Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 130/2017-T
Data da decisão: 2017-07-27  Selo  
Valor do pedido: € 12.656,60
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Afetação habitacional - Terrenos para construção - Redução do objeto - Liquidação respeitante a 2015
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Decisão Arbitral

 

A…, contribuinte nº …, residente na Rua …, nº …-…, …-… Setúbal, requereu a Constituição de Tribunal Arbitral com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto do Selo (IS) dos ano de 2012, 2013 e 2015, no valor total de € 37.969,80, relativos ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, …, … e …, concelho de Elvas, distrito de Portalegre, efetuada ao abrigo do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, e alterada pelo artigo 194º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro.

 

 

I. Fundamentação: a matéria de facto

 

I.I. Factos provados

O Tribunal considera provados os seguintes factos essenciais para o objeto do pedido:

a)      O Requerente é proprietário do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de …, …, … e …, concelho de Elvas, distrito de Portalegre.

b)       O referido lote de terreno para construção nunca teve qualquer projeto aprovado para a construção, nem existe qualquer comunicação prévia ou informação prévia favorável à realização de operações de construção.

c)      A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) liquidou ao Requerente Imposto de Selo, assente na verba 28.1 do respetivo código, relativo aos anos de 2012 (liquidado em 2013), 2013 (liquidado em 2014) e 2015 (liquidado em 2016), respeitante ao referido prédio – docs. n.os 1 a 5 que se juntos ao Requerimento Inicial.

d)      Quanto às liquidações de 2012 (liquidado em 2013), 2013 (liquidado em 2014), foi pedida a respetiva revisão oficiosa tendo, em 23 de janeiro de 2017, o Requerente sido notificado pela AT que esta concluiu não ter existido nenhum erro dos serviços e essas liquidações eram legais – doc. nº 6 junto ao Requerimento Inicial.

e)      A liquidação do IS prevista na verba 28.1 da TGIS relativa a 2014 e respeitante exatamente ao mesmo prédio já foi objeto de decisão pelo CAAD na Decisão Arbitral com o n.º de processo 312/2016-T. 

 

I.II. Factos não provados

Não há outros factos, provados e/ou não provados, essenciais para o objeto do litígio

 

I.III. Motivação

A convicção do Tribunal Singular fundou-se nos documentos incorporados nos autos e no processo administrativo instrutor anexo, sendo que dos articulados não resulta controvérsia das partes no que toca ao quadro factual desenhado pela Requerente.

Tendo em consideração a revogação de parte dos atos em crise, e mantendo-se o presente Tribunal Arbitral a julgar um ato tributário apenas, não carece de aceitação a cumulação de pedidos, que, de resto, sempre se deferiria.

 

II. Fundamentação: a matéria de Direito

 

II.I. Posição da Requerente

a)      A questão objeto desta impugnação reconduz-se na apreciação da legalidade da liquidação de Imposto do Selo, nos termos da verba 28.1, da TGIS (Tabela Geral do Imposto do Selo), referente aos anos de 2012, 2013, e 2015.

b)      Entende o Requerente que a liquidação enferma do vício de ilegalidade na medida em que no prédio em causa «não existe qualquer concretização de uma expectativa ou previsão de edificação para habitação», desde logo por que «nunca existiu nem existe qualquer projecto aprovado para a construção, nem existe qualquer comunicação prévia ou informação prévia favorável à realização de operações de loteamento ou de construção».

 

 

 

II.II. Posição da Requerida

 

a)      Através de e-mail datado de 7 de abril de 2017, a AT veio proceder à junção do despacho de revogação dos atos tributários postos em crise relativamente aos anos de 2012 e 2013, o mesmo não fazendo relativamente ao ato tributário em crise relativamente ao ano de 2015.

b)      Na sua Resposta ao requerimento Inicial, a AT sustenta que, relativamente à liquidação de imposto do selo em crise relativamente a 2015, nenhuma razão assiste à Requerente, e que, pelo contrário, a fundamentação dessa liquidação assenta na letra da lei e na correta interpretação e aplicação do quadro normativo pertinente, tal como alterado pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro.

 

 

II.III. O Direito (cont.)

 

O Código do IS, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou. Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o IS passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

            Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, p. 251, Lisboa, 2005) “o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

            A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e IS – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do IS, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à TGIS pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

            A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” (cit.).

            A incidência do Imposto do Selo, marcada, alias, pela heterogeneidade, remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

            A tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assume a natureza de imposto parcelar (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2015, a liquidar em 2016, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

 

Recorde-se a redação original da verba 28, da TGIS:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional --------------------------------------------1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças...................................................................7,5%

 

            Esta redação (original) foi objeto de vários litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha nem a questão ora nos interessa abordar –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32)  que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”.

Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se, como se viu anteriormente, que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

A expressão «com afectação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de «afetação habitacional» decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas.

Por outro lado, ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do Código do Imposto do Selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afectação habitacional».

Aliás, neste sentido se tem orientado a constante e uniforme jurisprudência arbitral anterior à nova redação da verba 28, da TGIS introduzida pelo artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, tendo desta (redação) a previsão de que a tributação em causa passou a incidir, à taxa de 1%, sobre  prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação.

Esta alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, introduzida pelo artigo 194.º, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na parte em que adita à verba 28.1., da mesma Tabela, a referência a “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI” e, em consequência, determina a incidência do imposto do selo, nos termos previstos nas verbas 28. e 28.1, sobre a propriedade de terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação e cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a €1.000.000,00, não se traduz numa alteração normativa que justifique alteração substancial do entendimento que anteriormente à nova redação dessa norma vinha sendo seguido pela Jurisprudência.

 

Subsumindo:

Ora, em face da prova produzida, resulta que no terreno em causa não estava autorizada ou prevista construção de edifício a afetar a habitação; pelo contrário, ficou demonstrado que essa afetação tanto pode ser habitacional como para outros fins.

Ou seja: sendo os fins habitacionais apenas uma das potencialidades das construções a eventualmente erigir no terreno, sem se demonstrar que existe um concreto licenciamento para aqueles fins, acarreta a exclusão da tributação do prédio à luz do artigo 28.º da TGIS (atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2).

Nesta linha essencial de orientação, estão, entre outras, as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T e 551/2015-T, e, mais recentemente, no processo n.º 412/2016-T onde a presente decisão largamente se apoia, publicadas no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

 

 

II. IV. Juros indemnizatórios

 

            De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

            Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

            O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

            Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

            É, ou poderá ser, essa a situação do caso em apreço, ou seja, a AT restituirá o imposto no caso de este ter sido pago – situação evidenciada nos autos pelos documentos de cobrança juntos pela Requerente –, com pagamento de juros indemnizatórios, devidos desde a data do pagamento – que não é evidenciada nos autos – até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

III. Decisão

Termos em que  decide este Tribunal Arbitral:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido;

            b) Declarar, em consequência, a ilegalidade da liquidação de imposto do selo respeitante a 2015 com as notas de cobrança nºs 2016…, 2016… e 2016…, e determinar a sua anulação, com as consequências legais inerentes;

            c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias pagas respeitantes à sobredita liquidação, com juros indemnizatórios nos termos supra expostos; e,

            d) Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor dA ação

O valor da ação foi fixado por Despacho Arbitral em € 12 656,60 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

Uma vez que o Tribunal arbitral foi constituído, apesar da revogação de parte dos atos tributários em crise, não há lugar a devolução da taxa de arbitragem, nos termos do Artigo 3.º – A do Regulamento de custas.

 

Custas

Apesar da diminuição do valor da ação (decorrente da revogação de parte dos atos tributários em crise), fixa-se o valor da taxa de arbitragem tendo em consideração o valor inicial do pedido (€ 37 969,80), uma vez que era esse o valor das liquidações anuladas (quer pela AT, quer pelo Tribunal arbitral) e foi essa a utilidade económica da presente ação. Termos em que, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas em € 1 836, a pagar pela Requerida, uma vez que não foi a Requerente quem deu causa à ação pelo facto de todas as liquidações inicialmente contestadas se encontrarem enfermas de vício de lei.

Notifique-se.

Lisboa, 27 de julho de 2017

 

O Tribunal Arbitral,

 

 Nuno de Oliveira Garcia

(Árbitro Singular)