Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 644/2016-T
Data da decisão: 2017-07-04  Selo  
Valor do pedido: € 11.779,30
Tema: IS – verba 28.1 TGIS – terreno para construção
Versão em PDF

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 12 de janeiro de 2017, decide nos termos que se seguem:

I.                   RELATÓRIO

 

1)      Enquadramento processual

 

No dia 27.10.2016, a sociedade “A…, S. A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 11.11.2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 28.12.2016.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 12.01.2017, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.

2)      Síntese dos fundamentos invocados pela Requerente

No presente processo, pretende a Requerente que o Tribunal Arbitral declare a ilegalidade, por vício de violação de lei, dos seguintes atos:

a) Ato de liquidação do Imposto do Selo de 20.03.2015, no montante de € 11.779,30, referente ao exercício de 2014, com fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo; e

b) Formação da presunção do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa de 29.03.2016, que correu os seus termos no Serviço de Finanças da …, que sustentou aquela liquidação, e que constitui um ato de segundo grau em relação àquela liquidação, fazendo suas as ilegalidades do ato de liquidação.

A Requerente entende que a referida liquidação e atos subsequentes, enfermam, cumulativamente, dos seguintes vícios:

a) Ilegalidade decorrente da errónea interpretação da Verba 28.1, porquanto a mesma incide somente sobre terrenos para construção com afetação exclusiva de habitação - o que, conforme se irá demonstrar, não é o caso do terreno em apreço tendo o legislador optado por não onerar o setor produtivo; e ainda

b) Ilegalidade decorrente do erro sobre os pressupostos de Direito por aplicação de uma norma materialmente inconstitucional, com fundamento na violação dos princípios da capacidade cContributiva e da igualdade.

Sustenta a sua tese nos seguintes argumentos:

A liquidação de imposto do selo de acordo com a norma de tributação constante da verba 28.1 da TGIS depende dos seguintes requisitos:

  • O VPT constante da matriz, nos termos do Código do IMI, ser igual ou superior a € 1.000.000;
  • Tratar-se de um terreno para construção; e ainda
  • A edificação autorizada e prevista para o mesmo ser exclusivamente para habitação, nos termos do Código do IMI.

Resulta do Alvará junto como documento número 3 que o prédio em apreço não se destina apenas à habitação, mas tem, isso sim, uma afetação mista: habitação coletiva e comércio.

Assim, é evidente que o terceiro requisito constante da norma de incidência
do Imposto não se encontra verificado, uma vez que o terreno não tem uma edifícacão.
autorização ou prevista, exclusivamente afeta à habitação.

Nesse sentido, apontam a decisão arbitral proferida no processo n.º 642/2015-T, de acordo com a qual: “O que não se prevê na verba 28, nem tampouco se enquadra no sua ratio legis é a tributação em sede de Imposto do Selo de prédios urbanos comerciais ou terrenos para construção cuja edificação esteja afecta ao comércio nem os terrenos para construção cuja edificação esteja simultaneamente afecta à habitação e ao comércio. Haverá aue interpretar restritivamente a norma constante da verba 28 como incindido apenas sobre terrenos para construção cuia edificação autorizada seia exclusivamente para habitação. E no caso concreto, tal como resulta do Alvará n.º .../2006, os lotes 38 e 39 dos quais a Requerente é proprietária consubstanciam terrenos para construção de valor superior a € 1.000.000,00 mas cuia edificação autorizada não é exclusivamente para habitação mas simultaneamente para habitação e comércio, mais precisamente, uma área de 6.750,00 m2 afecta a habitação e outra de 840m2 afecta a comércio, em cada lote. Não estando abrangidos pela norma de incidência da verba 28.1 da TGfS os terrenos oara construção cuia edificação autorizada seia simultaneamente para habitação e para comércio, verifica-se um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa.”

No mesmo sentido, cita ainda as decisões proferidas nos processos 578/2015-T e 522/2015-T.

Entende ainda a Requerente estar em causa a violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, na medida em que a Requerente adquire prédios como prossecução do seu objeto social, os quais, verificando-se, conforme decorre das normas contabilísticas, a contabilização dos mesmos como inventário, isto é, meras existências, significa que os mesmos são meros instrumentos da atividade da empresa e não formas de exteriorização de riqueza.

Assim, a aquisição de terrenos não pode ser considerada enquanto indício de capacidade contributiva acrescida, sendo discriminatório a Requerente ser tributada nos mesmos termos em que os contribuintes que detêm património semelhante, mas sem qualquer utilização produtiva.

A Requerente cita ainda os os dois acórdãos arbitrais número 493/2015 e 507/2015 quando os mesmos entendem que a norma é igualmente violentadora do principio da igualdade quando “o verba 28.1 do TGIS, na parte relativa a terrenos para construção, não contém, qualquer limitação ò sua aplicação em função do valor das “habitações” autorizadas ou previstas, pelo que tem de se concluir que apenas faz depender a sua aplicação do valor patrimonial tributário do próprio terreno.” - cfr. decisão arbitral no âmbito do processo número 493/2015.

3)      Síntese da contra-argumentação da AT

Consta do processo administrativo n.º …/2017 enviado pelo SF …, e desde logo pelo procedimento de avaliação, que o terreno destina-se a habitação, tendo um factor de localização de 1,45, avaliação esta feita com base nos elementos declarados pelo contribuinte na declaração modelo 1 de IMI, para inscrição do prédio na matriz, conforme consta notificação da avaliação, tendo sido fixado o VTP de € 11.779, 30.

Segundo informação prestada pelo SF da … para instruir o presente processo arbitral, informação datada de 24.01.2017, e de acordo com os pontos 6, 7 e 8 , face a nova redacção da verba, as liquidações de IS estão correctas, porquanto ao terreno para construção em apreço foi atribuída, em sede de avaliação, a afectação habitacional.

A avaliação dá conta da existência de um terreno para construção, com afectação habitação, com um VTP de € 11.779, 30, sem que tenha sido pedida segunda avaliação.

O facto de o alvará de loteamento prever a construção de habitação colectiva, com uma percentagem de área afecta a comércio e a aparcamento, nenhuma destas realidades teve reflexo na avaliação que não foi contestada, logo transitou para a matriz.

Assim, o prédio inscrito na matriz urbana sob o artigo … da freguesia Cidade da …, concelho da Maia, tem as características constantes da definição de terreno para construção para efeitos da verba 28.1 da TGIS, na redacção dada pela Lei 83-C/2013, ou seja, terreno para construção com afectação habitacional, nos termos do disposto no Código do IMI, sem que, para efeitos de liquidação do IS, se tenha expurgado do valor, a área não afecta a habitação, porque não consta da avaliação e esta não foi contestada, e por isso mesmo também não consta da matriz que serve de base à liquidação do IS.

Quanto aos argumentos atinentes à inconstitucionalidade da norma em que se fundamenta a tributação, entende a AT que “o legislador tributário considerou que a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio habitacional ou de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse habitação, de VPT igual ou superior a € 1.000.000,00 representava uma manifestação de riqueza e era suscetível, por si só, de revelar significativa capacidade contributiva, fazendo, por isso, incidir a verba 28.1 da TGIS sobre a posse de determinado tipo de prédios, por contraposição aos rendimentos do trabalho e de pensões, já atingidos por outras medidas fiscais (e não só).”

II.                SANEAMENTO

 

1. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

3. O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

III.             MATÉRIA DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental e o processo administrativo (PA) junto aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

III.1 Factos provados

 

  1. A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio urbano inscrito na competente matriz predial urbana sob o artigo ... (cf. caderneta predial junta como documento número 2 com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O identificado prédio urbano não tem qualquer edificação ou construção erigida sobre o seu solo;

 

  1. De acordo com o Alvará de loteamento, o aludido Lote, com o número A2, destinava-se à construção de prédio para habitação coletiva e comércio (documento número 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. O valor patrimonial tributário do referido terreno é de € 1.177.930 (documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Durante o ano de 2015, a Requerente foi notificada dos documentos para pagamento de Imposto do Selo objeto do pedido de pronúncia, liquidados ao abrigo da Verba 28.1 da TGIS, no montante total de € 11.779,30 (documentos 4, 5 e 6 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do montante total liquidado (documentos 7, 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

  1. Em 29.03.2016, , a Requerente apresentou Reclamação Graciosa junto do Serviço de Finanças da  ... .

 

  1. Em 29.07.2016, formou-se a presunção de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa.

 

III.2 Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

III.3 Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

 

A decisão quanto à matéria de facto fundamenta-se nos documentos juntos aos autos, que aqui se dão por reproduzidos, bem como na ausência de controvérsia sobre eles quanto aos pontos indicados.

 

IV.              THEMA DECIDENDUM

 

A questão fundamental que a Requerente colocou à apreciação deste tribunal é a de saber se, no caso concreto, o ato de liquidação se baseou numa aplicação ilegal da norma constante da verba 28.1 da TGIS por não estar em causa um “terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação”.

 

V.                FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

Na redação à data dos factos, conferida pela Lei número 83-C/2013, de 31 de dezembro, a Verba 28 da TGIS, dispunha o seguinte:

“28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superiora (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1.      Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuia edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI. 1%

28.2.      Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças. 7,5%”

 

De acordo com a verba 28.1 da TGIS, na sua redação inicial, estavam sujeitos a esse imposto a propriedade, o usufruto e o direito de superfície sobre prédios urbanos com afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, fosse igual ou superior a € 1.000.000. Mais tarde, com a alteração ocorrida em 2013 e que se repercutiu nos exercícios de 2014 e seguintes, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI, passaram a estar também sujeitos a tributação à taxa de 1%.

 

A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma constante da verba 28.1 da TGIS, todas norteadas à obtenção de receita fiscal suplementar e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental então vivido de forma extrema pelo país. Introduziram-se medidas de reforço do combate à fraude e evasão fiscal e criou-se, no âmbito do Imposto do Selo, a tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu serem demonstrativas da capacidade dos respetivos titulares para suportar um esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes. É isto que resulta da exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, que esteve na origem da referida Lei n.º 55-A/2012:

«A prossecução do interesse público, em face da situação económico-financeira do País, exige um esforço de consolidação que requererá, além de um permanente ativismo na redução da despesa pública, a introdução de medidas fiscais inseridas num conjunto mais vasto de medidas de combate ao défice orçamental.

Estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efetiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação dos rendimentos do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de setores da sociedade portuguesa.

Nestes termos, será agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, passando as respetivas taxas de 25% para 26,5% em sede de IRS. As taxas de tributação aplicáveis aos rendimentos obtidos de, ou transferidos para, os paraísos fiscais são também agravadas para 35%.

Por outro lado, é criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre os prédios urbanos de afetação habitacional cujo valor patrimonial tributário seja igual ou superior a um milhão de euros.

Finalmente, este diploma introduz uma medida de reforço de combate a fraude e a evasão fiscais, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos (IRS) e às transferências de e para paraísos fiscais. Em primeiro lugar, reforça-se a operacionalização da liquidação do IRS com base em manifestações de fortuna, reduzindo-se o diferencial de 50% para 30% entre as manifestações de fortuna e os rendimentos declarados em sede de IRS. Por outro lado, as transferências de e para paraísos fiscais efetuadas entre contas do sujeito passivo, não declaradas nos termos da lei, passam a ser consideradas uma manifestação de fortuna e, nessa medida, sujeitas a tributação em sede de IRS por métodos indiretos

 

No âmbito de vigência dessa anterior redação da verba 28.1 da TGIS, concluiu-se em diversos processos de arbitragem tributária que a expressão “afetação habitacional”, constante do texto da norma então em vigor, se referia a uma “utilização” habitacional, ou seja, a prédios urbanos que tivessem uma efetiva utilização para fins habitacionais (cf., nomeadamente, os processos 42/2013-T, 48/2013-T, 49/2013-T, 53/2013-T, 75/2013-T, 144/2013-T e 158/2013-T). O STA entendeu ainda, no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

 

O conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

 

No âmbito da redação vigente, não obstante na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se levar em conta a afetação que terá a edificação para eles autorizada ou prevista (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), tal não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afetação habitacional”, porquanto a “afetação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo suscetíveis de ser utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

 

Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios:

- «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI);

- «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afetos a espaços, infraestruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12);

- «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

 

Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece, na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim classificados em função da respetiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal. A esta luz, um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada a habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS, ou seja, o de que  “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...)”. Na verdade, reportando-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com afetação habitacional, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, juntamente com outras, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno. A expressão «com afetação habitacional» inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente.

 

Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento de que o conceito de "afetação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI, porquanto esta se refere às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem, variável entre 15% e 45%, do valor das edificações autorizadas ou previstas. Por outro lado ainda, nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, às espécies previstas no n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, sendo que a aplicação de um coeficiente de afetação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas. Independentemente de, na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção, se dever ou não considerar um coeficiente de afetação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Nas condições referidas, a circunstância de, para um determinado terreno para construção, estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outra finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação para efeitos da determinação do valor patrimonial tributário, não determina qualquer alteração na classificação do terreno para construção que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado. Como tal, resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre, por um lado, prédios urbanos habitacionais e, por outro lado, terrenos para construção, não podem estes últimos ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como «prédios com afetação habitacional».

 

Ora, em face da prova produzida, não resulta que, no terreno em causa, estejam autorizadas ou previstas construções de edifícios a afetar exclusivamente a habitação; pelo contrário, ficou demonstrado que essa afetação tanto pode ser habitacional como para outros fins. Sendo os fins habitacionais apenas uma das potencialidades das construções a eventualmente erigir nos terrenos, sem se demonstrar que existiam, à data da liquidação, concretos licenciamentos para aqueles fins, decorre a exclusão da tributação do prédio em questão à luz da verba 28.1 da TGIS (aliás, atualmente revogado pelo artigo 210.º, n.º 2 da Lei n.º 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017).

Nesta linha essencial de orientação, estão, tal como se referiu, entre outras as decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, nos processos nºs 522/2015-T, 532/2015-T, 467/2015-T (citando diversos acórdãos do STA), 578/2015-T, 642/2015-T, 551/2015-T e 412/2016-T, disponíveis online no site do CAAD (www.caad.org.pt).

 

VI.             Questões de conhecimento prejudicado

 

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT), sendo que as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação objeto do presente processo – pedido principal -, por vício de violação de lei que impede a renovação dos atos, fica prejudicado o conhecimento dos vícios imputados pela Requerente.

 

Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao ato impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

 

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente ao atos cuja declaração de ilegalidade pediu; ou seja: em face da solução dada à questão relativa ao conceito de “prédio com afetação habitacional/terreno para construção com afetação habitacional”, fica prejudicado o conhecimento das questões de constitucionalidade colocadas pela Requerente.

 

VII.          Juros indemnizatórios

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que “a Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

É essa a situação do caso em apreço, ou seja, a AT restituirá o imposto pago, com pagamento de juros indemnizatórios nos termos expostos, determinando a AT o montante a restituir à Requerente e calcular os respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal supletiva das dívidas cíveis, nos termos dos arts. 35.º, n.º 10, e 43.º, n.ºs 1 e 5, da LGT, 61.º, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou diploma ou diplomas que lhe sucederem), sendo os juros indemnizatórios devidos desde as data dos pagamentos ora julgados indevidos até à do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

VIII.       Decisão

 

Termos em que se decide:

            a) Julgar totalmente procedente o pedido;

            b) Declarar, em consequência, a ilegalidade da liquidação de imposto do selo objeto do pedido e anular as respetivas notas de cobrança;

            c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira na restituição das importâncias pagas respeitantes às sobreditas liquidações e notas de cobrança, com juros indemnizatórios nos termos supra expostos e

            d) Condenar ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas deste processo.

 

Valor do processo

            Fixa-se o valor do processo em € 11.779,30, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

            Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 918.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 04 de julho de 2017

A Árbitro,

 

Raquel Franco