Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 212/2017-T
Data da decisão: 2017-07-31  IMT Selo  
Valor do pedido: € 1.031,04
Tema: IS/IMT – Isenção.
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Decisão Arbitral

 

            I – Relatório

 

            1.1. A…, S.A., NIPC…, com sede na …, n.º…, freguesia de …, …-… Porto (doravante designada por «Requerente»), em face da liquidação de IMT/IS n.º …/2011, no valor de €1031,04 (IS), apresentou, em 28/3/2017, um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, nos termos dos artigos 1.º, 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante somente designado por «RJAT»), e do art. 99.º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), visando que se declare nula ou seja anulada “a liquidação de IMT in casu e, consequentemente, [...] ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga relativamente à liquidação de IS, acrescida dos juros indemnizatórios devidos”.

 

            1.2. Em 2/6/2017 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular.

 

            1.3. Nos termos do art. 17.º, n.º 1, do RJAT, foi a AT citada, enquanto parte requerida, para apresentar resposta. A AT apresentou a sua resposta a 6/7/2017, tendo argumentado no sentido da total improcedência do pedido da Requerente.

 

            1.4. Ao abrigo do disposto no art. 16.º, al. c), do RJAT, o presente Tribunal considerou ser dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT e que o processo prosseguisse para decisão. Por despacho de 21/7/2017, foi fixada a data de 31/7/2017 para a prolação da decisão arbitral.

 

            1.5. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, configurando-se legítimas.

 

            II – Alegações das Partes

 

            2.1. Vem a Requerente alegar, na sua petição inicial, que: a) “a liquidação adicional ora em apreço decorre da aplicação pretensamente indevida ao Demandante do benefício de isenção de Imposto de Selo prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE”; b) “está essencialmente em causa, no caso sub judice, a correcta interpretação desta disposição legal. [I.e.,] se deve aquela norma ser interpretada no sentido de que, no âmbito do plano de insolvência ou de pagamentos praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: a) apenas a transmissão de bens imóveis, cuja alienação ocorra em virtude de se estar a vender ou permutar ou ceder a empresa ou estabelecimento em que o imóvel (transmitido) se integra, goza de isenção de IMT; b) ou, alternativamente, e como é nosso entendimento, se essa isenção abrange (também) os imóveis transmitidos por venda ou permuta, quando não integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimento”; c) “se o objectivo do legislador fosse o de, no âmbito em causa, isentar de IMT apenas as transmissões dos imóveis afectos às empresas ou estabelecimentos vendidos permutados ou cedidos, então bastar-lhe-ia referir – e não referiu –, que apenas gozava de isenção de IMT a transmissão de imóveis quando integrados na venda, permuta ou cessão da empresa ou estabelecimento”; d) “em sede de isenção de IMT, apesar da menos feliz redacção do artigo 270.º do CIRE, o legislador apenas pretendeu consagrar para o CIRE um regime equivalente ao que já resultava da alínea c) do n.º 2 artigo 121.º do CPEREF. Conforme expressamente o afirma no n.º 49 do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, onde refere que «mantêm-se no essencial os regimes existentes no CPEREF quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais». De facto, se interpretássemos o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que a transmissão de imóveis em sede de liquidação da massa insolvente ou de planos de insolvência ou de pagamentos está sujeita a IMT, então a proposição constante do referido n.º 49 do referido Preâmbulo passaria, sem mais, a falsa”; e) “como muito bem nota o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Maio de 2012, interpretar o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE no sentido de que apenas as transmissões de imóveis inseridas na transmissão de empresa ou seu estabelecimento estão isentas de IMT, não é uma interpretação conforme à Constituição”; f) “os diversos elementos interpretativos da norma em causa confluem para uma única conclusão: a de que, em sede de plano insolvência ou de pagamentos ou da liquidação da massa insolvente, a isenção de IMT consagrada no n.º 2 do art. 270.º do CIRE abrange os imóveis transmitidos por venda ou permuta, mesmo quando essa transmissão não surge integrada na transmissão de empresa ou estabelecimento. Sendo por demais evidente que o acto de liquidação adicional do IMT que ora se impugna, decorre [...] de uma errada interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, enfermando, por isso, do vício do erro sobre os pressupostos de direito”; g) “em face do exposto, o Demandante tem direito à restituição do valor indevidamente pago, acrescido dos juros legais desde a data do pagamento até à sua efectiva devolução, por força da liquidação cuja anulação ora se requer”; h) “o acto em causa não indica e inexiste qualquer dispositivo legal e aplicável que fundamente e legitime a quantificação dos montantes apurados e a liquidação do tributo em causa, nem foram indicadas quaisquer razões justificativas da liquidação agora impugnada. O acto impugnado enferma assim de manifesta falta de fundamentação de facto e de direito, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pelo que foram frontalmente violados o art. 268.º/3 da CRP, os arts. 124.º e 125.º do CPA e o art. 77.º da LGT”; i) “a liquidação em apreço [deve] ser anulada por preterição de formalidade legal, violação dos princípios da colaboração e boa fé nos termos supra referidos (art. 59.º da LGT, e art. 99.º/d do CPPT; cfr. art. 7.º do CPA e n.º 2 do art. 266.º da C.R.P)”; j) “a revogação da isenção só poderia ser concretizada no prazo de 1 ano após ter sido concedida, tratando-se de um acto constitutivo de direitos, por aplicação conjugada do disposto nos arts. 141.º, n.º 1, do CPA e 58.º do CPTA. [...]. [...] verifica-se a ilegalidade da revogação, já que o acto revogatório, com efeitos ex tunc, ocorreu mais de um ano depois do acto concedente da isenção, em clara violação do disposto no art. 141.º do CPA”.     

 

            2.2. Pelo exposto, pretende a Requerente que o presente pedido de pronúncia arbitral seja “julgado procedente por provado, com fundamento nas razões de facto e de direito acima apresentadas, declarando-se nula ou anulando-se a liquidação de IS in casu e, consequentemente, [...] [que seja] ordenado o reembolso da quantia indevidamente paga relativamente à liquidação de IS, acrescida dos juros indemnizatórios devidos”.  

           

            2.3. Por seu lado, a AT vem alegar, na sua contestação, que: a) “em causa, nos presentes autos, está a existência ou não dos pressupostos de isenção de IS prevista na al. e) do art. 269.º do CIRE”; b) “alega o Requerente que, tendo a aquisição do prédio sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IS prevista na al. e) do 269.º do CIRE, atribuindo-lhe o vício de violação de lei, vicio sobre os pressupostos de direito, falta de fundamentação, violação do princípio da confiança e segurança jurídicas, da legalidade tributária, da proibição da retroactividade da lei fiscal, da certeza e segurança jurídicas, da colaboração e da boa-fé. Além de todos esses vícios que se enumeraram, ainda o Recorrente sustenta que a liquidação em causa nos autos constitui uma revogação ilegal de acto de concessão de isenção tendo em seu entender violado o artigo 141.º do CPA. Nenhum dos vícios invocados tem sustentabilidade nem a interpretação que apresenta tem qualquer suporte legal nem factual, como de seguida se passa a demonstrar. Desde logo [porque], conforme consta no Processo Administrativo (PA) ora junto, o Requerente adquiriu duas fracções do Prédio Urbano, destinado a habitação, do prédio urbano sito em …, n.º…, Freguesia de …– Concelho de Figueira da Foz, e que os insolventes são pessoas singulares. Resulta provado nos presentes autos, cfr. pág. 11 do PA, que os insolventes B… e C… são pessoas singulares, e designadamente o alienante B…, a quem o Requerente adquiriu o imóvel, não está registado em nenhuma actividade empresarial”; c) a “isenção [da actual al. e) do art. 269.º do CIRE] abrange [...] todos os actos integrados no âmbito de planos de insolvência, ou de pagamentos, ou de liquidação da massa insolvente, com a reserva de o insolvente ser uma empresa ou um estabelecimento”; d) “no que toca à interpretação da redacção anterior do n.º 2 do art. 270.º do CIRE, o entendimento jurisprudencial é uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares, com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”; e) “caso o legislador tivesse pretendido alterar o sentido da lei, podê-lo-ia ter expressamente concretizado no art. 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, que alterou a referida norma, o que não fez. [...]. Do cotejo das duas redações do n.º 2 do referido artigo, verifica-se que o legislador apenas acrescentou a isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas”; f) “o facto de o Preâmbulo do CIRE dispor que, quanto aos benefícios fiscais, se mantêm essencialmente os previstos no CPEREF, quanto à isenção de emolumentos e benefícios fiscais, não tem qualquer relevância interpretativa do art. 270.º, n.º 2. «Essencialmente» não se confunde, na verdade, com «exclusivamente»”; g) “a pretensa inconstitucionalidade orgânica está completamente ultrapassada com a redacção do art. 269.º, al. e), do CIRE, conferida pelo art. 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013”; h) “a «interpretação conforme a Constituição» apenas é ilegal quando viole os princípios fundamentais de interpretação e aplicação das normas jurídicas desenvolvidos na presente norma e no Código Civil, o que não é comprovadamente o caso. Em suma, a liquidação impugnada é legal e conforme a Constituição, não se mostrando violados os múltiplos princípios constitucionais que o Autor se limitou a invocar na douta Petição Arbitral, sem que, contudo, tivesse logrado demonstrar qualquer inconstitucionalidade”; i) “no caso em apreço, estamos perante a aquisição de um imóvel, ainda que em processo de insolvência, mas que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de actividade empresarial alguma, mas que era propriedade de pessoa singular com destino a habitação. Pelo que não estão reunidos os pressupostos legalmente previstos para beneficiar da isenção de IS em razão da sua transmissão ter sido efectuada num processo de insolvência de pessoa singular”; j) “bem andou a AT na aplicação e interpretação da legislação aplicável à liquidação impugnada nos autos, por se mostrar provado que o Requerente adquiriu o imóvel, no âmbito de um processo de insolvência, mas de sujeitos passivos singulares”; l) “O Requerente, nos artigos 51.º a 53.º do seu pedido de pronúncia arbitral, pugna pela nulidade do acto de liquidação por falta de fundamentação de facto ou de direito. Contudo, fazendo uma leitura atenta das fls. 10 e 11 do PA, onde constam a notificação da liquidação e a informação que subjaz à liquidação verifica-se que deles constam todos os elementos e enquadramento legal e factual da situação em causa, nomeadamente a quantificação do montante apurado assim como as normas aplicáveis, tudo nos termos do artigo 77.º da LGT. Além de que, não pode o Recorrente invocar falta de fundamentação do acto visado, quando, tanto da petição da Reclamação Graciosa como do Pedido de Pronuncia Arbitral, se conclui que entendeu na sua totalidade todos os fundamentos e a argumentação que sustenta o acto de liquidação impugnado, razão pela qual não procede também este vício”; m) “alega o Requerente que a revogação do benefício fiscal é ilegal por violação dos artigos 140.º e 141.º do CPA. [...] também aqui improcedem os fundamentos invocados. [...] não existiu qualquer acto constitutivo de direitos porque o benefício constante da alínea e) do artigo 269.º do CIRE é um benefício automático nos termos do artigo 5.º do EBF”; n) “da análise destas disposições legais [art. 5.º do EBF e art. 10.º, n.º 8, al. d) do CIMT] conclui-se que a isenção da alínea e) do artigo 269.º do CIRE é automática, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos da isenção. O que acontece é que o SP apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT [...] e só posteriormente à celebração da escritura é que a AT analisa da verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF. Este normativo determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção. Pelo que, em rigor, não houve a constituição de um direito ao benefício fiscal.”

 

2.4. A AT conclui, em síntese, que “deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, e absolvida a Requerida do pedido, com todas as consequências legais.”

 

            III – Factualidade Provada, Não Provada e Respectiva Fundamentação

 

3.1. Consideram-se provados os seguintes factos:

 

            i) A 29/12/2011, a Requerente adquiriu as fracções autónomas designadas pelas letras “S” e “G”, destinadas a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, n.º…, freguesia … e Município de Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Figueira da Foz sob o número … e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo…, no âmbito do processo de insolvência de B… e C…, que correu termos no Tribunal Judicial de Figueira da Foz, sob o n.º …/10… TBFIG (vd. Doc. 2 apenso aos autos).

 

            ii) As fracções autónomas mencionadas foram arroladas e apreendidas para a massa insolvente e a ora Requerente comprou-as pelo preço global de €128.880,00 (vd. Doc. 2 e fl. 13 do PA 1).

 

            iii) A Requerente foi notificada, através do ofício n.º…, de 2/2/2016, remetido pelo SF de Leiria –…, para proceder ao pagamento da liquidação adicional de IS no montante de €1031,04 (vd. Doc. 1 apenso aos autos). Em 18/2/2016, a Requerente procedeu ao pagamento do mencionado IS, no montante supra referido e aqui em causa (vd. Doc. 3 apenso aos autos).

 

iv) A Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação a 18/5/2016. A 13/2/2017, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação.

 

v) Inconformada, a Requerente deduziu, a 28/3/2017, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

            3.2. Não há factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

            3.3. Os factos considerados pertinentes e provados (v. 3.1) fundamentam-se na análise das posições expostas pelas partes e da prova documental junta aos autos.

 

            IV – Do Direito

 

No caso em análise, são quatro as questões de direito controvertidas: 1) saber se a isenção prevista na al. e) do art. 269.º do CIRE abrange a venda de prédio urbano destinado a habitação que pertence a pessoa(s) singular(es), ou se o insolvente tem de ser uma empresa ou um estabelecimento; 2) saber se existe o alegado vício de falta de fundamentação; 3) saber se o reconhecimento da isenção de IS em causa é automática; e 4) saber se são devidos juros indemnizatórios à Requerente.

 

            Vejamos, então.

 

            1) A este respeito, verifica-se que a interpretação que foi sendo feita por numerosa jurisprudência, relativamente à anterior redacção do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, continua adequada face à actual redacção e às especificidades do presente caso – com efeito, a única diferença entre as duas redacções (a inclusão, na actual redacção, da isenção referente às transmissões da empresa ou de estabelecimentos desta, integrados no âmbito de planos de recuperação de empresas) não tem relevância para o caso aqui em análise.

 

            Nestes termos, a alegação da ora Requerente de que, tendo a aquisição das fracções autónomas sido efectuada no âmbito da liquidação de determinada massa insolvente, a mesma está abrangida pela isenção de IMT prevista na al. e) do art. 269.º do CIRE é destituída de suporte legal.

 

            Como bem assinala a Requerida, “no âmbito da interpretação da redacção anterior do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, o entendimento jurisprudencial tem sido uniforme no sentido de que terá de tratar-se de bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não os bens imóveis de pessoas singulares [como é aqui o caso: v. ponto i) da factualidade provada], com a única justificação de fazerem parte de um processo de insolvência”.

 

            Neste mesmo sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes arestos: “A isenção de IMT prevista pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE aplica-se [...] às vendas ou permutas de empresas ou estabelecimentos enquanto universalidade de bens, [...] [e] às vendas e permutas de imóveis (enquanto elementos do seu activo), desde que enquadradas no âmbito de um plano de insolvência ou de pagamento, ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.” (Ac. do STA de 20/1/2016, proc. 1350/15); “a [...] isenção [do n.º 2 do art. 270.º do CIRE] não abrange a venda de prédio urbano, destinado à habitação, que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, independentemente da mesma pertencer a pessoa singular ou colectiva (entidade empresarial).” (Ac. do STA de 3/7/2013, proc. 765/13).

 

            No mesmo sentido, e especificamente a respeito da isenção de IS prevista no art. 269.º, al. e), do CIRE, veja-se, e.g., o seguinte aresto: “a referida isenção [do artigo 269.º, al. e)] não abrange a venda de prédio urbano destinado à habitação que pertence a pessoa singular, não bastando para beneficiar daquela isenção o facto de se tratar de actos de venda praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente, antes havendo de demonstrar-se que o bem vendido integra o activo de uma empresa. [...]. No caso está [...] em causa saber se a venda de um bem imóvel, que não pertence a uma empresa nem estava destinado ao exercício de actividade empresarial alguma, mas que era propriedade de uma pessoa singular e com destino a habitação, não havendo notícia da sua afectação a actividade empresarial alguma, pode beneficiar de isenção de IS em razão de ter sido efectuada num processo de insolvência. A resposta, a nosso ver, não pode ser senão negativa, pois a hipótese não é subsumível à previsão da alínea e) do art. 169.º do CIRE, que se refere exclusivamente à venda de «elementos do activo da empresa».” (Acórdão do STA de 25/9/2013, proc. 866/13).

 

            Reproduzindo, também, este último aresto, veja-se, por último, a DA que foi proferida em 15/2/2017, no processo 514/2016-T (processo este relativo a acto de liquidação de IMT): “As dúvidas interpretativas advêm da falta de clareza do texto deste n.º 2. Levanta-se, nomeadamente, a questão de saber se a referência a venda se reporta apenas à venda da empresa ou de estabelecimentos nela integrados ou abrange quaisquer imóveis, matéria sobre a qual existe já vasta jurisprudência quer do CAAD quer dos Tribunais Judiciais em especial ao que poderíamos denominar de amplitude da isenção de imposto aí prevista. Tal jurisprudência tem vindo a entender que resulta da letra do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que o legislador incluiu na previsão da norma, não só a transmissão global do património da empresa insolvente, mas também a transmissão parcelar desse património, correspondente a um ou mais estabelecimentos da empresa insolvente e mesmo correspondente a meros imóveis (ainda que não estabelecimentos). Levanta-se ainda – e no que releva para o caso em apreço – a questão de saber se a isenção se estende às aquisições de imóveis efetuadas em processo de insolvência de pessoas singulares, designadamente, quando estas não têm atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não está afeto a essa atividade. Sobre essa questão, pronunciou-se já o Supremo Tribunal Administrativo [...].  Também neste CAAD, no Tribunal constituído no processo 13/2016, ainda que em sede de imposto de selo, se pronunciou no sentido de que a isenção [de IS prevista na alínea e) do artigo 269.º do CIRE] só se aplica relativamente a bens imóveis que integrem o património de uma empresa e não a bens imóveis de pessoas singulares. É este o entendimento que nos parece corresponder à melhor interpretação da norma do artigo 270.º do CIRE: sendo o insolvente pessoa singular sem atividade comercial ou quando, tendo-a, o imóvel adquirido não ter sido afetado àquela atividade. Isto, porque se trata de uma norma que consagra um benefício fiscal, de natureza excecional, que não permite a aplicação analógica (não a mera interpretação extensiva) que, neste caso, se teria de fazer para que a isenção pudesse ser aplicada ao caso sub judice.”

 

            Em resumo: não se vislumbram razões para contrariar o entendimento jurisprudencial acima elencado – e o artigo 234.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, também não procedeu à alteração da norma acima referida em termos que possibilitem uma interpretação que inclua, para efeitos da isenção de IS prevista na al. e) do art. 269.º do CIRE, a aquisição de fracções autónomas pertencentes a insolvente(s) que seja(m) pessoa(s) singular(es) (que foi a situação que ocorreu no presente caso: v. ponto i) da factualidade provada).

            2) Relativamente à alegada falta de fundamentação, verifica-se que não assiste razão à Requerente, uma vez que a fundamentação, ainda que sucinta, existe, é clara e congruente, e permitiu à ora Requerente entender o iter cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação em causa, possibilitando-lhe a reacção legal contra o mesmo.  

 

            Este tem sido o entendimento generalizado na jurisprudência, como se demonstra, por ex., pelo seguinte acórdão: “as exigências de fundamentação não são inflexíveis, podendo variar de acordo com o tipo de acto e o circunstancialismo concreto em que o mesmo foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae a que se refere o artigo 487.º, n.º 2, do C. Civil – fique conhecedor das razões de facto e de direito que lhe subjazem, de modo a permitir-lhe optar, de forma elucidada, entre a aceitação do acto ou a utilização dos meios legais de reacção, e de maneira a que, neste caso, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.” (Acórdão do TCAS de 18/9/2014, proc. 6789/13).

 

            No mesmo sentido, veja-se, ainda, o seguinte aresto: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto.” (Acórdão do STA de 12/3/2014, proc. 1674/13).

           

3) Como assinala a Requerida, no presente caso “não existiu qualquer acto constitutivo de direitos porque o benefício constante da alínea e) do artigo 269.º do CIRE é um benefício automático nos termos do artigo 5.º do EBF”.

 

Concordando-se com a referida classificação do benefício fiscal em causa, conclui-se, consequentemente, que não ocorreu a alegada violação do disposto nos artigos 141.º, n.º 1, do CPA, e 58.º do CPTA.

 

Com efeito, e como também bem refere a Requerida, “o reconhecimento da isenção da alínea e) do artigo 269.º do CIRE é automático, decorre diretamente da lei e não existe uma análise prévia nem verificação prévia dos pressupostos de isenção. O que acontece é que o SP apresenta uma declaração prevista no n.º 1 do artigo 19.º do CIMT [...] e só posteriormente à celebração da escritura é que a AT analisa da verificação dos pressupostos da isenção, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF” (veja-se, igualmente, o que dispõe o artigo 10.º, n.º 8, al. d), do CIMT).

           

4) Nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vd., por ex., o seguinte aresto: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

 

Ora, não tendo havido, como decorre do que se disse em 1), 2) e 3), erro imputável aos serviços, conclui-se pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.  

 

***

 

            V – DECISÃO

 

            Em face do supra exposto, decide-se:

 

            – Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se integralmente na ordem jurídica o acto de liquidação ora impugnado, e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido.

            – Julgar improcedente o pedido também na parte que diz respeito ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da requerente.

 

 

Fixa-se o valor do processo em €1031,04 (mil e trinta e um euros e quatro cêntimos), nos termos do art. 32.º do CPTA e do art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

Custas a cargo da Requerente, no montante de €306,00 (trezentos e seis euros), nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do disposto no art. 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 31 de Julho de 2017.

 

 

O Árbitro

 

   

(Miguel Patrício)

 

 

***

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto

no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.