetuados nos edifícios industriais integram o próprio edifício (beneficiação de refeitórios, salas de refeição, vitrinas, obras em gabinetes da direção comercial, beneficiação de armazém, nomeadamente reparações de pisos, tectos falsos, cablagens, beneficiação no sistema de arejamento e eliminação de poeiras, etc.) e contribuíram para aumentaram o respectivo valor.

 

Aproximamo-nos, assim, do conceito de “grandes reparações e beneficiações” expresso pela douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no citado Acórdão de 02/02/2005, processo 917/04: “obras de desmontagem, remodelações, demolições, alvenarias, revestimentos de pavimento, betões, escavações para fundações, tectos, carpintarias, vidros, estores, escavações e aterros, tubagens eléctricas, revestimento de paredes e tectos, fachadas, etc., ou seja, obras necessárias para o exercício da actividade bancária, que se integram, assim, nos próprios imóveis e que contribuem de forma clara não só para aumentar o valor real de cada uma das agências bancárias, mas também contribuem para um aumento provável da duração desses imóveis, passando a ser sua parte integrante e a constituir um todo.”.

 

Assente que se trata de “grandes beneficiações e reparações” há que responder à segunda questão a decidir: qual a taxa de amortização aplicável?

 

Como se disse, o Decreto-Regulamentar estabelece que devem ser aplicadas as taxas de depreciação que sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de vida útil esperada (n.º 2 do artigo 5.º).

 

Tal não aconteceu, em nossa opinião, no caso dos investimentos nos edifícios industriais. Com efeito, os investimentos foram realizados nos anos de 2002 a 2007 e todos amortizados à taxa de 10%, sem que daqui se possa concluir – porque não provado - que cada um dos investimentos realizados tinha um período de vida útil estimado de 10 anos.

 

Por outro lado, também não ficou provado que estas reparações tenham contribuído para aumentar o período de vida útil dos edifícios mas apenas o seu valor (esta conclusão não retira a estes investimentos a qualificação de grandes beneficiações ou reparações porque, como supra referido, a lei estabelece dois critérios distintos: (i) aumento do valor real ou (ii) da vida útil esperada).

 

Assim sendo, porque se trata de reparações que integram os edifícios industriais, devem ser amortizadas durante o período de vida útil definido para os edifícios. Idêntica conclusão resulta, aliás, do citado acórdão do STA, de 02/02/2005, processo 917/04: “A respectiva amortização deve ser determinada de acordo com o período de desgaste ou utilidade esperada do bem que elas visaram beneficiar no seu todo.

 

Acrescentamos ainda que a amortização durante o período de vida útil do edifício não significa que deva ser aplicada a taxa de amortização prevista no Decreto-Regulamentar para os edifícios industriais mas a taxa correspondente à imputação proporcional dos custos com as reparações ao período de vida útil restante dos edifícios, de acordo com o mapa de amortizações. Deste modo, tratando-se de reparações ocorridas em períodos temporais distintos, as taxas serão, inevitavelmente, diferenciadas.

 

Assim, atendendo a que não foi comprovado que as beneficiações têm um período de vida útil (utilidade esperada) distinto dos edifícios, deve-lhe ser aplicável a taxa de amortização aplicável aos edifícios industriais. Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04-11-2013, Proc. 07134/02, a “taxa a aplicar na reintegração e amortização nas grandes reparações é calculada com base no correspondente período de utilidade esperada, sendo de aplicar a mesma que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações/remodelações tiveram lugar, na falta de outra aplicável.”

 

Em conclusão, as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira respeitam o disposto no n.º 5 do artigo 30.º do Código do IRC, quanto às taxas de reintegração e amortização aplicadas.

 

  1. Regime anual de amortização ou por duodécimos

 

Nos termos do n.º 6 do artigo 30.º do Código do IRC e n.º 1 artigo 7.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, permite-se que, no ano de início de utilização dos elementos patrimoniais poderá ser praticada a quota anual de reintegração ou uma quota de reintegração ou amortização, deduzida dessa quota anual, correspondente ao número de meses contados desde o mês da entrada em funcionamento desses mesmos elementos. Concomitantemente, exige-se, no n.º 7 do mesmo artigo 30.º do CIRC e n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Regulamentar, que no ano em que se verificar a transmissão, a inutilização ou o termo de vida útil dos mesmos elementos nas condições da alínea b) do nº 2 do artigo 3.º, só serão aceites reintegrações e amortizações correspondentes ao número de meses decorridos até ao mês anterior ao da verificação desses eventos. 

 

A amortização pelo regime de duodécimos implica que sejam contabilizados menos gastos no ano de início de utilização do activo, o que, em termos económicos, parece ser justificado quando o activo é adquirido no final do período. No entanto, qualquer das opções é neutra do ponto de vista fiscal pois daí não decorre qualquer alteração das taxas de amortização aplicáveis mas apenas uma maior aproximação ao período de vida útil efectivo.

 

Por questões de praticabilidade e simplificação, o legislador fiscal não impôs a adopção obrigatória de qualquer um destes regimes ou sequer exigiu, ao contrário do que sustenta a Requerida, a utilização do mesmo regime para todos os activos. Não o tendo feito, não pode a AT restringir a faculdade conferida ao contribuinte de adoptar o regime que considere mais adequado ou até mais favorável do ponto de vista fiscal.

 

Assim, carecem de fundamento legal as correções efetuadas pela Requerida aos custos relativos às amortizações das ferramentas e utensílios no sentido de aplicação do regime anual de amortização.

 

 

  1. Direito a juros indemnizatórios

 

Nos termos do disposto no artigo 24º-b), do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito (…)”.

É admitida também a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios (Cfr., v. g., artigo 43º-1, da LGT e 61º-4, do CPPT).

No que concerne à arbitragem tributária, o artigo 24º-5, do RJAT, vem clara e expressamente permitir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso destes autos, tendo a requerente, decorrente da liquidação, efetuado o respetivo pagamento acrescido de juros compensatórios, tem direito, na parte correspondente ao imposto ilegalmente cobrado à devolução, na respetiva proporção, do que pagou de molde a ser restabelecida a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, sendo claro o reconhecimento da ilegalidade do ato tributário, esta (ilegalidade) é, naturalmente, imputável à Administração Tributária que, por sua iniciativa praticou esse mesmo ato sem para tanto ter o necessário suporte legal.

Tem assim a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º-1, da LGT e 61º, do CPPT, na parte correspondente ao acto tributário declarado ilegal.

 

Em face do exposto, decidem os árbitros que integram o presente colectivo arbitral julgar:

  • improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação ora impugnada, na parte relativa às amortizações dos Fornos e Edifícios Industriais.
  • procedente o pedido de declaração de ilegalidade parciale consequente anulação parcial do ato de liquidação relativo ao ano de 2008, na parte relativa às amortizações do Ferramentas e utensílios;

Em consequência, condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto e juros compensatórios cobrados na parte correspondente à correção declarada ilegal, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios na mesma proporção.

Fixa-se ao processo o valor de €82.143,85 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Requerente, na proporção do decaimento.

Notifique.

 

Lisboa, 21 de abril de 2014

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

Jorge Júlio Landeiro de Vaz

Amândio Silva

Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Prof. Doutor Jorge Júlio Landeiro de Vaz e Dr. Amândio Silva (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 25-06-2013, acordam no seguinte:

 

I.       RELATÓRIO

  1. A…, (adiante designada Requerente), pessoa coletiva n.º …, com sede na …, requereu, em 19 de abril de 2013, a constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ou RJAT), tendo em vista a:

(i)  Anulação da Reclamação Graciosa e por consequência da liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, melhor identificados no pedido de pronúncia arbitral, relativos ao exercício de 2008, na parte contestada, com todas as consequências legais;

(ii)  Condenação da Requerida na devolução à Requerente do imposto (IRS, juros e derrama) excessivo e indevido, no montante de € 82.143,85, acrescido de juros de lei, desde a data de pagamento, 03-07-2012, até ao integral reembolso;

(iii)  Condenação da Requerida nas custas do processo.

 

  1. Em 3 de outubro de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação, tendo esta sido indeferida por despacho de 21-03-2013 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças …;

 

  1. Em consequência, a ora Requerente solicitou, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, a constituição do tribunal arbitral.

 

  1. No pedido, a Requerente optou por não designar árbitro.

 

  1. Nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou o colectivo de árbitros ora signatários, notificando as partes.

 

  1. O tribunal encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

  1. As alegações que sustentam o pedido de pronúncia arbitral da Requerente são em súmula, as seguintes:

 

Alegações da Requerente

 

7.1    O pedido circunscreve-se apenas a uma parte das correcções efetuadas pela Autoridade Tributária relativas às “amortizações que excederam a quota máxima”, descritas no anexo I do Doc. n.º 5 da reclamação graciosa, que se dividem nas seguintes categorias homogéneas:

Descrição

Período

Código

Taxa

Taxa aplicada pela AT

Diferença a acrescer

Edifícios industriais

2002 a 2008

2020

10%

5%

€ 51.114,98

Fornos

2006 e 2007

0850

33,33% e 50%

14,28%

€115.317,61

Ferramentas e utensílios

2008

0865

33,33%

33,33%

€112.251,87

TOTAL

 

 

 

 

278.684,46

 

7.2    A B… (agora A…, na sequência de fusão) dedica-se à produção e comercialização de embalagens de vidro para a indústria alimentar e de bebidas.

7.3    A estrutura física da fábrica é composta por um forno (e seus acessórios na linha de produção) que labora em contínuo a elevadas temperaturas e intenso desgaste. Terá em regra um período de vida de 8 anos (7 anos segundo a tabela anexa ao DR nº 2/90, por amortização anual de 14,28% - código 0850).

7.4    Para aumento do período de vida útil, optou por fazer obras de beneficiação e reparação nos fornos e instalações industriais.

7.5    Quanto aos fornos, em 2006 e 2007, a ora Requerente decidiu efetuar grandes reparações no forno em fim de ciclo para permitir que funcionasse até 2008, inclusive.

7.6    Assim, as grandes reparações e beneficiações efetuadas em 2006 foram amortizadas em 3 anos (33,33% ao ano) para se esgotaram no final do período de vida útil do forno (2008); as grandes reparações e beneficiações efetuadas em 2007 forma amortizadas em 2 anos para se esgotarem no final da vida útil do forno (2008).

7.7    Relativamente aos edifícios industriais, de 2002 a 2008, a Requerente realizou grandes reparações e beneficiações, ainda que soubesse que não ficaria naquele edifício por mais de 20 anos.

7.8    Em conformidade, por prudência e adesão à realidade, amortizou-os à taxa de 10% ao ano, o dobro da taxa anual prevista no Decreto-Regulamentar n.º 2/90.

7.9    As obras descritas correspondem a “grandes reparações e beneficiações” nos termos previstos na al a) do n.º 5 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90: “as que aumentem o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem”.

7.10  Estas reparações devem ser amortizadas, não de acordo com as percentagens da Tabela Geral, mas “com base no correspondente período de utilidade esperada” (al. c) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar n.º 2/90).

7.10  Acrescenta-se ainda que no tratamento de registo contabilístico as reparações e beneficiações estão devidamente identificadas e comprovadas, ao contrário do referido pela Autoridade Tributária.

7.11  No que se refere às “Ferramentas e Utensílios” adquiridos em 2008, a ora Requerente amortizou-as á taxa de 33% ao ano, de acordo com o critério de quota anual, nos termos dos artigos 30.º n-.º 6 do Código do IRC e 7.º do Decreto-Regulamentar.

7.13  O legislador deixa à liberdade do contribuinte a opção pelo regime de duodécimos ou da quota anual, desde que o faça para o mesmo grupo de bens, pelo que a correção efetuada é ilegal, por violação de lei e errónea interpretação dos factos relevantes.

7.14  Em conclusão, a ora Requerente amortizou os investimentos em causa nos termos legais.

7.15  Ainda que assim não se entenda, a verdade é que o ato tributário limita-se a uma mera questão de especialização exercícios, pois o valor do imposto pago no longo prazo é exatamente igual.

7.16  Com efeito, como a Requerente sempre teve resultados fiscais positivos, o efeito de pagamento de menos imposto em 2008 seria compensado pelo pagamento de mais imposto nos anos seguintes.

7.17  De acordo com a jurisprudência, aceita-se a inscrição de um custo fiscal num exercício diverso do que lhe diga respeito se tal não resultar de um comportamento voluntário ou intencional, o que sucedeu no caso dos autos: “a amortização dos fornos e instalações industriais foi feita com base na interpretação e aplicação do conceito aberto de grandes reparações e beneficiações o qual remete para o “período de utilidade esperada” (artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90)”.

7.18  Mesmo admitindo a improcedência dos argumentos expostos, sempre seriam ilegais aos juros compensatórios porque estes só são devidos se estiver em causa “um juízo de censura ou de culpa do contribuinte nessa conduta” (Ac. do STA de 16/12/2012, Proc. 0587/10 e Ac. STA de 0325/08, de 19/11/2008), o que não aconteceu.

 

8.   Por seu turno, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual se defendeu nos seguintes termos:

 

Resposta da Requerida

 

8.1    Na resposta, a Requerida alega, quanto aos edifícios industriais e fornos, que, conforme se disse no relatório de inspecção, de acordo com o n.º 2 do artigo 22º do Decreto-Regulamentar n.2/90, no mapa de amortizações e integrações “devem constar os elementos do activo imobilizado, descritos por grupos homogéneos, com excepção dos edifícios de construções e viaturas ligeiras de passageiros, os quais devem ser discriminados elemento a elemento e, conforme notas explicativas ao preenchimento do mapa modelo 32.1 devem ser inscritas as grandes reparações e beneficiações em linha diferente, a seguir ao bem a que se reportam, bem como deve ser indicado em coluna própria (coluna “e”) o número de anos e utilidade esperada das grandes reparações e beneficiações.”

8.2    No caso, após a análise do mapa modelo 32.1 constatou-se que o mapa ou não identifica as grandes reparações ou beneficiações ou não associava qual o equipamento que tais investimentos pretendiam valorizar, pelo que andou bem a inspecção ao corrigir o montante que se impunha.

8.3    Verificou-se ainda que todas as rubricas que indicavam grandes reparações ou beneficiações enquadravam-se no código 2020 – Edifícios industriais, sem indicação do período de vida útil esperada, sendo na maioria, amortizadas à taxa de 10%, o dobro da taxa máxima fiscal, independentemente do ano em que ocorreram, o que demonstram não existir qualquer correlação entre a beneficiação e a utilidade esperada da unidade industrial.

8.4    Sem a indicação do período de vida útil esperado, não pode ser ultrapassada a taxa máxima fiscalmente prevista.

8.5    Em relação às “Ferramentas e Utensílios”, resulta dos mapas modelo 32.1 do dossier fiscal da Requerente o preenchimento da coluna “c” relativa ao mês do início de utilização, o que faz presumir – tal como previsto nas notas explicativas do mapa modelo 32.1 – que o contribuinte optou pela amortização por duodécimos.

8.6    Ora, na reclamação graciosa não é junto qualquer elemento que contrarie a posição adoptada em sede de inspecção tributária.

8.7    Por fim, alega a Requerida que são sempre devidos juros compensatórios quando houver “culpa por parte do contribuinte e essa culpa existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida mas por ser “algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo” (Cf. Recurso n.º 22612, de 23/09”2008, do STJ.”

8.8    Isto é, há culpa sempre que a actuação do sujeito passivo integre a hipótese de qualquer infracção tributária.

 

9. No dia 10 de setembro de 2013, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.

9.1       Após audição das partes, o Tribunal decidiu pronunciar-se sobre o valor do pedido na decisão final.

9.2       Foi a Requerente notificada para indicar os factos constantes do pedido de pronúncia arbitral sobre os quais incidirá a inquirição das testemunhas arroladas.

 

  1. No dia 30 de outubro de 2013, em reunião realizada no CAAD, foram ouvidas as testemunhas … e … e  arroladas pela Requerente no pedido inicial.
    1. Por acordo das partes, fixou-se o prazo de 5 dias sucessivos para a apresentação de alegações escritas.

 

Nada mais tendo sido arguido ou requerido, cumpre, agora, proferir decisão.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

Factos dados como provados:

  1. A sociedade B… dedica-se à produção de embalagens de vidro para a indústria alimentar e de bebidas.
  2. Durante os anos de 2002 a 2006, realizou obras de beneficiação e reparação de nos edifícios industriais, identificados no mapa de amortizações com o código “2020 – Edifícios Industriais”, tendo procedido à aplicação de uma taxa de amortização de 10%;
  3. Durante o exercício de 2008, adquiriu um conjunto de ferramentas e utensílios de uso específico, tendo procedido à respetiva amortização anual. No mesmo período utilizou o regime de duodécimos para outros itens do activo imobilizado (pp. 46 e 47 do PA).
  4. A Requerente foi objeto de uma liquidação adicional de IRC n.º …, no valor total de 116.774,60, incluindo os juros compensatórios de 11.699,33 (…);
  5. Em 29 de junho de 2012, a sociedade B… extinguiu-se por fusão, com a sua incorporação na A....
  6. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto e juros compensatórios em 3 de julho de 2012.
  7. Em 3 de outubro de 2013, a Requerente apresentou reclamação graciosa do referido ato de liquidação, tendo esta sido indeferida por despacho de 21-03-2013 do Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direção de Finanças ...;

 

Os factos acima mencionados resultam provados pelos documentos e declarações das partes e testemunhas (não contestados ou impugnados), não se tendo provado outros factos considerados relevantes para a decisão objecto do presente processo.

 

Factos dados como não provados

 

Contrariamente às beneficiações dos edifícios, identificadas com o código “2020 Edifícios Industriais”, as alegadas beneficiações nos fornos não foram identificadas no Mapa de Reintegrações e Amortizações.

Caberia, assim, à Requerente identificar e descrever as beneficiações em causa e comprovar a sua realização, mediante a apresentação dos documentos que as comprovem.

Ora, do pedido de pronúncia arbitral e alegações subsequentes não resulta qualquer prova documental ou outra que permita ao tribunal tomar conhecimento das obras feitas.

 

Questões a decidir:

  1. Os investimentos nos fornos e edifícios industriais reconduzem-se ao conceito de “grandes reparações e beneficiações” nos termos definidos no artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 25/2009 e, caso a resposta seja afirmativa, quais as taxas de amortização fiscalmente aceites?
  2. No cálculo da amortização, pode o contribuinte utilizar o método anual para as ferramentas e utensílios, ainda que tenha sido utilizado o método dos duodécimos noutros activos imobilizados adquiridos no mesmo ano?
  3. São devidos pela Requerente juros indemnizatórios?

***

III. DECISÃO:

A matéria de facto é a que esta transcrita supra.

O tribunal é competente e as partes são legítimas.

 

  1. Amortização dos custos com “grandes reparações e beneficiações”

Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do Código do IRC, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 198/01, de 3 de julho, em vigor à data dos factos, são aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas.

O processo de amortização e reintegração (ou na terminologia actual do Código do IRC, as depreciações e amortizações) visa cumprir o princípio da periodização (especialização dos exercícios), balanceando os rendimentos e gastos obtidos com a utilização de activo. Como refere FREITAS PEREIRA, “as amortizações e reintegrações são o processo contabilístico de distribuir, de forma racional e sistemática, o custo de um activo que se deprecia pelos diferentes exercícios abrangidos pela vida útil.” (FREITAS PEREIRA, A Periodização do Lucro Tributável, CTF, 1988, p. 157).

A regra de ouro do regime fiscal das depreciações e amortizações é a fixação administrativa do período de vida útil do activo através das taxas de amortização definidas na tabela anexa ao Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro.

Neste sentido, o n.º 1 do artigo 30.º do CIRS, em vigor à data, determinava que Para efeitos de aplicação do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando as taxas de reintegração e amortização, definidas no decreto regulamentar que estabelecer o respetivo regime…

 

No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, acrescenta que “No caso de utilização do método das quotas constantes, a quota anual de reintegração e amortização que pode ser aceite como custo do exercício determina-se aplicando aos valores mencionados no nº 1 do artigo 2.º as taxas fixadas nas tabelas anexas ao presente diploma, aplicando-se as taxas genéricas mencionadas na tabela II apenas quando, para os elementos do activo imobilizado dos ramos de actividade de que se trate, não estejam fixadas taxas específicas na tabela I.”

Há, no entanto, situações não previstas nas tabelas anexas ao Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, que o legislador considerou que “as taxas de reintegração e amortização são calculadas com base no correspondente período de utilidade esperada, o qual pode ser corrigido quando se considere que é inferior ao que objetivamente deveria ter sido estimado”, nomeadamente, no caso, entre outros, de “Grandes reparações e beneficiações” (al. c) do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro).

 

Esclarece-se ainda na al. a) do n.º 5 do mesmo artigo que consideram-se “Grandes reparações e beneficiações - as que aumentem o valor real ou a duração provável dos elementos a que respeitem”.

 

No caso concreto, conforme referido supra, não tendo sido provado quais os investimentos realizados nos fornos, não pode o presente tribunal qualificar essas obras/reparações e aferir se as taxas de amortização podem ser diferentes daquelas previstas para os próprios fornos.

 

No caso dos edifícios industriais, as amortizações foram identificadas com o código “2020 – Edifícios Industriais” e amortizadas à taxa de 10%, a que corresponde um período de vida útil de 10 anos.

 

Da descrição apresentada, estes investimentos efetuados nos edifícios industriais integram o próprio edifício (beneficiação de refeitórios, salas de refeição, vitrinas, obras em gabinetes da direção comercial, beneficiação de armazém, nomeadamente reparações de pisos, tectos falsos, cablagens, beneficiação no sistema de arejamento e eliminação de poeiras, etc.) e contribuíram para aumentaram o respectivo valor.

 

Aproximamo-nos, assim, do conceito de “grandes reparações e beneficiações” expresso pela douta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no citado Acórdão de 02/02/2005, processo 917/04: “obras de desmontagem, remodelações, demolições, alvenarias, revestimentos de pavimento, betões, escavações para fundações, tectos, carpintarias, vidros, estores, escavações e aterros, tubagens eléctricas, revestimento de paredes e tectos, fachadas, etc., ou seja, obras necessárias para o exercício da actividade bancária, que se integram, assim, nos próprios imóveis e que contribuem de forma clara não só para aumentar o valor real de cada uma das agências bancárias, mas também contribuem para um aumento provável da duração desses imóveis, passando a ser sua parte integrante e a constituir um todo.”.

 

Assente que se trata de “grandes beneficiações e reparações” há que responder à segunda questão a decidir: qual a taxa de amortização aplicável?

 

Como se disse, o Decreto-Regulamentar estabelece que devem ser aplicadas as taxas de depreciação que sejam consideradas razoáveis, tendo em conta o período de vida útil esperada (n.º 2 do artigo 5.º).

 

Tal não aconteceu, em nossa opinião, no caso dos investimentos nos edifícios industriais. Com efeito, os investimentos foram realizados nos anos de 2002 a 2007 e todos amortizados à taxa de 10%, sem que daqui se possa concluir – porque não provado - que cada um dos investimentos realizados tinha um período de vida útil estimado de 10 anos.

 

Por outro lado, também não ficou provado que estas reparações tenham contribuído para aumentar o período de vida útil dos edifícios mas apenas o seu valor (esta conclusão não retira a estes investimentos a qualificação de grandes beneficiações ou reparações porque, como supra referido, a lei estabelece dois critérios distintos: (i) aumento do valor real ou (ii) da vida útil esperada).

 

Assim sendo, porque se trata de reparações que integram os edifícios industriais, devem ser amortizadas durante o período de vida útil definido para os edifícios. Idêntica conclusão resulta, aliás, do citado acórdão do STA, de 02/02/2005, processo 917/04: “A respectiva amortização deve ser determinada de acordo com o período de desgaste ou utilidade esperada do bem que elas visaram beneficiar no seu todo.

 

Acrescentamos ainda que a amortização durante o período de vida útil do edifício não significa que deva ser aplicada a taxa de amortização prevista no Decreto-Regulamentar para os edifícios industriais mas a taxa correspondente à imputação proporcional dos custos com as reparações ao período de vida útil restante dos edifícios, de acordo com o mapa de amortizações. Deste modo, tratando-se de reparações ocorridas em períodos temporais distintos, as taxas serão, inevitavelmente, diferenciadas.

 

Assim, atendendo a que não foi comprovado que as beneficiações têm um período de vida útil (utilidade esperada) distinto dos edifícios, deve-lhe ser aplicável a taxa de amortização aplicável aos edifícios industriais. Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04-11-2013, Proc. 07134/02, a “taxa a aplicar na reintegração e amortização nas grandes reparações é calculada com base no correspondente período de utilidade esperada, sendo de aplicar a mesma que se encontra prevista para os edifícios onde tais reparações/remodelações tiveram lugar, na falta de outra aplicável.”

 

Em conclusão, as correcções efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira respeitam o disposto no n.º 5 do artigo 30.º do Código do IRC, quanto às taxas de reintegração e amortização aplicadas.

 

  1. Regime anual de amortização ou por duodécimos

 

Nos termos do n.º 6 do artigo 30.º do Código do IRC e n.º 1 artigo 7.º do Decreto-Regulamentar 2/90, de 12 de janeiro, permite-se que, no ano de início de utilização dos elementos patrimoniais poderá ser praticada a quota anual de reintegração ou uma quota de reintegração ou amortização, deduzida dessa quota anual, correspondente ao número de meses contados desde o mês da entrada em funcionamento desses mesmos elementos. Concomitantemente, exige-se, no n.º 7 do mesmo artigo 30.º do CIRC e n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Regulamentar, que no ano em que se verificar a transmissão, a inutilização ou o termo de vida útil dos mesmos elementos nas condições da alínea b) do nº 2 do artigo 3.º, só serão aceites reintegrações e amortizações correspondentes ao número de meses decorridos até ao mês anterior ao da verificação desses eventos. 

 

A amortização pelo regime de duodécimos implica que sejam contabilizados menos gastos no ano de início de utilização do activo, o que, em termos económicos, parece ser justificado quando o activo é adquirido no final do período. No entanto, qualquer das opções é neutra do ponto de vista fiscal pois daí não decorre qualquer alteração das taxas de amortização aplicáveis mas apenas uma maior aproximação ao período de vida útil efectivo.

 

Por questões de praticabilidade e simplificação, o legislador fiscal não impôs a adopção obrigatória de qualquer um destes regimes ou sequer exigiu, ao contrário do que sustenta a Requerida, a utilização do mesmo regime para todos os activos. Não o tendo feito, não pode a AT restringir a faculdade conferida ao contribuinte de adoptar o regime que considere mais adequado ou até mais favorável do ponto de vista fiscal.

 

Assim, carecem de fundamento legal as correções efetuadas pela Requerida aos custos relativos às amortizações das ferramentas e utensílios no sentido de aplicação do regime anual de amortização.

 

 

  1. Direito a juros indemnizatórios

 

Nos termos do disposto no artigo 24º-b), do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “(…)restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito (…)”.

É admitida também a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios (Cfr., v. g., artigo 43º-1, da LGT e 61º-4, do CPPT).

No que concerne à arbitragem tributária, o artigo 24º-5, do RJAT, vem clara e expressamente permitir o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

No caso destes autos, tendo a requerente, decorrente da liquidação, efetuado o respetivo pagamento acrescido de juros compensatórios, tem direito, na parte correspondente ao imposto ilegalmente cobrado à devolução, na respetiva proporção, do que pagou de molde a ser restabelecida a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, sendo claro o reconhecimento da ilegalidade do ato tributário, esta (ilegalidade) é, naturalmente, imputável à Administração Tributária que, por sua iniciativa praticou esse mesmo ato sem para tanto ter o necessário suporte legal.

Tem assim a requerente direito ao pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º-1, da LGT e 61º, do CPPT, na parte correspondente ao acto tributário declarado ilegal.

 

Em face do exposto, decidem os árbitros que integram o presente colectivo arbitral julgar:

  • improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial da liquidação ora impugnada, na parte relativa às amortizações dos Fornos e Edifícios Industriais.
  • procedente o pedido de declaração de ilegalidade parciale consequente anulação parcial do ato de liquidação relativo ao ano de 2008, na parte relativa às amortizações do Ferramentas e utensílios;

Em consequência, condena-se a Autoridade Tributária e Aduaneira a restituir o imposto e juros compensatórios cobrados na parte correspondente à correção declarada ilegal, bem como ao pagamento de juros indemnizatórios na mesma proporção.

Fixa-se ao processo o valor de €82.143,85 (valor indicado e não contestado), e o valor da correspondente taxa de arbitragem em €2.754,00, nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

Custas a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Requerente, na proporção do decaimento.

Notifique.

 

Lisboa, 21 de abril de 2014

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros

Jorge Júlio Landeiro de Vaz

Amândio Silva