DECISÃO ARBITRAL
Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), António Pragal Colaço e Sérgio Santos Pereira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral:
I – RELATÓRIO
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No dia 25 de Novembro de 2016, A…, titular do NIF…, e B…, titular do NIF…, residentes na Rua …, n.º…, … …-… Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS e sobretaxa extraordinária respeitantes ao ano de 2015, com o n.º 2016…, de 24-07-2016, com o montante a pagar de € 143.198,21, e com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2016.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que o referido acto enferma de ilegalidade por vício de forma, decorrente da falta de fundamentação e por vício de violação de lei, decorrente da violação do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.
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No dia 28-11-2016, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 25-01-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10-02-2017.
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No dia 08-03-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, pedindo a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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No dia 19-05-2017, na sequência de documentação entretanto junta, veio a Requerente pedir, para além da improcedência do pedido de inutilidade superveniente da lide, a modificação objectiva da instância, e o prosseguimento da lide nos termos do artigo 20.º do RJAT, contra a liquidação n.º 2017…, de 20-04-2017, notificada a 21-04-2017.
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Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas, tendo a Requerida renovado o seu pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da Requerida.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- Os Requerentes viviam, à data do facto tributário, em união de facto e preenchiam os requisitos fiscais para o respetivo reconhecimento nos termos da Lei que estabelece o correspondente regime jurídico.
2- Os Requerentes apresentaram em conjunto, no dia 30-05-2016, dentro do prazo legal, a declaração anual de rendimentos mod 3 de IRS relativa ao ano fiscal de 2015, fazendo constar da mesma rendimentos de trabalho dependente (categoria A), no valor de € 221.153,14, rendimentos prediais (categoria F) e actos de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis suscetíveis de gerarem mais-valias (categoria G), constantes, respetivamente, dos seus anexos A, F e G.
3- No Anexo O da declaração mod. 3 referida foram declarados os seguintes factos:
a. Reinvestimento, ou intenção de reinvestimento, do valor de realização de imóvel destinado a habitação própria e permanente dos declarantes e do seu agregado familiar na aquisição da propriedade de outro imóvel e sua ampliação e melhoramento exclusivamente com o mesmo destino (Quadro 5, campo 5002, do anexo G), no valor de € 1.185.000,00;
b. No âmbito da intenção de reinvestimento:
i. declaração de valor em dívida do empréstimo à data da alienação, no montante de € 95.824,38 (Quadro 5, campo 5005, do anexo G);
ii. Valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à alienação sem recurso ao crédito, no montante de € 533.836,79 (Quadro 5, como 5007, do anexo C);
iii. Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação sem recurso ao crédito, no montante de € 531.816,47;
iv. Identificação do prédio que foi objecto do reinvestimento (final do campo 5).
4- Relativamente aos rendimentos prediais, os Requerentes optaram pela tributação especial prevista no artigo 72º do Código (Campo 7, quadro 07, do Anexo F).
5- A nota demonstrativa da liquidação, apresentou um rendimento global apurado de € 510.524,60, na sua linha 1, correspondendo a uma colecta líquida de € 224.912,35, e a uma sobretaxa de € 17.028,23, num total a pagar de € 143.198,21.
6- A nota demonstrativa da liquidação tem o seguinte teor:
7- No dia 22-09-2016 foi instaurado contra os Requerentes o processo de execução fiscal n.º …2016…, para cobrança coerciva do montante liquidado.
8- No dia 13-12-2016 o referido processo executivo foi suspenso, em função da prestação de garantia pelos Requerentes.
9- Em 16-03-2017, o Serviço de Finanças Lisboa … elaborou a Declaração Oficiosa de Correcção, (…-…), tendo os Requerentes sido notificados da mesma pelo ofício n.º…-…, da mesma data.
10- A 21-04-2017 foram os Requerentes notificados da liquidação n.º 2017…, de 20-04-2017, no valor de €103.393,67, que procedeu à anulação da liquidação n.º 2016… .
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
A primeira questão que se apresenta a resolver nos presentes autos, prende-se com aferir da repercussão nos mesmos da liquidação n.º 2017…, de 20-04-2017, no valor de €103.393,67, que procedeu à anulação da liquidação n.º 2016…, objecto deste processo arbitral
A este propósito, dispõe o artigo 13.º/1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT):
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”
Dispõe ainda o n.º 3 do mesmo artigo:
“Findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.”.
O regime legal parece suficientemente claro, no sentido de que, findo o prazo estipulado no artigo 13.º/1 do RJAT, à AT fica vedado o poder de dispor sobre a relação (jurídico-tributária) material controvertida.
Pretender-se-á, com esta disposição, permitir uma estabilização da lide, em termos de, submetida a mesma à jurisdição arbitral, subtraí-la à instabilidade que uma permanente disponibilidade do seu conteúdo pela AT poderia gerar.
Poder-se-ia questionar, face ao caso concreto, se, estando-se perante um acto parcialmente favorável ao contribuinte, na medida em que diminuiu o montante de imposto exigível, o mesmo não deveria ser aceite, pelo menos nessa medida.
Contudo, bem vistas as coisas, dever-se-á desde logo ponderar que, atento o caráter indisponível da relação jurídico-tributária (artigo 30.º/2 da LGT), justificador, para além do mais, da obrigação de conformidade da arbitragem tributária com o direito constituído, à AT estará vedado o poder de confessar ou transigir.
Acresce que, ainda que se atendesse ao acto revogatório, a prossecução da lide teria sempre um efeito útil, que consistiria na cobertura da decisão pelo efeito de caso julgado, o que não aconteceria no caso de acolhimento do acto revogatório, o que permitiria que, a posteriori, a AT pudesse praticar novos atos na matéria, sem que os mesmos se ferissem de nulidade, nos termos do artigo 166.º/2/i) do Novo CPA.
Conclui-se, assim, que o acto revogatório praticado após o decurso do prazo fixado no artigo 13.º/3 do RJAT será ilegal, por violação do mesmo, e, como tal, anulável.
Caso o interessado, nada arguísse a seu respeito, ou se conformasse com o mesmo, a referida ilegalidade poderia ser sanada.
Não o tendo feito, e considerando que:
i. o Tribunal tem sempre competência para apreciar as questões quer incidentais quer prejudiciais que relevem para decisão do processo (artigo 91.º do CPC) podendo, quanto àquelas últimas, suspender o processo apenas se a competência para decidir couber a outra jurisdição (artigo 92.º do CPC e 15.º/1 do Novo CPTA);
ii. que está em causa a apreciação da questão da utilidade da prossecução da lide; e
iii. que a Requerente arguiu a ilegalidade do acto revogatório; e
iv. que a anulabilidade pode ser arguida quer por via de acção, quer por via de excepção,
com efeitos restritos ao presente processo e à decisão da questão sub iudice, dever-se-á reconhecer a apontada ilegalidade e dela retirar os correspondentes efeitos, designadamente não reconhecendo ao acto que dela enferma a possibilidade de afectar a utilidade da presente lide.
Deste modo, entendendo-se que se mantém a utilidade da presente lide, prosseguir-se-á para o conhecimento do mérito da causa.
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Ainda relativamente ao acto em questão, veio a Requerente pedir o prosseguimento da presente acção arbitral contra o mesmo, por meio da modificação objectiva da instância, nos termos do artigo 20.º do RJAT.
Dispõe o referido artigo que:
“A substituição na pendência do processo dos actos objecto de pedido de decisão arbitral com fundamento em factos novos implica a modificação objectiva da instância.”.
Conforme decorre da mera leitura da norma transcrita, a mesma pressupõe/requer que a substituição do acto objecto de pedido de decisão arbitral tenha fundamento em factos novos.
Ora, nada a este respeito se prova face ao acto novo praticado, sendo que a própria Requerida nada alegou, sequer, a tal respeito, e que a própria Requerente reconhece (cfr. ponto 4 das suas alegações).
Deste modo, não se mostrando demonstrados os pressupostos da referida norma do artigo 20.º do RJAT, não poderá proceder-se, nos termos do mesmo, à modificação objectiva da instância.
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Passando para o fundo da causa, começam os Requerentes por arguir a falta de fundamentação da liquidação impugnada.
Como é sabido, a fundamentação é uma exigência dos actos tributários em geral, sendo uma imposição constitucional (268º da CRP) e legal (art.º 77º da LGT).
Resumidamente, pode dizer-se que é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência nacionais que a fundamentação exigível tem de reunir as seguintes características:
1. Oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido;
2. Contemporaneidade: deve ser coeva da prática do acto, não podendo haver fundamentações diferidas ou a posteriori;
3. Clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos.
4. Plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada. Esta característica desdobra-se em duas exigências, a saber: o dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração).
Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstracta e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um acto tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.
No caso dos autos, verifica-se que a notificação do acto tributário em crise consiste numa demonstração de liquidação, constantes do ponto 6 dos factos dados como provados.
Daquela demonstração pode-se retirar o montante imposto que a Administração Tributária pretende cobrar, prazo de pagamento concedido, a identificação da entidade que procedeu à liquidação, e os meios de defesa e prazo para reagir contra o acto de liquidação.
Para além do que vem de se referir, na demonstração de liquidação, consta um quadro com a indicação de valores inscritos pelos Requerentes na sua declaração de imposto, em que assentou a liquidação, as diversas parcelas utilizadas para o cálculo e a indicação, como valor a pagar.
Tendo em conta a circunstância de se tratar de uma liquidação operada com base na declaração do contribuinte, reportando-se a valores por aquele inscritos na mesma, e emitida no quadro da prática dos chamados “actos de massa”, conforme os próprios Requerentes reconhecem[1], considera-se que o acto de liquidação em questão cumpre, em concreto, as exigências mínimas de fundamentação, conforme decidido em caso análogo pelo Ac. do TCA-Sul, de 25-01-2011, proferido no processo 04410/10[2], permitindo aos Requerentes, como se verá de seguida, contestá-lo fundadamente.
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Alegam ainda os Requerentes que a liquidação contra a qual se insurgem enferma de vício de violação de lei, por desconforme ao disposto na al. b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS aplicável.
Aquela norma dispõe que:
“São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições: (...)
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;”
Conforme resulta do acto de liquidação em causa, e dos factos dados como provados, o valor do rendimento global considerado na mesma foi de € 510.524,60.
Ora, considerando os rendimentos declarados pelos Requerente, conforme dado como provado, com base nos quais a liquidação em crise foi efectuada, rapidamente se verifica que aquele valor foi erradamente considerado, e que tal erro decorre da errada aplicação do disposto do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS aplicável, ou seja, na não exclusão da tributação do montante correspondente aos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, relativamente aos quais seja efectuado reinvestimento na aquisição da propriedade de outro imóvel, terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização, conforme intenção manifestada pelos Requerentes na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação.
Atenta o arguido e apontado vício de violação de lei, deve o pedido arbitral proceder e a liquidação objecto da presente acção arbitral ser totalmente anulada.
Com efeito, como tem entendido o STA[3], a exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar não só altera a quantificação do rendimento colectável como é susceptível de influir na taxa de imposto aplicável[4], pelo que a redução do rendimento colectável exige a prática de novo acto de liquidação, sendo impraticável a mera anulação parcial porque o tribunal não pode substituir-se à administração tributária na aplicação da taxa de imposto ao rendimento tributável que subsista.
Dentro do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, deverá a AT proceder à prática de novo acto de liquidação, expurgado do vício apontado, liquidando a prestação tributária devida pelos Requerentes, nos termos das als. a) e d) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT.
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Os Requerentes peticionam também o reconhecimento do direito a indemnização por custos sofridos com a garantia prestada.
A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais tributários restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito, conforme resulta expressamente da alínea b) do art. 24.º do RJAT.
No mesmo preceito “o legislador deixou claro que os efeitos aí previstos são “sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código do Procedimento e do Processo Tributário”. Considera-se a este propósito que o legislador aqui se está a referir a todos os efeitos que decorram do CPPT, para o sujeito passivo, e que são aplicáveis após a consolidação na ordem jurídica de uma determinada situação jurídico-fiscal, decorrente de uma decisão definitiva seja ela graciosa ou judicial.”[5]
Não obstante o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação, pode nele ser proferida condenação da Administração Tributária no pagamento de indemnização por garantia indevida, conforme resulta do artigo 171.º do CPPT.
Como se referiu na decisão proferida no Processo arbitral n.º 28/2013-T[6]:
“é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação. O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido art. 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.”
Conclui-se, assim, que este tribunal é competente para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada.
O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:
“1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.
4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efetuou.”
No caso em apreço, é manifesto que o erro que padecem os actos de liquidação é imputável à entidade requerida pois as liquidações foram da sua iniciativa e os Requerentes em nada contribuíram para que esse erro fosse praticado.
Têm, assim, os Requerentes direito a indemnização pela garantia prestada.
Não tendo sido provados os custos suportados pelos Requerentes com a prestação da garantia destinada a suspender o processo de execução fiscal, deverá o correspondente valor, se necessário, ser determinado em execução de sentença.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência,
a) Anular acto de liquidação de IRS e sobretaxa extraordinária respeitantes ao ano de 2015, com o n.º 2016…, de 24-07-2016, com o montante a pagar de € 143.198,21, e com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2016;
b) Condenar a Requerida no pagamento de indemnização por garantia indevida, no valor que entretanto venha ainda a demonstrar-se suportado, se necessário em execução de sentença;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante de € 3.060,00.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 143.198,21, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 7 de Julho de 2017
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho - Relator)
O Árbitro Vogal
(António Pragal Colaço)
O Árbitro Vogal
(Sérgio Santos Pereira)
(Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão da alínea e) do n.º1 do artigo 29.º do Regime de Arbitragem Tributária, com versos em branco e por nós revistos)
[1] Cfr. artigo 27.º do Requerimento Inicial.
[3] Cfr., neste sentido, os Acórdãos de 09-07-2014 e 23-11-2016, proferidos respectivamente nos processos 01146/13 e 039/16, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[4] Note-se que, conforme resulta de fls. 28 do p.a. junto pela Requerida, a taxa aplicada na declaração apresentada pelos Requerente foi de 45% e a aplicada na liquidação ora anulada foi de 48%.
[5] Carla Castelo Trindade – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado, Coimbra, 2016, pág. 122.