Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 375/2016-T
Data da decisão: 2017-07-14  IRC  
Valor do pedido: € 427.553,41
Tema: IRC - Liquidação oficiosa - Estabelecimento estável - Prova do exercício de actividade
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Decisão Arbitral

 

 

I-                  RELATÓRIO

 

1.                  Por requerimento de 7 de julho de 2016, a A… B.V., com sede em …, …, … Piso, …, …, Holanda, pessoa coletiva número … (doravante a “Requerente”), veio, nos termos do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT” - Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de tribunal arbitral coletivo, tendo em vista:

·                                    a declaração da ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios relativos ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total a pagar de € 427.553,41 (consubstanciada no documento 2016…); e

·                                    a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”) ao reembolso do montante indevidamente pago pela Requerente com respeito a tal liquidação - no montante total de € 427.553,41, acrescido dos devidos juros indemnizatórios e de mora, se a eles houver lugar.

 

2.                  O pedido de pronúncia foi aceite em 11 de julho de 2016 e automaticamente comunicado às partes.

3.                  No requerimento inicial a Requerente indicou como árbitro o Dr. Ricardo da Palma Borges.

4.                  A Requerida indicou como árbitro o Prof. Doutor João Ricardo Catarino, mas este comunicou a não aceitação do encargo, tendo a Requerida indicado em sua substituição o Prof. Doutor António Carlos dos Santos.

5.                  Os árbitros das partes acordaram, em 14 de novembro de 2016, indicar como árbitro presidente o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, que aceitou o encargo, tendo o Tribunal Arbitral ficado constituído em 29 de novembro de 2016, nos termos do disposto no n.º 7 do art.º 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 e dezembro.

6.                  A Requerida apresentou a sua resposta no dia 18 de janeiro de 2017.

7.                  A reunião a que se refere o art.º 18.º do RJAT teve lugar no dia 7 de fevereiro de 2017, tendo a representante da Requerente declarado não prescindir da audição das testemunhas, à exceção de uma (B…) pelo que o Tribunal notificou a Requerente para, no prazo de cinco dias, indicar os factos sobre os quais iria incidir a audição das testemunhas. Foi marcado o dia 20 de fevereiro para serem ouvidas as testemunhas. O Tribunal notificou a Requerente e a AT para, após a realização da diligência de audição das testemunhas, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, começando o prazo da AT a contar após notificação da junção das alegações da Requerente. O Tribunal solicitou também à AT para, em cinco dias, apresentar o documento a que se refere a Requerente na p.i.

8.                  O documento referido no número anterior foi apresentado a 13 de fevereiro.

9.                  A reunião para audição de testemunhas teve lugar no dia 20 de fevereiro de 2017, tendo sido unicamente ouvida a testemunha apresentada pela Requerente C… . Na mesma reunião o Tribunal decidiu que a decisão seria proferida até ao dia 20 de maio.

10.              A Requerente apresentou as suas alegações no dia 3 de março.

11.              A Requerida apresentou as suas alegações no dia 17 de março.

12.              Em 23 de maio foi proferido despacho prorrogando o prazo de decisão por dois meses.

 

 

II-               Posição das Partes

DA REQUERENTE

A Requerente sustenta que nunca foi notificada dos fundamentos da liquidação que impugna, pelo que apenas se defende por dedução; que é uma entidade não residente em Portugal e que nunca aqui possuiu estabelecimento estável; dedica-se, entre outras atividades, à compra e venda e à gestão e recuperação de créditos malparados e nesse contexto adquiriu a vários bancos comerciais portugueses carteiras de créditos dessa natureza; que por não ter estabelecimento em Portugal contratou uma entidade que presta serviços de gestão e recuperação de créditos malparados, para a assistir na gestão e recuperação dos créditos adquiridos e que com base nesta relação contratual a AT concluiu erradamente que a Requerente possui estabelecimento estável em Portugal. A Requerente defende ainda que para além de ilegal, a liquidação é intempestiva, por exceder o prazo especial de caducidade especial do art.º 90.º, n.º 1, al. b) do Código IRC. Alega a Requerente que:

1.                  É uma sociedade comercial de direito holandês, constituída em junho de 2006, dominada diretamente pela sociedade D… B.V., a qual, por seu turno, é detida pelas sociedades E… e pela F…, sendo estas duas últimas sociedades integralmente dominadas pelo G…, que, desta forma, indiretamente domina e controla a Requerente;

2.                  Tem por atividade a aquisição de créditos em incumprimento (doravante também designados apenas por NPLs) a entidades terceiras, geralmente instituições bancárias e financeiras;

3.                  Esta atividade de aquisição de créditos em incumprimento é exercida pela Requerente em moldes em tudo semelhantes às restantes entidades a atuar no mercado dos NPLs;

4.                  Os créditos malparados são adquiridos pelos Investidores em carteiras / portefólios que são preparados pelas entidades que fazem o Servicing, com acesso à informação e know-how necessários para o efeito e que desenvolvem para diversos Investidores estimativas de recuperação dos créditos, preparadas antes da aquisição das carteiras, que têm por referência o valor dos ativos que garantem os créditos que compõem a carteira;

5.                  O Investidor poderá ceder novamente os créditos que adquiriu a outras entidades ou mantê-los e fazer a sua gestão, tendo em vista a cobrança dos valores em dívida, quer através do recurso aos tribunais, quer extrajudicialmente;

6.                  Quando se opta pela cessão imediata dos créditos, o rendimento obtido pelo Investidor corresponderá à diferença entre o valor da cessão e o valor pago pela carteira;

7.                  A opção pela manutenção dos créditos, e por fazer a sua gestão para cobrar aos devedores o valor em dívida, geralmente envolve a contratação de serviços de Servicing a uma entidade terceira por parte do Investidor (o Servicer);

8.                  O Investidor que tenha adquirido carteiras de créditos malparados em Portugal geralmente contrata aqui um Servicer que possa prestar serviços de assessoria nas tarefas de recuperação e cobrança de créditos malparados;

9.                  Geralmente, aqueles Servicers constituem entidades inteiramente independentes, que são responsáveis pelas suas próprias instalações, contratação do seu pessoal e gestão interna, e que como entidade terceira prestam estes serviços aos vários Investidores que compõem a sua carteira de clientes;

10.              Relativamente aos créditos que sejam mantidos para recuperação e cuja gestão e cobrança seja entregue aos Servicers, o rendimento obtido com esta atividade é determinado pela diferença entre o valor recuperado na carteira, deduzido do valor de aquisição de todas as despesas associadas (incluindo os honorários do Servicing e as demais despesas);

11.              Foi, pois, neste quadro que a Requerente adquiriu, entre 2006 e 2009, diversas carteiras de créditos em incumprimento de que eram titulares bancos comerciais portugueses (identificados no quadro constante do art.º 41º da p.i.);

12.              A Requerente necessitou de uma entidade em Portugal que prestasse serviços de Servicing para a assistir na gestão e recuperação dos créditos adquiridos, pelo que, em conjunto com a F…, (uma sociedade que, tal como a Requerente, é integralmente dominada pelo G…) contratou as seguintes empresas de Servicing:

·                    Até 14 de setembro de 2010, a H…(ou apenas H…);

·                    Após essa data, a Requerente e a F… recorreram aos serviços de duas outras empresas: a I…, SA – atualmente designada por J…, SA (“J…”) e a K…, S.A. (“K…”);

13.              Com o decurso do tempo, não só alguns créditos são cedidos, como os créditos sob gestão que compõem as carteiras vão sendo “encerrados”, por efeito da sua recuperação (por acordo com o devedor) ou porque em processo de insolvência se conclui que tais créditos são insuscetíveis de cobrança, pelo que a composição das carteiras de créditos em 2014 não tinha qualquer semelhança com a composição das carteiras aquando da sua aquisição ou com a composição das carteiras em 2010;

14.              A partir de 2010, quando a Requerente deixou de ter qualquer relação contratual com a H…, a J… ou a K… assessoraram a Requerente e a F… na preparação dos planos de negócio para cada uma das carteiras cuja gestão lhe foi confiada, propondo as taxas de retorno expectáveis e desenvolvendo toda a atividade de Servicing: contactos com os devedores para negociar e fazer cumprir acordos de pagamento; receber os pagamentos dos devedores; assessorar a representação da Requerente nos processos judiciais pendentes, inter alia, por forma a alcançar tal retorno expectável e recuperar o valor máximo possível do crédito em dívida;

15.              Fizeram-no como entidades absolutamente independentes, quer porque a Requerente e a F… constituíram para tais Servicers apenas dois dos clientes da sua alargada carteira de clientes Investidores, ou porque todos os Servicers eram entidades manifestamente autónomas e independentes da Requerente e da F…, jurídica e economicamente;

16.              Todos os Servicers que foram contratados pela Requerente em Portugal eram entidades detidas por acionistas absolutamente independentes da Requerente: não lhe prestavam quaisquer contas, nem a Requerente interferia, de qualquer forma, na gestão dos Servicers que, com absoluta independência e liberdade, geriam o seu próprio negócio, selecionando instalações, recrutando trabalhadores, selecionando clientes, gerindo entidades terceiras contratadas para auxiliar no desempenho das funções de Servicing, inter alia (independência jurídica);

17.              Como remuneração pelos serviços prestados, a Requerente pagou o servicing fee, composto por uma componente fixa e outra variável em função do desempenho do Servicer, ou seja, do valor recuperado por cada carteira de créditos, pelo que os Servicers sempre correram o risco da sua própria atividade, i.e., da sua faturação ser insuficiente para suportar a estrutura de custos que escolheram ter ou de ver a sua remuneração afetada em virtude do seu desempenho (independência económica);

18.              Os serviços de servicing são prestados pela J… à ora Requerente, num contexto de total independência (nos termos da Cláusula 2.1 do Servicing Agreement);

19.              A J… é, no âmbito da prestação de tais serviços, perfeitamente livre e responsável pela contratação dos seus trabalhadores, seleção das suas instalações, organização do seu trabalho, inter alia (cf. cláusula 2.1 do Servicing Agreement);

20.              Os seis portfolios transferidos pela Requerente para a J… em 2010 são os mesmos portfolios de créditos relativamente aos quais, ainda hoje, a J… presta serviços de gestão e recuperação, pois a Requerente não adquiriu, entretanto, qualquer novo portfolio de créditos em Portugal.

21.              Pela prestação destes serviços, a J… recebe um servicing fee, que no exercício de 2014 totalizou € 1.018.143;

22.               Ora, atendendo a que o valor das vendas e prestações de serviços da J… para 2014 ascendeu a um total de € 18.176.285,82, necessariamente se conclui que o peso da Requerente e da F… como clientes da J… não alcança os 6% do valor total dos serviços prestados pela J…;

23.              Já com a Requerente como sua cliente, a J… foi vendida (2014) à sociedade L… (“L…”), que subsequentemente vendeu a J… à M… (“M…”), sendo agora a J… integralmente detida pela M…, entidade que não apresenta qualquer relação com qualquer entidade do grupo G…;

24.              A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção encetado pela AT relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, para aferir da existência de estabelecimento estável em Portugal (através da H…, enquanto seu agente dependente);

25.               Aquele procedimento teve origem numa exposição datada de 11 de fevereiro de 2011, apresentada junto da Direção de Serviços de Investigação de Fraude e de Ações Especiais (DSIFAE) pelo Presidente do Conselho de Administração da H…, na qual este dava conta da atividade da Requerente e da F…, questionando-se se não deveria haver tributação em Portugal de tais entidades;

26.              Consequentemente, a AT proferiu uma informação, que mereceu parecer favorável, para a abertura de inspeção com vista à liquidação dos impostos em falta;

27.              A DSIFAE iniciou uma investigação, tendo contactado a H… e a Requerente, que lhe forneceram todos os elementos de que a AT dispõe a este propósito, que a levaram a concluir pela existência de estabelecimento estável e a quantificar a matéria coletável dos exercícios de 2008, 2009 e 2010;

28.              Foi por ter partido da referida exposição e se ter atido aos seus termos e aos documentos e elementos fornecidos pela H…, que o procedimento de inspeção se refere unicamente aos exercícios nos quais a H… prestou serviços à Requerente e sobre a relação contratual entre ambas;

29.              A Requerente foi notificada em outubro de 2012 para proceder à apresentação da declaração de inscrição no registo, declarações Modelo 22, com respeito aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e declarações anuais / IES com respeito ao mesmo período;

30.              Por isso a Requerente solicitou uma reunião à AT, com vista ao esclarecimento dos motivos pelos quais esta entenderia estarem em falta as declarações, tendo a reunião tido lugar no dia 16 de janeiro de 2013, junto da Direção de Finanças de Lisboa;

31.              Foi nessa reunião que a Requerente tomou conhecimento de que teria existido uma investigação, no âmbito da qual a AT teria concluído que a Requerente disporia em Portugal de um estabelecimento estável e teria por esse motivo incumprido as obrigações fiscais que a notificação a convidava a cumprir;

32.              A Requerente apresentou, em 18 de fevereiro de 2013, um requerimento em resposta à notificação recebida, no âmbito do qual explicitou os motivos pelos quais entendia que não dispunha à data dos factos (tal como não dispõe atualmente) de qualquer estabelecimento estável em Portugal, não estando por isso obrigada à apresentação das declarações de que vinha notificada;

33.              Após a apresentação de tal requerimento, e durante aproximadamente dois anos e meio, seguiu-se um período de absoluto silêncio, sem que a Requerente recebesse da AT qualquer notificação, ofício ou notícia, pelo que assumiu que a suposta investigação havia sido encerrada;

34.              Porém, em abril de 2015, a Requerente recebeu o projeto de relatório de inspeção tributária onde a AT se propunha tributar a Requerente como se esta dispusesse de um estabelecimento estável em Portugal, tendo a AT acolhido integralmente a quantificação da matéria coletável efetuada pela DSIFAE e proposto para os exercícios de 2007, 2008 e 2009 correções de € 5.060.023,55, €4.370.424,55 e € 1.710.806,14, respetivamente, por ter concluído por força das regras do artigo 5.º do Código do IRC, em concreto o n.º 6 do referido normativo, em conjugação com o artigo 5.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino dos Países Baixos, pela existência de estabelecimento estável – estabelecimento pessoal”, através da atuação de um agente dependente – a sociedade H…, SA.;

35.              Na sequência da notificação desse projeto, a Requerente encetou diligências para compreender a origem desta atuação da AT, tendo apurado que quer a conclusão, quer o procedimento e a quantificação da alegada matéria coletável constavam já da Informação de 2012; e tomou ainda conhecimento de que a AT se havia pronunciado por variadas vezes a propósito da situação da Requerente, da F… ou de ambas conjuntamente, e nos mais divergentes sentidos, sobre a alegada manutenção, quer por parte da Requerente, quer por parte da F…, de estabelecimento estável em Portugal através da H…;

36.              A Direção de Finanças de Lisboa efetuou a inspeção e acolheu as conclusões da DSIFAE, assim como o procedimento de determinação e a quantificação da matéria coletável, que manteve na íntegra, tendo notificado o Relatório Final à Requerente, em junho de 2015;

37.              Verificaram-se as seguintes pronúncias da AT sobre a existência ou inexistência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal através da H…:

1ª - Informação n.º …/2011da DSIFAE, de 30 de novembro de 2011, relativamente à F…, que conclui pela existência de estabelecimento estável na H…;

2ª -Informação n.º …/2012 da DSIFAE, de 16 de fevereiro de 2012, na origem do procedimento de inspeção, relativamente à Requerente, que conclui pela existência de estabelecimento estável na H…;

3ª- Informação n.º …12 da Direção de Serviços de IRC (“DSIRC”), de 28 de novembro de 2012, relativamente à F… (1.º Relatório F…) e nos termos da qual concluía pela existência, em princípio, de estabelecimento estável da F… em Portugal, admitindo contudo a possibilidade de não existir estabelecimento estável se a H…, agindo no âmbito da sua actividade, não representa apenas esta empresa ou se o faz em relação a outras, o que afastaria, o conceito de agente dependente, excepto se, ainda assim, as actividades desenvolvidas em representação da F… ocupassem uma posição predominante face às restantes;

4ª – Informação DADE/DF Lisboa n.º …2013-Eq. III (Equipa de Inspeção Tributária Projetos III do Departamento A da Direção de Finanças de Lisboa), de 15 de maio de

2013, que conclui igualmente pela existência de estabelecimento estável situado em

Portugal;

5ª - Informação n.º…/2013 da DSIRC, de 24 de outubro de 2013, relativamente à F…, mas estendendo também o seu entendimento à Requerente – “2.º Relatório F…” – decide pela inexistência de estabelecimento estável quando conclui que os “indícios” existentes apontariam no sentido de que não se verificaria uma dependência da H… face à F… e à Requerente;

6ª - Parecer n.º 37/2014, de 2014-08-14, do Centro de Estudos Fiscais (CEF), que conclui pela existência de estabelecimento estável em Portugal;

38.              A AT concluiu em quatro das informações pela existência de estabelecimento estável, pela verificação de dependência económica e jurídica da H… face à Requerente (mas não concretizando os factos dos quais essa dependência decorreria) e em duas das informações pela inexistência de estabelecimento estável por não estar demonstrada a mesma dependência (ou não haver factos passíveis de tal conclusão);

39.              Todas as informações foram preparadas e tiveram por referência os factos relativos à relação contratual havida com a H…, em momento algum encetando qualquer análise à relação contratual posteriormente estabelecida entre a Requerente e a F…, por um lado, e a J… e a K…, por outro;

40.              O serviço especializado e com competência específica em matéria de IRC – a DSIRC – chamada a pronunciar-se por duas vezes sobre o tema, concluiu primeiramente que havia dúvidas (que por não conhecer todos os factos não podia dissipar) e em reapreciação que não existia estabelecimento estável na relação entre a Requerente e a F… e a H…;

41.              Pelo que todas as conclusões pela existência de estabelecimento estável naqueles exercícios de 2008, 2009 e 2010 em Portugal se referem à alegada dependência jurídica e económica da H… face à Requerente e à F…, nos específicos termos contratuais e fácticos em que os serviços eram prestados, pois a AT conclui pela existência de estabelecimento estável – “estabelecimento pessoal” – através da atuação de um agente dependente – a sociedade H… SA;

42.              A Requerente afirma que o Parecer do CEF, que visava esclarecer a existência ou inexistência de estabelecimento estável em Portugal, ainda veio confundir mais a questão, pois considera existir dependência jurídica da H…, com base apenas no fundamento de que após a aquisição das carteiras de crédito em incumprimento, a entidade não residente atribuir a cada crédito o respectivo valor de aquisição e de acordo com a taxa de rentabilidade pretendida, definir o valor que pretendia recuperar com cada um dos créditos; todas as cobranças efectuadas aos devedores serem transferidas para a entidade não residente;

43.              Já a dependência económica resultaria do facto de que “o risco económico ou financeiro das operações, nomeadamente resultantes de incumprimentos dos planos de pagamento por parte dos devedores, era assumida pela” Requerente;

44.              É inteiramente verdade que a H… foi contratada pela Requerente para a assistir na gestão e recuperação dos créditos adquiridos por esta, e que era deixada à H… uma enorme margem de autonomia na prestação desses serviços, sendo-lhe conferidos por procuração os poderes necessários para que pudesse levar a cabo os serviços de Servicing que se obrigou a prestar (e que incluíam celebrar acordos de pagamento com os devedores). Porém, a Requerente não vê de que forma – e a AT também não o diz no Relatório Final – é que dos mesmos resulta qualquer conclusão útil quanto à existência de estabelecimento estável.

45.              Mais acrescenta a AT, na fundamentação do Relatório Final, que a relação contratual entre a Requerente e a H… foi mantida por um período aproximado de 5 anos, o que “revela um carácter regular e habitual e que “Por outro lado, o conjunto vasto de operações e atos inserido no contexto dessa actividade não permite qualificá-las como tendo carácter meramente preparatório ou auxiliar da actividade própria da entidade não residente”;

46.              Quanto a estes dois pontos, diz a Requerente que, sem contestar os factos, a sua invocação é irrelevante e errónea porque a habitualidade e o carácter principal ou acessório das atividades desenvolvidas releva apenas para aferir da existência de um estabelecimento estável se estivermos em presença de um agente dependente, o que não é o caso;

47.              A Requerente salienta a este propósito, que foram instaurados processos de inquérito criminal contra ela própria e a F…, tendo-se concluído de forma lapidar relativamente a esta última em sede de despacho de arquivamento, que não nos encontramos perante a prática de qualquer crime, já que não se vislumbra na atuação da F… qualquer intenção dolosa;

48.              Segundo a Requerente, a AT, sem justificar, para o cálculo da matéria coletável usou as informações prestadas pela H… e adotou o seguinte critério:

·                    Calculou crédito a crédito o resultado obtido pela Requerente com a sua recuperação, pela diferença entre o alegado valor recebido do devedor (segundo a informação prestada pela H…) e o alegado preço de aquisição de cada crédito (também segundo a informação também prestada pela H…);

·         Assim, sempre que o valor resultante da diferença entre os montantes recebidos do devedor e o preço de aquisição do crédito foi positivo, significou que se obteve um lucro com o mesmo, reconhecido no exercício em que foi gerado, e nos exercícios subsequentes caso tenham havido pagamentos adicionais por parte do devedor” e “[q]uando os montantes recebidos do devedor foram inferiores ao preço de aquisição do crédito, significou que o crédito em causa gerou um prejuízo, que foi reconhecido no momento em que se considerou estarem esgotadas as possibilidades de recuperar qualquer montante adicional e que correspondeu ao momento em que se considerou “encerrado;

·         Por outro lado, quando não tenha sido possível obter qualquer recuperação do crédito (e.g., em alegados casos de insolvência), terá a AT considerado ser de “repartir o prejuízo uniformemente pelos exercícios de 2006 a 2010”; e

·         Foram ainda deduzidos como “Custos do Exercício” os débitos da H… à Requerente (segundo informação prestada pela própria H… e como correspondendo aos serviços faturados pela H… ao abrigo dos Servicing Agreements em cada exercício), ignorando em absoluto quaisquer despesas incorridas na cobrança dos referidos créditos;

49.              A Requerente não exerceu o direito de audiência prévia por entender ser o mesmo inútil, dada a sua posição ter sido anteriormente explicada à AT, quer na reunião inicial, quer no requerimento apresentado;

50.               Em 1 de junho de 2015, foi a Requerente notificada do relatório final de inspeção (Relatório Final), que mantém na íntegra as correções propostas no Projeto;

51.              Na sequência do Relatório Final, a Requerente foi notificada para o pagamento das liquidações de imposto, relativas ao IRC de 2008, 2009 e 2010 e respetivos juros compensatórios, no valor total de €3.568.943: liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2008, no valor total de € 1.660.078,64, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 12 de outubro de 2015; liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2009, no valor total de € 1.385.765,23, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 15 de outubro de 2015; e liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2010, no valor total de € 523.099,05, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 19 de outubro de 2015;

52.              Apesar de reputar ilegais as referidas liquidações, a Requerente procedeu, dentro do prazo, ao pagamento dos montantes liquidados, no valor total de € 3.568.943;

53.              Reputando tais liquidações ilegais – inter alia, por inexistência de estabelecimento estável em Portugal –, apresentou a Requerente o competente pedido de pronúncia arbitral em que requer a sua anulação, que correu os seus termos no processo n.º 7/2016-T junto desta jurisdição arbitral;

54.              Em outubro de 2015 a Requerente tomou conhecimento do Aviso n.º…, através do qual foi notificada para proceder à apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014 no prazo de 15 dias, tendo a notificação sido feita via CTT para a morada da H…;

55.              Por entender que consubstancia uma entidade não residente sem estabelecimento estável em Portugal, a Requerente apresentou, em 10 de novembro de 2015, resposta a tal notificação, dando nota de que se encontrava dispensada da apresentação da referida Declaração Modelo22 de IRC relativa a 2014 nos termos do n.º 4 do art.º 120.º do Código do IRC e de que o Aviso em apreço não identifica o fundamento com base no qual a AT entende que a Requerente se encontraria vinculada à obrigação de apresentação da mencionada Declaração Modelo 22 de IRC relativa a 2014;

56.              Com efeito, muito embora a Requerente não ignore que o resultado do supramencionado procedimento de inspeção encetado pela AT relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 concluiu pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal, a verdade é que tal conclusão se refere, única e exclusivamente, à relação contratual havida entre a Requerente e a H… nos exercícios de 2008, 2009 e 2010; ora, tendo tal relação contratual terminado em 14 de setembro de 2010, a conclusão pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal em tais exercícios de 2008, 2009 e 2010 não pode aplicar-se tout court, sem qualquer análise adicional, ao exercício de 2014 (nem a qualquer exercício posterior a 2010);

57.              Pois se a conclusão da AT é precisamente a de que a H… era um agente dependente da Requerente e se esta não tem, desde 2010, qualquer relação contratual com a H…, não se vê como possa a H… continuar a configurar um estabelecimento estável da Requerente;

58.              Se a Requerente era e é uma entidade não residente em Portugal – o que a AT não põe em causa em nenhum momento -, a conclusão pela existência de estabelecimento estável sempre dependerá de uma análise dos factos e das relações contratuais da Requerente com o Servicer in casu, por forma a aferir da existência ou inexistência de dependência jurídica e económica;

59.              E tal análise casuística não se basta com a análise que foi efetuada pela AT no âmbito do procedimento de inspeção relativo aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, pois a relação contratual com o Servicer que prestava os serviços à Requerente nesses exercícios cessou em 2010. Aliás, mesmo que se tivesse mantido a relação contratual com a H… nos exercícios seguintes, qualquer liquidação de imposto que a AT visasse emitir sempre deveria ser precedida de um procedimento de inspeção, no âmbito do qual a AT pudesse efetuar o levantamento dos factos relevantes que pudessem suportar a mesma conclusão que retirou relativamente aos exercícios de 2008, 2009 e 2010; o que seguramente não pode acontecer é concluir, com base nos factos apurados com referência a 2008, 2009 e 2010, pela existência de estabelecimento estável em 2014;

60.              Tendo a Requerente e a F… estabelecido novas relações contratuais de prestação de serviços com a J… e com a K… a partir de 2010, qualquer conclusão pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal sempre teria que ser precedida de uma análise do contexto fáctico e contratual da relação com os Servicers que no exercício de 2014 prestavam os serviços de gestão e recuperação de créditos em incumprimento;

61.              Mas tal análise não pode ser efetuada em qualquer outra sede que não no âmbito de um procedimento de inspeção, para que possam ser recolhidos os dados e informações necessários para poder analisar a relação contratual entre as referidas entidades e daí poder extrair qualquer conclusão sobre a dependência ou independência jurídica e económica do Servicer face à Requerente;

62.              Em 22 de fevereiro de 2016, a Requerente tomou conhecimento da instauração do processo de contraordenação n.º …2016… contra a Requerente por falta de apresentação da Declaração Modelo 22 de IRC;

63.              Teve igualmente conhecimento, em 16 de fevereiro de 2016, da emissão da liquidação contestada e correspondente demonstração de liquidação de juros por parte da AT relativa ao exercício de 2014, nos termos da qual ficou a pagamento, até 8 de abril de 2016, o valor total de € 427.553,41, do qual € 8.405,91 a título de juros compensatórios. Esta liquidação vem desacompanhada de qualquer fundamentação de suporte, mencionando apenas que constitui uma liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos;

64.              De salientar que a matéria coletável da Requerente foi fixada em € 1.710.806,14, correspondente, ao cêntimo, àquela que foi a matéria coletável fixada pela DSIFAE em 2012 e reproduzida em 2015 para o exercício de 2010;

65.              A Requerente pediu a suspensão do processo de contraordenação instaurado;

66.              A Requerente apresentou, em 4 de março de 2016, junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (e com conhecimento para a Direção de Serviços de IRC) requerimento em que esclarece não dispor de qualquer estabelecimento estável em Portugal e requereu que todas as notificações fossem efetuadas na morada dos seus mandatários;

67.              Até à presente data, porém, a Requerente não recebeu qualquer resposta à sua solicitação, continuando, tanto quanto lhe foi dado apurar, a constar do seu cadastro a morada que foi domicílio da H… nos exercícios de 2008, 2009 e 2010 como sendo a morada do estabelecimento estável da Requerente em Portugal;

68.              Acresce que a Requerente recebeu, em 22 de março de 2016, através do e-mail do seu mandatário, notificações a instá-la a reagir a alegadas notificações que lhe teriam sido expedidas para a penhora de saldos de depósitos bancários e de valores mobiliários;

69.              Para uma integral colaboração com a AT, apresentou a Requerente pedido de emissão de certidão de tais notificações, ao qual tem vindo a receber resposta dos vários serviços de finanças junto dos quais correm os correspondentes processos de execução fiscal;

70.              Por requerimento de prova autónomo, e apenas se o Tribunal o entender necessário ou conveniente à descoberta da verdade material, solicitou a Requerente que seja oficiada a AT para prestar a estes autos a informação sobre o domicílio fiscal da Requerente registado no serviço de registo de contribuintes (cadastro) e da sua alegada alteração oficiosa pela AT;

71.              De quanto ficou exposto, a Requerente pode apenas assumir, por decurso lógico dos factos descritos e por absoluta falta de invocação ou demonstração de factos que levem a outra conclusão, que a liquidação ora contestada foi acrítica e automaticamente emitida pela AT, na sequência da alteração oficiosa do cadastro da Requerente que foi promovida pela AT após o procedimento de inspeção relativo aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 no âmbito do qual a AT concluiu pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal através da H…;

72.              Recusa-se a Requerente a crer que a AT pretende efetivamente liquidar IRC relativamente ao exercício de 2014 por meio da liquidação contestada sem aduzir qualquer fundamentação para tal liquidação ou instaurar um procedimento de inspeção para uma análise cuidada e casuística do contexto factual e contratual da relação da Requerente em 2014 com os Servicers relevantes que, como se viu, não são já a H…;

73.              É ainda, segundo a Requerente, algo insólito que a AT, simplesmente por ter levado a cabo um procedimento de inspeção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e por ter no âmbito de tal procedimento, circunscrito a esses exercícios, concluído pela existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal através da H…, venha agora, relativamente ao exercício de 2014, emitir uma liquidação, sempre pressupondo, portanto, a existência de estabelecimento estável em Portugal, quando sabe que o Servicer contratado pela Requerente em Portugal nesse exercício é outro que não a H…, e que portanto a relação contratual e o contexto fáctico que a levaram àquela conclusão não se verificam;

74.              A liquidação contestada nos autos não pode tratar-se senão de um lapso da AT, que de forma automática e acrítica emitiu a liquidação oficiosa, simplesmente por do cadastro da Requerente constar, erradamente – e por lapso da própria AT que efetuou tal correção oficiosa -, a existência de estabelecimento estável da Requerente na antiga morada da H…;

75.              Entende a Requerente que a liquidação de IRC em crise é ilegal, devendo ser anulada com todas as consequências legais, por padecer dos seguintes vícios:

(i). violação da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC; e

(ii). manifesta falta de fundamentação da liquidação contestada, nos termos conjugados do art.º 77.º da LGT, 153.º do Código do Procedimento Administrativo e 268.º da Constituição da República Portuguesa;

76.              Mesmo que assim não fosse, a liquidação seria sempre ilegal por, considerar a existência de estabelecimento estável na morada da H…, quando em 2014 a Requerente não tinha qualquer relação contratual com tal entidade, o que torna tal conclusão não apenas ilegal como faticamente impossível;

77.              Acresce que naquele exercício, segundo a Requerente, esta não dispunha de qualquer estabelecimento estável em Portugal, já que a J… (com a qual mantinha uma relação contratual), sempre atuou no âmbito da sua atividade e nunca foi dependente jurídica nem economicamente da Requerente, pelo que nem sequer com outra fundamentação o ato aqui em causa seria conforme à lei;

78.              Não obstante, e ainda que pudesse concluir-se pela existência de um estabelecimento estável, sempre seria ilegal o ato de liquidação sub judice por ser evidente o erro na quantificação da matéria coletável efetuada pela AT;

79.              A liquidação foi emitida pela AT com fundamento na al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, o que, de resto, constitui a única fundamentação aduzida pela AT para a liquidação do imposto em apreço. Nos termos desta norma, na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

80.              Da análise do preceito resulta, pois, que a legalidade da liquidação oficiosa de IRC emitida pela AT com fundamento neste normativo depende do cumprimento dos seguintes pressupostos: que a declaração Modelo 22, sendo devida, não haja sido apresentada; que a liquidação seja emitida no prazo que a lei prevê (até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita);

81.              Desde logo no presente caso não se cumpre o primeiro dos requisitos previstos na lei: a falta de apresentação da declaração Modelo 22, a que Requerente entende não estar obrigada. Mas se a AT considera o contrário, o mínimo que se lhe exigia era que fundamentasse essa sua posição, o que não fez, aqui residindo a primeira ilegalidade de que padece a liquidação;

82.              O método simples e célere de determinação da matéria coletável em situações de ausência de declaração faz com que nem ao próprio ato de liquidação sejam exigidas por lei quaisquer necessidades acrescidas quer de investigação quer de fundamentação (designadamente dispensando-se a realização de inspeções tributárias), bastando à AT emitir a liquidação com base nos dados recolhidos no ano precedente (ou o mais próximo que se encontre determinado). Parece, então, razoável limitar no tempo a possibilidade de recurso a este método de apuramento da matéria coletável, já que constitui um claro desvio ao princípio da tributação pelo rendimento real;

83.              Apenas com tal limite temporal se evita a inércia da conduta da AT que pode ser despoletada pela simplicidade que reveste este ato de liquidação, pois assim não sendo, sempre poderia, a todo o tempo, a AT recorrer a este método de apuramento da matéria coletável, em vez de proceder ao competente procedimento de inspeção tributária para o apuramento da matéria coletável real;

84.              A Requerente considera que nesta matéria o legislador fiscal muniu-se de especiais cuidados ao estabelecer o prazo (até 30 de novembro) que é um verdadeiro prazo de caducidade, dentro do qual a AT pode validamente emitir liquidações de IRC baseadas na presunção aí estabelecida para os casos em que o contribuinte não apresente em devido tempo a declaração de rendimentos prevista no então art.º 120.º do Código do IRC;

85.              O prazo é indiscutivelmente um prazo de caducidade especial e mais reduzido do que aquele que vem previsto no art.º 45.º da LGT e indiscutivelmente admitido pelo seu n.º 1, quando refere que “o direito de liquidar tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”;

86.              A Requerente não ignora a jurisprudência que tem vindo a ser emitida pelos tribunais superiores nesta matéria, propugnando que o prazo em apreço constitui um “prazo meramente ordenador”, dirigido aos serviços da AT, impondo-lhes um prazo curto para a liquidação oficiosa, por forma a prevenir o decurso da caducidade do direito a liquidar o imposto, que fica sujeita ao prazo normal. Não pode, contudo, a Requerente seguir, com a devida vénia, tal posição;

87.              Entender aquele prazo como meramente ordenador significaria permitir sempre e em todos os casos de falta de apresentação da declaração anual de rendimentos pelo sujeito passivo a tributação por um rendimento presumido sem qualquer esforço de determinação do rendimento real;

88.              De outra forma, e como bem refere o Professor RUI DUARTE MORAIS, um contribuinte que de um exercício para o outro duplicasse o seu rendimento tributável teria encontrada uma solução de poupança de imposto: não apresentava a Declaração Modelo 22 e aguardava pela liquidação oficiosa feita com base na matéria coletável do exercício anterior;

89.              Não foi certamente esta a solução pretendida pelo legislador, que por isso previu um prazo muito curto para o recurso a tal método indireto, que fora desse prazo não pode ser aplicado e que tem ainda a virtualidade de deixar à AT três anos restantes para corrigir a correspondente liquidação oficiosa emitida nestes termos;

90.              Assim, e segundo defende a Requerente, a sua liquidação oficiosa de IRC, respeitante ao exercício de 2014, deveria ter sido emitida até 30 de novembro de 2015, sob pena de padecer de ilegalidade por violação expressa do preceito legal antes transcrito (art.º 90.º, n.º 1, al. b) do Código do IRC). Mas a liquidação de IRC apenas foi emitida em 27 de janeiro de 2016 e notificada à Requerente em 16 de fevereiro de 2016, ou seja, praticamente três meses após o termo do prazo legal.

91.              É evidente que a violação daquele prazo acarreta a ilegalidade da liquidação, e é ainda mais evidente que a emissão do ato para além do mesmo prazo é exclusivamente imputável à AT, e nessa medida constitui erro imputável aos serviços, pelo que sempre deveria ser anulada a liquidação com este fundamento, por violação expressa da norma citada.

92.              Naturalmente que para além desse prazo – e desde que dentro do prazo geral de caducidade de quatro anos – a AT pode a qualquer momento encetar um procedimento de inspeção; apurar os factos e deles retirar as conclusões de direito que entender, liquidando imposto em conformidade;

93.              O que a AT já não podia era utilizar, depois de 30 de novembro de 2015, o método simplificado e presumido de determinação da matéria coletável contido no n.º 1 do art.º 90º do Código do IRC;

94.              Ora, no presente caso, a AT arrogou-se o direito de liquidar imposto com referência ao exercício de 2014 tomando por referência a matéria coletável apurada com referência ao exercício de 2010;

95.              Defende, pois, a Requerente que tendo o ato sido praticado fora de prazo, será anulável, nos termos do n.º 1 do art.º 163.º do Código de Procedimento Administrativo;

96.              Mesmo que assim não se entenda, a verdade é que a liquidação contestada padece de manifesta falta de fundamentação, vício que deverá conduzir à sua anulação, com todas as consequências legais;

97.              A totalidade da fundamentação aduzida pela AT foi a de que era uma liquidação oficiosa de IRC relativa ao período a que respeitam os rendimentos, efetuada nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos, conforme nota demonstrativa junta;

98.              Desejando liquidar imposto, sempre deverá a AT fundamentar tal pretensão segundo as regras gerais de fundamentação aplicáveis às liquidações adicionais de imposto, cumprindo as correspondentes formalidades legais e procedimentais (i.e., a abertura de procedimento de inspeção, o apuramento da matéria coletável segundo métodos diretos – recorrendo a métodos indiretos apenas nos casos do art.º 87.º da LGT e, neste caso, fundamentando devidamente - e audição do contribuinte antes da aplicação das referidas correções), sob pena de ilegalidade da liquidação;

99.              Ao emitir a liquidação, a AT emite um juízo (ainda que não fundamentado) sobre a existência de estabelecimento estável da Requerente em Portugal, ou antes, sobre a persistência de tal estabelecimento na sequência das conclusões a que chegou no procedimento de inspeção aos exercícios de 2008, 2009 e 2010;

100.          Surpreendentemente, a AT não apenas entende que a Requerente tem estabelecimento estável em Portugal, como entende que tal estabelecimento estável se situa na H… (ou na morada que esta teve há anos);

101.          Se a AT sabe que (i) a Requerente entende que não tem qualquer estabelecimento estável em Portugal; (ii) a Requerente vem discutindo as liquidações emitidas que partem de tal pressuposto; (iii) a entidade que constituiria o seu agente dependente (consubstanciando o seu estabelecimento estável) não tem qualquer relação contratual com a Requerente desde 2010, não pode simplesmente ignorar todos estes factos e ignorar o erro que consta do registo de contribuintes (que lhe é exclusivamente imputável), emitindo de forma automática a liquidação, como se tais factos não existissem e não fossem por si conhecidos;

102.          A mesma AT que está plenamente ciente e sabedora do litígio que opôs a ora Requerente e a H…, e da cessação da relação contratual existente entre ambas em setembro de 2010, como admite em sede de Relatório Final, liquida imposto relativo a 2014 à Requerente aparentemente com fundamento no facto de ela dispor de estabelecimento estável na H… no exercício de 2014;

103.          A confusão da AT vai tão longe, que continua a notificar a ora Requerente para a anterior morada da H…, a Rua …, n.º…, …, …-… Lisboa (morada da H… à data dos factos apurados no procedimento de inspeção relativo aos exercícios de 2008, 2009 e 2010), quando a H… até já alterou a sua sede para a Rua…, n.º …-A, …-… Lisboa, facto que a AT igualmente não pode desconhecer, pois certamente constará do cadastro fiscal da própria H… junto da AT.

104.          A Requerente não duvida que a emissão da liquidação possa resultar de um lapso, causado pelo automatismo do sistema informático da AT, em virtude de na sequência dos catos inspetivos relativos aos anos de 2008, 2009 e 2010, a haver inscrito como entidade não residente com estabelecimento estável em Portugal, na morada da H…;

105.          Por conhecer todos os factos antes descritos, impunha-se à AT, na sequência do requerimento apresentado pela Requerente, que fundamentasse o recurso ao art.º 90º, n.º 1, al. b) do Código do IRC, e justificasse as razões de facto e de direito pelas quais entende que em 2014 a Requerente dispunha de um estabelecimento estável na antiga morada da H… (tal como consta do cadastro) e que motivaria a liquidação;

106.          É indiscutível que a AT deveria ter instaurado procedimento de inspeção, por forma a averiguar do contexto factual aplicável no exercício de 2014, cuidando assim da fundamentação e legalidade da liquidação a emitir;

107.          E só de tal conclusão resultaria a obrigação de apresentação da declaração Modelo 22 cuja omissão é pressuposto para a aplicação do sobredito art.º 90º, n.º 1, al. b) do Código do IRC;

108.          Além de fundamentar é a AT que tem que demonstrar e provar a verificação dos factos de que decorre o seu direito de liquidar o imposto, como lhe impõe o art.º 74.º da LGT, o que manifestamente não fez;

109.          A fundamentação expressa e acessível dos atos administrativos é exigida pelo n.º 3 do art.º 268.º da CRP e em concretização deste preceito, o Código do Procedimento Administrativo determina, no seu art.º 153.º, n.º 1, que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato;

110.          Em matéria tributária, a LGT, no art.º 77.º, n.ºs 1 e 2, determina que a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

Devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo;

111.          A falta de fundamentação determina necessariamente a ilegalidade do ato praticado e constitui fundamento de anulação da liquidação, nos termos do art.º 99.º, n.º 1, al. c) do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT;

112.          A Requerente é uma entidade residente para efeitos fiscais na Holanda, que auferiu rendimentos decorrentes do exercício da atividade de gestão e recuperação de créditos levada a efeito por um agente independente, ao abrigo de contratos de prestação de serviços, rendimentos esses que apenas podem ser sujeitos a tributação, como foram – ao abrigo do art.º 5.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino dos Países Baixos (“ADT”) – no seu Estado de Residência (Holanda);

113.          A Requerente defende que, por seriedade intelectual e cautela de patrocínio, se impõe demonstrar que também agora, através do seu atual Servicer (a J…) não possui estabelecimento estável em Portugal, tendo em vista evitar a renovação do ato de liquidação ilegal por parte da AT;

114.          Inexiste qualquer dependência jurídica ou económica da J… relativamente à Requerente;

115.          De acordo com o disposto no art.º 5.º do Código do IRC, regra geral, existe um estabelecimento estável em Portugal, sempre que uma empresa não residente atue em Portugal através de:

 

(i)  uma qualquer instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (estabelecimento estável real); ou

 

(ii)  uma pessoa, que não seja um agente independente nos termos do n.º 7, que tenha, e habitualmente exerça por conta dessa empresa, poderes de intermediação e de conclusão de contratos que vinculem a empresa, no âmbito das atividades desta (estabelecimento estável pessoal – que é o conceito relevante para os presentes autos, pois a AT entende que a Requerente tem em Portugal um estabelecimento estável desta natureza).

116.          Por força do disposto no n.º 7 do mesmo artigo, não se considera que uma empresa tem um estabelecimento estável em território português pelo simples facto de aí exercer a sua actividade por intermédio de um comissionista ou de qualquer outro agente independente, desde que essas pessoas actuem no âmbito normal da sua actividade, suportando o risco empresarial da mesma;

117.          Não obstante o conceito de estabelecimento estável previsto no direito interno (art.º 5.º, nos 6 e 7 do Código do IRC) sempre importará recorrer ao conceito de estabelecimento estável previsto na Convenção celebrada entre Portugal e a Holanda (onde a Requerente tem a sua sede);

118.          O art.º 5.º, n.ºs 5 e 6 do ADT prevê a figura do estabelecimento estável pessoal, nos seguintes termos:

 

5 - (...) quando uma pessoa, que não seja um agente independente a que é aplicável o n.º 6, actue num Estado Contratante por conta de uma empresa do outro Estado Contratante, considera-se que essa empresa possui um estabelecimento estável no primeiro Estado mencionado desde que essa pessoa:

a) Tenha e habitualmente exerça nesse Estado poderes para concluir contratos em nome da empresa, a não ser que as suas actividades se limitem à compra de bens ou de mercadorias para essa empresa; ou

 

b) Não detenha esses poderes, mas mantenha habitualmente no primeiro Estado mencionado um depósito de bens ou de mercadorias a partir do qual efectue entregas regulares de bens ou de mercadorias em nome da empresa e certas actividades adicionais conduzidas nesse Estado em nome da empresa tenham contribuído para a venda de bens ou de mercadorias.

 

6 - Não se considera que uma empresa de um Estado Contratante tem um estabelecimento estável no outro Estado Contratante pelo simples facto de exercer a sua actividade nesse outro Estado por intermédio de um corretor, de um comissário-geral ou de qualquer outro agente independente, desde que essas pessoas actuem no âmbito normal da sua actividade. Contudo, quando a actividade desse agente é exercida na totalidade ou na quase totalidade em nome dessa empresa, não será considerado um agente independente nos termos do presente número se se provar que as transacções entre o agente e a empresa não foram realizadas em condições de absoluta independência;

119.          De acordo com as regras supra, para que se pudesse considerar que a Requerente dispõe de um estabelecimento estável pessoal em Portugal, seria necessário demonstrar que se encontravam cumulativamente verificados os seguintes requisitos:

 

(i)                    O Servicer não era considerado um agente independente;

(ii)                  O Servicer atuava em Portugal por conta da Requerente;

(iii)                O Servicer tinha poderes para celebrar contratos em nome da Requerente;

(iv)                Esses poderes eram exercidos com caráter de habitualidade;

(v)               As atividades exercidas pelo Servicer não se limitavam a atividades de carácter acessório ou auxiliar.

120.          Ora, ao contrário do que pretende a AT, a Requerente jamais atuou em Portugal através de um qualquer agente dependente;

121.          Sucede que, tipicamente – muito embora conhecendo exceções -, a dúvida pela existência ou inexistência de estabelecimento estável surge em casos de relações de grupo entre as entidades em análise, e.g., criação de uma subsidiária noutro Estado que exerce em exclusivo ou quase exclusivamente a atividade da sociedade que a detém integral ou maioritariamente sob as suas direções e em seu benefício, não incorrendo por tal atividade em qualquer risco de negócio. Isto porque a existência de uma relação de grupo entre as duas entidades residentes em estados diferentes é suscetível de indiciar a existência de estabelecimento estável no país onde se localiza a subsidiária, quer pela possibilidade de existência de instalação fixa, quer alternativamente por ser superior a probabilidade de esta poder encontrar-se a atuar como agente dependente da sociedade-mãe naquele território;

122.          Sucede que quando nos encontramos perante entidades relacionadas, a verdade é que mesmo nesses casos e dependendo do circunstancialismo concreto, poderá concluir-se que a subsidiária constitui um agente independente e não configura por isso um estabelecimento estável;

123.          Ora, conforme resulta de tudo quanto já foi exposto, a J… é totalmente independente da Requerente e do grupo a que esta pertence (G…), exercendo a sua atividade há quase 10 anos no mercado português para variados clientes, muitos deles concorrentes do grupo da Requerente nos mercados nacional e internacional;

124.          Assim, concluindo-se pela independência da J… face à Requerente, será totalmente irrelevante se esta tinha e habitualmente exercia poderes de representação da Requerente, assim como é totalmente irrelevante que os atos levados a cabo pela J… tenham carácter preparatório ou auxiliar da atividade própria da entidade não residente, já que estes são, nos termos do n.º 6 do art.º 5º do Código do IRC e do art.º 5, n.º 6 do ADT, pressuposto para a existência ou inexistência de estabelecimento estável apenas quando antes se haja concluído que a pessoa não é um agente independente;

125.          Ora, este excurso lógico e a demonstração e prova dos factos que conduzem àquelas conclusões pertence à AT, porque é sua a pretensão tributária e é seu por isso o ónus probatório;

126.          Sucede que a AT não procedeu a qualquer análise dos factos referentes ao exercício de 2014, vital para a conclusão fundamentada pela existência de um estabelecimento estável;

127.          Não obstante, a Requerente entende ser necessário proceder à demonstração de que a J… constitui um agente dependente dela;

128.          O requisito da dependência não só sempre terá que se verificar para que exista estabelecimento estável pessoal, como é o requisito a que o legislador (quer o interno, quer o do ADT, quer o da própria Convenção Modelo da OCDE) deu uma maior importância no que respeita à delimitação do conceito de estabelecimento estável pessoal. Por esse motivo, aliás, se inclui na norma que estabelece o conceito de estabelecimento estável um preceito autónomo para a definição do critério de independência enquanto pressuposto da (in)existência de estabelecimento estável (n.º 7 do art.º 5.º do Código do IRC e do art.º 5.º, n.º 6 do ADT);

129.          Resumidamente, e tal como pode ler-se no Comentário 36 ao art.º 5.º da Convenção Modelo da OCDE, as normas acima referidas (ainda que oriundas de diferentes fontes) acabam por convergir na conclusão de que um agente só se considerará agente independente para estes efeitos “ou seja, não constituirá um estabelecimento estável da empresa por conta da qual atua, se:

a) for independente da empresa quer jurídica quer economicamente;

 

b) agir no âmbito normal da sua atividade quando atua por conta da empresa”.

 

130.          Não basta a mera atuação por conta de outrem per se para se concluir pela existência de dependência do agente face à entidade por conta de quem atuou. Tal atuação por conta de outrem sempre poderá ser realizada com independência jurídica e económica do agente face à entidade por conta de quem atua e enquadrar-se no âmbito normal da atividade do agente, caso no qual nos encontraremos perante um agente independente e, como tal, insuscetível de qualificação como estabelecimento estável da entidade por conta de quem atua, nos termos do n.º 7 do art.º 5.º do Código do IRC e do n.º 6 do art.º 5.º do ADT;

131.          A relação contratual que a J… mantém com a Requerente (titulada pelo Servicing Agreement) é muito ampla e inclui a obrigação de prestar um conjunto de serviços (todos os necessários à consecução dos objetivos estabelecidos nos referidos contratos), por esse mesmo motivo titulados por um contrato de prestação de serviços e não por um contrato de agência;

132.          De qualquer forma, o que para estes efeitos importa é aferir se existe ou não independência entre a J… e a Requerente, de tal forma que possa afirmar-se que aquela atua (ou não) como comissionista ou qualquer outra forma de agente independente (sendo que a resposta afirmativa leva à conclusão de que não existia estabelecimento estável e a negativa poderá levar à conclusão inversa, desde que se encontrem reunidos os requisitos de que legalmente depende a existência de estabelecimento estável);

133.          O conceito de independência jurídica tem vindo a ser construído pela doutrina e jurisprudência como uma faculdade de atuação e tomada de decisão autónoma (i.e., sem controlo ou instruções significativas, gerais e detalhadas de um terceiro quanto ao modo como a atividade deve ser conduzida ou executada), sendo preferencialmente o agente que assume o seu próprio risco empresarial;

134.          Na Decisão Arbitral proferida no proc. n.º 1/2013-T, de 15 de maio de 2013, esclarece-se ainda, a respeito do critério de independência jurídica, que “A independência legal do agente depende da relação contratual deste com a empresa, ou seja, haverá independência se o agente não estiver sujeito a instruções detalhadas ou a um controlo significativo por parte da empresa em nome da qual age, como acontece com o trabalhador por conta de outrem, exemplo típico de dependência legal”.

135.          O que se questiona é se a Requerente dava instruções precisas e detalhadas à J… sobre o modo como esta deveria prestar esses serviços, e se lhe indicava, por exemplo, como deveria atuar com cada devedor ou grupo de devedores, como deveria em relação a cada crédito tentar a sua recuperação. Com efeito, apenas instruções desta natureza seriam suscetíveis de constituir uma interferência por parte da Requerente na atividade da J… ao abrigo do Servicing Agreement;

136.          A J… tem total liberdade para, ao abrigo do Servicing Agreement, e com base na sua experiência, competência e conhecimentos específicos, decidir como conduzir a sua atividade de gestão dos créditos objeto de tal contrato, com vista à prossecução dos objetivos previamente aprovados pela Requerente (fixados, nomeadamente, nos Business Plans / Planos Comerciais preparados pela J… e posteriormente aprovados pela Requerente).

137.          Com efeito, a cláusula 2.1 do Servicing Agreement esclarece desde logo que “The Servicer shall provide the Services to the Owner solely as an independent contractor, with exclusive control over its employees and agents engaged in the performance of the Services, and shall not act or hold itself out to be an employee, vendor, representative or partner of the Owner or any of its Affiliates”;

138.          Refere ainda a Cláusula 2.1 que “The Servicer shall be solely responsible for determining the terms and conditions of employment between itself and its employees and agents, including for example, hiring, termination, hours of work, rates and payment of compensation, and for the payment, reporting, collection and withholding of all taxes and similar contributions and the Owner shall not have any powers and/or rights in relation therewith;

139.          Das cláusulas que acima se reproduziram resulta evidente e sem margem para quaisquer dúvidas que a J… não atua como um trabalhador por conta de outrem ao serviço da Requerente (exemplo típico de dependência jurídica), e não estava, na atividade de Servicing que exerce de forma independente e para diversas outras entidades, sujeita a instruções precisas da Requerente;

140.          A função da J… é assim conseguir a recuperação de tais créditos, com a máxima rentabilidade e rapidez possíveis, podendo, para o efeito, realizar os atos e utilizar os meios que entender necessários ou convenientes, de acordo com a sua experiência e capacidade técnica;

141.          Quaisquer decisões de gestão e de administração da J…, sempre serão tomadas, de forma completamente independente e sem qualquer interferência da Requerente, que é um mero cliente dos serviços prestados pela J…;

142.          Acresce que além de independência jurídica, a J… tem também total e absoluta independência económica face à Requerente.

143.          Quanto aos fatores a ponderar para determinar a independência económica de um agente, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a identificar, nomeadamente, os seguintes:

(i)  as atividades devem ser exercidas pelo agente em nome de várias empresas;

 

(ii)  o agente deve utilizar os seus meios e trabalhadores para o exercício da atividade, e

(iii)  o agente deve assumir riscos pela sua atuação e receber a respetiva remuneração.

144.          Na Decisão Arbitral proferida no proc. n.º 1/2013-T de 15 de maio de 2013, refere-se que “No que respeita à independência económica, esta dependerá do grau de risco empresarial que recai sobre o agente, comparado com o risco suportado pela empresa que representa. Entre os fatores relevantes para determinar se existe independência económica, constam o número de empresas por conta das quais o agente age – que deverá ser superior a uma unidade – e a proteção por perdas ou remuneração garantida – que não deverá existir”;

145.          O risco da J… – e a questão de saber quem o suporta determina a sua dependência ou independência económica – é o risco de a remuneração que acordou em condições de mercado com a Requerente ser suficiente para cobrir os custos que terá com a estrutura e a forma como decidiu organizar e dispor dos seus meios para prestar serviços à Requerente; a remuneração em causa foi estabelecida de comum acordo pela J… e pela Requerente enquanto entidades independentes – i.e., enquanto entidades não relacionadas para efeitos de preços de transferência –, sendo evidentemente uma remuneração fixada segundo as condições de mercado;

146.          A Requerente não era nos anos em análise, nem nunca foi, a única cliente da J…; a Requerente e a F… não representam sequer 6% da faturação daquela empresa;

147.          É assim forçoso concluir pela independência económica da J… face à Requerente, na medida em que ficam demonstrados todos os elementos dos quais a doutrina e a jurisprudência fazem depender a independência económica de um agente;

148.          Sendo a J… jurídica e economicamente independente da Requerente, não poderá por isso, nos termos da melhor doutrina e jurisprudência que acima se cita, ser considerada uma sua extensão (estabelecimento estável);

149.          Com efeito, nos termos do n.º 6 do art.º 5.º do Código do IRC e do n.º 6 do art.º 5.º do ADT, apenas será suscetível de constituir estabelecimento estável da Requerente um agente passível de configuração como agente dependente;

150.          A Requerente alega ainda a existência de erro na quantificação da matéria coletável efetuada pela AT;

151.          Com efeito, a matéria coletável aplicada pela AT com referência ao exercício de 2014 ascendeu a € 1.710.806,14, correspondente, ao cêntimo, à matéria coletável que foi apurada pela AT para 2010 no âmbito do procedimento de inspeção relativo aos exercícios de 2008, 2009 e 2010;

152.          Desde logo se refira que a legalidade da matéria coletável apurada pela AT para 2010 foi contestada no âmbito do processo n.º 7/2016-T, onde se põem em causa não apenas os pressupostos (existência de estabelecimento estável) mas também a quantificação então feita pela AT, aguardando-se a apreciação desta jurisdição arbitral;

153.          A quantificação feita pela AT para 2010 é ilegal (sendo em consequência ilegal a correspondente liquidação que naquele processo arbitral se contesta), uma vez que na quantificação dos factos tributários:

(i)  A AT preteriu as regras e procedimento necessários à aplicação de métodos indiretos;

(ii)  A AT não tratou de fundamentar convenientemente a quantificação das correções levadas a cabo, em violação do disposto nos art.ºs 125.º, n.º 2 do CPA, 77.º da LGT e 268.º, n.º 2 da CRP.

(iii)  A AT utilizou critérios que não encontram qualquer base legal, em manifesta violação do princípio da legalidade tal como previsto nos art.ºs 165.º, n.º 1, al. i) e 103.º, n.º 2 da CRP e 8.º da LGT;

(iv)  A AT tomou por base critérios e elementos (valores de aquisição, valores de venda, e outros elementos) que lhe foram facultados pela H… e cuja idoneidade é pelo menos duvidosa, o que por aplicação do art.º 100.º do CPPT, implica que a dúvida seja resolvida em favor da Requerente;

154.          Com efeito, a AT em nenhum momento solicitou à Requerente qualquer elemento, como as informações de reporte que recebia da H… a propósito do desempenho das carteiras de NPLs por si adquiridas e cujo Servicing havia sido contratado e era assegurado em Portugal pela H…, para apurar tal matéria coletável para 2010;

155.          Não existem quaisquer elementos documentais que suportem, nem sequer por amostragem, que os valores recuperados são os que constam dos ficheiros utilizados pela AT (que lhe foram facultados pela H…), sendo certo que a AT não confirmou (ou não junta quaisquer elementos nesse sentido) tais montantes, tomando por bons e inquestionáveis os valores que lhe foram fornecidos pela H… em ficheiros informáticos, que não cuidou de validar ou comprovar por qualquer outro meio;

156.          Assim, a AT socorreu-se de meras presunções ou indícios para com base nos mesmos apurar a alegada matéria coletável da Requerente. Ora, a determinação da matéria coletável com base em indícios segue procedimentos e regras próprias, estabelecidas nos art.ºs 87.º e ss da LGT, que igualmente não foram observadas pela AT;

157.          Acresce que a AT não fundamentou, tal como legalmente exigido, a quantificação das correções levadas a cabo, pelo que tais correções padecem de vício de falta de fundamentação, nos termos do art.º 152.º, n.º 2 do CPA - aplicável ex vi al. d), do art.º 2º do CPPT e al. c) do art.º 2º da LGT - que [e]quivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto;

158.          Os critérios utilizados pela AT na quantificação da matéria coletável na base das correções efetuadas não encontram qualquer base legal, uma vez que simplesmente inexiste norma de incidência fiscal que as suporte (pelo que é manifesta a sua ilegalidade e inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade);

159.          Caso não fosse possível promover tal avaliação direta – já que a Requerente não dispõe de contabilidade organizada segundo os critérios aplicáveis no ordenamento jurídico português -, poderia a AT socorrer-se da avaliação indireta, o que implicaria não apenas a especial fundamentação do recurso a tal método indireto (como o impõe o n.º 4 do art.º 77º da LGT), e a verificação de uma das situações elencadas no n.º 1 do art.º 87º da LGT (elenco fechado dos casos em que por lei é permitido o recurso a métodos indiretos);

160.          Do cotejo das al.s do art.º 87.º da LGT verifica-se que, a ser possível o recurso a métodos indiretos, apenas a al. b) poderia ser aplicável ao caso sub judice - “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

161.          A AT teria de se ter estribado na inexistência ou insuficiência da contabilidade da Requerente, para dela concluir a impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável, conforme preceituado no art.º 88.º da LGT;

162.          Não tendo a AT nem demonstrado essa impossibilidade nem justificado, por qualquer modo, a própria utilização dos métodos indiretos, e não lhe sendo permitido recorrer ao método indireto previsto na al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC por estar precludido o prazo dentro do qual poderia fazê-lo, não se pode senão concluir pela sua inadmissibilidade;

163.          Pelo que a liquidação emitida é ilegal por violação da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC e do n.º 4 do art.º 77.º e do art.º 87.º da LGT;

164.          Mesmo que assim não se entenda, o recurso a simples regras de experiência sempre conduziria à conclusão de que a matéria coletável apurada com referência ao ano de 2010 (mesmo a ser válida e legal ) nunca seria idêntica à matéria coletável apurada em 2014 (quatro anos depois), porque as simples regras de experiência e a natureza da atividade da Requerente demonstram que o decurso do tempo e o encerramento progressivo dos créditos dentro de cada carteira conduzem a uma diminuição dos montantes recuperados;

165.          Como facilmente se compreende, os primeiros anos de gestão de uma carteira são aqueles em que é maior o volume/montante recuperado, que vai diminuindo ao longo do tempo com o progressivo encerramento de créditos dentro das carteiras;

166.          Considerando que a Requerente não adquiriu em Portugal novas carteiras, o volume de crédito recuperado em 2014 foi necessariamente muito inferior ao volume de crédito recuperado em 2010;

167.          Acresce que, a existir contabilidade organizada em Portugal (como pretende a AT e tenta reconstitui-la para determinar o imposto devido em 2010), em 2014 esta seria elaborada de acordo com as regras do SNC, e portanto, numa lógica de carteira e não de cada um dos créditos individualmente considerados;

168.          Segundo entende a Requerente, sempre teria que ser determinado o resultado contabilístico (que nos termos do art.º 3.º, n.º 1, al. c), n.º 3 e art.º 55.º, que remete para o art.º 17º e ss, todos do Código do IRC, é a base para a determinação do lucro imputável a um estabelecimento estável), para em seguida ser possível, nos termos das regras aplicáveis do Código do IRC (nomeadamente do art.º 55.º invocado pela AT), determinar o resultado fiscal;

169.          Ora, o método contabilístico a adotar em Portugal não deveria diferir do método adotado pela Requerente enquanto entidade residente na Holanda sem estabelecimento estável em Portugal;

170.          Com efeito, de acordo com a NCRF 27 aplicável a instrumentos financeiros (nos quais se incluem os créditos aqui em causa), os instrumentos financeiros em causa (créditos) deviam ser mensurados de acordo como o custo amortizado utilizando o método da taxa de juro efetivo (nos termos parágrafo 12, a) da referida NCRF), menos perdas por imparidade, tal como fez a Requerente para efeitos contabilísticos e fiscais na Holanda;

171.          A NCRF 27 admite de forma expressa a possibilidade de o sujeito passivo optar por efetuar os seus registos contabilísticos on a portfolio basis (carteira a carteira – i.e., agrupando os créditos com base em similares características de risco de crédito, tal como fez a Requerente), ao invés de proceder a tal cálculo de forma individualizada como decidiu fazer a AT para os exercícios de 2008, 2009 e 2010;

172.          Aliás, o mesmo decorre das normas internacionais de contabilidade (no caso, a IAS 39) que estão na base da referida NCRF, sendo certo que de acordo com a antedita NCRF 27, “Uma entidade pode não aplicar esta Norma se optar por aplicar integralmente a IAS 32 – Instrumentos Financeiros: Apresentação, a IAS 39 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração e a IFRS 7 – Instrumentos Financeiros: Divulgação e Informações” (cf. NCRF 27, parágrafo 2);

173.          Na IAS 39 é prescrito o tratamento contabilístico a dar aos instrumentos financeiros, em que se incluem os “Empréstimos concedidos e contas a receber” (cf. parágrafo 9), determinando- se que após o reconhecimento inicial, uma entidade deve mensurar estes ativos financeiros pelo custo amortizado usando o método do juro efetivo (cf. parágrafo 46. a) da IAS 39 adotada pelo texto original do Regulamento (CE) n.º 1126/2008 da Comissão, de 3 de novembro;

174.          Na IAS 39 são feitas inúmeras referências ao tratamento dos instrumentos financeiros em grupo (no caso por portfolio), nomeadamente, o parágrafo 64 refere de fora cabal que “[u]ma entidade avalia primeiro se a prova objetiva de imparidade existe individualmente para ativos financeiros que sejam individualmente significativos, e individual ou coletivamente para ativos financeiros que não sejam individualmente significativos (ver parágrafo 59). Se determinar que não existe prova objetiva de imparidade para um ativo financeiro individualmente avaliado, quer seja significativo ou não ela inclui o ativo no grupo de ativos financeiros com características semelhantes de risco de crédito e avalia-os coletivamente quanto à imparidade”;

175.          Aliás, esta lógica de análise por carteira (e não por cada crédito individualmente considerado), é a que subjaz a toda a atividade: é carteira a carteira que são determinados os objetivos de desempenho que balizam a atuação do Servicer; é a consecução dos objetivos de recuperação por carteira que determina o direito e a quantificação dos fees variáveis do Servicer, etc;

176.          Desta forma, e ainda que seguindo o método que utilizou na determinação da matéria coletável da Requerente, a AT sempre teria que fazer tal análise por carteira e não por cada um dos créditos, o que conduziria necessariamente a resultados muito diferentes daqueles a que chegou;

177.          A matéria coletável determinada para o exercício de 2014 (que o foi de forma automática e acrítica ignorando todas estas evidências) não tem qualquer aderência à realidade, o que sempre imporia, nos termos do art.º 100º do CPPT a sua anulação, que aqui se requer;

178.          Foi devido à evolução dos créditos no tempo (tendo em conta o encerramento crescente de créditos dentro de cada carteira) que a H… contratualizou o pagamento de um servicing fee que diminuía com a evolução do tempo, e.g., um fee que em 2006 ascendia a € 100.000 mensais, a partir de 2011 ascenderia a apenas € 3.000;

179.          Quanto se disse é gerador de dúvidas. Ora, tais dúvidas põem naturalmente em causa a liquidação contestada, porquanto nos termos do art.º 100.º do CPPT, as dúvidas sobre “existência e quantificação do facto tributário” devem ser decididas a favor do sujeito passivo.

180.          Tal norma resulta como uma decorrência das regras gerais do ónus da prova no âmbito do procedimento tributário, de acordo com as quais a prova dos factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoque – art.º 74.º, n.º 1 da LGT (ou seja, in casu, caberia à AT fazer tal prova).

 

DA REQUERIDA

A Requerida sustenta que:

1.                  No período compreendido entre junho de 2006 e 14 de setembro de 2010, a representação em Portugal da Requerente foi exercida com base em procurações, configurando a existência de Estabelecimento Estável em Portugal – Estabelecimento Pessoal localizado nas instalações da H…, pelo que, entenderam os serviços tributários que a sociedade deveria estar registada em Portugal para efeitos de IRC e, em consequência, proceder ao cumprimento das obrigações fiscais previstas em sede de IRC, nos termos dos art.ºs 117.º e 120.º, ambos do Código do IRC;

2.                  Por isso, foi enviada uma notificação para a sede fiscal da «N…, UNIPESSOAL LDA.», na qualidade de representante da Requerente, no intuito de providenciar a regularização tributária relativa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010;

3.                  Foi efetuada uma inspeção aos anos de 2008, 2009 e 2010, que apurou o constante do quadro

 

4.                  No seguimento, foram emitidas as correspondentes liquidações notificadas à Requerente via caixa postal eletrónica;

5.                  No que respeita ao período de 2014, não existe qualquer registo de cessação de actividade, para efeitos de IRC, por parte da Requerente. Logo, o sistema informático da AT detetou a inexistência de entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 do IRC;

6.                  A Requerente foi informada de que a liquidação oficiosa teria por base o valor anual da retribuição mensal mínima garantida ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontre determinada, mas foi advertida de que a liquidação oficiosa ficaria prejudicada se, no prazo de 15 dias, fosse apresentada a declaração em falta;

7.                  Mais a informou a AT, que a apresentação da declaração de rendimentos tem natureza obrigatória, ainda que não tivesse sido exercida qualquer actividade no respectivo período, ou mesmo que tivesse sido declarada a cessação de actividade para efeitos de IVA, devendo, em cada um destes casos ser inscrito o valor “zero” nos campos de preenchimento obrigatório;

8.                  A Requerente apenas apresentou um requerimento em que afirmou não se considerar obrigada à apresentação de declaração, nos termos do disposto no n.º 4 do art.º 120º do Código do IRC;

9.                  Em relação à natureza do prazo constante da al. b) do n.º 1 do art.º 90º do Código do IRC, diz a AT (com apoio no Acórdão da 2ª Sec. do STA, de 11/05/16 proferido no Proc. nº 0442/15, que transcreveu parcialmente) que , contrariamente ao entendimento que defende a Requerente, é hoje pacífico que não é um prazo de caducidade, mas sim, como também já se concluía no Ac. do mesmo STA de 16/12/09, proferido no Proc. 0955/09, um prazo meramente ordenador que visa “disciplinar a acção interna da administração fiscal, estabelecendo prazos de actuação para liquidação do imposto. E, assim, as consequências da sua inobservância não são a ilegalidade da liquidação, mas eventualmente a responsabilidade disciplinar dos funcionários e, mesmo, a responsabilidade civil extracontratual do Estado”;

10.              Até porque os prazos de caducidade do direito à liquidação são os que estão previstos no art.º 45º da LGT e, no caso, o legislador nem sequer prevê o estabelecimento de qualquer sanção para o incumprimento do prazo estabelecido na al. b) do nº 1 do art. 90.º do Código do IRC;

11.              Donde, este normativo limita-se a estabelecer um procedimento e forma de liquidação, dirigido à AT e para prevenir uma eventual caducidade do direito à liquidação, quando o sujeito passivo incumpre e não apresenta, em prazo, a declaração de rendimentos;

12.              A Requerente também não tem razão em relação à não obrigatoriedade de apresentação da Declaração Modelo 22, pois está abrangida pelo disposto nos art.ºs 117º e 120º, n.ºs 1 e 4 do Código do IRC;

13.              Nesta conformidade, por ofício n.º … de 2012-10-23, foi mesmo enviada uma notificação para a sede fiscal da «N…, UNIPESSOAL LDA.», na qualidade de representante da Requerente, no intuito de providenciar a sua regularização tributária relativa aos exercícios de 2008, 2009 e 2010. Ou seja, no sentido de proceder à apresentação da declaração de inscrição no registo, apresentar as Declarações de Rendimentos Modelo 22, bem como respetivas Declarações Anuais / IES, referentes aos exercícios económicos de 2008, 2009 e 2010;

14.              E estando essa declaração de inscrição feita e não cessada, como confessa a Requerente, é evidente que esta mantinha a obrigação de apresentar declaração de rendimentos;

15.              Conforme já decidiu esse Tribunal Arbitral, veja-se o Acórdão proferido no Proc. nº 10/2013-T, quando o sujeito passivo não exerça tempestivamente o seu direito de liquidação de IRC, devolve a competência da liquidação à AT. E, a AT, ao efetuar a liquidação oficiosa de acordo com o estatuído na al. b) do nº 1 do art.º 90.º do Código do IRC, está a agir ao abrigo de uma competência vinculada por força do estatuído no art.º 266.º da CRP;

16.              E, conclui-se nessa mesma decisão arbitral, que havendo lugar à liquidação oficiosa em que se apura matéria tributável de acordo com rendimentos presumidos e após notificação da mesma, cabe aos sujeitos passivos reagirem contra a mesma através dos meios administrativos e judiciais que têm ao seu alcance;

17.              No entanto, como também se conclui no Ac. da 2ª Sec. do CT do TCA Sul de 18/05/04, Proc. nº 01355/03, “A simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 95º acima citado. É que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo; depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada.

18.              Ora, não é esse o sentido da lei. A liquidação só poderá ser anulada oficiosamente, nos casos previstos na lei, pela Administração Tributária na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa ou por determinação de Tribunal Tributário.”

19.              Pelo que, a liquidação oficiosa efetuada pela AT só poderia ser anulada caso a Requerente provasse ou a inexistência de facto tributário ou o excesso de quantificação. Ora, in casu, note-se que a mesma até parece que se conformou com a presente liquidação, dado que não apresentou qualquer declaração de rendimentos, como era o seu dever, caso pretendesse pôr em causa a liquidação provisória feita pela AT ou mesmo obstar ao processamento da mesma.

20.              Finalmente, pelas mesmas razões, não ocorre qualquer violação do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que o próprio Tribunal Constitucional, cfr. Ac. nº 348/97, Proc. nº 63/96, admite a constitucionalidade da utilização de presunções para determinar a matéria tributável, ponto é que a lei também admita a possibilidade de as mesmas serem ilididas;

21.              Alega a Requerente que a liquidação efetuada nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC, carece de fundamentação, não só porque não tendo ela estabelecimento estável em Portugal não se encontrava vinculada a tal apresentação, como também porque a AT não demonstrou as razões de facto e de direito pelas quais a matéria coletável naquele exercício é a que utilizou para a determinação do imposto que consta da liquidação contestada;

22.              Não tem a Requerente qualquer razão quando invoca que a AT tinha que fundamentar o ato porque ela própria entende que não tem estabelecimento estável em Portugal.

23.              Na verdade, não é esse o entendimento da AT e a Requerente bem sabe, primeiro, que a AT considera que ela tem estabelecimento estável em Portugal, segundo, as razões de facto e de direito em que fundamenta essa conclusão e que são sobejamente conhecidas pela Requerente, como, aliás a mesma demonstra conhecer no âmbito do presente pedido de pronúncia arbitral e já foram por si amplamente contrariadas até no âmbito do processo que correu termos no CAAD sob o nº 7/2016-T, terceiro, é a própria Requerente que também admite que consta do cadastro como entidade não residente com estabelecimento estável, quarto, a Requerente não apresentou qualquer declaração de cessação de atividade;

24.              Efetivamente, a liquidação oficiosa só tinha que mencionar, face ao tipo de ato em causa, que a mesma é efetuada por falta de apresentação da Declaração Modelo 22, fazendo expressa menção a tal artigo;

25.              Como se refere no Acórdão do TCA Norte atrás citado, mal se compreende que a Requerente venha invocar falta de fundamentação de uma liquidação que existe porque ela não efetuou a autoliquidação que se lhe impunha e que é feita com base no rendimento apurado no ano anterior, que ela conhece perfeitamente;

26.              Donde, a fundamentação do ato de liquidação em causa é a necessária e suficiente para que a Requerente fique em condições de conhecer o iter cognoscitivo e valorativo que levou à sua prática e de se opor eficazmente à mesma, por exemplo, apresentando uma declaração com outros valores quanto à matéria coletável;

27.              Quanto às razões de facto e de direito da quantificação que consta da liquidação oficiosa, elas também são facilmente apreensíveis face ao que se dispõe no mesmo art.º 90º do Código do IRC;

28.              Quanto à existência ou inexistência de estabelecimento estável em Portugal, diz a AT que nos presentes autos está em casa a liquidação oficiosa com referência ao exercício de 2014, que resulta da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC. Não está, portanto, em discussão a verificação de estabelecimento estável, nem, em consequência, a aferição da existência de um agente (in)dependente. Por completa inutilidade para os presentes autos, abstemo-nos de tecer quaisquer considerações quanto a esta matéria;

29.              O mesmo se diga relativamente à quantificação, porquanto a mesma resulta diretamente da aplicação da lei, a qual determina que a liquidação oficiosa tem por base a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontre determinada. Na presente situação o período mais próximo é o de 2009, pelo que não há que discutir, nesta sede, a liquidação correspondente a este exercício;

30.              A Requerente solicita ainda a produção de prova testemunhal, todavia, atenta a natureza da matéria controvertida, não se antevê a necessidade da realização da respetiva inquirição. A inquirição das testemunhas arroladas, no caso concreto, afigura-se como um ato inútil, pelo que, atendendo ao disposto no art.º 130.º do CPC, aplicável ex vi do art.º 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, não deverá realizar-se;

31.              Atentos os princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, bem como da livre determinação das diligências de prova necessárias, consagrados no art.º 16.º, al.s c) e e) do RJAT, deverá a prova testemunhal requerida ser considerada como desnecessária.

 

III – SANEAMENTO

i.As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

ii.O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

iii.O processo não enferma de qualquer nulidade.

iv.Não foram suscitadas questões prévias.

 

IV – FACTOS PROVADOS

 

1.                  A Requerente é uma sociedade que pertence ao grupo G… e tem sede em Amesterdão, na Holanda;

2.                  A Requerente dedica-se, para além de outras, à atividade de compra e venda e à gestão e recuperação de créditos malparados;

3.                  A Requerente adquiriu, entre 2006 e 2009, várias carteiras créditos a bancos comerciais portugueses, identificados nos quadros contidos no art.º 41º do seu pedido, que aqui se dá por reproduzido;

4.                  A Requerente, para a assistir na gestão e recuperação daqueles créditos contratou a empresa H… (H…), com sede em Lisboa;

5.                  A Requerente contratualizou com a H… um servicing fee que diminuiria com a passagem do tempo: € 100.000,00 mensais em 2006 e € 3.000,00 em 2011;

6.                  Em 14 de setembro de 2010 a Requerente denunciou o contrato que celebrara com a H…, devido à existência de um litígio entre ambas e, para a prestação dos serviços supra indicados, a Requerente contratou duas outras empresas, a J… e a K…;

7.                  Em 2014 quem prestou aqueles serviços à Requerente foi a J…;

8.                  Os seis portfolios de créditos transferidos pela Requerente para a J… em 2010 são os mesmos relativamente aos quais, ainda hoje, a J… presta serviços de gestão e recuperação, pois a Requerente não adquiriu, entretanto, qualquer novo portfolio de créditos em Portugal;

9.                  A Requerente não é a única cliente da J…;

10.              O Peso da Requerente e da F… como clientes representa cerca de 6% do valor total dos serviços prestados pela J…;

11.              A Requerente foi objeto de processo inspetivo realizado pela AT, relativo aos de 2008, 2009 e 2010;

12.              O processo inspetivo teve origem numa exposição de 11 de fevereiro de 2011, apresentada à AT pelo Presidente do Conselho de Administração da H…;

13.              O processo inspetivo foi efetuado a partir de documentação fornecida pela H…;

14.              A Requerente foi notificada, em outubro de 2012, para proceder à apresentação da declaração de inscrição no registo, Declarações Modelo 22, com respeito aos exercícios de 2008, 2009 e 2010 e declarações anuais / IES com respeito ao mesmo período;

15.              A Requerente não efetuou as apresentações referidas no número anterior;

16.              A Requerente apresentou, em 18 de fevereiro de 2013, um requerimento, no âmbito do qual explicitou os motivos pelos quais entende que não dispunha à data dos factos (tal como não dispõe atualmente) de qualquer estabelecimento estável em Portugal, não estando por isso obrigada à apresentação das declarações de que vinha notificada;

17.              A Requerente não apresentou a Declaração Modelo 22 relativa a 2014;

18.              Em abril de 2015 a Requerente recebeu o projeto de relatório de inspeção tributária onde a AT se propunha tributar a Requerente como se esta dispusesse de um estabelecimento estável em Portugal, por conjugação do disposto no n.º 6 do art.º 5º do Código do IRC e do art.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação entre Portugal e o Reino dos Países Baixos;

19.              A Requerente não exerceu o direito de audiência prévia, tendo sido notificada a 1 de junho de 2015 do Relatório Final;

20.              A Requerente foi assim notificada das liquidações de imposto, relativas ao IRC de 2008, 2009 e 2010 e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 3.568.943, nos termos seguintes:

-Liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2008, no valor total de € 1.660.078,64, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 12 de outubro de 2015;

-Liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2009, no valor total de € 1.385.765,23, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 15 de outubro de 2015; e

-Liquidação n.º 2015…, relativa ao IRC e juros compensatórios de 2010, no valor total de € 523.099,05, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 19 de outubro de 2015.

21.              A Requerente tomou conhecimento do Aviso n.º…, para proceder à apresentação da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2014 no prazo de 15 dias;

22.              Aquele aviso foi enviado pela AT, pelo correio, para a anterior morada da H…, sita na Rua …, n.º…, …, …-…Lisboa;

23.              A Requerente apresentou, em 10 de novembro de 2015, resposta a tal notificação, dando nota de que se encontrava dispensada da apresentação da referida Declaração Modelo 22 de IRC relativa a 2014 nos termos do n.º 4 do art.º 120.º do Código do IRC;

24.              A AT instaurou o processo de contraordenação n.º …2016… contra a Requerente por falta de apresentação da Declaração Modelo 22 de IRC;

25.              Em 2016-01-27 a AT emitiu a liquidação n.º 2016…, para pagamento de IRC pela Requerente relativo a 2014;

26.              A liquidação efetuada teve por base a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontrava determinado, o período de 2010, no valor total de € 427.553,41, do qual € 8.405,91 a título de juros compensatórios;

27.              A matéria coletável da Requerente para 2014 foi fixada em € 1.710.806,14, igual àquela que foi a matéria coletável fixada pela AT pela inspeção para o exercício de 2010;

28.               As notificações destes atos foram enviados pela AT para a anterior morada da H…, sita na Rua …, n.º…, …, …-… Lisboa;

29.              A Requerente, em 4 de março de 2016, apresentou junto da Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (e com conhecimento para a Direção de Serviços de IRC) um requerimento em que disse não dispor de qualquer estabelecimento estável em Portugal e requereu que todas as notificações fossem efetuadas na morada dos seus mandatários, que coincidia com a antiga morada da H…, a já referida morada da Rua…, n.º…, … …-… Lisboa;

30.              A Requerente procedeu ao pagamento do valor total de € 427.553,41 em 4 de abril de 2016;

31.              A Requerente não adquiriu quaisquer carteiras de créditos em Portugal desde 2008;

32.              As carteiras de créditos sob gestão da J… desde 2010 são as mesmas para cuja gestão haviam até então sido contratados os serviços da H…;

33.              No anterior processo que correu termos no CAAD sob o n.º 7/2016-T, não ficou demonstrado que existisse um estabelecimento estável da Requerente em Portugal.

 

V - FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevância para os autos, considera-se não provada a dependência jurídica e económica das empresas J… e/ou K… relativamente à Requerente, durante os anos de 2011 a 2014.

 

VI - DECISÃO

Nos presentes autos está em apreciação a legalidade da liquidação de IRC referente ao ano de 2014, em relação ao qual a Requerente não apresentou Declaração Modelo 22, por considerar não estar obrigada à sua entrega, em virtude de alegar ser uma pessoa jurídica não residente nem titular de estabelecimento estável em Portugal.

Para apurar o valor dessa liquidação a AT atuou nos termos do disposto no art.º 90.º, n.º 1, b), do Código do IRC segundo o qual a liquidação …tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

Nestes termos, a liquidação ora em crise teve por base a totalidade da matéria coletável do período mais próximo que se encontrava determinado, o do ano de 2010, no valor total de € 427.553,41, do qual € 8.405,91 a título de juros compensatórios.

O valor da liquidação referente a 2010 foi apurado no âmbito de um procedimento inspetivo à atividade da Requerente em Portugal nos anos de 2008, 2009 e 2010. Neste procedimento inspetivo a AT concluiu que a Requerente possuía em Portugal um estabelecimento estável pessoal, conforme o previsto no n.º 6 do art.º 5.º do Código do IRC em conjugação com o art.º 5.º da Convenção Para Evitar a Dupla Tributação Entre a República Portuguesa e o Reino dos Países Baixos, derivado da atividade exercida pela empresa então contratada pela Requerente – a H…–  para a assistir na gestão e recuperação dos créditos adquiridos por aquela.

A Requerente impugnou as aludidas liquidações junto do CAAD, no processo arbitral que correu termos sob o n.º 7/2016 e que teve decisão a 28 de novembro de 2016, o qual considerou registar-se no caso então em apreço caducidade do direito de liquidação por parte da AT, pelo que não se pronunciou acerca da existência ou inexistência de estabelecimento estável em Portugal por parte da Requerente.

Nos presentes autos, há a salientar que o procedimento inspetivo realizado pela AT teve unicamente por objeto os anos em que vigorou o contrato celebrado entre a Requerente e a H…, sucedendo que no ano de 2014 a entidade que assistiu a Requerente na gestão e recuperação dos créditos das suas carteiras foi a empresa J…, uma vez que a Requerente revogara o contrato com a H… e celebrara com a J…, tudo em setembro de 2010, novo contrato de prestação de serviços (Servicing Agreement). Este facto era do conhecimento da AT.

Naquele procedimento inspetivo (relativo aos anos de 2008, 2009 e 2010) a AT considerou que a relação que ligava a Requerente à H… configurava a existência de um estabelecimento estável pessoal da Requerente, devido à verificação de dois pressupostos essenciais: a dependência jurídica e a dependência económica da empresa sediada em Portugal (prestadora dos serviços) relativamente à Requerente.

Nos presentes autos, a AT, sem realizar qualquer diligência para aquilatar da natureza das relações de dependência ou de independência existentes entre a Requerente e o seu atual Servicer (a J…) assumiu desde logo a existência de dependência económica e jurídica, sem a demonstrar, e liquidou IRC em valor precisamente igual ao que liquidara em relação ao ano de 2010.

Ao tempo da liquidação ora em crise, era do conhecimento da AT a mudança de Servicer pela Requerente, sendo referido no Relatório Inspetivo o contrato celebrado pela Requerente com a J… . Consequentemente, deveria a AT ter efetuado um procedimento inspetivo relativo à verificação da relação existente entre a Requerente e a sua atual parceira a desenvolver atividade em Portugal e não considerar irrelevante a sucessão de prestador de serviços. Ou seja, deveria a AT, nos termos que lhe são impostos pelo art.º 58º da LGT, realizar todas as diligências ao seu alcance para apurar a verdade material. É que não o tendo feito, para mais quando está em causa um hiato de quatro anos, a AT violou o disposto no n.º 3 do art.º 74.º da LGT, segundo o qual “Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, …”.

Na verdade, as liquidações efetuadas ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 90.º do Código do IRC são efetuadas sem um apuramento da existência da real matéria tributável dos sujeitos passivos no ano a que se reportam, pelo que têm natureza meramente provisória, como se confirma pelo preceituado no n.º 10 do mesmo artigo, em que se estabelece que “a liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas”.

Sendo a Requerente uma entidade não residente, a sua tributação em 2014 tem de se fundar no exercício da sua atividade, nesse ano, com base num estabelecimento estável.

No caso em apreço, nem sequer é invocado pela AT como fundamento da liquidação que a Requerente tivesse algum estabelecimento estável nas instalações da J… ou da K…, pelo que a sua eventual existência não pode ser considerada como fundamento da liquidação.

A AT não pode lançar mão de uma presunção meramente sua, não demonstrada, procedendo a uma inscrição oficiosa, também da sua lavra, que mantém indefinidamente, sem mais, para substituir um ónus de alegação e prova.

Para além disso, as dúvidas sobre a existência de um estabelecimento estável, que é requisito da tributação em IRC, têm de ser processualmente valoradas a favor do sujeito passivo e não contra ele, por força do disposto no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na al. c), do n.º 1, do art.º 29.º do RJAT.

Neste contexto, perante a prova produzida e não produzida, conclui-se que a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, ao pressupor a existência de um estabelecimento estável da Requerente em 2014, para mais nas instalações da H… .

Assim sendo, considera o Tribunal desnecessária a apreciação da argumentação da Requerente relativamente à aplicabilidade do art.º 90.º do IRC.

Neste contexto, decide o Tribunal julgar procedente o pedido formulado pela Requerente, em virtude de a AT ter atuado com violação do disposto nos art.ºs 58.º e 74.º, n.º 3, ambos da LGT, violação essa que inviabilizou a verificação dos pressupostos necessários à aplicação do art.º 5.º, n.º 6, do Código do IRC. Este vício justifica a anulação da liquidação impugnada (art.º 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, aplicável por força do disposto na al. d) do art.º 2.º da LGT).

Termos em que, o Tribunal:

·                                    declara ilegal e consequente nula a liquidação de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2014, da qual resultou um valor total a pagar de € 427.553,41 (consubstanciada no documento 2016…); e

·                                    condena a AT ao reembolso do montante indevidamente pago pela Requerente com respeito a tal liquidação.

A Requerente pediu ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento da liquidação, com base em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.

 

Ora, nos termos conjugados do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, e do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, a AT será condenada ao pagamento de juros indemnizatórios quando, devido a erro (de facto ou de direito) imputável aos serviços daquela, o contribuinte pague indevidamente um tributo e o ato de liquidação impugnado venha a ser anulado com base no referido erro.  

 

Os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto até à emissão da respetiva nota de crédito, sendo contabilizados de acordo com a aplicação da taxa prevista nos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, e no artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil.

 

Padecendo o ato impugnado de vício de erro sobre os pressupostos de facto, como padece, o qual determina a respetiva anulação, julga-se igualmente procedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, devidos desde a data do pagamento do imposto até à emissão da nota de crédito respetiva.

 

Custas a cargo da Requerida no montante de €36.000,00 (trinta e seis mil euros), nos termos dos art.ºs 6º, n.º 2 alínea b), 12º, n.º 3 e 22, n.º 4 do RJAT e 5º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa.

 

Valor: € 427.553,41 (quatrocentos e vinte e sete mil, quinhentos e cinquenta e três euros e quarenta e um cêntimo)

 

Lisboa,  14  de julho de 2017

 

 

 

Os árbitros

 

 

Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente)

 

 

António Carlos dos Santos

 

 

Ricardo da Palma Borges