Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 38/2013-T
Data da decisão: 2013-12-20  IRC  
Valor do pedido: € 201.502,01
Tema: Regime da eliminação da dupla tributação económica dos dividendos auferidos pelas SGPS
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Requerente: A..., SGPS, S.A.

Requerido: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

 

Acordam, nestes autos, os juízes-árbitros, Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, presidente, Exma. Sra. Dra. Suzana Fernandes da Costa e Exma. Sra. Dra. Sara Barros, adjuntos:

 

 

1. Relatório

 

A..., SGPS, S.A., contribuinte fiscal n.º …, com sede na Rua … Lisboa apresentou pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante “RJAT”), sendo a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT”).

A Requerente pretende obter a declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação n.º 2010 … de IRC e da demonstração de acerto de contas n.º 2010 …, relativas ao exercício de 2007, e para obter uma indemnização por garantia indevidamente prestada.

Como fundamento do seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

  1. Que a correção à matéria coletável no valor de 701.118,53 € efetuada pela AT não é legítima, por entender que se deve aplicar a norma prevista no artigo 46º n.º 1 do Código do IRC, e por isso, devem ser deduzidos os rendimentos correspondentes aos lucros distribuídos pela sociedade B..., SGPS, S.A., no ano de 2007.
  2. Que se verificou violação direta das normas legais constantes do artigo 32º n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais e do artigo 46º do Código do IRC (atual artigo 51º), e ainda violação da Diretiva n.º 90/435/CEE de 23 de Julho.
  3. A Requerente pretende, ainda, o pagamento de uma indemnização por ter prestado garantia no processo de execução fiscal, que, no seu entender, é indevida.

 

A AT apresentou resposta onde defende que a correção efetuada é legal e não violou qualquer norma e conclui pela improcedência do pedido da Requerente.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (doravante RJAT), na redação introduzida pelo artigo 228º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (Árbitro Presidente), a Dra. Suzana Fernandes da Costa e a Dra. Sara Barros, que comunicaram a aceitação do encargo.

Em 29-04-2013, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do artigo 11º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 15-05-2013.

Em 21-06-2013, a Requerente apresentou um requerimento superveniente e juntou 123 documentos, tendo a AT apresentado requerimento alegando que a produção de prova se esgotou com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral e requerendo o desentranhamento dos documentos juntos pela Requerente. E em 28-06-2013, a AT respondeu alegando que a produção de prova se esgotou com a apresentação do pedido de pronúncia arbitral e requerendo o desentranhamento dos documentos juntos pela Requerente em 21-06-2013.

Por despacho de 5/11/2013, o colectivo decidiu admitir a junção dos documentos oferecidos pela Requerente, concedendo à AT o prazo de 15 dias para se pronunciar sobre eles, o que fez a 25/11/2013.

Em 18-07-2013, a Requerente apresentou as suas alegações escritas, tendo por sua vez a Requerida apresentado as suas alegações em 10-09-2013.

 

2. Fundamentação

2.1. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, é materialmente competente, o processo não enferma de vícios que o invalidem, não foram arguidas excepções e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

 

Cumpre, pois, apreciar e decidir.

 

2.2 Constitui questão decidenda nos presentes autos a da aplicação do n.º 1 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), com a redação introduzida pelo artigo 37.º da Lei n.º 32-B/2002, e dos n.os 1 e 5 do artigo 46.º do CIRS (actual artigo 51.º depois da renumeração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, ou seja, da aplicabilidade do regime da eliminação da dupla tributação económica dos dividendos auferidos pelas sociedades gestoras de participações sociais (SGPS).

 

2.3 Como pertinentes ao conhecimento e decisão da questão decidenda o Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:

 

  1. No exercício de 2007, a Requerente deduziu o montante de 10.772.000,00 €, respeitante a dividendos recebidos em virtude da detenção de 1.000.000 ações do C... e de 22.600.000 ações da B… SGPS, para efeitos do apuramento do seu lucro tributável.
  2. As acções representativas do capital da B… SGPS, detidas pela Requerente, que originaram o pagamento daqueles dividendos, foram adquiridas entre Outubro de 2006 e Abril de 2007;
  3. Nos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro de 2007 e em Janeiro de 2008, a Requerente procedeu à alienação de 5.040.382 acções da B… SGPS, das quais 2.952.078 acções foram detidas por um período inferior a um;
  4. A Requerente foi sujeita a uma ação de inspeção externa, de âmbito parcial, ao IRC do exercício fiscal de 2007, promovida pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária (DSIT), em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI2010…, conforme consta do respetivo relatório de inspeção;
  5. A DSIT considerou não ser aplicável o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica à parcela dos lucros distribuídos pela B… SGPS atribuível às ações que foram detidas por um período inferior a um ano;
  6. Não se conformando com a proposta de correção constante do projeto do referido relatório, a Requerente exerceu, em 20 de Agosto de 2010, o direito de audição prévia;
  7. A Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção em 19 de Novembro de 2010;
  8. Na sequência do Relatório de Inspeção, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2010 … e da demonstração de acerto de contas n.º 2010 …, das quais resultava um montante total a pagar de €201.502,01;
  9. A Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação em 10 de Março de 2011;
  10. Em 16 de Maio de 2011, a Requerente apresentou uma adenda à reclamação graciosa;
  11. Em 24 de Julho de 2011, a Requerente foi notificada pela Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Serviços de Lisboa, através do Ofício n.º …, para exercer o direito de audição prévia relativamente ao projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
  12. Em 7 de Julho de 2011, a Requerente exerceu o direito de audição prévia;
  13. Em 13 de Dezembro de 2012, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. decisão da reclamação junta como documento n.º 3;
  14. A Requerente prestou garantia bancária em 16-03-2011.

 

2.2.1. Fundamentação da matéria de facto provada:     

 

A convicção deste Tribunal fundamenta-se no acordo das partes relativamente aos factos dados como assentes e nos documentos que as Partes juntaram aos autos. 

 

2.3. Factos não provados

 

Não ficou provado que a garantia tivesse sido prestada por período superior a três anos, uma vez que a garantia bancária junta aos autos pela Requerente é datada de 16-03-2011 (cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

3. Matéria de direito:

 

 A Requerente pede a declaração de ilegalidade e anulação parcial do acto de liquidação adicional, referente a IRC de 2007, invocando para o efeito o vício de violação de lei. No entendimento da Requerente esta violação de lei decorre da não aplicação do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica aos dividendos auferidos pela B... SGPS, SA, no montante de €1.402.237,06, pelas 2.952.078 ações detidas por um período inferior a um ano.

 

Como bem alega a AT, por força da evolução jurídica do mecanismo da eliminação da dupla tributação económica de dividendos, o regime legal aplicável à situação sub judice, impõe uma aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CIRC, em articulação com o n.º 1 do artigo 32.º do EBF.

 

Assim, uma SGPS com sede ou direcção efectiva em território português apenas beneficia do disposto no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC quando, cumulativamente, i) a participação social que origina os dividendos seja detida, ininterruptamente por um período de um ano e ii) a entidade que distribui os dividendos tenha sede ou direcção efectiva em território português e esteja sujeita e não isenta a IRC.

 

Na hipótese do requisito temporal mencionado em i) supra não estar preenchido, sempre deve ter-se por aplicável o disposto no artigo 46.º, n.º 8 do CIRC.

 

Esta interpretação da lei resulta da evolução legislativa do regime da tributação das SGPS.

 

É certo que na sua versão inicial o, à data, artigo 45.º do CIRC remetia o regime fiscal das SGPS para “os termos da respectiva legislação”, ou seja, para o n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30/12.

 

As SGPS beneficiavam, assim, de um regime especial, quanto aos dividendos auferidos e para eliminar a dupla tributação económica, que apenas dependia da entidade pagadora ser uma entidade residente sujeita e não isenta de IRC.

 

Contudo, este regime sofreu alterações.

Em primeiro lugar, foi alterado com transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva n.º 90/435/CEE, pelo Decreto-Lei n.º 123/92, de 2 de Julho. Com a entrada em vigor deste diploma, o artigo 45.º, n.º 1 do CIRC passou também a aplicar-se às entidades residentes que detivessem uma participação numa entidade residente noutro Estado-Membro e ambas as entidades preenchessem os requisitos do artigo 2.º da Directiva.

 

Em segundo lugar, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que revogou, pelo seu artigo 45.º, n.º 11, o aritgo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, alterou-se o regime das SGPS, no qual passou a constar que àquelas era aplicável o disposto nos n.os 1 e 5 do artigo 46.º do CIRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.

 

Assim, deve ter-se por aplicável ao exercício de 2007, o da questão controvertida, o artigo 46.º, n.º 1 alínea c) do CIRC, antes da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, que dizia: “na determinação do lucro tributável das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, cooperativas e empresas públicas, com sede ou direcção efectiva em território português, são deduzidos os rendimentos, incluídos na base tributável, correspondentes a lucros distribuídos, desde que sejam verificados os seguintes requisitos: (…) a entidade beneficiária detenha directamente uma participação no capital da sociedade que distribui os lucros não inferior a 10% ou com um custo de aquisição não inferior a €20.000.000 e esta tenha permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros ou, se detida há menos tempo, desde que a participação seja mantida durante o tempo necessário para completar aquele período”.

 

São pois, como bem afirma a AT, dois os requisitos de aplicação do regime:

  1. Em alternativa, uma participação mínima de 10% no capital da sociedade que distribui os lucros ou um custo de aquisição das participações no capital social desta igual ou superior a €20.000.000;
  2. Cumulativamente com qualquer um dos dois requisitos alternativos mencionados em a), a detenção da participação no capital da socidedade que distribui os lucros pelo período mínimo de um ano.

 

Ou seja, o mecanismo de eliminação da dupla tributação económica é dependente da observância de um requisito temporal quanto à detenção das participações.

 

Resulta da alínea b) da matéria de facto dada como provada que “Nos meses de Julho, Agosto, Setembro Outubro e Novembro de 2007 e em Janeiro de 2008, a Requerente procedeu à alienação de 5.040.382 acções da B… SGPS, das quais 2.952.078 foram detidas por um período inferior a um ano”. 

 

Ou seja, os lucros objecto de liquidação de IRC, tiveram origem em participações sociais que, por não respeitarem o requisito temporal supra enunciado, são insusceptíveis de permitir a aplicação do regime de eliminação da dupla tributação económica consagrado no artigo 46.º, n.º 1 do CIRC.

 

3.3. Relativamente ao pedido de condenação na fixação de uma indemnização respeitante à garantia:

 

Improcedendo o pedido de anulação do acto tributário de liquidação de IRC com fundamento na sua ilegalidade, improcede também, necessariamente, o pedido de condenação da AT no pagamento de indemnização por garantia indevida. 

 

4. Decisão

 

Atento o exposto, acordam, neste Tribunal Arbitral, em julgar improcedente o pedido formulado pela Requerente no presente processo arbitral tributário quanto à ilegalidade da liquidação de IRC e da demonstração de acerto de contas e, assim, improcedente também o pedido de condenação em indemnização por prestação de garantia bancária indevida. 

 

De acordo com o disposto no art.º 315.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em €201.502,01.

 

Nos termos do art.º 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, sendo devidas pelo Requerente.

 

 

Notifique.

Lisboa, 20 de Dezembro de 2013.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

Os árbitros

 

 

(Manuel Luís Macaísta Malheiros)

 

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

 

(Sara Barros)