Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Olívio Mota Amador e Prof.ª Doutora Ana Maria Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 19-04-2017, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA., (doravante designada por "A…" ou Requerente), titular do NIPC…, com sede social no Lugar de …, freguesia …, concelho de …, doravante abreviadamente designada por "Requerente", veio ao abrigo do disposto da alínea a) do n.0 1 do artigo 2 º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro ("Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária" ou "RJAT"), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração da ilegalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa com o n.º …2016…, proferida no âmbito do Oficio n.º…, da Direcção de Finanças de …, emitido em 08-11-2016 e consequente pronúncia de ilegalidade da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2015…, que substituiu a nota de liquidação número 2014…, referente ao período da tributação de 2013.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 17-02-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03-04-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 19-04-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, suscitando a excepção de incompetência do Tribunal Arbitral e/ou a excepção da ilegitimidade da Requerente, e defendendo que o pedido deve ser julgado improcedente.
Por despacho de 26-05-2017 foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar prioritariamente a excepção de incompetência, de harmonia com disposto no artigo 13.º do CPTA, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
2. Questão da incompetência material
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que
– o que «a requerente pretende é obter o reconhecimento de um direito que, nos termos previstos na legislação em vigor no ordenamento jurídico nacional, não lhe assistia à data dos factos»;
– admitir-se que o Tribunal Arbitral tem competência para a apreciação deste pedido
representaria, salvo o devido respeito, a substituição do presente Tribunal Arbitral nas competências próprias da AT;
– nem em sede de acção administrativa especial, meio processual no qual se prevê a condenação da administração à prática de um acto devido, cfr. arts. 66º e segs. do CPTA, se permite ao Tribunal Judicial ir tão longe, não podendo o Tribunal determinar o conteúdo da conduta a adoptar, apenas deve explicitar as vinculações a observar pela Administração,
– a pretensão jurídica formulada pela Requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não poderão ser obtidos por esta via;
– o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a requerente pretende obter, ou para, em alternativa, à acção administrativa especial, condenar a AT à prática de um acto devido;
– não está aqui em causa a apreciação de um qualquer acto de liquidação, mas antes, de um pretenso e hipotético direito que é sempre prévio a tal liquidação, não sendo o Tribunal arbitral competente para apreciar o indeferimento da reclamação graciosa que nega o reconhecimento de tal direito;
A Requerente respondeu nas alegações dizendo, em suma o seguinte:
– a Requerente peticiona é a apreciação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, em consequência, a anulação do acto de liquidação de IRC relativo ao exercício de 2013;
– não pode, por isso, a AT alicerçar a exceção de incompetência do tribunal arbitral no pressuposto que a Requerente meramente pretende o reconhecimento de um direito - i.e., a aplicação retroativa da existência de um grupo fiscal tributado pelo RETGS.
A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT), emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.
No n.º 4 desse artigo 124.º estabeleceu-se que o âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
A autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP.
Utilizando essa autorização legislativa, o Governo estabeleceu no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT que «a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta».
É, assim, inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação e de autoliquidação, sem qualquer restrição.
Mas, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos, e a ilegalidade de actos de liquidação ou autoliquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de autoliquidação, incorporando a sua ilegalidade.
A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele artigo 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.
Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado, em sintonia com o preceituado nestas normas do CPPT.
É à face do pedido ou conjunto de pedidos formulados pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo especiais, como é o processo arbitral, de que decorre também a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, que está limitada aos meios processuais previstos no RJAT.
E, como ensina ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, volume II, páginas 288-289, o que releva para apreciação do uso de meio processual e o fim a que o processo se destina, revelado pelo pedido.
No caso em apreço, a Requerente formula os seguintes pedidos:
a) Anulação da decisão de Indeferimento da Reclamação Graciosa sub judice e, em consequência disso, a anulação do ato de liquidação de IRC número 2015…, que substituiu a liquidação número 2014… referentes ao período de tributação de 2013, de modo a proceder-se à imediata e plena «constituição da legalidade;
b) Admissibilidade do direito à opção pela aplicação do RETGS à ora Requerente, por referência ao período de tributação de 20-13, i.e. com efeitos retroativos a todo o período de tributação de 1 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2013; e
c) Suprimento do cumprimento de requisitos formais inexistentes, a data de início do RETGS referente ao período de tributação de 2013, para a constituição desse mesmo RETGS;
d) Considerar como válida a aplicação, no período de tributação de 2013, do RETGS, procedendo-as à tributação, em sede de IRC, do mesmo, à luz dos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC, com todas as consequências jurídico-tributárias legalmente aplicáveis.
Examinando estes pedidos, constata-se que o fim a que o processo se destina, o efeito útil pretendido, se restringe à anulação da decisão da reclamação graciosa e da liquidação n.º 2015…, relativa ao exercício de 2013, sendo os outros pedidos meramente instrumentais em relação àquele, pois nenhum deles tem utilidade para a Requerente dissociado da anulação da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa.
Por isso, é apenas sobre o pedido formulado na alínea a) que deverá recair da decisão arbitral, que tem como objecto, em última análise, saber se a autoliquidação é ilegal por não ter efectuada com aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
Em todo o caso, está fora das competências deste Tribunal Arbitral definir, em caso de eventual declaração da ilegalidade daquela liquidação e da decisão da reclamação graciosa, quais os termos em que poderão ou não ser praticados novos actos tributários, pois trata-se de matéria que se insere nos deveres da Autoridade Tributária e Aduaneira, em execução de julgado, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT.
Sendo manifesta a competência deste Tribunal Arbitral para apreciar o pedido formulado na alínea a), tem de se concluir que improcede, assim, a excepção de incompetência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
3. Excepção da ilegitimidade
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, o seguinte:
– a Requerente pretende que lhe seja reconhecido o direito a ser tributada segundo o RETGS em que o perímetro fiscal do grupo é constituído pela B… e pela sociedade mãe, de direito alemão, C…;
– é a sociedade mãe ou a sua representante que deve entregar a Mod. 22 consolidada do grupo;
– assim sendo, não figurando no presente pedido de pronúncia arbitral como Autora ou requerente, quer a B… quer a C…, qualquer decisão a proferir no presente processo sempre careceria de qualquer efeito útil;
– uma vez que, tratando-se do pedido de reconhecimento de um grupo a ser tributado de acordo com o RETGS e sendo certo que é a sociedade mãe que apresenta a declaração Mod. 22 do grupo, a lei exige a intervenção de todas para que a decisão judicial tenha efeito útil e vincule todas as partes;
– donde por falta de litisconsórcio necessário, a requerente é parte ilegítima o que determina a absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância.
A Requerente respondeu nas alegações, dizendo, em suma, o seguinte:
– O regime de consolidação fiscal previsto no Código do IRC, em vigor no período de tributação em causa nos presentes autos, não admitia a possibilidade de constituição de um grupo de sociedades em que a sociedade-mãe (dominante) fosse uma sociedade residente num Estado-Membro da União Europeia;
– Desta forma, e conforme resulta expresso no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente e a B… não optaram pela aplicação do RETGS nos períodos de tributação anteriores a 2015 porquanto entendiam que, à data dos factos, a norma constante do artigo 69.º do Código do IRC não lhes permitia optar pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, pelo que não tiveram oportunidade de exercer tal opção no exercício fiscal 2013;
– atenta a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, qualquer disposição legislação de um Estado-Membro que impeça a constituição de grupos de consolidação fiscal entre sociedades em que a sociedade-mãe (dominante) seja uma entidade residente em outro Estado-Membro, constitui uma restrição violadora do Principio da Liberdade de Estabelecimento consagrado no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ("TFUE");
– a Requerente pretende a admissão da aplicação do RETGS à sua situação jurídico-tributária concreta, no exercício de 2013, com reposição da legalidade, demonstrando que as regras domésticas, à data, eram ilegais e desconformes com o Direito e princípios da União Europeia;
– a legitimidade da Requerente advém do facto de ser titular de um interesse legalmente protegido já que a sua esfera jurídica pode ser diretamente afectada pelo que se decidir no presente processo, alterando-se significativamente o seu enquadramento jurídico-tributário, cenário em que a legitimidade é amplamente assegurada pelos n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT, bem como pelo n.º 1 do artigo 9.º do CPTA;
– num cenário de não aplicação do RETGS por referência ao período de tributação de 2013, será tributada de um modo individual e autónomo, ao invés de ser tributada de acordo com as regras do consolidado fiscal, o que, na maioria dos casos, acarreta benefícios;
– é manifesto o interesse da Requerente na aplicação do RETGS no período fiscal de 2013, porque pretende retirar para a sua esfera jurídica (interesse próprio) um resultado específico (Interesse directo! - o de ser tributada no âmbito do lucro consolidado fiscal) - que não é contrário à lei (interesse legítimo);
– no seguimento da liquidação foi apresentada a competente reclamação graciosa, com vista à validação da opção pela aplicação do RETGS, no exercício de 2013 e à confirmação da tributação, em sede de IRC, ao abrigo do RETGS com a subsequente anulação da liquidação de IRC supra identificada;
– logo que detectada a possibilidade de aplicação do RETGS, relativamente a este período, apenas a Requerente poderia reagir contra a nota de liquidação em apreço, por apenas ela figurar como sujeito passivo do imposto, consubstanciando-se este o único acto jurídico susceptível de reclamação e sendo a Requerente a única parte legitima para o suscitar;
– a Requerente, formalmente desde 2015, apresenta-se como sociedade designada pela C… para assumir todas as responsabilidades pelo cumprimento de todas as obrigações, i.e., desempenhar o papel de sociedade dominante;
– em paralelo ao presente processo, a B… apresentou Reclamação Graciosa nos mesmos termos que a ora Requerente, indeferida com base na sua ilegitimidade, uma vez não se tratar da sociedade dominante do RETGS que aqui se pugna constituir, tendo alegado a AT, nessa sede, não se ter utilizado meio próprio;
– nesse sentido, coube já à B… apresentar Pedido de Revisão de Ato Tributário, aguardando-se a sua decisão por parte da AT;
– a Requerente não considerou legalmente e formalmente possível apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral em coligação de autores e cumulação de pedidos, por referência ao exercício fiscal de 2013.
Como já se referiu, está em causa no presente processo apreciar a legalidade da liquidação n.º 2015… e da decisão da reclamação graciosa n.º …2016… .
A Requerente foi a única destinatária da liquidação e da reclamação graciosa e da anulação destas e, à face da tese que defende, estes actos lesaram a sua esfera jurídica, pois ser-lhe-ia favorável a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
De harmonia com o disposto no artigo 30.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, «o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar», que se exprime «pela utilidade derivada da procedência da ação».
O artigo 33.º do mesmo Código, indica as situações de litisconsórcio necessário, estabelecendo que «se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade» e que «é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal», entendendo-se que este se produz «sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado».
No caso em apreço, entendendo-se que os pedidos a apreciar são apenas o de anulação da liquidação e da decisão da reclamação graciosa, afigura-se que a Requerente terá legitimidade, pois a validade ou não destes actos ficará definitivamente decidida.
Assim, improcede esta excepção.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade de direito português cujo período de tributação coincide com o ano civil;
b) Por referência ao período de tributação de 2013, a ora Requerente procedeu à entrega da correspondente declaração periódica de Rendimentos Modelo 22 de IRC, com a identificação n.º …-… -…, apurando um lucro tributável no montante de Euro 4.188.462,12 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
c) Na sequência da apresentação dessa declaração, foi emitida a liquidação de IRC n.º 2015 … (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
d) Em 31 de Março de 2015, a Requerente e a sociedade B…, Lda., apresentaram declaração de alterações optando pela aplicação do RETGS (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
e) O perímetro desse grupo abarca, na qualidade de sociedades dominadas, a Requerentes e a sociedade B…, Lda. e, na qualidade de sociedade dominada, a C…, sociedade de direito alemão e residente fiscal na Alemanha;
f) Por referência a período de tributação de 2013, a ora Requerente foi tributada numa óptica individual, uma vez que, nos termos da legislação interna em vigor neste período, não era legalmente admissível a opção pelo RETGS, devido ao facto de a sociedade C… não ser residente, para efeitos fiscais, em território português;
g) Por entender que, por força da orientação do TJUE, seria possível aplicar o RETGS, com efeitos retroactivos ao exercício de 2013, a Requerente apresentou individualmente, em 17-05-2016, reclamação graciosa da autoliquidação daquele exercício, instaurada sob o n.º …2016… (processo administrativo);
h) Por despacho de 8 de Novembro de 2016, proferido pela Senhora Directora de Finanças de …, foi a referida reclamação indeferida, manifestando concordância com os fundamentos de um parecer cujo teor se dá como reproduzido, em que se remete para os fundamentos do projecto de decisão em que se refere, além do mais o seguinte:
Através do artigo 3.º da Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro, foi aditado ao Código do IRC, o artigo 69.º-A que, na esteira da jurisprudência do TJUE, estendeu o RETGS aos grupos de sociedades relativamente aos quais se verifiquem as condições já previstas nos números 2 e 3 do artigo 69.º, mas em que a sociedade dominante pode ser residente de um Estado-Membro da EU ou do Estado Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da EU.
Ou seja, a citada lei alterou o Código do IRC, transpondo a Diretiva n.º 2014/86/UE, do Conselho, de 8 de julho, que altera a Diretiva n.º 2011/96/UE relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-Membro diferentes e adequando o RETGS â jurisprudência do TJUE.
Sendo que, o n.º 1 do artigo 5.º da predita lei, sob a epígrafe de "Produção de efeitos", justamente estabelece que "O disposto no artigo 69.º-A do Código do IRC, com a redação dada pela presente lei, aplica-se aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015." (Sublinhado e realçado nosso).
Ou seja, a Lei n.º 82-C/2014, de 31.12 (posteriormente às alterações significativas que foram introduzidas na sequência da publicação da Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, ao RETGS), veio inserir mais alguns ajustamentos em matéria de RETGS, concretamente aditando o artigo 69.º-A ao Código do IRC, mas, concomitantemente, impondo que esta disposição legal, apenas se aplicasse aos períodos de tributação que se iniciassem em ou após 1 de janeiro de 2015.
Acresce destacar que foi (como, aliás, já referido), em concreto e em consonância com o citado Acórdão do TJUE, proferido no âmbito dos processos apensos n.ºs C-39/13, C-40/13 e C-41/13, em 12 de junho de 2014, aditado o artigo 69.º-A do Código do IRC, o qual, se entende não ter natureza interpretativa, contrariamente ao que defende a Reclamante na sua Petição Inicial de fls. 1 a 23, não se vislumbrando, por isso, qualquer violação dos princípios ali citados e invocados do Direito Comunitário.
Mais acresce destacar que a AT está legalmente vinculada, por força do disposto no artigo 69.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 82-C/2014, cujo artigo 5.º (relativo à produção de efeitos) estabelece muito claramente que o mesmo se aplica àqueles períodos de tributação ("que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2015"), não atribuindo ao mesmo normativo natureza interpretativa, pelo que o mesmo não poderá ser de aplicação retroativa ao período de 2013 ou a qualquer outro (anterior), conforme de resto, pretende a aqui Reclamante.
Uma vez que a AT está sujeita ao Princípio da Legalidade (vide artigo 266.º da CRP, artigo 55.º da LGT e n.º 1 do artigo 3.º do CP A), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento, nomeadamente, na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já a tenha declarado com força obrigatória geral (vide artigo 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (vide artigo 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
Na verdade (como, aliás, refere a Reclamante), toda a atuação da AT deve pautar-se por este princípio da legalidade que se traduz, no entanto, na vinculação desta às normas legais vigentes, dentro dos limites dos poderes que lhe estão atribuídos, e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhe foram concedidos.
Sendo que, o respeito pelo princípio da legalidade abrange tanto a aplicação da lei aos factos tributários como o respeito pelas normas e princípios do procedimento, não tendo a AT competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade.
Com efeito, nos termos do artigo 266º, n.º 2, da CRP, os órgãos e agentes administrativos estão subordinados á Constituição e à lei, diferentemente do que sucede com os Tribunais que (nos termos da mesma CRP) estão impedidos de aplicar normas inconstitucionais, sendo-lhes atribuída a competência para a fiscalização da sua conformidade constitucional.
Pelo que, face ao exposto, não se poderá deixar de concluir que a AT não poderá decidir de modo diferente o presente procedimento, porque não lhe assistirá o direito a recusar a aplicação da norma aqui em causa.
Assim, por todas as razões aduzidas, não deverá ser dado provimento à presente Reclamação Graciosa.
VI) - Conclusão e Parecer
Deste modo, e pelo exposto, e sem necessidade de mais dilatados considerandos, e ressalvado, como sempre, o respeito devido por melhor e diversa opinião;
Sugere-se o "Indeferimento Total do Pedido".
Termos em que, deverá naturalmente improceder a presente Reclamação Graciosa, mantendo-se, assim, a aqui impugnada Autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2013.
i) Em 10-11-2016, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
j) Em 03-02-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
3.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral.
Não há controvérsia sobre os factos invocados pela Requerente
4. Matéria de direito
4.1. Questões colocadas
No ano de 2013, estava em vigor o artigo 69.º do CIRC na redacção do DL n.º 159/2009, de 13 de Julho em que se estabelece, além do mais, o seguinte sobre o âmbito e condições de aplicação do RETGS:
1 – Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 – Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, directa ou indirectamente, pelo menos 90 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
3 – A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direcção efectiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante.
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
4 – Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inactivas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;
b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da acção;
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;
d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;
e) Adoptem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;
f) O nível de participação exigido de, pelo menos, 90 % seja obtido indirectamente através de uma entidade que não reúna os requisitos legalmente exigidos para fazer parte do grupo;
g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por acções, salvo o disposto no n.º 12.
De harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 3 e da alínea f) do n.º 4, a Requerente e sociedade dominante do grupo em que se inseria não podia optar por serem tributadas segundo este regime, por a sociedade dominante não ter sede nem direcção efectiva em território português.
O TJUE, em acórdão de 12-06-2014, proferido nos processos apensos n.ºs C-39/13, C-40/13 e C-41/13, decidiu o seguinte:
1) Nos processos C‑39/13 e C‑41/13, os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro por força da qual uma sociedade‑mãe residente pode constituir uma unidade fiscal com uma subfilial residente quando a detém por intermédio de uma ou várias sociedades residentes, mas não pode constituir essa unidade fiscal quando detém a subfilial por intermédio de sociedades não residentes que não dispõem de um estabelecimento estável nesse Estado‑Membro.
2) No processo C‑40/13, os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado‑Membro por força da qual o regime da unidade fiscal pode ser concedido a uma sociedade‑mãe residente que detenha filiais residentes, mas não a sociedades‑irmã residentes cuja sociedade‑mãe comum não tem a sua sede nesse Estado‑Membro, nem dispõe aí de um estabelecimento estável.
Com a redacção dada ao CIRC pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro, as normas do artigo 69.º do CIRC passaram a ter as seguintes redacções:
1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante pode optar pela aplicação do regime especial de determinação da matéria coletável em relação a todas as sociedades do grupo.
2 - Existe um grupo de sociedades quando uma sociedade, dita dominante, detém, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto.
3 - A opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas sede e direção efetiva em território português e a totalidade dos seus rendimentos está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada;
b) A sociedade dominante detém a participação na sociedade dominada há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) A sociedade dominante não é considerada dominada de nenhuma outra sociedade residente em território português que reúna os requisitos para ser qualificada como dominante;
d) A sociedade dominante não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime.
4 - Não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, se encontrem nas situações seguintes:
a) Estejam inativas há mais de um ano ou tenham sido dissolvidas;
b) Tenha sido contra elas instaurado processo especial de recuperação ou de falência em que haja sido proferido despacho de prosseguimento da ação;
c) Registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao do início da aplicação do regime, salvo, no caso das sociedades dominadas, se a participação já for detida pela sociedade dominante há mais de dois anos;
d) Estejam sujeitas a uma taxa de IRC inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação;
e) Adotem um período de tributação não coincidente com o da sociedade dominante;
f) (Revogada.)
g) Não assumam a forma jurídica de sociedade por quotas, sociedade anónima ou sociedade em comandita por ações, salvo o disposto no n.º 11. (Rectificada pela Declaração de Rectificação 18/2014, de 13 de Março)
Para além disso, a mesma Lei n.º 82-C/2014, aditou ao CIRC o artigo 69.º-A, com a seguinte redacção:
Artigo 69.º -A
Sociedade dominante com sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu
1 – Pode igualmente optar pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto na presente subsecção a sociedade dominante, como tal qualificada nos termos do n.º 2 do artigo anterior que, não tendo sede ou direção efetiva em território português, preencha cumulativamente as seguintes condições:
a) Seja residente de um Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu que esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia;
b) Detenha a participação nas sociedades dominadas há mais de um ano, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
c) Não seja detida, direta ou indiretamente, pelo menos, em 75 % do capital, por uma sociedade residente em território português que reúna os requisitos previstos no artigo anterior para ser qualificada como dominante, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto, nos termos do n.º 6 do artigo anterior;
d) Não tenha renunciado à aplicação do regime nos três anos anteriores, com referência à data em que se inicia a aplicação do regime;
e) Esteja sujeita e não isenta de um imposto referido no artigo 2.º da Diretiva n.º 2011/96/UE, do Conselho, de 30 de novembro, ou de um imposto de natureza idêntica ou similar ao IRC;
f) Revista a forma de sociedade de responsabilidade limitada;
g) Quando detenha um estabelecimento estável em território português através do qual sejam detidas as participações nas sociedades dominadas e não se verifique relativamente a este qualquer das situações previstas nas alíneas a), c), d) ou e) do n.º 4 do artigo anterior, com as necessárias adaptações.
2 – A opção prevista no número anterior determina a aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades relativamente a todas as sociedades dominadas com sede e direção efetiva em território português relativamente às quais se verifiquem as condições estabelecidas nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior, bem como ao estabelecimento estável da sociedade dominante situado neste território através do qual sejam detidas as participações.
3 – A opção pelo regime nos termos do presente artigo depende da comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira, na declaração a que se refere o n.º 7 do artigo anterior, de qual a sociedade com sede e direção efetiva neste território pertencente ao grupo designada para assumir a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações que incumbem à sociedade dominante nos termos do presente Código, sem prejuízo da responsabilidade solidária da sociedade dominante e das demais sociedades pertencentes ao grupo pelo pagamento do imposto, nos termos do artigo 115.º.
4 – Nos casos em que a sociedade dominante possua um estabelecimento estável em território português através do qual sejam detidas as participações nas sociedades dominadas, o disposto no número anterior é obrigatoriamente observado por este.
5 – Em tudo o que não estiver previsto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo anterior.
A Requerente, à face da jurisprudência citada do TJUE, já reunia, em 2013, os requisitos para ser tributada segundo o RETGS.
A questão essencial que a Requerente coloca é a de saber se a autoliquidação, seguida da liquidação n.º 2015 … bem como a decisão da reclamação graciosa que a manteve devem ser declaradas ilegais, por ser aplicável «o disposto no artigo 69.º-A do CIRC, aditado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31/12, às situações tributárias relativas ao exercício de 2013» (artigo 72.º das alegações).
A aplicação do RETGS ao exercício de 2013 não depende apenas da verificação dos requisitos legais a sua aplicação, pois é um regime facultativo, só aplicável na sequência de uma opção da sociedade dominante, formulada com antecedência em relação ao termo do primeiro exercício em que se pretende a sua aplicação.
A admissibilidade de opção dos sujeitos passivos de IRC pela aplicação do RETGS, com a possibilidade de obtenção de vantagens fiscais por estes e consequente perda de receitas tributárias, justifica-se por fins extrafiscais, designadamente facilitar «a reestruturação do tecido empresarial e a recuperação dos grupos económicos, através da promoção das sinergias entre empresas integradas num grupo, reforçando e consolidando o tecido empresarial, para assim alcançar maior competitividade e favorecer a concorrência», não sendo justificável para obtenção de «finalidades exclusivamente fiscais» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-12-2012, processo n.º 021/12).
A esta luz, a imposição da obrigação de optar pela aplicação deste regime antes de serem conhecidos os resultados da sua aplicação, harmoniza-se com este desígnio legislativo de dificultar a utilização do regime para finalidades exclusivamente fiscais, que seria viável com a possibilidade de aplicação retroactiva, com apuramento primeiro dos resultados fiscais e só posterior escolha do regime fiscal mais vantajoso.
Por isso, a imposição daquele prazo para formulação da opção tem fundamento que não se compagina com o entendimento da Requerente de que «o não exercício do direito, até ao final do 3.º mês no período de tributação a que se pretende iniciar a aplicação, não invalida o reconhecimento posterior do referido direito e a, consequente, aplicação retroativa».
Na verdade, essa opção no prazo previsto tem de ser manifestada pela sociedade dominante (e não por alguma ou algumas ou todas as sociedades dominadas), sendo essa manifestação imprescindível por, além do mais, implicar para aquela a assunção de responsabilidades fiscais (artigo 115.º do CIRC), para além de obrigações declarativas.
No caso em apreço, não foi apresentado, em 2013, requerimento de opção pela tributação segundo o RETGS nem pela Requerente nem pela sociedade dominante do grupo.
Não sendo a aplicação do RETGS automática e não tendo sido efectuada opção no sentido da sua aplicação, a autoliquidação individual efectuada pela Requerente não enfermam de ilegalidade, por não ter feito aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, pois não estavam reunidos os pressupostos para sua aplicação, designadamente uma opção tempestivamente apresentada.
Por outro lado, não podia a Autoridade Tributária e Aduaneira na sequência dos pedidos de revisão do acto tributário, como também não pode este Tribunal Arbitral, ficcionar que tinha sido feita pela sociedade dominante, no prazo legalmente previsto, opção pela aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades relativamente ao exercício de 2013.
Finalmente, é claro que o novo regime previsto no artigo 69.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 82-C/2014 é aplicável apenas aos períodos de tributação que se iniciem em ou após 01-10-2015, como está expressamente estabelecido no n.º 1 do seu artigo 5.º, em sintonia com o princípio básico sobre a aplicação no tempo das normas tributárias, enunciado no n.º 1 do artigo 12.º da LGT.
Pelo exposto, conclui-se que não se verifica que a autoliquidação, seguida da liquidação n.º 2015 … e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2016… não enferma de ilegalidade por não terem feito aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades.
4.2. Questões de conhecimento prejudicado
Verificando-se um obstáculo à procedência do pedido, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões de legalidade colocadas pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
· Julgar improcedentes as excepções suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;
· Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
· Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 966.285,86.
7. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.464,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 10-07-2017
Os Árbitros
(Jorge Manuel Lopes de Sousa)
(Olívio Mota Amador)
(Ana Maria Rodrigues)