DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
1.1.A…, S.A., na qualidade de sociedade dominante do grupo B…, contribuinte n.º…, com sede na …, n.º…, … –…Lisboa, doravante designada por Requerente, apresentou em 02/11/2016 pedido de pronúncia arbitral, no qual solicita a declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de IRC relativo ao exercício de 2013, na parte impugnada, com a consequente anulação do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa na parte contenciosamente impugnada e a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios.
1.2.O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 04/01/2017 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
1.3.No dia 20/01/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.
1.4.Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 27/01/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter o processo administrativo (PA).
1.5.Em 24/02/2017 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual pugna pela improcedência de todos os pedidos formulados pela Requerente.
1.6.O tribunal determinou em 01/06/2017 a notificação da Requerente para indicar os pontos de facto do seu articulado sobre os quais pretendia inquirir as testemunhas arroladas.
1.7.A Requerente veio aos autos no dia 05/06/2017 renunciar à produção de prova testemunhal.
1.8.O tribunal em 12/06/2017, perante a renúncia à produção de prova testemunhal por parte da Requerente, decidiu dispensar a realização da reunião a que o art. 18.º, n.º 1 do RJAT se refere, com fundamento no princípio da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas, cfr. art. 16.º, al. c) do RJAT, concedeu 5 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas e designou data para proferir a decisão arbitral.
1.9.As partes não apresentaram alegações finais escritas.
2. POSIÇÕES DAS PARTES
A Requerente entende que a decisão de deferimento expresso e parcial da reclamação graciosa e da autoliquidação de IRC na parte respeitante ao benefício fiscal à criação de emprego é ilegal, por erro nos pressupostos de direito.
Em concreto, defende que a interpretação do art. 19.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) deve construir-se a partir das seguintes premissas: i) o benefício consagrado pelo legislador com a finalidade de constituir um incentivo às empresas na admissão de trabalhadores com recurso aos contratos sem termo consiste na majoração, para efeitos de IRC, do custo que a empresa tem com estes trabalhadores; ii) que apenas é legítimo aproveitar o benefício quando se recorra à contratação sem termo de jovens ou desempregados de longa duração; iii) somente releva o saldo líquido de novos trabalhadores, ou seja, exige-se que seja maior o número de trabalhadores a entrar nos quadros da empresa em relação àqueles que a abandonam no mesmo período (e que à data em que foram admitidos eram elegíveis para efeitos do benefício) e iv) a majoração do custo operada por este benefício apresenta um tecto a partir do qual este se torna inoperativo – 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida – sendo o benefício maior para aqueles jovens e desempregados de longa duração que terão mais dificuldades em entrar no mercado de trabalho, visto que terão salários mais baixos.
O dissídio entre a Requerente e a Requerida encontra-se precisamente na interpretação do art. 19.º, n.º 3 do EBF, isto é, no montante do benefício no primeiro e no último ano de aplicação da majoração.
Com efeito, quando os trabalhadores não estão ao serviço da entidade patronal durante o ano completo, a Requerida entende que a majoração dos encargos salariais deve ser comparada com o limite definido legalmente ponderado pelo número de meses de serviço efectivo. Pelo contrário, a Requerente entende que a referência normativa a «montante máximo da majoração anual» vai no sentido oposto àquele defendido pela Requerida, visto que no referido artigo não há qualquer alusão à necessidade de se fazer uma proporção, omissão que também se verifica no art. 19.º, n.º 1 do EBF.
Para alicerçar esta posição advoga que a análise histórica do normativo aponta igualmente no sentido por si preconizado, visto que, com a redacção introduzida em 2002 limitou-se a majoração ao montante correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida, quando no texto anterior a retribuição mensal não podia exceder 14 vezes o salário mínimo mensal mais elevado.
Em suma defende que não se vislumbra como da letra da lei ou do seu espírito se possa retirar, por qualquer critério interpretativo (para além da arrecadação da receita fiscal) que, no primeiro e último ano do benefício, para os trabalhadores que não iniciem funções a 1 de Janeiro se tenha de fazer uma espécie de pro rata do limite de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
Finaliza peticionando a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, pois entende que, se o benefício fiscal tivesse sido considerado na sua integralidade, a C…, S.A., a D…, S.A. e a E…, S.A. teriam pago menos derrama municipal e a primeira sociedade menos derrama estadual.
A Requerida na sua resposta sustenta que, se o benefício fiscal de majoração de encargos dos contratos de trabalho celebrados depende da sua vigência, como se depreende da lei, tal condição implica uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista, nos casos em que o trabalhador não labore o ano completo ou, nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício. Se assim não fosse, permitir-se-ia que as empresas destinatárias do benefício usufruíssem da majoração legal pelo valor total do limite, mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está sempre ligada à duração do contrato de trabalho e pelo período de 5 anos estabelecido na lei.
Refere igualmente que, se a interpretação do art. 19.º, n.º 3 do EBF for a de que o limite da majoração opera em absoluto e não em proporção nos exercícios de início e fim do benefício (por referência à duração de 5 anos do mesmo benefício), encontra-se ferida de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio. A desigualdade de tratamento carece de justificação que materialmente legitime a discriminação positiva das empresas que criem postos de trabalho com início em dia diferente do primeiro ano.
Finaliza, quanto aos juros indemnizatórios defendendo que, se o apuramento do imposto é da responsabilidade da Requerente, o erro que determina o pagamento apenas poderá ser imputável à Requerente. Por conseguinte, improcedendo o pedido principal também deve decair o de pagamento de juros indemnizatórios.
Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:
i) Se o acto de deferimento parcial da reclamação graciosa é ilegal;
ii) Se a interpretação defendida nos autos pela Requerente é violadora do princípio da igualdade;
iii) Se há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
3. SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
4. MATÉRIA DE FACTO
4.1. Factos que se consideram provados
4.1.1. A Requerente é a sociedade dominante de um grupo societário tributado em IRC com fonte no Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades (RETGS).
4.1.2. No exercício de 2013, para além da Requerente faziam parte do perímetro do grupo tributado pelo RETGS, as 27 sociedades que a seguir se enumeram: a) C…, S.A.; b) D…, S.A.; c) E…, S.A.; d) F…, Lda.; e) G…, S.A.; f) H…, S.A.; g) I…, S.A.; h) J…– SGPS, S.A.; i) K…, S.A.; j) L…, S.A.; l) M…, S.A.; m) N…, S.A.; n) O…, S.A.; o) P…, S.A.; p) Q…, S.A.; q) R… SGPS, S.A.; r) S…, Lda.; s) T…, S.A.; t) U…, S.A.; u) V…, S.A.; v) W…, S.A.; x) X…, S.A.; z) Y…, S.A.; aa) Z…, S.A.; bb) AA… SGPS, S.A.; cc) BB…, S.A. e dd) CC…, Lda..
4.1.3. A Requerente apresentou em 27/01/2016 uma declaração de rendimentos modelo 22 de IRC de substituição do grupo fiscal, ao abrigo do disposto no art. 122.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), da qual resultou um lucro tributável do grupo sujeito ao RETGS no montante de € 378 568 179,84.
4.1.4. O imposto a pagar resultante dessa autoliquidação foi de € 39 395 341,63.
4.1.5. Na C…, S.A., no exercício de 2013, existiam 57 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.
4.1.6. Desses trabalhadores existiam 10 que deixaram de ser elegíveis para o benefício.
4.1.7. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 370 080,03, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses que estiveram ao serviço da empresa.
4.1.8. A C…, S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 10 185,00.
4.1.9. Na D…, S.A., no exercício de 2013, existiam 493 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.
4.1.10. Desses 493 trabalhadores, 57 trabalhadores entraram para o quadro de pessoal da empresa a partir de Fevereiro de 2013 e 34 deixaram de ser elegíveis para o benefício.
4.1.11. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 3 050 407,50, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.
4.1.12. A D…, S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 205 839,19.
4.1.13. Na E…, S.A., no exercício de 2013, existiam 12 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.
4.1.14. Desses 12 trabalhadores, 4 entraram para o quadro de pessoal da empresa em diferentes meses do ano de 2013.
4.1.15. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 66 202,50, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.
4.1.16. A E…, S.A. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 9 720,85.
4.1.17. Na F…, Lda. no exercício de 2013, existiam 33 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.
4.1.18. Desses 33 trabalhadores, 23 entraram para o quadro de pessoal da empresa em diferentes meses do ano de 2013 e 3 deixaram de ser elegíveis para o benefício.
4.1.19. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 119 390,83, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.
4.1.20. A F…, Lda. como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 18 306,76.
4.1.21. Na G…, S.A., no exercício de 2013, existiam 19 trabalhadores que reuniam os requisitos para que a empresa pudesse majorar para efeitos fiscais os custos com as remunerações.
4.1.22. Desses 19 trabalhadores, 1 deixou de ser elegível para o benefício.
4.1.23. O total do benefício fiscal considerado na autoliquidação de IRC foi nesse ano de € 122 220,00, visto que apenas majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção do número de meses em que estiveram ao serviço da empresa.
4.1.24. A G…, S.A., como majorou os custos suportados com esses trabalhadores na proporção dos meses em que estiveram ao serviço da empresa deduziu menos € 1 826,82.
4.1.25. O valor total que não foi deduzido por parte das empresas supra identificadas foi de € 245 878,62.
4.1.26. A Requerente apresentou reclamação graciosa do acto tributário de «autoliquidação» relativo ao período de tributação de 2013 a que coube o n.º …2016… .
4.1.27. A reclamação graciosa foi parcialmente deferida por despacho datado de 19/07/2016 e notificado à Requerente em 04/08/2016.
4.1.28. O pedido de constituição do tribunal e de pronúncia arbitral foi apresentado em 02/11/2016.
4.2. Factos que não se consideram provados
4.2.1. Que o IRC apurado relativamente ao exercício de 2013 se encontre pago.
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados e cuja autenticidade não foi colocada em causa.
4.4. Fundamentação da matéria de facto que não se considera provada
Não foi junto aos autos documento que demonstre de forma inequívoca o pagamento do imposto.
5.MATÉRIA DE DIREITO
5.1. Questão da ilegalidade do despacho de deferimento parcial por erro nos pressupostos de direito
A questão controvertida nestes autos consiste em determinar se o benefício fiscal previsto no art. 19.º do EBF deve ser ajustado proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração, naquelas hipóteses em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação.
A Requerente pugna que o limite máximo da majoração se reporta ao montante anual, independentemente do período em que vigoraram os contratos de trabalho, pelo contrário a Requerida defende que na quantificação desta se deve ter em conta a duração efectiva dos contratos no ano da admissão e no da extinção.
A questão não é pacífica na própria jurisprudência, visto que, se na decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA concluiu-se que o legislador não pretendeu que fosse apurada uma majoração proporcional ao período de vigência dos contratos de trabalho no exercício inicial e final[1].
Em sentido oposto, na decisão arbitral n.º 129/2016-T, de 16/10/2016 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Juiz de Direito JOSÉ PEDRO CARVALHO entendeu-se que há violação do princípio da igualdade, observando-se que: «…aceitando-se, como fez o acórdão tirado no processo 212/2013-T, e como pretende a Requerente, que o limite máximo à majoração consagrado no n.º 3 é aplicável, tout court, a todos os exercícios, maxime, ao primeiro e ao último exercício, quando a admissão do trabalhador elegível para efeitos do benefício fiscal em causa não se dê no primeiro dia do exercício fiscal da entidade empregadora, estar-se-á a gerar uma situação de desigualdade, entre os destinatários do benefício fiscal, sem fundamento axiológico que o justifique e de um modo absolutamente arbitrário.».
O tribunal, adianta, desde já, que se revê na interpretação efectuada nos dois primeiros arestos e cuja fundamentação acompanhará de perto.
Vejamos então a redacção do art. 19.º do EBF, em 31 de Dezembro de 2013:
«1 – Para a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se:
a) “Jovens” os trabalhadores com idade superior a 16 e inferior a 35 anos, inclusive, aferida na data da celebração do contrato de trabalho, com excepção dos jovens com menos de 23 anos, que não tenham concluído o ensino secundário, e que não estejam a frequentar uma oferta de educação-formação que permita elevar o nível de escolaridade ou qualificação profissional para assegurar a conclusão desse nível de ensino;
b) “Desempregados de longa duração” os trabalhadores disponíveis para o trabalho, nos termos do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de Novembro, que se encontrem desempregados e inscritos nos centros de emprego há mais de 9 meses, sem prejuízo de terem sido celebrados, durante esse período, contratos a termo por período inferior a 6 meses, cuja duração conjunta não ultrapasse os 12 meses;
c) “Encargos” os montantes suportados pela entidade empregadora com o trabalhador, a título da remuneração fixa e das contribuições para a segurança social a cargo da mesma entidade;
d) “Criação líquida de postos de trabalho” a diferença positiva, num dado exercício económico, entre o número de contratações elegíveis nos termos do n.º 1 e o número de saídas de trabalhadores que, à data da respectiva admissão, se encontravam nas mesmas condições.
3 - O montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida.
4 - Para efeitos da determinação da criação líquida de postos de trabalho, não são considerados os trabalhadores que integrem o agregado familiar da respectiva entidade patronal.
5 - A majoração referida no n.º 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, não sendo cumulável, quer com outros benefícios fiscais da mesma natureza, quer com outros incentivos de apoio ao emprego previstos noutros diplomas, quando aplicáveis ao mesmo trabalhador ou posto de trabalho.
6 - O regime previsto no n.º 1 só pode ser concedido uma única vez por trabalhador admitido nessa entidade ou noutra entidade com a qual existam relações especiais nos termos do artigo 63.º do Código do IRC.».
O ponto de partida da actividade interpretativa que o tribunal se encontra obrigado a realizar terá de consistir na determinação das suas premissas.
No domínio dos benefícios fiscais o legislador encontra-se obrigado a: «… usar linguagem precisa nas normas que concedem os benefícios, utilizando os conceitos que usa no sentido tradicional.», acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0152/10, de 05/05/2010 e em que foi relator o Conselheiro VALENTE TORRÃO.
Na actividade hermenêutica das normas que estabelecem benefícios fiscais é ainda necessário dizer que está proibida a integração analógica, mas esta admite interpretação extensiva, como o art. 10.º do EBF dispõe.
Na verdade, o princípio da legalidade impede a administração tributária ou um tribunal de integrar uma potencial lacuna que exista em norma tributária que preveja um benefício fiscal, embora, em bom rigor, não existam lacunas neste domínio. As situações não previstas como isentas de imposto estão excluídas do âmbito da norma de isenção.
No caso em apreço e utilizando tais premissas, não se encontra no teor do art. 19.º, n.º 3 do EBF a obrigação do intérprete efectuar o ajuste da majoração, isto é, que seja reduzida proporcionalmente ao período de duração dos contratos de trabalho elegíveis no exercício inicial e final a que se reportam os cinco anos descritos no art. 19.º, n.º 5 do EBF. Pelo contrário, o legislador no art. 19.º, n.º 3 refere-se ao «montante máximo da majoração anual».
Deste modo e pressupondo que o legislador utilizou uma linguagem precisa, como nos ensina a jurisprudência supra citada, não se vê forma de concluir que deva ser efectuado o ajuste na majoração em função da duração efectiva dos contratos de trabalho.
Esta conclusão preliminar é reforçada com o recurso ao elemento histórico de interpretação quando se constata que, com o Orçamento do Estado de 2003[2], o montante máximo do benefício fiscal (14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado) a considerar deixou de se reportar aos encargos mensais por posto de trabalho e passou a referir-se ao montante anual da majoração por posto de trabalho. De modo a que, com a alteração legislativa se empreendeu uma redução substancial do benefício concedido às empresas[3].
Por outro lado, a finalidade legislativa que justifica o benefício encontra-se no estímulo ao emprego em que o vínculo jurídico com a entidade patronal seja dotado de estabilidade e segurança, isto é, o elemento teleológico é compatível com qualquer das interpretações em confronto, mas sobretudo não aponta para uma interpretação que limite o âmbito do benefício fiscal. E como se sustenta na decisão arbitral n.º 212/2013-T, de 26/02/2014 e em que assumiu a função de árbitro-presidente, o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA: «…a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se “interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”…».
Ainda assim, será legítimo questionar: admitir-se-á uma interpretação restritiva do art. 19.º, n.º 3 do EBF?
Entende-se que não, ou seja, vislumbram-se fundamentos para admitir a majoração anual máxima, independentemente da duração do contrato elegível para o benefício fiscal.
O art. 18.º, n.º 1 do CIRC dispõe que: «Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.», isto é, a determinação do lucro tributável é feita de acordo com cada período de tributação que, regra geral, coincide com o ano civil, após o fim do exercício, visto que o facto gerador do imposto se verifica no último dia do período de tributação, art. 8.º, n.º 9 do CIRC.
Consequentemente é por referência ao último dia de tributação que o sujeito passivo se encontra obrigado a apurar os encargos que estão contabilizados como custos do respectivo exercício e que foram suportados com os trabalhadores que preenchem as condições do art. 19.º, n.º 1 do EBF.
Assim, esta operação de determinação do lucro tributável respeitante a cada exercício é reportada ao último dia deste e, como tal, não há que considerar os factos tributários que ocorram posteriormente, que serão considerados na determinação do lucro tributável de outro exercício – art. 18.º do CIRC.
O montante total que estiver contabilizado como custo do exercício é majorado, para efeitos fiscais, em 50%, tendo esse valor da majoração de ser referido expressamente na declaração modelo 22.
A determinação do lucro tributável realizada nos termos supra expostos pressupõe que, no final de cada exercício, o sujeito passivo tenha a possibilidade de determinar a majoração de que pode beneficiar, visto que é ela que deve ser incluída na declaração de rendimentos.
Em suma, afasta-se a tese da majoração anual proporcional à duração dos contratos de trabalho e, assim, o despacho de deferimento parcial da reclamação graciosa é ilegal, por erro nos pressupostos de direito.
5.2. Questão da violação do princípio da igualdade
A Requerida, na sua resposta, defende que a interpretação da Requerente de que a majoração se reporta ao montante anual, independentemente da duração dos contratos de trabalho elegíveis e que o limite da majoração opera em absoluto e não em proporção nos exercícios de início e de fim do benefício é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade.
A previsão de benefícios fiscais, ainda que justificada pela prossecução de fins de interesse público, não deixa, no plano normativo, de estabelecer regimes particulares de tributação e, como tal, trata de forma dissemelhante situações submetidas ao mesmo imposto. Ainda que as medidas de fomento previstas visem atingir fins ou interesses social e economicamente valiosos e, por isso, não se traduzam em discriminações arbitrárias sem fundamento jurídico algum.
Deste modo, se os benefícios fiscais já configuram um afastamento das regras que asseguram a tributação em função da capacidade contributiva, as exigências do princípio constitucional da igualdade não se traduzem no obstáculo à previsão de regimes fiscalmente privilegiados.
Consequentemente, a questão da violação do princípio da igualdade deve colocar-se nos benefícios fiscais que se alicerçam em normas de conduta cujo respeito produz efeitos fiscais, relativamente às condições de acesso e não em relação aos contornos em que são previstos.
O acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do sujeito passivo, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não as cumprir e não usufruir da medida. E se os efeitos do benefício fiscal se modificarem consoante o momento do preenchimento das suas condições, dependerá da voluntas do sujeito passivo optar pelo preenchimento destas, de forma que lhe permita optimizar os seus efeitos.
Assim, nos benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos não existirá o tratamento discriminatório ofensivo do princípio da igualdade pela norma que estatui esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico algum nas condições de acesso.
Revertendo tal interpretação para os autos, verifica-se que não existe qualquer discriminação arbitrária nas condições de acesso ao benefício fiscal em análise. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória.
Em suma, com a interpretação defendida pela Requerente não ocorre um tratamento discriminatório violador do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
5.3. Questão da condenação no pagamento de juros indemnizatórios
A Requerida, neste âmbito, defende que se o apuramento do imposto é da responsabilidade da Requerente, o erro que determina o pagamento da tipologia de juros em análise apenas poderá ser imputável à Requerente.
Impõe-se assim conhecer o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
O art. 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Deste modo, é logo possível formular uma primeira questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o art. 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: «É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário».
E perante a autoliquidação o poder-se-á perguntar: há erro imputável aos serviços na presente hipótese?
A doutrina responde à questão da seguinte forma: «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamentos por conta), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.», JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I volume, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, pág. 537.
Consequentemente, improcede o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, na medida em que inexiste prova bastante nos autos de que o imposto se encontra pago.
6. DECISÃO
Nestes termos e com a fundamentação acima descrita, decide julgar-se:
i) procedente o pedido de anulação da decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa na parte impugnada;
ii) improcedente a questão de inconstitucionalidade suscitada pela Requerida;
iii) improcedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
Determina-se ainda a comunicação à Senhora Procuradora-Geral da República, para os fins descritos no art. 280.º, n.º 5 da CRCP.
7. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 15 287,56, nos termos do art. 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
8. CUSTAS
Custas a suportar integralmente pela Requerida, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 20 de Julho de 2017
O árbitro,
(Francisco Nicolau Domingos)
[1] Este sentido interpretativo foi igualmente sufragado na decisão arbitral n.º 628/2016-T, de 06/04/2017 e em que assumiu a função de árbitro-presidente o Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA.
[2] Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro.
[3] À data o benefício encontrava-se previsto no art. 17.º do EBF.