DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, CRL, contribuinte n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …- Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 23/02/2017, pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicita a anulação das liquidações de Imposto do Selo nos montantes de € 38 269,40 (documento de cobrança n.º 2012…) e de € 7 702,19 (documento de cobrança n.º 2012…) e o reembolso dos montantes de imposto pagos, acrescidos de juros indemnizatórios, objecto dos recursos hierárquicos e das reclamações graciosas apresentadas.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 11/04/2017 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 28/04/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida, em 28/04/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).
1.5.Em 26/05/2017 a Requerida veio aos autos solicitar : i) a extinção da instância por impossibilidade da lide, visto que as liquidações de Imposto do Selo foram revogadas em 13/03/2017 ou a absolvição da totalidade do pedido atenta a revogação que extinguiu os efeitos jurídicos dos factos articulados pela Requerente e ii) o reconhecimento da impossibilidade do tribunal arbitral apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
1.6.O tribunal em 07/06/2017 convidou a Requerente a pronunciar-se quanto à matéria de excepção.
1.7.A Requerente pronunciou-se em 19/06/2017 no sentido de que foi reembolsada dos montantes de Imposto do Selo pagos, mas não dos juros indemnizatórios.
1.8.O tribunal em 22/06/2017 considerou que a matéria de excepção podia ser conhecida com a decisão arbitral e decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou data limite para proferir a decisão arbitral.
2. POSIÇÕES DAS PARTES
A Requerente no pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 23/02/2017, solicita a anulação das liquidações de Imposto do Selo objecto das reclamações graciosas e dos recursos hierárquicos com fundamento em erro nos pressupostos de facto e de direito.
Sucede que a Requerida comunicou ao tribunal em 26/05/2017 a revogação das liquidações de Imposto do Selo e, em função de tal circunstância, peticionou que se determinasse a extinção da instância em resultado da impossibilidade da lide, por falta de objecto, a absolvição do pedido e, por último, que se reconhecesse a impossibilidade do tribunal apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, atenta a natureza acessória do pedido. Neste âmbito ainda requereu que as custas fossem a pagar pela Requerente, visto que a revogação foi efectuada em data anterior à constituição do tribunal arbitral.
Notificada a Requerente para, querendo, se pronunciar quanto à excepção invocada, veio aos autos dizer que foi reembolsada dos montantes de imposto pagos, mas não dos juros indemnizatórios.
Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:
i) Se há incompetência material do tribunal para apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios;
ii) Se deve ser julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ou a Requerida absolvida do pedido;
iii) Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
3. QUESTÕES PRÉVIAS E SANEAMENTO
3.1.Incompetência material do tribunal arbitral
A Requerida sustenta que, perante a revogação dos actos de liquidação de Imposto do Selo e revestindo o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios natureza acessória, não tem o tribunal arbitral competência para apreciar este último pedido.
Convidada a Requerente a pronunciar-se quanto à matéria de excepção, veio a mesma dizer que já foi reembolsada dos valores de Imposto do Selo pagos, mas não dos juros indemnizatórios.
Terá a Requerida razão?
A inutilidade superveniente da lide impede o prosseguimento do processo para julgamento e elaboração da sentença, sendo certo que, o fundamento da mesma se encontra na desnecessidade de utilizar o processo, visto que não há carência de tutela judiciária.
Sucede que, no caso concreto, a Requerente formulou o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo e de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
Contudo, a Requerida comunicou aos autos em 26/05/2017 a revogação dos actos de liquidação de Imposto do Selo objecto dos recursos hierárquicos e das reclamações graciosas, por despachos datados de 13/03/2017.
Por isso, poder-se-á colocar neste âmbito a questão: tem o tribunal competência para apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios?
Sustenta a doutrina[1] a propósito da impugnação judicial, meio processual que inspirou o legislador na previsão do nosso sistema de arbitragem tributária[2], que: «Se na pendência da impugnação, depois do prazo referido nos arts 111.º, n.º 1 e 112.º, n.º 1 do CPPT, for praticado um acto revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo acto revogado, o processo de impugnação prossegue em relação a esses efeitos (art. 65.º, n.º 1 do CPTA)».
Na presente hipótese, o dano provocado pela prática dos actos revogados subsiste na ordem jurídica, visto que não há notícia do pagamento dos juros indemnizatórios, razão pela qual impõe-se continuar a tramitação processual quanto a este pedido.
A este respeito defende a jurisprudência que: «Tendo a Administração Tributária vindo a anular oficiosamente as liquidações de CA, durante a pendência da impugnação judicial, instaurada contra tais liquidações e onde para além de se pedir a anulação destes actos tributários se pedia também a condenação da AT em juros indemnizatórios, tal facto é de per si demonstrativo de erro imputável aos serviços e determinante do pagamento dos juros ao abrigo do artigo 43.º da LGT», acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0574/14, de 07/01/2016 e em que foi relator o Conselheiro FONSECA CARVALHO.
Para além do mais, o art. 13.º, n.º 1 do RJAT determina que: «Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objecto a apreciação da legalidade dos actos tributários previstos no art. 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando quando necessário, acto tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do art. 11.º».
Sucede que, na presente hipótese a Requerida apenas deu conhecimento da revogação após a constituição do tribunal arbitral, mais concretamente, após ter sido notificada para apresentar resposta. Ou, dito de outro modo, o presidente do CAAD não foi notificado de qualquer decisão nesse prazo de 30 dias.
Assim, o tribunal é materialmente competente para apreciar o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, julgando-se improcedente a excepção invocada pela Requerida.
3.2.Inutilidade superveniente da lide
A Requerente solicita no seu pedido de pronúncia arbitral, a anulação das liquidações de Imposto do Selo, a condenação da Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago e de juros indemnizatórios.
Sucede que, a Requerida veio comunicar a revogação das liquidações e, notificada para se pronunciar, a Requerente veio declarar que já foi reembolsada dos montantes de imposto pagos, mas não recebeu os juros indemnizatórios.
Assim, impõe-se a este tribunal verificar a utilidade do conhecimento do pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo e de reembolso dos montantes de imposto pagos.
Verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, na pendência da causa, a solução do dissídio deixe de ter efeito útil.
No caso concreto, a Requerente formula um pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo - ilegalidade das decisões das reclamações graciosas e recursos hierárquicos - bem como, de reembolso dos montantes de imposto pagos e de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Acontece que, a finalidade anulatória pretendida pela Requerente relativamente às liquidações de Imposto do Selo e de reembolso dos montantes de imposto já foi alcançada, pelo que, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados aos actos de liquidação de Imposto do Selo.
Consequentemente, verifica-se a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de anulação das liquidações de Imposto do Selo e de reembolso dos montantes de imposto pagos, o que determina a extinção da instância – art. 277.º, al. e) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
3.3.Saneamento
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. A Requerente em 31/10/2012 era proprietária do edifício inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, da freguesia do … e do edifício inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … (proveniente do artigo…), da União de Freguesias de …, … e … .
4.1.2. A Requerente foi notificada das liquidações de Imposto do Selo, de € 38 269,40 e de € 7 702,19, respectivamente.
4.1.3. A Requerente apresentou reclamação graciosa relativamente a cada um de tais actos no dia 20/12/2012.
4.1.4. A reclamação graciosa n.º …2013… respeitante à liquidação de € 38 269,40 foi expressamente indeferida por despacho datado de 24/09/2013.
4.1.5. A reclamação graciosa n.º …2013… relativa à liquidação de € 7 702,19 foi deferida por despacho datado de 07/01/2013.
4.1.6. Sucede que em 06/11/2013 o despacho de deferimento da reclamação graciosa identificada em 4.1.5. foi revogado, conduzindo ao seu indeferimento.
4.1.7. Das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas foram apresentados recursos hierárquicos nos dias 30/10/2013 e 12/12/2013, respectivamente.
4.1.8. A Requerente foi notificada do indeferimento expresso dos recursos hierárquicos (…2013… e …2013…), por despacho datado de 29/11/2016.
4.1.9. A Requerida comunicou aos autos em 26/05/2017 a revogação, por despacho datado de 13/03/2017, dos actos de liquidação de Imposto do Selo objecto dos recursos hierárquicos.
4.1.10. As liquidações supra descritas foram pagas no dia 19/12/2012.
4.2. Factos que não se consideram provados
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
5. MATÉRIA DE DIREITO
Impõe-se assim conhecer o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
O art. 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».
E perante a revogação poder-se-á perguntar: há erro imputável aos serviços na presente hipótese?
A resposta à questão terá de ser afirmativa, a revogação dos actos e o reembolso dos montantes de imposto pagos demonstram o erro imputável aos serviços, isto é, o reconhecimento da falta de amparo normativo aquando da sua prática.
Consequentemente, procede o pedido de juros indemnizatórios, contados à taxa legal, de acordo com o previsto no art. 43.º, n.º 4 da LGT, entre a data em que foi efectuado o pagamento indevido e até integral reembolso.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita decide julgar-se:
i) Extinta a instância no que respeita ao pedido de declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo e de reembolso das quantias pagas, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277.º, al. e) do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT;
ii) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 45 971,59, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 2 142, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, visto que, de acordo com o art. 536.º, n.º 3 e 4 do CPC, aplicável por força do art. 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT, a constituição do tribunal arbitral é imputável exclusivamente à Requerida que, notificada do pedido de constituição do tribunal com o objecto de apreciação da legalidade de actos tributários, não informou o presidente do CAAD da sua decisão revogatória no prazo previsto no art. 13.º, n.º 1 do RJAT.
Notifique.
Lisboa, 6 de Julho de 2017
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Volume II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 219.
[2] Art. 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, 28 de Abril.